labrys, études
féministes/ estudos feministas
As Belas e as Feras
Norma Telles Resumo O texto apresenta variações em torno de um tema, algumas artistas e suas relações com outros seres. De modo algum se pretende generalizar uma estética feminina. O que se faz é uma leitura de algumas obras de artistas que trataram com as feras. O tema vão se abrindo, desdobrando como ramos, um após o outro, percorrendo e sugerindo outras vias. Não se pretendem conclusões, somente indagações iniciais a respeito dos itens sugeridos. Palavras-chave: artistas, mulheres, estética.
No princípio era a deusa ladeada por dois felinos, Senhora dos Animais Selvagens, ela a dos mil e um nomes, entretendo a conversa entre os vários reinos de sua criação e marcando o ritmo com a cadência de seu andar. Milênios depois, já avançada a história - e lançadas as sementes das fragmentações futuras - por volta de 1583, no Renascimento tardio, a Bela Lavinia Fontana, pintora bolonhesa de renome e muito solicitada, retratou Antonieta Gonsalvus, uma menina, uma Fera. Vestida á maneira suntuosa das cortes de então, é um ser humano coberto de pelos; pelos recobrem sua face, o corpo todo, menos as mãos e lhe dão uma aparência selvagem. A menina, conhecida como Tongina, era filha de uma bela holandesa e de Petrus Gonsaulvus, natural do Tenerife e portador de doença de pele congênita, a hypertrichosis universalis. Foi o primeiro caso registrado dessa doença e, no século XVI, e causou espanto e muitos comentários. A família Gonsalvus foi retratada inúmeras vezes, ilustrou livros sobre monstros e tratados médicos, inclusive o do famoso médico bolonhês Aldrovandir que traz a menina na capa, um monstro em roupagem de gala. Para alguns, Tongina e os seus eram exemplo de maravilha, para muitos outros, um exemplo dos horrores da natureza, criaturas defeituosas. Eles borravam a fronteira entre o reino dos homens e o reino animal. Fronteira bem nítida para o pensamento cristão, fronteira reforçada por Tomás de Aquino ao reafirmar serem os animais sem alma e as feras peludas decididamente diabólicas. Em outra pintura, o retrato do gabinete de curiosidades do imperador Rodolfo II, em Pragaobserva-se a família toda, o pai e os filhos cobertos de pelos e a linda holandesa, com quem se casara. Pedro, com um toucado caprichado. [2],
O pai transmitiu a anomalia aos filhos e ao neto, filho, no devido tempo, da então menina Tongina. Neste quadro, os irmãos seguram uma coruja e estudiosos já destacaram a semelhança entre a corujinha, ave noturna, fera, e a menina. Os mesmos olhos sem expressão, redondos, rodeados por penas os do animal e por pelos os da menina. Banidos do mundo humano para o mundo das feras os portadores da anomalia. No entanto, nas lendas e nas mitologias do Ocidente, a linha divisória entre animais e humanos permaneceu bem mais flexível, constantemente cruzada e recruzada. Nas estórias de príncipes sapos ou amantes animais, a possibilidade de convivência entre as ordens de criaturas era mantida vivaz. Nelas as feras são redimidas de sua condição selvagem e trazidas de volta à civilização pelo afeto de um homem ou mulher. O quadro de Fontana[3]
não trata de redenção no sentido exposto acima. Mas Tongina,
é apresentada diferente de outros retratos seus como os descritos acima.
A menina, de uns dez anos, tem o rosto peludo redondo, suave, lábios rosados
e carnudos, olhos negros. É Bela em sua “Das ilhas Canárias foi levado Ao senhor Henri II de França Dom Pietro, o homem selvagem, De aí, ele se instalou na corte Do duque de Parma, assim como eu, Antonietta, e agora estou na mansão da Senhora dona Isabella Pallavicina Marquesa de Soragna”.
Pedro, o pai fora presenteado ao rei da França, por causa de sua anomalia,
uma tal curiosidade! Na corte se educou, tornou-se um cortesão que dominava
até o latim. Consta
E pintada por Fontana, Tongina continuou a nos
A década de trinta do século XX se inicia com convulsões econômicas, sociais
e políticas que provocam crises e acentuam os prenúncios de conflito que
pairavam no ar desde o final da Primeira Guerra. No círculo dos surrealistas,
Breton publica seu segundo manifesto lembrando que os espíritos perspicazes
já percebiam a aproximação de nova catástrofe mundial. Ao O corpo fragmentado ou ausente desrealisa a forma humana, recusa fixá-la de forma estável. Resta o princípio de mutação permanente, de metamorfose constante derivada de Lautreamont. Bachelard lembra que na obra daquele autor, uma forma cria outra, de um movimento surge outro, pois é “o excesso do querer-viver que deforma os seres e que determina as metamorfoses” (Bachelard:1995:12). A imaginação como dinamismo criador é a rejeição da tirania da forma fixa que parece se oferecer à percepção. As imagens dinâmicas não só formam, mas sobretudo deformam, transformam, ampliam e aprofundam a chamada realidade. É a imaginação, poder maior da natureza humana, que não só inventa coisas, mas, principalmente, inventa caminhos novos (Bachelard: 1960).
Uma “orientação hegeliana-marxista, uma paixão pela poesia e uma sensibilidade
anarquista” colocaram o movimento entre os mais radicais daquele momento
((Rosemont:1998:45). Era anti-europeu, anti-racista, anti-imperialista;
criticava o mito do progresso, desconfiava da tecnologia ao mesmo tempo
em que propunha Um pouco antes, no final dos anos 30, à Paris chegaram
duas Belas artistas que desejo Durante a Guerra, com a ocupação nazista da França, as Belas fugiram por experiências e itinerários diferentes e foram para o México. No país que as acolheu, as duas artistas desenvolveram uma amizade profunda e duradoura e compartilharam uma busca estética e espiritual por conhecimento e liberdade de criação. Interessavam-se por arte, ciências, tradições herméticas. O livro A deusa Branca, do poeta Robert Graves tornou-se um dos livros prediletos das amigas. Eram especialmente atraídas pela alquimia que, no dizer de Bachelard, é a longa história inacabada dos amores entre os humanos e a matéria. As buscas que partilharam, os estudos que empreenderam, as experiências, sérias ou humorísticas, foram expressas em linguagens pictóricas semelhantes e ao mesmo tempo bem diferentes, como diversas foram as circunstancias de suas vidas. Elas se voltaram para suas próprias imagens e realidades como fonte para a arte. Chadwich pensa que as duas se apropriaram da identificação entre mulher e natureza, central na cultura, e a transformaram em poder criativo e força expressiva, buscando desvendar os seres vivos e os inanimados, em suas relações e em suas metamorfoses. Ao chegar à cidade do México, Carrington era jovem, bela, vivaz, desinibida e possuidora de uma imaginação sem limites. Ao completar oitenta anos, ainda bela e cheia de imaginação, diz que nunca realmente se decidiu a ficar ali, foi ficando, se deixou ficar. Carrington crescera em região de bosques e neblina, ao norte da Inglaterra, morando em um castelo neogótico com salas escuras cheias de móveis, nutrida por antigas estórias celtas. Desde criança gostava de equitação e dos animais que conhecia no zoológico e, declarou, certa feita, que a idéia de redenção, de tornar animais humanos, era-lhe deprimente. Em seus contos e quadros animais e humanos dialogam, jovens rebeldes são amigas de hienas, cavalos, mulheres-lobo. Ela escolheu a hiena como fera e o cavalo como animal de predileção. Uma das estórias de Carrington, de 1938, se intitula “A debutante” e gira em torno da apresentação à sociedade de uma moça que na expressão de Aberth (2004) é uma debutante relutante. Mas, lendo a estória inúmeras vezes, me convenci que a debutante e bastante decidida, que sabe bem o que quer. Senão, vejamos: “Na época em que fui debutante, costumava amiúde ir
ao zoológico. Ia com tanta freqüência que conhecia melhor os animais do
que as moças da minha idade. Era porque queria A mãe da jovem amiga da hiena havia organizado, para o dia primeiro de maio, um baile para apresentá-la à sociedade. A jovem chorava noites inteiras, não gostava de bailes, achava-os extremamente aborrecidos, e mais ainda se eram em sua honra. Na manhã do baile vai chorar no ombro da hiena que não entende tantas lágrimas, pois ficaria encantada de ir ao baile. E a jovem então tem uma idéia: vestida com minhas roupas, você poderia muito bem ocupar meu lugar, diz à hiena. Mas esta retruca, não nos parecemos o suficiente, senão iria com o maior prazer. Não, diz a jovem, não há problema, a festa é à noite, as luzes são fracas, com um pouco de disfarce ninguém vai notá-la meio a multidão. Aceitou. As duas entram em um táxi e dirigem-se à mansão já preparada para a festa. Refugiam-se no quarto da moça. A mãe entra e estranha o mau cheiro, tão forte que logo se retira, ordenando a filha que tome um bom banho antes de se vestir. Vestida a hiena percebe que se luvas cobrem os pelos das mãos, o rosto não se disfarça. Mas logo tem uma idéia. Chamam uma criada, ela a mata, devora-lhe as carnes e ossos, sobram somente os pés que coloca numa bolsa para comer mais tarde, estava farta. O rosto ela coloca sobre o seu, como uma máscara, e está pronta para a festa. A moça recomenda-lhe que não fique junto a sua mãe, esta poderia detectar o cheiro e perceber que não era a filha. De resto, não conhecia ninguém, então a hiena não teria problemas. E lá se vai ela enquanto a moça, cansada das emoções do dia, senta-se junto à janela e fica lendo. Uma hora e pouco depois, estava lendo As viagens de Gulliver, quando a mãe entra quarto adentro, pálida de fúria, dizendo que mal haviam se sentado à mesa, “o ser que ocupou seu lugar se levantou gritando: ‘Com que meu cheiro é um pouco forte, não é? Pois não como pastéis’. A seguir arrancou o rosto e comeu-o. Depois deu um grande salto e desapareceu pela janela” (Carrington:1992:35-40). O que é a identidade? A aparência e as vestes? O interior?
O cheiro? Para surrealistas ao serem liberados de suas aparências, propriedades
físicas e funções os objetos passam a ser dotados de inesgotável poder
de migração. Instaura-se atmosfera de indeterminação e de certeza que
evoca um tempo primeiro quando as coisas não conheciam estados definitivos,
não havia oposições nem contrários (Moraes:2002:76). Um corpo A pele que separa o fora e o dentro não é também suficiente
para definir a identidade. Transferências, troca de papéis, fronteiras
fluídas entre espécies e reinos criam personagens fantásticos em contos
não menos fantásticos. “A importância de definir superfícies, o medo de
invasão, perda da brecha, o desejo de ser penetrada, a fusão, são modos
diferentes do No quadro “O Albergue do Cavalo da Aurora”[4],um auto-retrato de 1938, a figura central tem os traços da artista e está num quarto de criança sem móveis a não ser por uma poltrona vitoriana na qual está sentada e mal acomodada. Mas não é uma menina que está neste quarto e sim uma mulher. Uma de suas mãos se dirige para uma hiena, a outra está suspensa sobre o braço da poltrona que, estranhamente, mimetiza o gesto da mão. Atrás, pendendo da parede, um cavalo de pau com sua sombra e, pela janela, avista-se um corcel branco galopando pela paisagem. Para os surrealistas, a femme-enfant (mulher-criança) era a mediadora para a criação. No quadro de Carrington o brinquedo da mulher que já foi criança está posto de lado e a criança desapareceu na mulher, cuja vasta cabeleira mais parece uma crina animal. A figura olha a hiena e pressente o corcel correndo lá fora. O cavalinho de pau deixado de lado, a infância emoldurada e sombreada, é também o sacrifício do cavalo. Opera-se assim uma desconstrução pois em mitos ou nas praças, o cavalo é montaria de heróis, conquistadores, imperadores, salvadores. A delicadeza, a gentileza e o mistério do animal só podem ser percebidos quando o sacrifício do cavalo, diz Hillman, o livra do peso heróico e marcial. Livre do peso cultural, o animal pode figurar a antiga deusa celta, Epona ou o sentido que lhe dava a alquimia, que usava seu ventre do cavalo como signo de calor interior para a digestão de eventos, de incubação. O outro animal na tela assinala não haver mais inocência infantil, pois a hiena, animal carniceiro que é, sempre foi mal vista no bestiário europeu. Desde os antigos gregos se acreditava que mudasse de sexo, de fêmea para macho e de macho para fêmea, a seu bel prazer. É bem verdade que Aristóteles desmentiu essa idéia, mas foi inútil, ela persistiu. A hiena do quadro tem três tetas cheias de leite o que
nos permite Em entrevista a Acker, em 1987, para um docmentário, The
flowering of the crone, Carrington diz que escolheu a hiena porque
sempre fora particularmente atraída por elas nos zoológicos que freqüentava
desde pequena, e acredita que a grande virtude desses animais é comerem
lixo (apudAberth: 2004:32). Em 1999, em entrevista concedida em
sua casa, explica melhor, diz “sou como uma hiena, entro nas latas de
lixo. Tenho uma curisidade insaciável” (Alberth:2004:32). Sou como uma
hiena, curiosa, sempre remexendo o lixo! Afora o elemento de humor nesta
comparação surreal, a identificação parece chocante, a bela tão bela e
o animal tão feio, a bela se vê na fera. Bachelard lembra que se pode
ultrapassar formas humanas para Cottenet-Hage pensa que Carrington rejeita representações
de corpos tradicionais jovens, nus, sexuais e vulneráveis, “corpos ausentes”
e os substitui por híbridos. Os pintores surrealistas também empregaram
híbridos, mas na maior parte das vezes híbridos conhecidos como serias
e minotauros. As artistas que estamos tratando usam híbridos, segundo
aquela autora, na tentativa de Varo, ao chegar à terra de exílio era Bela, jovem, discreta e costumava dizer, sacudindo os lindos cabelos um tanto avermelhados, “sou medrosa” e “muito supersticiosa”. Acreditava na potente interdependência dos seres e dos objetos. Moça ainda, morreu de repente na cidade do México, em 1963, deixando fama e obra consideráveis. Ela partilhou as inquietações, a busca de conhecimento e os estudos alternativos das tradições com sua amiga Carrington. As duas haviam freqüentado o círculo surrealista, mas, como outras artistas que por lá passaram, não influíam nas conformações das teorias muitas delas envolvendo profundas contradições no que diz respeito às mulheres. Naquela cidade não se formou uma rede de apoio entre as mulheres do grupo como havia entre os homens. “Eu, que não conseguia perder meu ar provinciano, ficava assustada, temerosa, deslumbrada”, diria Varo mais tarde (Kaplan:2001:56) Por isso, foi no México, onde as duas se exilaram, que Varo e Carrington se aproximam, ficaram amigas e desenvolvem uma extraordinária colaboração de trabalho. “A presença de Remedios no México mudou minha vida”, disse Carrington (Chadwich;1985:194). Varo se interessava, especialmente e por influência do pai engenheiro que lhe ensinara a desenhar e com quem viajou muito na infância, por ciência, matemática e objetos mecânicos. Sua linguagem pictórica madura lembra manuscritos iluminados, traduz influência do Renascimento italiano e do norte da Europa, assim como pintores espanhóis que desde menina visitava no Museu do Prado. Varo uniu pensamento de vanguarda com artesanato meticuloso – uma atenção primorosa aos detalhes como se observa também nos quadros de Fontana - em telas comparadas a jóias, para criar universos ricamente codificados, estratos superpostos, tempos condensados, e múltiplos significados subversivos. Como Carrington, colocou a mulher no centro do ato de criação, mesmo que suas figuras tenham se tornaram cada vez mais andróginas. Varo escolheu os pássaros, onipresentes na alquimia, representantes dos vapores que emanam dos processos, como familiares e a coruja como Fera. No quadro “Criação das Aves”[5], de 1958, uma personagem com corpo de mulher e rosto de coruja, meio cientista, meio artista, está sentada junto a uma mesa, desenhando com um instrumento que sai de um violino colocado sobre o coração, usando cores que provém de alambiques alquímicos onde a substância de estrelas é armazenada. Com a outra mão segura uma lente, triangular como o prisma de Newton, que recolhe e amplia a luz da lua que incide sobre o papel no qual desenha pássaros que saem voando por uma janela lateral. A coruja pode ser considerada Fera por ser, desde tempos remotos, pássaro da noite e arauto da morte. Mas é símbolo ambíguo, pois representa também a sabedoria como a de Atena que ensinou aos homens todas as artes para se viver em cidades, ou como o saber das bruxas medievais que conheciam segredos mortais. E que adotaram a Lilith babilônica, com pés de coruja sobre dois pequenos leões e asas como as das duas corujas que estão a seu lado, bem maiores que os leões que domina. E, muito antes de todas essas histórias, híbridos de mulher e pássaro aparecem figuradas nas pinturas das cavernas e outras representações desde o Paleolítico. A arcaica deusa Pássaro era a expressão do processo de vida/morte/vida! O pássaro “vive em um volume, enquanto nós só vivemos sobre uma superfície. Os pássaros possuem, como dizem os matemáticos, uma “liberdade”a mais do que nós” (Bachelard:1995: 51). O gosto da metamorfose, lembra ainda Bachelard, vem sempre junto com uma pluralidade de atos como no quadro de Varo, onde a imaginação no sentido bachelardiano, é o elemento de imprudência que deforma e dissolve fronteiras e estabilidades sólidas enquanto cria novas formas e imagens, provê outros psiquismos. Amplia a possibilidade biológica abolindo fronteiras entre reinos da natureza, entre seres vivos ou objetos inanimados, para atingir um estado de solidão tranqüila e plena de criações. Por outro lado, Kaplan considera este quadro como sendo a inversão da “Anunciação” pois aqui a ave não anuncia a boa nova, uma outra vida, mas os pássaros aqui encarnam a vida nova. E no quadro há inter-relação entre arte, alquímica e moderna, ciência, vibrações e ondulações que se nutrem entre si num ciclo representado também pelos objetos, vasos, alambiques, canos e vasilha em forma de ovo. Esse quadro pode ser visto como imagem de sua busca paradigmática de beleza e vida através da conjunção de luz e som. “Pelo Nas décadas de 80 e 90 do século XX surgem, de modo mais disseminado, práticas artísticas criticando a representação como sendo cúmplice do pensamento logocêntrico/falocêntrico ocidental. As artistas começam a contestar não só as representações do feminino e do masculino, como principalmente qualquer subjetividade concebida como estável. Cindy Sherman, por exemplo, no início dos anos 80 se transforma em uma inquietante imagem da feminilidade os filmes B dos anos 50 em sua performance fotográfica. O trabalho investiga o papel da fotografia na construção do self unificado e torna explícitas as relações de poder provocadas pelo ato de olhar. Untitled Film Stills [6](1977-80), é uma série de 65 fotografias granuladas branco e preto que lembram os “film noir". Embora seja tanto modelo quanto fotógrafa, essas imagens não são autobiográficas. Ela se retrata em vários disfarces da feminilidade estereotipada, cada uma um momento numa narrativa implícita mais ampla. E afirma também, concordando com Iregaray para quem nem mesmo a visão é indiferente, que a câmara não é instrumento neutro, mas um aparato ideológico que enquadra e constrói um ponto de vista particular. Ao Usa uma camiseta sem mangas branca, está sentada e o foco é somente na parte superior do corpo, com o rosto pintado como o de um tigre, olhar matreiro, meio sorriso, atenta. Talvez lembrando que faria intervenções, em maio de 2006, sobre o tema Mulher, uma exploração. O eterno fascínio com o corpo da mulher. E com a Fera que tem esculpido nas últimas décadas, as enormes aranhas que começou a fazer nos anos 90 e estão hoje espalhadaspelo mundo, do Brasil ao Japão, dos Estados Unidos e Canadá à Inglaterra e Rússia.
Intitulou estas esculturas Maman, em francês. Algumas,
protetoras, carregam no corpo de metal ovos brancos de mármore polido
que parecem jóias mas lhes dão aparência de seres do lar, mães acolhedoras.
Mas o outro lado das aranhas é assustador, nos contos tradicionais, no
sonho das crianças, ou das pessoas, a aranha desencadeia medos infantis
secretos e seu tamanho descomunal projeta ampla sombra física e psicológica.
Disse a artista que faz essas feras Louise Bourgeois, sempre extremamente original, e muitas outros artistas jogam com novas idéias a partir do movimento livre de identidades e sexualidades, a partir também da construção de novas narrativas (Collado:1999). Para desestabilizar o masculino feminino, trabalham em obras que nova configuração ética e formal. Novas estratégias vão criando uma epistemologia tendendo ao plural que já estava presente nas artistas do começo do século XX que mostramos acima. Nesta mesma linha, Zoe Leonard ironiza o corpo estereotipo
da sedução, ao refazer a seu modo a foto de Marilyn Monroe na famosa folhinha:
um corpo de mulher O elemento Referências bibliográficas ALBERTH, Susan. Leonora Carrington, Surrealism,
Alchemy and Art. ANDRADE, Lourdes. Remedios Varo, Ias metamorfoses. Mico Circulo de Arte, 3"ed., 2001. BACHELARD, Gaston. Lautréamont. Paris: Jo4Corti, I Pimpresb, 1995. ___________________. La Poétique de laRêverie. Paris: PUF, 1960. CARRINGTON, Leonora La casa del Medo- Madrid: Siglo Veintiuno, trad. Francisco Torres Oliver, 1992. CAW, M., et ahi. (eds) Surrealism and Women. Cambridge :MIT Press, 4993. CHADWICK, Whitney. Women Artists and the Surrealist Movement Great,Britain: Thames and Hudson, 33ed., 1997. COLLADO, Ana M. “La mujer y la seducción en el universo de la representación De la década de los 80 y 90” in Asparkía nº 10, 1999, pp. 73-85, Universidad Jaume I.
KAPLAN, Janet. Viajes inesperados: el arte y la vida de Remedios Varo..Madrid: Edicions Era, trad. A.Martín-Camero, 2001. LIMA, Sérgio. A aventura Surrealista Petrópolis:Vozes, t.I, 1995. MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens. SPaulo: Companhia das Letras, trad. Rubem Figueiredo e outros, 2001. MORAES, Eliane R. de. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002. MUNDY, Jennifer (ed) Surrealism, desire unbound. London: Tate, 2002. LAUTER, Estella. Women as mythmakers. ROSEMONT, Penelope. Surrealist Women: an International Anthology. Austin: Univ. of Texas Press, 1988.
Nota biográfica
Notas
[1] Deusa encontrada em Çatalhüyük, datando entre 6000-7000 A.C. Ver www.regiaomediterranea.com/civcty/cathykoo.htm. [2] Família Gonsalvus, por Dirk de Quade van Ravestyn in Alberto Manguel, Lendo Imagens p.116. [3] Retrato de Tongina por Lavinia Fontana. Ver www.universitadelesonne.it/demau.htm [4] in Susan L. Aberth, Leonora Carrington, Surrealism, Alchemy and Art, p.31. [5] in Janet Kaplan, Viajes inesperados, p. 180. labrys, études
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