labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier /décmbre 2009 -janeiro/dezembro 2009

O feminismo brasileiro em tempos de Ditadura Militar[1]

Ana Alice Alcântara Costa[2]

RESUMO

O feminismo que ressurge nos anos 60 demarcando novos espaços de  atuação das mulheres, chega ao Brasil em pleno regime militar   instalado com o Golpe de 1964. A vivencia com a repressão, prisões,  torturas, a luta armada,  clandestinidade, vai proporcionar a este  "novo" feminismo características e desafios muito peculiares a partir  de sua vinculação com um campo da "esquerda",  que o distinguiram do 
feminismo norte americano e europeu.  Este trabalho busca entender as  dinâmicas vivenciadas pelo feminismo brasileiro neste momento a partir  de uma analise dos seus principais enfrentamentos no campo da teoria e  da práxis. Dentre estes desafios damos um destaque maior a questão da  autonomia do movimento e a relação com os partidos e com o Estado  autoritário.

Palavras-chave:feminismos, mulheres, luta armada, clandestinidade

 

Analisar a relação do feminismo com a ditadura nos remete necessariamente a história brasileira após o Golpe Militar de 1964 e o processo de reconstrução do feminismo em novas bases dentro de um contexto de repressão e autoritarismo. Remete também a minha experiência enquanto militante e partícipe de um processo vivenciado cotidianamente naquele momento, bem como de quem refletiu e escreveu sobre essa relação. Refletir hoje sobre o feminismo durante o regime militar inevitavelmente me leva de volta as inquietações vivenciadas em 1980 quando na condição de brasileira estudando no México[3], realizava minha dissertação de Mestrado.

Reler aquele “antigo” texto a luz das novas perspectivas do feminismo que incorporo agora, é confrontar-me com um passado militante e distanciado. Recordo-me do esforço teórico em articular os novos desafios que o feminismo apresentava já naquele momento, com o meu velho e tradicional marxismo-leninista e nele a crença no papel do partido revolucionário. Como pensar um feminismo autônomo desvinculado da ideia de partido de vanguarda? Como entender a necessidade específica das mulheres se a contradição principal era “capital/trabalho”? Dilemas que enfrentava naquele momento e que serviram exatamente para aprofundar meu compromisso com o feminismo autônomo. Dilemas que também eram vivenciados por muitas outras mulheres militantes nos grupos feministas ou vivenciados dentro dos seus partidos.

Nesse sentido, este trabalho busca analisar a trajetória e os desafios do feminismo brasileiro durante o regime militar no seu enfrentamento com o autoritarismo de um Estado repressor bem como o conservadorismo e sectarismo das organizações vinculadas a um pensamento de esquerda.

Os anos 60 foram marcados internacionalmente por uma intensa onda contestadora. Foram os movimentos pacifistas contrários da guerra do Vietnam, as lutas ante-racistas e a rebelião ao “american way of life” nos Estados Unidos. O movimento estudantil que varre vários países da Europa questionando as velhas estruturas autoritárias do sistema educacional, a desilusão pós-socialismo e a crítica ao stalinismo, o movimento hippie, etc. É dentro desse contexto que ressurge o movimento feminista internacional. Ressurge no sentido de renascer após algumas décadas de desmobilização pós conquista do direito de voto e um conjunto de direitos civis na maioria dos países chamados ocidentais.

Ressurge a partir da consciência de que a mudança pura e simples das leis não era suficiente para mudar as estruturas ideológicas pautadas em bases patriarcais, a conquista da igualdade formal não foi capaz de mudar os parâmetros da subordinação feminina, já que as mulheres seguiam sendo vistas e tratadas como inferiores; seguiam sendo vítimas da violência sexual e doméstica, excluídas do mercado de trabalho e quando conseguiam romper esses bloqueios recebiam salários inferiores e estavam submetidas a um cotidiano de assédio moral e sexual.

O novo feminismo articulado em torno da bandeira “pessoal é político”, trazia em si um profundo questionamento dos parâmetros conceituais do político, rompendo assim com os próprios limites do conceito, até então identificado pela teoria política com o âmbito da esfera pública e das relações sociais que aí acontecem, isto é, do campo da política (COSTA, 2005, p.10).

Ao afirmar que “o pessoal é político”, o feminismo trás para o espaço da discussão política as questões até então vistas e tratadas como específicas do privado, quebrando a dicotomia público-privado base de todo o pensamento liberal sobre as especificidades da política e do poder político. (COSTA, 2005, p.10).

Com essa bandeira o feminismo chama atenção para o caráter político da opressão vivenciada pelas mulheres de forma individual e isolada no âmbito do seu lar, (...) levadas a contemplar a vida social em termos pessoais, como se tratasse de uma questão de capacidade ou de sorte individual (PATEMAN, 1996, p.47). Desse processo, vem a constatação de que os problemas que as mulheres vivenciam enquanto indivíduos, no seu cotidiano, têm raízes sociais e requerem, portanto, soluções coletivas. Nesse sentido, ressignifica o conceito de político e a própria forma de entender a política na medida em que estende sua ação para o doméstico. Segundo Pateman, com a bandeira do “pessoal é político”, as feministas mostraram

(...) como as circunstâncias pessoais estão estruturadas por fatores públicos, por leis sobre a violação e o aborto, pelo status de ‘esposa’, por políticas relativas ao cuidado das crianças, pela definição de subsídios próprios do estado de bem estar e pela divisão sexual do trabalho no lar e fora dele. Portanto, os problemas ‘pessoais’ só podem ser resolvidos através dos meios e das ações políticas (1996, p.47).

Ao trazer essas novas questões para o âmbito público, o feminismo trás também a necessidade de criar novas condutas, novas práticas e conceitos, novas dinâmicas. Esse foi seu caráter subversivo e que o qualifica como verdadeiramente "revolucionário". É um movimento social que não apenas renasce, mas também cria estratégias de luta — sua práxis política — a partir da troca de experiência e vivência das mulheres, e de sua reflexão coletiva.

Diferentemente do feminismo anterior que utilizava como argumento para suas demandas a possibilidade de um melhor exercício — mais competente — das atividades tradicionais atribuídas às mulheres, reforçando assim estereótipos, preconceitos e modelos excludentes, esse novo feminismo vai também questionar a divisão sexual do trabalho e com ela as atribuições do masculino e feminismo, bem como a própria construção dos papéis de gênero.

No campo mais amplo da política esse novo feminismo teve como característica importante o rechaço ao controle político e ideológico dos partidos e outras organizações políticas e religiosas e a defesa de um movimento autônomo.

Essa nova onda feminista chegou ao Brasil em um momento muito peculiar da nossa história, em pleno regime militar instalado a partir do Golpe militar de 1964. Muitas das suas integrantes eram oriundas de organizações da chamada “Esquerda Revolucionária” vinculadas a uma perspectiva marxista de liberação nacional. Essas e outras vivenciaram a experiência da luta armada, da clandestinidade, das prisões, da tortura, do exílio e em especial, vivenciaram o autoritarismo e o sexismo tanto das organizações da esquerda na qual militavam quanto da direita através dos mecanismos repressivos do Estado.

Apesar da posição crítica em relação ao sexismo das organizações de esquerda, as feministas brasileiras mantiveram seus vínculos ideológicos e seu compromisso com uma mudança radical das relações sociais de produção (STERNBACH et al.1994, p.74). Essa perspectiva as distinguia do feminismo europeu e norte-americano, dando-lhes como característica especial o interesse em promover um projeto mais amplo de reforma social que envolvia diferentes formas organizativas que possibilitavam o envolvimento de setores populares (MOLYNEUX, 2003, p.269) com suas demandas, dentro das quais se realizavam os direitos da mulher.

Synthia Sarti chama atenção também para a delicada relação do feminismo com a Igreja Católica nesse momento, na medida em que diante do imenso vazio político deixado pelo regime militar, a igreja passou a ser um importante foco de oposição.

As organizações femininas de bairro ganham força como parte do trabalho pastoral inspirado na Teologia da Libertação. Isto colocou os grupos feministas politizados em permanente enfrentamento com a Igreja na busca de hegemonia dentro dos grupos populares. O tom predominante, entretanto, foi o de uma política de alianças entre o feminismo, que buscava explicitar as questões de gênero, os grupos de esquerda e a Igreja Católica, todos navegando contra a corrente do regime autoritário. (SARTI. 2001:37-38)

Esse contexto propiciou a construção de um movimento com características específicas muito demarcadas que não só nortearam o movimento naquele momento, mas que lhe deixaram marcas profundas definidoras das suas ações nas décadas seguintes.

A literatura corrente sobre o “surgimento” do movimento feminista brasileiro costuma apontar os eventos patrocinados pela ONU em 1975[4] como o marco inicial do feminismo brasileiro nessa nova fase. Apesar disso sabe-se que desde o inicio da década de 1970 algumas ações já vinham sendo realizadas, apesar do clima de repressão reinante sob a égide do AI5[5] e das práticas de tortura. Em 1972, por exemplo, o Conselho Nacional da Mulher[6] liderado pela advogada Romy Medeiros, uma entidade reconhecidamente conservadora e com laços de proximidade com o regime, promoveu o I Congresso de Mulheres com a participação de feministas ligadas a um campo mais a esquerda e setores ligados ao governo. Segundo Céli Pinto, esse Congresso teve como uma das suas principais organizadoras Rose Marie Muraro e contou com a participação de reconhecidas feministas do campo da esquerda como Heleieth Saffioti e Carmem da Silva, bem como representantes do alto clero, banqueiros, congressistas, etc.[7]

Também nesse ano começaram a aparecer no Rio de Janeiro e São Paulo os primeiros grupos de reflexão com um caráter muito privado. No Rio de Janeiro, havia o grupo ligado a Branca Moreira Alves, constituído por profissionais liberais que posteriormente se constituiria no Grupo Ceres, e outro constituído por estudantes de pós-graduação e universitárias da PUC. Em São Paulo existia um grupo criado por Maria Malta Campos constituído basicamente por intelectuais (FIGUEIREDO, 2008, p.57). Simultaneamente também é criado em São Paulo o grupo integrado pela crítica literária Walnice Nogueira Galvão, juntamente com a socióloga Célia Sampaio, a antropóloga Betty Mindlin, a historiadora Maria Odila Silva Dias. Posteriormente esses dois grupos se unem.  

Outros grupos surgem também em várias outras cidades do país. Geralmente eram mulheres articuladas por alguma que tinha vivenciado já a experiência do feminismo internacional (este é o exemplo de Branca Moreira e Maria Malta Campos) que se uniam por afinidades afetivas, políticas e intelectuais, mulheres profissionalizadas, em sua maioria com uma carreira estabilizada. Eram grupos privados porque as mulheres só ingressavam por convite ou indicação. A ideia de “grupo privado” para caracterizar os grupos de reflexão reflete o clima de terror e perseguições que caracterizava o regime militar naquele momento no Brasil. Reunir mais de 4 pessoas em um lugar, mesmo que privado, poderia ser caracterizado como um ato subversivo e portanto exposto as penalidades “previstas”.  Albertina Costa ao refletir sobre as características privadas destes grupos afirma:

O terror impede a tentativa de por a cabeça para fora, caracterizando, portanto, essa atividade coletiva como caseira, doméstica, privada, voltada para dentro, com todos os atributos do feminino, por mais que as pessoas tendam a pensar sua atividade como hibernal, hiato, preparação para a futura participação política com o maiúsculo.

No entanto, esse fechamento, essa privacidade que protege da polícia, ao mesmo tempo, protege dos amigos ou aliados, as críticas não chegam, ou chegam menos contundentes, não há debate, argumentação, discórdia, não se é obrigado a ser político e fazer política, não se é obrigado a fazer rupturas, não se é obrigado a imaginar formas novas de agir político, quando muito esse enfrentamento é postergado. (2008, p.75).

Por outro lado, desde o golpe de 1964 uma quantidade significativa de homens e mulheres tive que deixar o país em busca de exílio político para livrar-se das perseguições do regime militar. As mobilizações estudantis de 1968, o recrudescimento da repressão com o AI 5, o  fracasso da luta armada e a onda de prisões e torturas perpetradas pelo regime intensificou a saída de militantes do país. México, Chile e Cuba na America Latina e a França na Europa foram os centros de concentração destes exilados. As brasileiras exiladas na Europa e aquelas mulheres que estudavam com bolsas de estudo na Europa e Estadas Unidos começam a entrar em contato com o novo feminismo. Logo diversos grupos de brasileiras também são criados no exílio. O Grupo Latino-americano de Mulheres[8] em Paris, criado em 1972 por Danda Prado, uma ex-militante comunista auto-exilada. No mesmo ano é criado por Zuleika D’Alambert o Comitê da Mulher Brasileira, mais próximo ao PCB. Posteriormente, em 1975, a maioria de mulheres desse Comitê formaram O Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris. O trecho a seguir dá uma visão muito adequada da perspectiva que norteava a ação dos grupos de feministas brasileiras no exílio:

Achamos que nossa contribuição enquanto militantes num país estrangeiro é mais teórica do que prática, entendendo-se a “teoria”, nesse caso, como formação. Porque o avanço do movimento feminista no Brasil é determinado pela própria realidade brasileira e essa realidade nós não podemos vivê-la aqui em Paris. O que podemos é divulgar aqui o avanço desse movimento. Temos, sim, que desenvolver uma luta junto às mulheres brasileiras na colônia, realizando debates, projetando filmes, aproximando-nos o mais possível (Circulo de Mulheres Brasileiras em Paris, 1976).

Organizações como estas no exílio, tiveram um papel fundamental na divulgação das atrocidades do regime militar, na articulação do feminismo brasileiro como o internacional, na articulação, integração e formação de brasileiras no exterior e, ao contrário dos grupos de reflexão brasileiros, acuados diante da repressão, os grupos feministas no exterior buscavam e podiam ter uma visibilidade política externa. Não obstante, a ação desses grupos no exílio não contava com uma aceitação muito fácil entre os grupos de reflexão no Brasil, na medida em que havia uma espécie de sentimento de rechaço as tentativas de “ditar regras” e/ou orientações vindas do exterior.  Albertina Costa tinha uma visão muito crítica da ação desses grupos

Enquanto as exiladas podiam discutir sem medo de serem presas e escolher entre as muitas combinações passíveis entre luta de classe e luta entre sexos, patrulhadas de perto pelos remanescentes das organizações de esquerda, suficientemente longe da convivência quotidiana com a miséria, para delirar que as mulheres constituiriam a nova classe universal. As exiladas que se afligem com o dilema integração na terra de asilo ou referência principal à terra de origem têm, no entanto, condições de pensar em termos de cidadania, em termos de uma especificidade da cidadania feminina, enquanto para as brasileiras, vivendo em seu país, como para os judeus sob o domínio prussiano, a questão da cidadania não se coloca. (2008:76).

Albertina Costa prossegue em sua análise demarcando inclusive um campo de interpretação da prática feminista em um contexto de repressão e controle político:

É longe da política, embora perto da patrulha ideológica e em confronto com ela, mas longe da miséria e da fome que tende a se desenvolver um feminismo radical de cunho libertário. É a convivência com a repressão, o controle ideológico relaxado em virtude do vazio político, a proximidade da iniquidade social que modelam um estilo de feminismo “bem comportado” de cunho marcadamente social. (2008, p.76).

Como tivemos a oportunidade de ver até aqui, quando sob o patrocínio da ONU em 1975 é realizado o Seminário “O papel e o Comportamento da Mulher na realizada brasileira” no Rio de Janeiro, tido como o momento inaugural do feminismo brasileiro, já existia uma significativa mobilização feminista. Este evento organizado por dois grupos de reflexão do Rio de Janeiro foi o deslanchar da criação do Centro da Mulher Brasileira (CDM), uma organização que inovou ao trazer naquele momento a possibilidade da existência pública e institucionalizada do feminismo[9].

A partir deste momento surgem novos grupos de mulheres em todo o país.  Ainda em 1975 é criado o jornal Brasil Mulher em Londrina, no Estado do Paraná, ligado ao Movimento Feminino pela Anistia[10] e publicado por ex-presas políticas. No inicio de 1976, um grupo de mulheres universitárias e antigas militantes do movimento estudantil começaram a publicar o jornal Nós Mulheres, que desde seu primeiro número se auto-identifica como feminista dentro de uma perspectiva classista[11]. Nesse ano, o Brasil Mulher se desvincula do Movimento Feminino pela Anistia, transfere-se para São Paulo e passa a ser editado pela Sociedade Brasil Mulher, uma entidade feminista pese o controle exercido por militantes vinculadas ao PC, PC do B e AP [12].

Esse é um momento de avanço da resistência ao regime militar fortalecida pela ampla vitória da oposição (concentrada no Movimento Democrático Brasileiro – MDB) nas eleições parlamentares de 1974 e na crise econômica.  Nos anos seguintes os movimentos sociais de resistência ao regime militar seguiram ampliando-se, novos movimentos de liberação se uniram as feministas para proclamar seus direitos específicos dentro da luta geral, a exemplo dos negros e dos homossexuais. Muitos grupos populares de mulheres vinculadas às associações de moradores, clubes de mães, começaram a enfocar temas ligados a especificidades de gênero, tais como creches, trabalho doméstico e sexualidade. O movimento feminista se proliferou através de novos grupos em todas as grandes cidades brasileiras e assumiu novas bandeiras como os direitos reprodutivos, a sexualidade e o combate à violência contra a mulher. Em linhas gerais, poderíamos caracterizar o movimento feminista brasileiro dos anos 70 como fazendo parte de um amplo e heterogêneo movimento que articulava as lutas contra as formas de opressão das mulheres na sociedade com as lutas pela redemocratização (COSTA, 2005, p.15).

Segundo Mariza Figueiredo, nesse momento podiam ser identificados claramente três perfis de militantes feministas no país: as feministas liberais, uma espécie de neofeministas, porque continuavam “(...) a luta das sufragistas do início do século, lutando pela igualdade de direitos civis para todos os cidadãos sem discriminação de sexo”; as feministas partidárias, que visavam no plano geral a anistia e a abertura política e no plano das lutas específicas, a  “criação de creches e de uma legislação protetora do trabalho feminino” Esta “corrente” era constituída majoritariamente por mulheres oriundas dos grupos de esquerda, bem como “acadêmicas e intelectuais engajadas politicamente, para as quais a origem da simetria dos gêneros continuava a ser o resultado de um sistema capitalista de produção”. E as feministas radicais, que entendiam a natureza da opressão feminina fundamentada no “(...) surgimento do patriarcado enquanto sistema ideológico de poder” e reivindicavam o direito a autonomia e a existência de grupos de reflexão como uma iniciativa privilegiada (2008, p.61).

Nesse sentido o feminismo radical se amplia sustentado na tese de que a opressão feminina não é um simples efeito da economia, da biologia, nem algo que seria “naturalmente” resolvido em uma “fase posterior” ao processo de transformação social, como acreditavam e defendiam as organizações mais próximas a um pensamento  marxista ortodoxo. No geral, as feministas das diversas correntes recusam-se a relegar as lutas das mulheres a um segundo plano, diluídas e pulverizadas nas “lutas gerais” (COSTA; SARDENBERG, 1994, p.104b).

No entanto a convivência entre as diversas correntes não era muito fácil. Mariza Figueiredo reportando as reuniões do Coletivo de Mulheres e o SOS Violência Mulher do Rio de janeiro em fins da década de 70 quando inevitavelmente as reuniões terminavam em confronto entre as feministas radicais e as partidárias, diz:

Enquanto as primeiras partiam do princípio de que toda e qualquer opressão da mulher, em qualquer tempo e espaço, tinha se originado na construção e domínio da ideologia patriarcal, as últimas insistiam na clássica análise marxista, segundo a qual o sistema capitalista de produção seria o responsável pela discriminação entre homens e mulheres, do mesmo jeito que é o responsável pela luta de classes. Assim, a hierarquia entre os gêneros seria da mesma natureza que a oposição entre a burguesia dominante e o proletariado. (2008:54).

A pesar desses enfrentamentos havia entre essas diversas correntes uma espécie de alinhamento ideológico à esquerda quanto às propostas de mudanças na sociedade no sentido da redemocratização e mesmo numa perspectiva mais radical de transformação nas relações de produção A divergência é mais profunda no que tange à condução das lutas das mulheres. Este foi em período de acirrados debates dentro do movimento entre as "correntes autônomas" e as várias correntes partidárias, levando a diversos "rachas" e dissidências e ao surgimento de novos grupos. Firmes no princípio da autonomia do movimento, as feministas não aceitam a tutela dessas organizações (COSTA; SARDENBERG, 2008, p.43).

Em fins dos anos 70, o país começava a entrar em um processo de abertura política[13]. A oposição articulada no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que naquele momento concentrava todas as forças contrárias ao regime, continuava avançando. Ampliava-se o rechaço ao governo militar, acuado pela crise do “milagre”[14]. As feministas também buscavam construir novas formas de articulação entre si e com os setores populares, que permitissem a reflexão sobre a problemática feminina e o feminismo, definir novos rumos para o movimento e estabelecer novas pautas de reivindicações e lutas. A anistia permitiu a volta das exiladas e com elas um novo fôlego ao movimento, na medida em que traziam a influência de um movimento feminista atuante, sobretudo na Europa (SARTI, 2001, p.41).

Em 1979 assume a presidência da República o general João Baptista Figueiredo que promove uma reforma política que restabelece o pluripartidarismo através da Lei º 6.767 de dezembro de 1979. Para o feminismo também foi um ano muito importante, em quase todos os estados novos grupos foram criados[15]. O feminismo deixou de ser um privilégio das mulheres de classe média intelectualizada para envolver um número cada vez maior de mulheres dos setores populares. A realização de grandes encontros foi um dos caminhos para essa ampliação. Três desses encontros merecem registro em função da abrangência de suas propostas e do contexto de enfrentamento vivenciados:

Em março de 1979 foi realizado no Rio de Janeiro, promovido pelo Centro da Mulher Brasileira o “Encontro Nacional de Mulheres” no qual participaram cerca de 400 mulheres representantes de grupos feministas de oito estados. As resoluções aprovadas traduzem muito bem as características do movimento nesse momento e sua perspectiva de ampliação e reconhecimento da diversidade de interesses. Segundo o “Documento Final”   

1. a luta pela libertação da mulher brasileira está indissoluvelmente ligada às lutas gerais por liberdades democráticas e por uma anistia ampla, geral e irrestrita e vem somar força com os movimentos que lutam contra qualquer tipo de opressão;

2. a tática atual dos movimentos de mulheres implica na luta pela unidade destes movimentos, unidade esta que pressupõe a diversidade dos grupos e organizações, e a superação de particularidades de cada um através da adoção de bandeiras de luta comum...

3. o movimento feminista deve ser aberto a todas as mulheres, independentemente da condição social, racial, credo religioso e posição político-partidária; implica na aproximação com associações de classe,  de bairro, clube de mães e donas de casa, etc. e  incentivo a organização de mulheres em locais de trabalho e moradia; significa trabalhar sobre os problemas que se colocam especificamente para a  realidade de cada grupo, assumindo as bandeiras gerais do movimento; estímulo a criação e ampliação de uma imprensa feminina” (CMB, 1979, p. 4-5).

No ano seguinte, outro importante evento foi o Segundo Congresso da Mulher Paulista[16] realizado nos dias 8 e 9 de março, coordenado por cerca de 55 agrupações e com a participação de aproximadamente quatro mil mulheres (FAGUNDES, 1980). Esse encontro foi marcado pelo intenso debate em torno da autonomia do movimento, defendido pela maioria absoluta do Congresso e rechaçada de forma violenta por militantes vinculados a organizações da chamada esquerda revolucionária, mais fortemente por militantes do MR8. Segundo Cardoso:

Prevendo o impasse, a comissão organizadora tomou todos os cuidados possíveis para garantir a legitimidade das propostas feministas e impedir que o Congresso fosse usado como palanque político. Mas os acontecimentos não saíram como o esperado. Lideranças do PC, do PC do B e do PMDB usaram até de agressão física para fazer valer seus pontos de vista. (2004, p.40).

A atitude sectária destes grupos que se recusavam a entender a especificidades das lutas feministas e o conjunto de demandas do movimento foram motivo para os enfrentamentos. Para estas organizações as feministas eram pequeno-burguesas e falavam uma linguagem elitista. A insistência das feministas em discutir sexualidade, violência, exploração era inoportuna e divisionista (ZANATTA,1996/1997, p. 200).

Esse enfrentamento é agravado em 1981 quando da realização do III Congresso da Mulher Paulista. Segundo Maria Amélia Teles (1983 apud CARDOSO,204:40) já durante as reuniões preparatórias o MR8 defendeu a proibição da entrada das lésbicas no Congresso na medida em que estas mostravam-se preocupadas com a violência contra as mulheres homossexuais. Para os grupos de extrema esquerda, a luta era uma só, ‘não há violência contra a mulher, mas sim contra o homem e a mulher da classe operária’ (ZANATTA, 1996/1997, p. 200).

Em matéria intitulada “A hora da porrada” o jornal Lampião da Esquina comenta a prática do MR8 identificado pela sigla do jornal Hora do Povo:

De tímidas participantes no ano passado, as lésbicas emergiram para a crista da onda neste III CMP, ao se tornarem alvo predileto do HP, para quem a coisa se colocava assim: de um lado as lésbicas, do outro o povo brasileiro (...).

(...) militantes do HP, na eminência de perderem o Pacaembu entraram em contato telefônico com a Coordenação, para propor a reunificação. Concordaram em aceitar as lésbicas em troca do apoio à Constituinte. Mas não abriram mão de sua oposição ao SOS/Mulheres (ZANATTA,  1996/1997, p. 201).

Para o MR8, segundo o Jornal Lampião da Esquina, a proposta de criação dos SOS (...) transforma violência na família em caso de polícia e faz o jogo da ditadura, porque culpa o operário que chega em casa cansado e bate na mulher (Zanatta, 1996/1997, p.201).

Apesar desse contexto de enfrentamento e as resistências demonstradas em relação às pautas específicas, a exemplo da questão da violência, o que estava de fato em jogo era a questão da autonomia. Esse foi o eixo definidor das diversas correntes e agrupações que demarcavam o movimento nesse momento, bem como o permanente embate e desafio na relação do feminismo brasileiro com os partidos políticos e organizações da esquerda durante a ditadura militar. Essa mesma questão da autonomia estará presente posteriormente, na relação do feminismo com o Estado já no período de transição e no processo de consolidação democrática, como veremos adiante.

Uma autonomia em termos organizativos e ideológicos frente aos partidos políticos e outras organizações. A defesa da autonomia como um princípio organizativo do feminismo não implicava em uma prática defensiva ou isolacionista que impedisse a articulação com outros movimentos sociais que compartilhassem identidades. Apenas a definição de um espaço autônomo para articulação, troca, reflexão, definição de estratégias. Uma autonomia vista como uma espécie de (...) independência para as mulheres enquanto grupo oprimido, podendo atuar ainda independentemente da aprovação e do paternalismo masculino (FIGUEIREDO, 2008, p.61).

Em 1980, ao analisar o feminismo brasileiro naquele momento, pese estar inserida no movimento autônomo, não conseguia pensar esta autonomia para além da classe. Nesse sentido entendia a autonomia 

(...) não no sentido de dividir e debilitar este movimento, abrindo dentro ou a seu lado uma força paralela e refratária aos seus objetivos fundamentais, como costumam apontar os partidos tradicionais da esquerda, geralmente de corte burocrático. Mas sim no sentido de garantir dentro do movimento revolucionário uma participação efetiva e real da mulher, possível somente a partir desta autonomia.

É a autonomia de seu movimento que lhe dará as possibilidades de pensar sua atuação social a partir dela mesma, pelo menos enquanto os valores machistas e segregacionistas da sociedade burguesa ainda tiverem sentido e peso na condução política e pessoal do proletariado e demais setores oprimidos da sociedade. São valores cuja profundidade determinam a conduta do homem e também da mulher ainda não completamente consciente deles (COSTA PINHEIRO, 1980, p.125).                                  

As integrantes do Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris, apesar de não vivenciarem o cotidiano dos grupos feministas no Brasil, traduzem muito bem a perspectiva dominante entre as diversas agrupações do feminismo autônomo em relação ao significado dessa autonomia tão almejada:

Ninguém melhor que o oprimido está habilitado a lutar contra sua opressão. Somente nós mulheres podemos estar na vanguarda desta luta, levantando nossas reivindicações e problemas específicos. Nosso objetivo ao defender a organização independente das mulheres, não é separar, dividir, diferenciar nossas lutas das lutas que conjuntamente homens e mulheres travam pela destruição de todas as relações de dominação na sociedade capitalista.

A luta contra a opressão específica se integra à luta contra um sistema no qual o homem também é oprimido. Por exemplo, se é correta a luta constante contra toda manifestação do machismo, isto não significa travar uma luta contra o homem, mas sim contra uma ideologia que forja e perpetua este tipo de comportamento (Junho 1976).

Para o Grupo Ação Mulher de Porto Alegre a autonomia do movimento feminista era definida a partir da necessidade (...) construir um espaço privilegiado de aprendizagem, crescimento e atuação das mulheres onde sua participação trará uma tomada de posição e seu progressivo crescimento e mobilização (Em tempo, 1980).

Essa tensão entre as organizações autônomas do movimento de mulheres e as organizações partidárias não foi uma especificidade do feminismo brasileiro, a consciência feminista latino-americana foi alimentada pelas múltiplas contradições experimentadas pelas mulheres atuantes nos movimentos guerrilheiros ou nas organizações políticas, por aquelas que foram obrigadas a exilar-se, que participaram do movimento estudantil, das organizações acadêmicas politizadas e dos partidos políticos progressistas.

Apesar das feministas latino-americanas romperem com as organizações de esquerdas em termos organizativos, manteve seus vínculos ideológicos e seu compromisso com uma mudança radical das relações sociais de produção, ao tempo que continuavam lutando contra o sexismo dentro da esquerda (Sternbach et al., 1994, p.74).

Por outro lado, a oposição continuava avançando, infringindo uma grande derrota ao governo nas eleições municipais de 1980 apesar das leis eleitorais casuísticas. Em 1982 a oposição consegue eleger 10 governadores e, pela primeira vez depois do golpe, o conjunto da oposição ao regime consegue maioria na Câmara Federal. Esse processo de distensão do regime, trouxe novos dilemas ao movimento feminista. O avanço do movimento transformou o eleitorado feminino em um alvo de interesse dos partidos políticos e de seus candidatos, que logo começaram a incorporar as demandas das mulheres aos seus programas e plataformas eleitorais, a criar Departamentos Femininos dentro das suas estruturas partidárias. Até o principal partido da direita, o PDS, criou seu Comitê Feminino.

Até então a perspectiva de relação com o Estado no projeto de transformação feminista não se havia colocado. Toda a relação estabelecida com o governo ditatorial era no sentido de confronto, de uma prática oposicionista. A eleição de partidos políticos de oposição para alguns governos estaduais e municipais forçou as feministas a repensarem sua posição frente ao Estado na medida em que a possibilidade de avançar em termos de uma política feminista passou a ser uma realidade. A vitória do PMDB para o governo de são Paulo garantiu a criação do primeiro mecanismo de estado no país voltado para a implementação de políticas para mulheres, o Conselho Estadual da Condição Feminina, criado em abril de 1983. Logo depois um novo desafio com a criação da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher Vítima de Violência se apresenta, não era só trabalhar com o Estado, mas também conviver, auxiliar, orientar e até mesmo capacitar a polícia, o aparelho repressivo do Estado brasileiro, até então identificado com a repressão, a tortura e o autoritarismo.

A emenda Constitucional Nº 25 de maio de 1985 reforma a Emenda Constitucional de 1969, suprime as restrições à livre organização política e social, consagra o princípio irrestrito de eleições diretas, para todos os postos do executivo e em todos os níveis da federação, retirando todas as leis de exceção editadas pelos militares, o popularmente chamado "entulho autoritário". O governo militar, cada vez mais encurralado política e economicamente, buscava saídas para uma transição ainda sob o seu controle. É neste contexto que o PMDB, dentro das regras estabelecidas ainda pelos militares, elege o presidente da República de forma indireta, através de um colégio eleitoral. Tancredo Neves, é eleito através da Aliança Democrática formada pelo PMDB e PFL.

               Com a democratização ampliam-se as possibilidades de atuação do feminismo no âmbito institucional com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e diversos outros conselhos estaduais e municipais, e novos desafios se apresentaram para o feminismo, agora em tempos de democracia.  

Mas, ...isso é uma outra história...

Nota biográfica
Professora Associada do Departamento de Ciência Política da 
Universidade Federal da Bahia, pesquisadora do Núcleo de Estudos 
Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM/UFBA , atual coordenadora do  Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre 
Mulheres, Gênero e Feminismo - PPGNEIM.  Fez mestrado (1981) e 
Doutorado (1996) em Sociologia Política na Universidad Nacional 
Autônoma de México e posteriormente fez estudos de Pos-doutorado em  Estudos Feministas no Instituto de La Mujer de La Universidad Uutonoma  de Madrid (2004

REFERÊNCIAS

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Documentos:

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[1] Trabalho apresentado no Colóquio Internacional Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: UFSC. Maio de 2009

[2] Profa. Do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM/UFBA , atual coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo - PPGNEIM

[3] Eu, participante dessa historia, iniciei na militância feminista em 1978 em um grupo de estudantes brasileiros no México, vinculadas a uma ação de denúncia dos malefícios da Ditadura brasileira. Poucos meses depois, incomodada pelo isolamento cultural me integrei a um grupo mexicano, o  Movimiento de Liberación de La Mujer na época integrado por Marta Lamas, Itziar Lozano, Gabriela Cano, dentre outras. Em 1981 ao regressar ao Brasil me incorporei ao Brasil Mulher de Salvador onde permaneci até 1989 quando o grupo encerrou suas atividades. Em 1983 juntamente com Cecília Sardenberg, Alda Motta, Maria Quartim Moraes, Maria Luiza Belloni e Maria Amélia Almeida criamos o NEIM na UFBA.

[4] Como parte das comemorações do Ano Internacional da Mulher, promovido pela Organização das Nações Unidas, em 1975 foram realizadas várias atividades públicas em São Paulo, Rio de janeiro e Belo Horizonte, reunindo mulheres interessadas em discutir a condição feminina.

[5] O Ato Institucional Nº 5 de dezembro de 1968 fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos parlamentares, proibiu qualquer manifestação de natureza política, vetou o "habeas corpus" para crimes contra a segurança nacional, estabeleceu a censura prévia.

[6]O Conselho Nacional de Mulheres do Brasil (CNMB) é uma organização cultural, não governamental, fundado em 1947 por D. Jerônima Mesquita, no Rio de Janeiro, tendo por finalidade trabalhar em defesa da condição da mulher”. Foi a principal entidade civil a lutar ao longo da década de 1950 pela aprovação do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121)  o que veio a ocorrer em 1962

 http://www.conselhonacionaldemulheresdobrasil.com/abert.htm em 20/02/2009.

[7] Para Céli Pinto esse evento (...) já mostrava uma rearticulação interessante, que criava uma nova situação tanto para a própria esquerda como para os órgãos de repressão do período. Essa rearticulação possivelmente se constituiu na grande novidade do feminismo e também em um dos problemas que lhe acompanharam na década seguinte: ao mesmo tempo que a questão feminista é um tema progressista por excelência, pois atinge o que há de mais tradicional na sociedade – o poder patriarcal – , ela obrigatoriamente não é perpassada pela questão política no sentido restrito do termo, o que possibilita um arco de alianças muito mais amplo do que o tradicional corte entre direita e esquerda, não sem razão muito presente na sociedade brasileira dos primeiros anos da década de 1970. O congresso promovido por Romy Medeiros é, portanto, sintomático dessa situação. (PINTO, 2003, p.48).

[8] Este grupo reunia mulheres de vários países da America latina e existiu até 1976. Foi responsável pela publicação do boletim “Nosotras”.

[9] Criado em 6 de julho de 1975 o Centro da Mulher Brasileira, não faz referência ao feminismo em seu Estatudo. no Capítulo I que trata “Da entidade, seus fins e objetivos”, estabelece no Art.1 º  O Centro da Mulher Brasileira tem por finalidade o conhecimento e a divulgação da condição da mulher em geral e, em particular, da mulher brasileira, atuando no sentido da  superação dos seus problemas. A proximidade mais cerca do feminismo aprece no item “d” desse artigo ao se propor a “promover a formação de grupos de reflexão sobre a condição da mulher.” (CDM. Estatuto, 1975).

[10] O Movimento Feminino pela Anistia foi criado em 1975 sob a liderança de Terezinha Zerbini, com o objetivo de articular as lutas e mobilizações em defesa dos presos políticos, pelo retorno dos banidos, por uma anistia ampla geral e irrestrita. O MFA foi a primeira estruturação publica e oficial de questionamento da ditadura militar.

[11] Pensamos que Nós Mulheres devemos lutar para que podamos nos preparar, tanto quanto os homens, para enfrentar a vida. Para que tenhamos o direito a realização. Para que ganhemos salários iguais quando fazemos trabalhos iguais. Para que a sociedade como um todo reconheça que nossos filhos são a geração de amanhã e que o cuidado deles é dever de todos e não somente das mulheres (...) Queremos portanto, boas creches e escolas para nossos filhos, lavanderias coletivas e restaurantes com preços populares, para que possamos junto com os homens assumir as responsabilidades da sociedade. Queremos também que nossos companheiros reconheçam que a casa em que vivemos e os filhos que temos são deles e que eles devem assumir conosco as responsabilidades da casa e nossa luta em torná-las sociais. Mas não é só isso, Nós Mulheres queremos, junto com os homens, lutar por uma sociedade mais justa onde todos possam comer, estudar, trabalhar em trabalhos dignos, se divertir, ter onde viver, ter o que vestir e o que calçar. E por isso não separamos a luta da mulher da luta de todos, homens e mulheres, pela sua emancipação (Nós Mulheres, 1976, p.2).

[12] Alguns objetivos da Sociedade Brasil Mulher possibilitam uma visão esclarecedora da perspectiva norteadora do feminismo brasileiro neste momento e da hegemonia de uma perspectiva marxista dessas organizações: 1. desenvolver ao máximo a consciência da condição feminina, da opressão específica que sofre, ao mesmo tempo em que avança o combate a opressão comum que pesa sobre os trabalhadores;  2. unificar essa consciência da opressão, fortalecendo e apoiando o movimento de trabalhadoras contra as discriminações específicas que sofrem e sua participação nas lutas econômicas, políticas e sociais de todos os trabalhadores contra sua opressão; 3. lutar para que os diferentes setores das classes trabalhadoras assumam as reivindicações das mulheres e se solidarizem com seus movimentos específicos;  4. desenvolver uma incessante luta ideológica contra os preconceitos e o papel tradicional da mulher, contra a influência da tradição,costumes, moral burguesa, de modo que os homens e mulheres transformem suas relações estabelecendo entre si relações de respeito e solidariedade de classes; 12. propor e lutar pela organização autônoma das mulheres em seus lugares de trabalho e moradia, ou inclusive organizações mais gerais. (Sociedade Brasil Mulher, 1978, p.12-13).

[13] “O Presidente Geisel, após inúmeras hesitações, acelera a abertura política, afastando militares identificados com a tortura e com a corrupção. Sob pressão da opinião pública dá continuidade a uma abertura “lenta, gradual e segura”, consolidada na Emenda Constitucional de 1978, que revoga os atos discricionários e restabelece eleições locais” (SILVA, 1990, p.300).

[14] O chamado “Milagre Econômico Brasileiro” se dá no período de 1968 a 1973, quando o Produto Bruto Nacional chega a um crescimento médio anual próximo a 10%, principalmente na indústria e nas exportações, ao mesmo tempo em que se conseguiu manter baixo e estável os índices de inflação.

Sobre o "milagre brasileiro" ver:

SINGER, Paul. A crise do "milagre". Interpretação crítica da economia brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

CARDOSO, Fernando Henrique. O modelo político brasileiro. São Paulo: DIFEL, 1973.

[15] É nesse ano que surge o Grupo Brasil Mulher Núcleo Salvador, o Brasília Mulher, o grupo responsável pela publicação do jornal feminista “Geração” em Maceió, o Grupo Feminista 8 de Março em São Paulo, o Ação Mulher de Porto Alegre, o Centro da Mulher Brasileira de Niterói,  o Coletivo Feminista do Rio de Janeiro como uma dissidência do CMB, dentre outros.

[16] O Primeiro Congresso da Mulher Paulista foi realizado entre 3 e 4 de março de 1979 com a participação de cerca de 800 mulheres que ao final se comprometeram  a atuar mais ainda nos grupos femininos, nos bairros, nos sindicatos e associações, levando até elas (as mulheres) nossas reivindicações específicas e fazendo com que seus membros assumam e lutem também por creches, equiparação salarial, iguais oportunidades de trabalho,  formação profissional e socialização do trabalho doméstico (EM TEMPO, março de 1979, p.16).

 

 

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janvier /décmbre 2009 -janeiro/dezembro 2009