labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier /juin 2011 -jameiro /junho 2011

 

Henriette Amado: uma aventura interrompida

 

 

Lia Faria

Carla Villanova

Silvio Claudio Souza

 

RESUMO: O objetivo deste texto é refletir sobre a trajetória da educadora Henriette Amado enfocando principalmente o período de sua atuação como diretora de um colégio de referência da rede pública do Estado do Rio de Janeiro: Colégio Estadual André Maurois (1965-1971). Implementando sua proposta político-pedagógica que tinha como principal fundamento o lema: “Liberdade com Responsabilidade”, inspirada pelas idéias de Alexander Sutherland Neill, Henriette enfrentou as condições adversas próprias de um período tenso e autoritário como foi a Ditadura Militar no Brasil. Para discutir as concepções teóricas e filosóficas que permeavam sua prática nos reportamos aos conceitos de gênero, identidade e representação, procurando problematizar as questões referentes ao magistério e ao ser-professora. No aspecto metodológico utilizamos: pesquisa bibliográfica, fontes orais (por meio da fala de ex-alunos, professores e funcionários) e, também, a pesquisa em periódicos relativos ao período estudado.

Palavras-chave: Memória Feminina; História da Educação; Colégio Estadual André Maurois.

Introdução

Henriette Amado é educadora essencial, de borla e capelo, provada e comprovada, inclusive através de provações e provocações, que, embora a tenha ralado algumas vezes, pela vida afora, jamais conseguiram arrefecer-lhe o ânimo: muito ao contrário. Esta mulher extraordinária constitui para todos nós, da comunidade brasileira, um exemplo de como se deve exercer, com dignidade e altivez, a condição de cidadania.

                 Hélio Pellegrino

 

O presente texto destina-se a refletir sobre a atuação de uma figura de destaque no cenário político-educacional do Rio de Janeiro nas décadas de 1950-1960, a educadora Henriette Amado. Tomamos como foco principal de nossa análise sua “aventura pedagógica” empreendida ao longo dos anos 1960, destacadamente o período que compreende os primeiros anos do Governo Militar[2], que com fortes doses de coerção e autoritarismo, interrompe a ação desta educadora cujo princípio educacional partia de uma concepção de Escola capaz de promover a emancipação humana pela necessária articulação entre liberdade e responsabilidade.

Para melhor nos aproximarmos do tema proposto, optamos por um procedimento metodológico que nos possibilitasse dar a “voz” a nossa personagem, escutá-la e, em certo sentido, dela nos aproximarmos. Nessa direção argumentativa cabe destaque as considerações de Roger Chartier [3] acerca do tema: “Nas páginas escritas por uns e por outros, as vozes estavam presentes. No estudo e no silêncio tentamos escutá-las e fazê-las nossas. As dívidas serão, então, múltiplas e recíprocas”.           

Em seguimento a essas idéias, no processo de elaboração deste texto, além da pesquisa bibliográfica, estaremos utilizando, também, depoimentos e relatos biográficos como recursos metodológicos. É importante ressaltar que, embora a incorporação da história oral como possibilidade metodológica date dos anos 1970, somente no início dos anos 1990 se experimentou aqui uma expansão mais significativa. A multiplicação de seminários e a incorporação pelos programas de pós-graduação em história, de cursos voltados para a discussão desse tipo de procedimento são indicativos importantes da vitalidade e dinamismo das pesquisas realizadas no campo das ciências sociais e humanas.

Desta forma, em um período de crise de paradigmas e de questionamento construtivo dos modelos interpretativos aplicados ao mundo social, entendemos que se considerarmos as devidas ressalvas, esse tipo de material pode contribuir para a compreensão de um determinado objeto de estudo, principalmente se entrecruzarmos tais fontes com a realidade sócio-histórica em que se apresentam.

Foram também utilizadas, neste trabalho de investigação, fontes secundárias para ilustrar algumas das argumentações apresentadas. O recurso às fontes secundárias se justifica pela necessidade de melhor entendimento da contemporaneidade, tendo em vista a possibilidade do acompanhamento das ações no mesmo tempo em que se desenvolvem. Conforme Eric Hobsbawm (1995:9), a compreensão e a análise do presente/passado dependem dos documentos e das publicações oficiais, ou não, que tratam da dinâmica e do desenvolvimento da vida cotidiana e imediata:

À medida que o historiador do século XX se aproxima do presente, fica cada vez mais dependente de dois tipos de fonte: a imprensa diária ou periódica e os relatórios econômicos periódicos e outras pesquisas, compilações estatísticas e outras publicações de governos nacionais e instituições internacionais. Nenhuma história das mudanças sociais e econômicas ocorridas neste século poderia ser escrita sem essas fontes.

Também, utilizaremos alguns depoimentos, pois eles nos auxiliam a “revisar” a história e nos ajudam a compreender o contexto sócio-político-cultural da época. Entretanto, não podemos perder de vista a seguinte interrogação: Que tipo de textos nos defrontamos quando usamos, como fonte de dados de nossa pesquisa, esse tipo de material? Desta forma, nossa atitude como pesquisadores sociais não consiste simplesmente em contar histórias, mas em obter, a longo prazo, categorias e conhecimento científico – oposto ao conhecimento cotidiano. Portanto, mais uma vez frisamos que é preciso interpretar os elementos de um texto narrativo em relação à sua contextualização.

Tendo sido apresentadas essas considerações iniciais, desenvolveremos na primeira parte deste texto uma análise tomando como fio condutor a temática do gênero onde pretendemos refletir acerca de alguns elementos referentes ao processo de feminização do magistério, considerando o contexto sócio-histórico em que se desenvolve.        

Na segunda parte, abordaremos o tema central da ação político-pedagógica de Henriette Amado, “Liberdade com responsabilidade”, que teve lugar no espaço escolar do Colégio Estadual André Maurois, em um contexto político-educacional tensionado pelo governo autoritário e controverso que se instalou no Brasil com o Golpe Militar de 1964.

O gênero em questão: o processo de feminização do magistério perspectivado pelo contexto histórico-social.

Cuidado com as noites amorosas que se desmancham em frias manhãs, sem lembrança.

Henriette Amado

Após a introdução sobre a questão metodológica, gostaríamos de contextualizar e, principalmente, destacar a crescente projeção feminina no campo da política, das artes, do mercado de trabalho, dentre outros espaços sociais, transformando esses últimos 100 anos, no Século das Mulheres. Elas ganharam espaços importantes, como se pode atestar, aqui em nosso universo político pelo inusitado quadro da última eleição presidencial em que dois dos principais candidatos a presidência da república eram mulheres. Tal constatação é digna de nota e sinaliza para uma mudança de ordem estrutural, pois em uma sociedade patriarcal como a nossa, das lutas em torno do mundo da política e do trabalho à plena afirmação da igualdade civil, as mulheres vem consolidando seu lugar de protagonistas na dinâmica social.

Segundo Rose Marie Muraro[4]:

“É na segunda metade do século XX que o feminino, a mulher emerge como sujeito da história – da mesma forma que o homem. E essa irrupção começa a trazer conseqüências já mensuráveis na própria estrutura do Estado e no sistema produtivo”.

Podemos perceber que a paisagem de hoje contém elementos que foram processados ao longo de uma verdadeira luta histórica, revelando a natureza dialética da composição desse movimento de transformação, da “emergência do feminino”. A experiência histórica nos faz, então, tomar como marco referencial os anos 1960 do século passado, período no qual se deu a irrupção do desejo de não mais se submeter às convenções e ideologias dominantes, o que resultou em uma inédita e importante confluência nas artes, política e padrões comportamentais. Tal contexto é fundamental para empreendermos nossa reflexão acerca das contribuições da educadora Henriette Amado, professora concursada do Estado do Rio de Janeiro, atuando em instituições oficiais de ensino de referência, dentre elas o Instituto de Educação do Rio de Janeiro e responsável pela experiência político-pedagógica interrompida pela Ditadura no Colégio Estadual André Maurois.

Segundo Lia Faria (

“somente a partir de um estudo mais radical acerca do sentido dos papéis sexuais e do simbolismo sexual das sociedades é que poderemos melhor identificar as épocas e a ordem social que as institui, e quem sabe até transformá-las”(.Faria (1997:56)

Nesse sentido, achamos oportuno refletir sobre a constituição do sujeito-mulher conforme nos recomenda Simone de Beauvoir (1949) ao propor a seguinte questão: “O que é uma mulher?”. Esse questionamento, em meados do século passado, levou-nos a compreender que a busca de um significante geral para a multiplicidade do ser-mulher, aponta para a afirmação de um sujeito e não apenas um reflexo invertido ou uma construção do olhar masculino.

Para compreendermos melhor as particularidades (e generalidades) dos discursos e das práticas sociais observáveis na época que nos propusemos a investigar, recorremos ao conceito de gênero enquanto categoria histórica.  Este conceito, importante para a reflexão sobre o processo de feminização do magistério, mostra-se útil na composição do quadro, que percebemos matizado, sobre as formas como se apresentam e são representadas as professoras.  Nos dizeres de Guacira Louro

"Magistério e escola, como atividades ou instituições sociais, transformam-se historicamente. Os sujeitos que circulam nesse espaço se diversificam e a instituição talvez seja, sob vários aspectos, uma outra instituição. Entre as mudanças que marcam de forma mais evidente, esse processo de transformação está a feminização do magistério."( Louro (1997:94):

Cabe destacar que o processo de feminização da profissão docente, vem se constituindo desde meados do século XIX. Conforme já indicado em outros estudos, como o de Diana Vidal e Marília Carvalho (2001), esse processo tem sido freqüentemente associado apenas ao ingresso majoritário de mulheres no magistério, fato que, apesar de representar fenômeno importante, não deve ser enfocado apenas como uma mudança na composição sexual do corpo docente, e sim como uma dinâmica de profundas transformações nos significados sociais atribuídos à docência, significados esses que dizem respeito, por exemplo, às expectativas sociais dirigidas a homens e mulheres e às prescrições sobre a infância e a maternidade.

Na Perspectiva de Guacira Louro (1997), não podemos esquecer que no início do século XX, a base do “discurso hegemônico”, propunha que para os indivíduos do sexo feminino era suficiente uma educação moral sólida, visando à formação de esposas e mães, em detrimento da instrução escolar propriamente dita, que poderia ser superficial e meramente ilustrativa. Todavia, a própria autora nos sinaliza que teríamos, pelo menos, três maneiras distintas de encarar a educação feminina.

Na primeira inclinação, a tradição católica e jesuítica negava às mulheres a necessidade de instrução e defendia a formação moral cristã para as futuras mães reforçando o papel doméstico de prendas do lar. Na segunda opção, a inspiração seria o positivismo, e defendia a educação feminina para a formação das mães, porém com base nas ciências como a puericultura, a psicologia e a higiene, em detrimento das “ignorantes superstições” próprias da fé católica.  Para finalizar esse “tripé ideológico”, a inclinação (minoritária) que pleiteava a igualdade entre os sexos, inclusive reivindicando para as mulheres a participação em cursos superiores em igualdade com os homens, tais como: magistério, medicina, direito e engenharia.

Assim, constatamos (obviamente) que a terceira inclinação, minoritária no início, encaminhou o processo histórico na direção da emancipação feminina, tendo vozes tanto de homens quanto de mulheres, contribuindo para a defesa da ampliação da educação feminina e, conseqüentemente, para uma redefinição dos papéis e lugares sociais das mulheres nos espaços públicos e privados, redimensionando as relações de gênero.

Entendendo que a temática do gênero mostra-se de fundamental importância, faz-se necessário, também, discutir a distinção entre sexo e gênero. Se o sexo se refere aos caracteres biológicos de uma pessoa, o gênero, em uma outra direção, se refere ao conjunto de caracteres adquiridos ao longo de um processo educativo, em vias formais e/ou não formais, caracteres que contribuem para a constituição das representações sobre os dois gêneros, conduzindo, segundo situações sociais específicas, a uma hierarquia de dominação-subordinação:

"Relacionada a princípio, às distinções biológicas, a diferença entre os gêneros serviu para explicar e justificar as mais variadas distinções entre mulheres e homens. Teorias foram construídas e utilizadas para “provar” distinções físicas, psíquicas, comportamentais; para indicar diferentes habilidades sociais, talentos ou aptidões; para justificar os lugares sociais, as possibilidades e os destinos “próprios” de cada gênero." (VIDAL; CARVALHO, 2001:32).

Com os estudos de Joan Scott (1990), historiadora estadunidense que privilegia o conceito de gênero enquanto categoria histórica, a reflexão torna-se mais radical, quando consideramos que é preciso desconstruir o caráter permanente da oposição binária masculino-feminino. Segundo essa autora, observa-se, nas sociedades, um pensamento dicotômico e polarizado sobre os gêneros, usualmente concebendo homens e mulheres como pólos opostos que se relacionam dentro de uma lógica invariável de dominação-submissão.

Essa ideologia tem como um dos seus principais alicerces a escola e a família, instituições que contribuem para que as crianças dos dois sexos cheguem a transformar-se em indivíduos de gêneros opostos. Assim, sob o axioma “não se nasce mulher, torna-se mulher” (Beauvoir, 1949), o feminismo analisou profundamente a maneira como as instituições patriarcais fizeram com que as mulheres fossem femininas e os homens masculinos e, de modo particular, analisou como a família, a Igreja e a Escola formaram a mulher para ser esposa e mãe, por meio de mecanismos repressivos de sua sexualidade, apresentada como algo que se deve negar ou esconder.

 Em sua análise sobre o magistério e o trabalho feminino, Michael Apple[5] (1995:56) propõe segundo certas contingências históricas, que as próprias tarefas associadas a uma determinada ocupação reforçam a segregação sexual:

Como a atividade docente, por exemplo, tem componentes de cuidar de criança e servir, isso ajuda a reconstituir sua definição como trabalho de mulher. E como “nós” associamos cuidar de crianças e servir com menor qualificação e menor valor que outros trabalhos, nós revivemos assim as hierarquias patriarcais e a divisões horizontal e vertical do trabalho.

Outros estudos sobre o trabalho feminino frisam que certos aspectos, como, por exemplo, a criação dos filhos e as relações afetivas na família, foram considerados como integrantes do mundo do privado, onde se situaria a mulher, durante um longo tempo. Esta era mantida, assim, afastada do público e do político, sendo-lhe negado, portanto, o acesso a decisões que atingiam profundamente sua vida e que lhe tiravam forças para ter sua voz reconhecida em outras esferas sociais.

Mas como pensar esse sujeito, Henriette Amado, na sua subjetividade enquanto mulher-educadora? Como pensar a constituição do ser-professora e seu processo de subjetivação, sem cair nas malhas do determinismo a-histórico e acrítico que tende a rotular, reduzindo a uma caricatura o que se pretende investigar?  É a própria Henriette Amado quem nos adverte em sua obra intitulada, Exercício de Vida (1981:53): “Pediram-me certa vez que escrevesse sobre o universo feminino. Creio ser tão complicado quanto o masculino. O homem e a mulher devem por de lado falsos pudores e abrir o coração para esclarecer decepções frustradoras”.

No pensamento de Michel Foucault (1993)também encontrarmos importantes elementos para pensarmos essas questões. Ao analisarmos a historicidade das práticas discursivas, afirmamos, assim como Michel Foucault, que as mesmas representam um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, o que colabora para compreendermos o caráter contingencial das representações e da inteligibilidade instituída pelos discursos sobre o gênero.

Contrário às grandes esquematizações totalizantes, Foucault (1993) concebe o poder como uma multiplicidade de relações de força que são imanentes ao domínio onde se exercem e são constitutivas de sua organização, sendo assim que a múltipla face do poder desenha seu perfil na identificação dos corpos. O sexo, assim entendido, serviu à articulação dos novos e modernos mecanismos do poder e do controle social.  Nas palavras de Henriette Amado (1981:54), também podemos encontrar elementos que se referem a essa questão:

A partir do altar, começa uma falsa renúncia, pois inconformada a mulher atravessa a vida em silêncio ressentido. O homem supervalorizado, habituou-se a dar somente o que deseja dar, sem perguntar a parceira se é mesmo aquilo que deseja receber. E a mulher, que é só dádiva, nem pede nem recebe com naturalidade.  

Ao procedermos à leitura de seus textos percebemos que Henriette Amado não compartilha das concepções inatistas que fundamentadas por determinismos biológicos e/ou morais-religiosos, propagaram a idéia de uma essência ligada à natureza da mulher, destinada a justificar, dentre outras coisas, a concepção do dom e das vocações naturais do sexo feminino para o exercício de determinadas funções, procurando desnaturalizar (e ampliar) o entendimento acerca das representações do magistério e percebendo o processo de constituição da identidade desse grupo em uma perspectiva sócio-histórica.

 É na direção desse ser-percebido, que não é dado definitivamente, que compartilhamos de sua concepção, nos possibilitando a aproximação do ser-professora, que compreendemos como algo multifacetado, não possuidor de uma identidade única e estável, pois conforme sinalizado por Stuart Hall (2001), a concepção sociológica clássica entende a identidade como sendo formada na interação entre o eu e a sociedade e preenchendo o espaço entre o mundo pessoal e o mundo público.  Entretanto, argumenta-se atualmente que o sujeito, previamente entendido como tendo uma identidade única e estável, está se tornando fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades.  

Reconhecemos a importância dessa concepção teórica, pois contribui para pensarmos o processo constitutivo das identidades de forma mais complexa, e não de maneira unívoca. Compreendemos, também, que a constituição da identidade, em suas múltiplas dimensões, está profundamente relacionada aos processos de construção de representações, que têm efeitos intensos na forma como os sujeitos se percebem e são percebidos pelos outros. Conforme Hall (2001.p.38): “A identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, através de processos. Existe sempre algo "imaginário" ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre sendo formada”. Cabe destacar que as representações, ao mesmo tempo em que constituem e transformam os sujeitos, são também constituídas e transformadas histórica e socialmente pela ação dos mesmos.

Em relação à Henriette, é digna de nota as considerações de Hélio Pellegrino a respeito da “Mestra bailarina”, que nos auxiliam a melhor compreender sua atuação perspectivada pelo olhar do Outro:

"Aí está o segredo de Henriette. Ela sabe, por experiência própria, que o entendimento entre os seres humanos é conquista e paciência, mais do que idílio e acaso. Ela tem, portanto, fé na capacidade inerente ao ser humano de construir-se: somos todos, em última instância, operários em construção. E, por isto mesmo, somos todos viandantes, em trânsito, encharcados de tempo, fluindo como ele, perpétuos inacabados em busca de um acabamento que não pode – não deve chegar nunca. " (In: AMADO. H, 1981:9)  

Destacadas essas considerações, apresentaremos a seguir um pouco da trajetória empreendida por Henriette Amado, problematizando seu processo de constituição como sujeito atuante, à frente de seu tempo, relacionado à sua atuação como mulher-educadora em pleno período da Ditadura Militar no Brasil.

Liberdade com Responsabilidade

Os valores que nós adultos acreditamos, sem discutir, os jovens só aceitam, depois de questioná-los. Certos valores nunca deixarão de existir – aqueles que tem sentido humano e universal.

Henriette Amado

A trajetória de vida de Henriette de Hollanda Amado inicia-se em 04 de janeiro de 1913, em Londres, onde seu pai, Rafael de Hollanda terminava os estudos como engenheiro eletricista. Sua mãe, Tereza Motta, uma gaúcha filha de um comerciante de café, sofreu eclampsia de parto, perdendo a lucidez para sempre. Henriette, com seu pai, jovem e inexperiente, foi sendo criada pelas distantes enfermeiras inglesas. Terminados os estudos, Rafael veio para o Brasil, trazendo Henriette, então com cinco anos de idade, de Londres para João Pessoa, na Paraíba.

Em 1918, a pequena Henriette foi entregue aos avós, Camillo de Hollanda, Governador do Estado da Paraíba, e Mariana Augusta, uma avó severa que se encarregou de sua criação. A educação rígida do Palácio da Redenção ensinou rapidamente à pequena Henriette o significado do silêncio e da disciplina. Mais tarde, já sob os cuidados do pai no Rio de Janeiro, foi interna do colégio Sion, em Petrópolis, passando pelo Instituto de Educação[6] onde se tornou professora de latim e história. Seu interesse era o de compartilhar a vida com seus alunos:

"Fui professora do ginásio e clássico durante 25 anos. Fiz um concurso para o Estado e passei. Dirigi o Colégio Brigadeiro Schorcht, o Colégio André Maurois e o Hélio Alonso. Convivi com os estudantes ligada aos seus problemas e aprendi a amá-los. No Instituto de Educação lecionava latim. Para tornar as aulas mais interessantes, escrevia com pilot amarelo e em cartolinas pretas os textos de Cesar. Ao final das aulas lia nos olhos dos alunos a surpresa de um tempo tão rápido." (AMADO, H. 1986: p.4).

Casou-se com Gilson Amado, advogado, educador e que tinha com ela um sonho em comum: a educação. Ele acreditava que a única saída possível para educação no Brasil seria através da democratização dos meios de comunicação. Enquanto Gilson afirmava que o sistema escolar estava falido, Henriette defendia a comunicação direta, “olho no olho” com o estudante, resgatando o papel social da escola e sua contribuição para a formação do ser humano pensante, assim como, destacando a importância da função do professor como orientador do aprendizado.

As décadas de 1950 e 1960 foram marcadas por grandes conflitos e mobilizações sociais, onde a questão da liberdade não era só para ser discutida, mas fundamentalmente exercida. Neste contexto de transformações sociais de escopo mundial, a Profª. Henriette Amado procura implantar no Colégio Estadual André Maurois a seguinte proposta político-pedagógica: Liberdade com Responsabilidade. Essa concepção de escola que incorpora a liberdade e a responsabilidade como balizas para a co-existência humana digna, tem como base o pensamento-ação de Alexander Sutherland Neill. É importante, nesse momento, elucidarmos a concepção de Escola de Neill para entendermos como seus fundamentos inspiraram a práxis de Henriette Amado.

Alexander Sutherland Neill[7] em 1917 visitou Little Commonwealth, uma instituição para jovens que funcionava com base no princípio do auto-governo. Homer Lane, que coordenava a escola, introduziu Neill a dois elementos que foram essenciais em sua prática pedagógica: o autogoverno e a importância do bem-estar emocional das crianças. Em 1921 fundou a International Schoool, que mudou de sede por algumas vezes até se estabelecer em Leiston, condado de Suffolk, a 160 quilômetros de Londres, passando então a se chamar Summerhill[8].

O autor acreditava ser a felicidade um elemento fundamental para o desenvolvimento das crianças e que essa felicidade teria origem no desenvolvimento do senso de liberdade das mesmas. Para ele, as escolas tradicionais privam de liberdade seus alunos e as conseqüências da infelicidade vivida pelas crianças reprimidas estariam na origem da maioria dos problemas psicológicos da vida adulta. A fundação da escola de Summerhill deu concretude às propostas pedagógicas de Neill, distintas da linha hegemônica da época, pois sustentava que os jovens deveriam ser estimulados a aprender em um ambiente de liberdade e de responsabilidade.

Influenciado pelo pós I Guerra Mundial, o autor parte do princípio de que a humanidade está doente e essa doença decorre do tratamento repressivo que as crianças recebem numa sociedade patriarcal. Inclusive nas questões ligadas à repressão sexual, em especial quando associadas às normas religiosas mal compreendidas. Responde a isso afirmando que toda criança tem direito à liberdade e que um grupo de crianças se auto-regula, estabelecendo em conjunto as próprias normas, ou como ele mesmo afirmava:

'Para resumir, meu ponto de vista é que a educação sem liberdade resulta numa vida que não pode ser integralmente vivida. Tal educação ignora quase inteiramente as emoções da vida, e porque essas emoções são dinâmicas, a falta de oportunidade de expressão deve resultar, e resulta, em insignificância e hostilidade. Apenas a cabeça é instruída. Se as emoções tivessem livre expansão, o intelecto saberia cuidar de si próprio. "(NEILL, 1977:93).

Na proposta pedagógica de Summerhill, as crianças não são obrigadas a assistir as aulas e, além disso, as decisões da escola são tomadas em assembléias onde todos votam, incluindo professores, alunos e funcionários. Para o autor, a experiência nessa escola mostrou que, sem a coerção das escolas tradicionais, os estudantes orientam sua aprendizagem através do seu próprio interesse, ao invés de orientar pelo que lhe é imposto.

Na escola, nenhum adulto tem mais direitos que uma criança, todos tem direitos iguais. Nesse sentido o autor destaca a diferença entre os conceitos de liberdade e licença. Para Neill todos devem ser livres, porém isso não implica numa liberdade sem limites. Ninguém tem licença para interferir no espaço de outra pessoa e, ao mesmo tempo, todos têm total liberdade para fazerem o que quiserem no que disser respeito a si próprio. Em decorrência desse entendimento, ninguém deve determinar quais aulas uma criança deve freqüentar, mas, ao mesmo tempo, ninguém tem direito de atrapalhar uma atividade coletiva. Liberdade não pode significar o direito de fazer o que bem quiser a hora que quiser, pois o excesso de liberdade se transforma em licenciosidade.

Neill criticava a escola tradicional, também, por enfatizar demais o lado racional das pessoas, em detrimento do lado emocional. Nesse sentido, em sua escola o teatro, a dança, os trabalhos manuais, ganham um destaque maior frente às disciplinas tradicionais. As aulas das matérias convencionais existem, mas não são o centro da escola. Como diretor, ele dava aulas de álgebra, geometria e trabalhos manuais e  geralmente dizia que admirava mais aqueles que possuíam habilidades para o trabalho manual do que aqueles que se restringiam ao trabalho intelectual. Neill gostava de enfatizar que

“Criadores aprendem o que desejam aprender. Não sabemos quanta liberdade de criação é morta nas salas de aula”, ou, ainda, “Gostaria antes de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico”. (Neill,1977:52)

Durante, o processo de elaboração de sua proposta educativa, por um período trabalhava individualmente com alguns alunos numa espécie de sessão de terapia. Após algum tempo abandonou esse trabalho individual, pois concluiu que com as sessões ou sem, os alunos resolviam seus problemas de qualquer forma. A liberdade era a responsável por isso.

Venerado pelos amantes da liberdade irrestrita, abominado pelos partidários de uma educação tradicional e respeitado pelos que reconhecem a importância de flexibilizar a hierarquia escolar. Assim o educador, escritor e jornalista Alexander Sutherland Neill viveu boa parte de seus 90 anos. Sua escola tornou-se ícone das pedagogias alternativas ao concretizar um sistema educativo em que o importante é a criança ter liberdade para escolher e decidir o que aprender e, com base nisso, desenvolver-se no próprio ritmo. A época em que ele viveu justifica grande parte de suas idéias, como ele mesmo sinaliza:

"Nossa cultura não tem tido grande sucesso. Nossa educação, nossa política, nossa economia levam à guerra. Nossa medicina não põe fim às moléstias. Nossa religião não aboliu a usura, o roubo... Os progressos da época são progressos da mecânica em rádio e televisão, em eletrônica, em aviões a jato. Ameaçam-nos novas guerras mundiais, pois a consciência social do mundo ainda é primitiva."    (NEILL, 1977:76) 

Disposto a construir um mundo mais justo e interessante por meio da escola, Neill tornou-se um dos mais importantes educadores das décadas de 1960 e 1970. Seu respeito pela infância e sua coragem em manter uma posição de independência fazem com que até hoje ele mereça ser revisto e estudado[9].

Henriette Amado em busca de realizar uma experiência que valorizasse a liberdade, seguindo os princípios de Neil (ela acreditava que a proposta de Summerhill adequada à realidade brasileira, poderia ser um ponto de partida para uma educação que formasse pessoas seguras, onde houvesse uma verdadeira troca de experiências ente alunos e professores), aceitou a nomeação para dirigir um novo colégio que seria aberto no Leblon: Colégio Estadual André Maurois. O ano era 1965 e o contexto para esse tipo de “aventura educativa” não era propício, pois no Brasil havia se iniciado em 31 de março de 1964 o Governo Militar, que empreendeu um longo período de ditadura. Entretanto, não podemos esquecer a fibra e determinação da Profª. Henriette, como afirma Hélio Pellegrino:

"Henriette Amado é apaixonada pelo que faz, obstinada, firme como pouca gente e, ao mesmo tempo, dançarina no que faz, livre, criativa, capaz de compreender e improvisar a partir do que é novo, surpreendente, inesperado. Creio ser essa uma descrição bem adequada uma educadora de adolescentes. Firmeza leve, alada, tecida de fios capazes de tremer ao sopro do espírito do tempo, mas num mesmo instante, aptos a resistir às fortes lufadas da crise- quando a crise chega." (In: AMADO, H. 1981:7)

O Golpe Militar de 1964 desencadeia um retrocesso enorme no sistema educacional brasileiro, onde a simples acusação de uma pessoa, um livro ou uma proposta educativa de cunho esquerdista (comunista, socialista, anarquista etc.) poderia desencadear demissões, suspensões, prisões ou, até mesmo, situações muito piores... Não podemos esquecer que nesse momento educadores que tinham reconhecimento e prestígio como, por exemplo, Paulo Freire e Anísio Teixeira, foram duramente atingidos pelas práticas coercitivas do novo regime político. E é exatamente neste contexto nebuloso que Henriette Amado assumiu a direção do André Maurois, em 1965. É evidente que as atitudes pioneiras de Henriette Amado, em pleno período da Ditadura, na poderiam passar despercebidas, pois “o fascismo é feio, disforme, arbitrário, da banda da imobilidade e da morte. O fascismo é anti-bailarino, anti-jovem: anti-Henriette”. (PELLEGRINO, In: AMADO, H. 1981:11).

 Como prova de sua capacidade em enxergar os problemas da coletividade, logo após a sua nomeação como diretora, a cidade do Rio de Janeiro sofre a pior enchente[10] de sua história, o empenho de Henriette Amado (1986:18) para minimizar o sofrimento de três centenas de pessoas é obtido com muita determinação e solidariedade, como ela mesma nos relata:

De 12 a 22 de janeiro de 1966, o Colégio Andre Maurois começou a sentir em sua fria estrutura de concreto o calor da solidariedade humana – 271 vítimas da enchente foram assistidas em nossa escola. Da enchente ocorrida na cidade, em janeiro de 1966, coube-nos a tarefa de socorrer quase três centenas de flagelados. Toda a capacidade de organização foi posta em desafio. Ordenar o caos só foi possível com a ajuda de muitos elementos da comunidade. Uniram-se aos professores, os médicos e os enfermeiros que acorreram à primeira voz de apelo.

É bom destacar que o contexto era o de luta pelo restabelecimento da democracia, e a ação desta educadora orientava-se pelas grandes questões nacionais, de caráter coletivo, que naquele momento estavam mobilizando o país por meio do engajamento de importantes segmentos e instituições da sociedade, destacadamente aquelas em que se organizavam os estudantes.

Para ilustrar sua atitude de participação e mobilização efetiva com os alunos na busca do ideal de liberdade, ela nos lembra de um episódio interessante:

"A fase de maior repressão nacional passei no André Maurois, como Diretora. O Grêmio era composto de estudantes extremamente brasileiros e políticos. Citarei apenas um pequeno episódio: Ao entrar no Colégio de tênis, substituindo o sapato de salto alto, fui abordada com uma exclamação cheia de sutil alegria – Onde vai com esses sapatos? Respondi: Vocês não vão à Passeata dos Cem Mil?[11] Eu também vou à passeata! "(Ib. p.4)

Trazendo outras vozes para refletir sobre o tema em questão, apresentamos a seguir a experiência vivenciada pelo então professor catedrático de psicologia da UFRJ, Antônio Gomes Penna :

"Em 1968, participei da marcha dos Cem Mil. Estava à frente dos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, juntamente com Maria Yedda Linhares e José Américo Peçanha. Ao meu lado, também minha mulher, Marion Merlone dos Santos. Logo em seguida houve a célebre reunião no Colégio André Maurois, sob a presidência da Professora Henriette Amado. Compareci à reunião e logo fui convidado para participar da mesa. Na medida em que eu era um professor catedrático, imagino que pensaram que minha presença poderia dar mais peso à reunião. Ao seu término, produziu-se um documento de protesto contra as violências cometidas contra estudantes. Fui um dos que assinaram o documento. Integrei, ainda, o grupo de professores que levou o citado documento ao Palácio da Cultura, entregando-o às autoridades do Ministério da Educação"(.Penna.(2004:10):

Sob a direção de Henriette Amado o André Maurois chegou a ter 2.500 alunos estudando regularmente em três turnos: manhã, tarde e vespertino. Neste período, o Colégio não era freqüentado massivamente pelas classes mais populares, fato que viria a se alterar ao longo do tempo. Naquele momento, era ainda um espaço escolar destinado à classe média, muito em função de sua localização, no bairro nobre do Leblon, e que se tornou famoso não só pelas idéias inovadoras de Henriette, mas também pelo curso preparatório, onde seus alunos conseguiam os primeiros lugares nas melhores universidades do Estado do Rio de Janeiro".

Nessa proposta alternativa de educação, vale a pena registrar a contribuição de outra educadora expressiva, Circe Navarro Vital Brasil, que nos anos 60-70, iniciou importante trabalho de pesquisa da aplicação de descobertas e conceitos fundamentais da lingüística contemporânea à reformulação do ensino da leitura e escrita, propondo uma nova metodologia para alfabetização. Essas pesquisas contribuíram muito para a formulação dessa experiência pedagógica, que resultou no livro “Uma experiência interrompida”, escrito em co-autoria com Henriette Amado, Samira Mesquita e Célia Dourado.

Apesar de considerarmos que não podemos atribuir universalidade aos casos particulares, entendemos ser importante apresentar alguns depoimentos ilustrativos de como a concepção de “liberdade com responsabilidade” era praticada em sua concretude na “Escola-laboratório André Maurois”. Para iniciar essa série de depoimentos, trazemos a experiência vivenciada pela grande artista Áurea Martins, ou melhor, a “cantora-inspetora de classe” no colégio André Maurois:

Para complementar os incertos cachês de cantora da noite, Áurea achou melhor arranjar um trabalho diurno que lhe garantisse um salário fixo – e nisto teve sorte como quê! De carteira assinada, entrou para o serviço público como inspetora de classe no Colégio Estadual André Maurois, no Leblon, então sob a direção de D. Henriette Amado. Quando os alunos se organizaram para promover um festival escolar da canção, um deles falou: “A inspetora canta.” E assim, Áurea voltou a cantar no colégio. Agora, porém, não mais como integrante de coral; mas como solista. A partir daí, várias foram as vezes em que D. Henriette a convocou à sala da diretoria (que, aliás, não tinha porta) para que cantasse para ela, em pleno expediente (People, de Jule Styne & Bob Merril, era uma das preferidas da valente educadora experimental). Mas o sonho da brava senhora foi drasticamente interrompido numa manhã de agosto de 1971. Ao ver D. Henriette ser retirada do estabelecimento pelos militares, Áurea saiu junto e não voltou sequer para dar baixa na carteira.[12]

Silvia Lessa Bastos foi aluna do André Maurois, entre os anos de 1966 e 1969, ela lembra que a sala da direção (sem portas) vivia cheia de alunos: "Era um entra e sai o tempo todo. Todo mundo podia ir lá, conversar, e ela sempre sorridente, cumprimentando todo mundo". Ovídio Cavallero (ex-aluno de 1966) era o típico garoto rebelde dos anos 1960, completa: "A sala dela era o living do colégio, ela sentava no sofá ou na cadeira, dependendo do grupo de pessoas e da conversa que estivesse rolando". E rindo de uma peraltice de adolescente conta:

"Eu mesmo, várias vezes me sentei em cima da mesa dela, e ela dizia brincando: Seu Ovídio, o senhor fica muito bem aí". (AMADO, R., 2005:3).

Numa época em que todos os colégios tinham inspetores para que os alunos não ficassem fora de suas salas, Henriette aboliu a figura do inspetor, conforme nos lembra um dos alunos da época:

Eu me lembro que no começo nós matávamos aula. As pessoas falavam: que bárbaro, não tem inspetor! E matavam aula. Mas depois isso caiu por terra. Eram tão boas as aulas, pra quê matar? O lema dela, liberdade com responsabilidade, nos dava liberdade total, mas exigia a responsabilidade pelas nossas escolhas. Ela criou o amor pelo estudo que nós não tínhamos. Para quem não quisesse assistir aula, ela criou várias atividades para se fazer na escola, como pintura, trabalhar com madeira, cerâmica. A sensação para mim ao entrar no André era de liberdade total, como se me tirassem duas algemas e eu enfim pudesse sair livre pelas ruas!  (Id. p.4)

Em 1970, a professora Georgina Carlin Fagundes chegou ao Rio de Janeiro, vinda do Rio Grande do Sul. Ela conta que quando chegou ao Rio, com 21 anos, lhe foi oferecido um emprego no André Maurois:

Uma amiga a havia alertado sobre o colégio, que era muito famoso. Ela me disse que a escola era muito difícil, os alunos eram muito adiantados e que eu teria que estudar muito. Eu tinha medo, porque eu era muito nova e inexperiente e as opiniões sobre o colégio eram divididas. Então eu disse na Secretaria de Educação: este colégio eu não quero. Nisso, uma pessoa bateu com a mão no meu ombro e disse: Minha filha, você vai agora na escola comigo e nunca mais você vai querer sair de lá. Era D. Henriette Amado. Eu fiquei muito impressionada com a maneira com que D. Henriette comandava o colégio. Os livros utilizados por ela eram dificílimos, mesmo para os dias de hoje. O nível de exigência de D. Henriette era muito alto. Eu tinha que estudar muito para acompanhar o ritmo dela. (AMADO, R. 2005, p.5)

A proposta feita aos professores era descobrir novas formas de ensinar, de conquistar e desenvolver o equilíbrio mental e emocional dos alunos para que eles pudessem confiar em suas próprias decisões. Para isso Henriette não media esforços para trazer para junto de si o que havia de melhor no Rio de Janeiro. Suas ações pedagógicas visavam o debate dos acontecimentos atuais, como a criação da Embratel, a Transamazônica, poluição, ecologia e Projeto Rondon. Médicos eram convidados para debater sobe pílulas e os transplantes. Foi criado o círculo de pais, onde pais e alunos discutiam questões que os mobilizavam no dia-a-dia. Havia, também, festival de teatro, de cinema, de dança, e até mesmo aulas de educação sexual. Segundo um dos professores:

“Se ela encontrava algum aluno com drogas, por exemplo, ela não ia denunciar como era comum na época. Ela fazia o que se faz hoje, chamava a família, tentava resolver dentro da escola".(AMADO, R., 2005:4).

Em 1970, durante um festival de música do colégio, Henriette percebeu que alguns alunos estavam fumando maconha. Junto com a equipe de ciências e biologia programou experiências com ratos, aplicando-lhes drogas para que os alunos vissem com seus próprios olhos os efeitos causados, conforme nos relata Ovídio Cavallero:

"Ela colocou no pátio do Colégio, várias gaiolas e em cada uma delas o rato sob efeito não só de drogas diferentes, mas também sob efeito contínuo da droga: 1o dia, 2o dia etc. Ela fez o colégio inteiro acompanhar a experiência. Era o nosso recreio, e surtiu muito efeito, todos ficaram muito impressionados. "(id. p.3)

Após essa experiência, os alunos passaram a discutir sobre drogas, conversa-tabu até aquele momento. Apareceram, então, artigos caluniosos e a declaração do Secretário de Educação afirmando que investigaria o uso de psicotrópicos nas escolas. Foi um período de terror para alunos e professores, com a polícia constantemente na porta do colégio, alunos e professores sendo ameaçados.

Em 1967 foi criado o Decreto-lei no 477, que obrigava os diretores de escolas e universidades a denunciar alunos infratores, que fumassem maconha ou que participassem de movimento subversivo ou qualquer tipo de inclinação à esquerda. Entretanto, Henriette Amado como já ressaltado, acreditava e apostava no ideal “Liberdade com Responsabilidade”, originário das experiências de Alexander Sutherland Neill. Conforme nos conta Geogina Carlin:

D. Henriette se negava a entregar os alunos, até que uma vez ela disse numa entrevista que os alunos dela não eram órfãos e que ela não ia entregar ninguém. Isso pegou muito mal para ela na época, porque era uma atitude tida como subversiva, apesar dela estar certíssima, como nós vemos hoje. Naquela época as drogas eram tabu, era difícil discutir este assunto (Id. p.5).

A partir de então o destino daquela direção já estava determinado pelos militares. Era preciso afastar Henriette Amado do cargo. Mesmo quem não era envolvido com política se lembra das atitudes de Henriette com orgulho, como esta história contada por um ex-aluno:

"Quando chegavam os carros da polícia, que várias vezes foram para pegar alunos considerados subversivos, ela mandava fechar todo o colégio e ficava só ela do lado de fora. Aqui dentro ninguém mexe. Teve um dia que um coronel mais graduado foi buscar dois meninos que estavam distribuindo panfletos na porta do Teatro Municipal com o uniforme do colégio, e insinuou que ela era subversiva ou que estivesse acobertando os garotos. Foi emocionante: ela puxou o busto com as mãos e disse: "meu filho você está vendo este busto aqui? Este busto é de uma mãe verde e amarela![13] Todos nós, o colégio inteiro que estava assistindo a tudo das janelas aplaudiu muito, só faltou o colégio cair, e o coronel, totalmente desmoralizado, teve que ir embora. '(AMADO, R. 2005:3)

Na manhã de 20 de agosto de 1971, sua “aventura pedagógica” foi interrompida, o Colégio foi cercado e Henriette Amado foi retirada de seu cargo diretivo, saindo escoltada, pois os militares tinham um mandato de prisão. Nos três dias seguintes a sua retirada, alunos e professores permaneceram sentados em frente ao colégio em vigília, clamando pela sua volta. Uma tentativa inútil tendo em vista ser aquele período caracterizado pelo auge e recrudescimento das práticas mais autoritárias do governo militar. Durante o período de exceção, o André Maurois foi coordenado primeiro por interventores e, em seguida, por diretores, devidamente nomeados e de acordo com os pressupostos pedagógicos do regime vigente. Permaneceu, porém, a aura iluminada de Henriette Amado, orientando os espíritos e aquecendo o coração de alunos, professores e funcionários que tiveram a oportunidade de partilhar de sua aventura, com todos os riscos e acertos que dela fizeram parte.

Considerações finais

Nos limites deste texto, procuramos demonstrar como a educadora Henriette Amado tornou-se um dos personagens fundamentais para refletirmos a respeito da concepção de educação em uma perspectiva emancipadora e democrática. Considerando que sua atuação deu-se, justamente, em um momento político-educacional tenso e controverso permeado pelas orientações controladoras e cerceadoras do governo que se instalou no país com o Golpe Militar de 1964, cabe-nos interrogar se no cenário político-educacional que ora se apresenta as práticas educacionais propostas pela educadora não poderiam ser resgatadas e ressignificadas.   

Em nosso entendimento, sua “aventura interrompida” merece ser revista e viabilizada em espaços educativos diferenciados, não somente aqueles destinados à escolarização formal, como possibilidade de ampliação de entendimento de mundo e conseqüente emancipação humana. Para isso é necessário o exercício constante de práticas efetivamente democráticas em oposição a uma lógica opressora e limitadora das liberdades coletivas.

Percebemos, também, que o espaço de participação popular está se reduzindo progressivamente, em grande medida devido ao consumismo exacerbado e a lógica do Mercado, pois “a sociedade só será civilizada quando tratar a educação como um direito subjetivo e não como uma ‘ferramenta’ para adequar as pessoas às necessidades de um mercado que, cada vez mais, mercantiliza os espaços e as relações sociais”. (Souza, 2005:76)

 Logo, o processo democrático se encontra mais uma vez ameaçado, ocasionando o individualismo extremo e a apatia política na sociedade. Desta forma, é vital alertar que, se a educação não contribuir para a construção de um projeto político de nação[14], estaremos reforçando o atual jogo social restrito, cada vez mais, à esfera privada, deslocando o sentido mais essencial do projeto de nação republicana que é o respeito à coisa pública, a res pública.

Para finalizar, devemos, também, nos perguntar se estamos de fato contribuindo para com o legado histórico que nos deixaram mulheres, que muito lutaram pela universalização de direitos, e assim como Henriette Amado, compreenderam bem o universo social que permeia as relações entre os seres humanos, isto é, homens e mulheres.

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      Lia Ciomar Macedo de Faria

Lia Faria concluiu o Pós-Doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ em 2008 e o doutorado em Educação pela UFRJ em 1996. Atualmente é Diretora da Faculdade de Educação da UERJ, onde também atua como professora da graduação e da pós-graduação (PROPEd). Publicou diversos artigos em periódicos especializados, trabalhos em anais de eventos, capítulos de livros e livros. Participou de vários projetos de pesquisa. Atualmente participa ativamente de quatro projetos, sendo que está na coordenação de um destes. Ocupou os cargos de Secretária Municipal de Educação de Niterói (1991-1997) e Secretária Estadual de Educação do Rio de Janeiro (1999-2001). Atua na área de educação, com ênfase em história da educação, gestão dos sistemas educacionais, memória fluminense e a questão do Gênero.

 

Carla Zottolo Villanova Souza

Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ), mestre em Educação (UERJ), graduada em Pedagogia (UERJ), pós-graduada em Orientação Educacional, Supervisão Escolar, Docência da Educação Básica (UCAM) e Filosofia Contemporânea (UERJ). Possui artigos publicados nas áreas de filosofia e educação com apresentação de trabalhos científicos em congressos nacionais e internacionais. É professora especialista (orientadora educacional) nas redes municipais de Duque de Caxias/Cabo Frio. Atualmente é pesquisadora-bolsista da FAPERJ e integrante do grupo de pesquisa "Avaliação das Instituições Públicas de Ensino Superior: direções e interesses subjacentes" (Doutorado PPFH/UERJ).

Silvio Claudio Souza

Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ), Mestre em Educação (UERJ), Licenciatura e bacharelado em Filosofia (UERJ), Bacharelado em Filosofia (UFRJ), Licenciado em Pedagogia (UERJ), Bacharel em Comércio Exterior (FIAA), Bacharel em Administração de Empresas(FIAA). Concluiu em sua trajetória acadêmica oito pós-graduações (lato sensu) nas áreas de Filosofia, Administração e Educação. Vem atuando, nos últimos 17 anos, como professor/pesquisador de ensino superior (graduação e pós-graduação), professor de Filosofia (ensino fundamental e médio), com artigos/livros publicados nas áreas de filosofia/educação e trabalhos/apresentações em congressos nacionais e internacionais. Atualmente é Supervisor Educacional da Secretaria Municipal de Educação     (Armação dos Búzios), Professor de Filosofia (SEE/RJ), Coordenador de Prática de Ensino (UERJ/Cederj), Pesquisador no grupo de pesquisa Ideário Republicano e Educação Fluminense (UERJ/Proped) e orientando do Prof. Pablo Gentili no grupo de pesquisa: Conflito social e reformas educacionais na América Latina (Doutorado-PPFH/UERJ).

 


Notas

 

[2] A quinta e última ditadura vivenciada no país corresponde ao governo militar, iniciado em 31.03.1964 com uma junta, seguida dos presidentes Humberto de Alencar Castelo Branco (15.04.1964 a 15.03.1967), Artur da Costa e Silva (15.03.1967 a 31.03.1969), Emilio Garrastazu Médici (30.10.1969 a 15.03.1974), Ernesto Geisel (15.03.1974 a 15.03.1979) e João Batista Figueiredo (15.03.1979 a 15.03.1985). (FLORES, 2001:208).

[3] ROGER CHARTIER é pesquisador especializado em história das práticas culturais e de leitura. A citação que selecionamos foi extraída de sua palestra intitulada Voces Paginarum, apresentada no Rio de Janeiro, na PUC/Rio em setembro de 2005, por ocasião do Colóquio Roger Chartier Apropriações de um pensamento no Brasil.  

[4] Patrona do feminismo brasileiro, conforme lei sancionada pelo presidente Lula, e que contém a assinatura da então, Chefe da Casa Civil, hoje presidenta Dilma Roussef. (Folha de São Paulo, 20/12/2000, p.5).

[5] Conforme esse autor, o trabalho remunerado feminino é constituído em torno não de um, mas de dois tipos de divisão. Primeiro, o trabalho está associado a uma divisão vertical, em que as mulheres, como um grupo, estão em desvantagem face aos homens, no que toca às condições sob as quais trabalham. Segundo, sua atividade está envolvida na divisão horizontal do trabalho, em que as mulheres se concentram em tipos específicos de trabalho, sendo o magistério uma dessas ocupações.

[6] É importante destacarmos a importância do Instituto de Educação para a formação das professoras, conforme indica Villanova: “Entendemos ser o Instituto de Educação do Rio de Janeiro, marca de uma história e um lugar social instituído como centro de referência e propagação da cultura e do saber, enfim, uma instituição privilegiada de formação de futuras professoras”. (VILLANOVA, 2008:75)

[7] Alexander Sutherland Neill (Forfar, Escócia, 17/10/1883 – 23/09/1973), educador, escritor e fundador da Escola Summerhill. Ficou famoso por defender a liberdade das crianças na educação escolar. Em 1914, se tornou diretor de uma pequena escola em Gretna Greem e lá escreveu A Dominie Log (Diario de um Mestre-Escola), o seu primeiro livro. Já nessa publicação, manifesta seu descontentamento com a escola tradicional. (fonte:http://www.brasilescola.com/biografia/alexander-sutherland-neill.htm – acesso: 20.02.2011.)

[8] Summerhill é uma escola localizada na Inglaterra e foi fundada em 1921, é uma das pioneiras dentro do movimento das chamadas "escolas democráticas". Destaca-se por defender que as crianças aprendem melhor se livres dos instrumentos de coerção e repressão utilizados pela grande maioria das escolas. Nela todas as aulas são opcionais, os alunos podem escolher as que desejam freqüentar e as que não desejam. Neill fundou a escola acreditando que "uma criança deve viver a sua própria vida - não uma vida que seus pais acreditem que ela deva viver, não uma vida decidida por um educador que supõe saber o que é melhor para a criança." (NEILL, 1977, p. 34)

[9] É bem verdade que hoje a escola é quase uma lenda e, como tal, alimenta alguns mitos. Mas a realidade tem se encarregado de desmistificá-los. Nesses mais de oitenta anos de vida, por exemplo, não houve sequer um caso de gravidez, nem tampouco problemas com drogas ou bebida (o consumo é proibido na escola), também não foram registrados casos graves de doença ou de segurança - Summerhill é periodicamente inspecionada por órgãos governamentais. Também é fato contra mito (de que, sem uma disciplina rigorosa, os alunos se transformam em criaturas anti-sociais, quase selvagens) que a maioria dos visitantes se impressiona com a maturidade e com a polidez dos alunos. (Folha de São Paulo, 25.11.2001, p.3)

[10]  Em janeiro de 1966 a pior tempestade do século paralisou o Rio de Janeiro. Quase 250 mm de chuva caíram sobre a cidade em menos de 12 horas, inundando suas artérias principais. Deslizamentos de terra nas favelas causaram mais de 140 mortes. Os cariocas enfrentaram racionamento de gás, energia e água, contaminada por esgoto transbordando das galerias de águas pluviais. (O GLOBO, 11.01.1966, p.1-2)

[11] A Passeata dos Cem Mil foi uma manifestação popular de protesto contra a Ditadura Militar no Brasil, ocorrida em 26 de junho de 1968, na cidade do Rio de Janeiro, organizada pelo movimento estudantil e que contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira. "Mais de cem mil pessoas - estudantes, representantes sindicais, artistas, professores, padres e freiras - participaram da manifestação de ontem que - sem intervenção policial - transcorreu em perfeita ordem, embora os discursos fossem freqüentes e as faixas conduzidas exigissem, entre outras coisas, a libertação dos jovens presos, em movimentos anteriores” (Jornal do Brasil, 27/06/1968, p.2)

[13] Vale ressaltar que o “magistério, ainda nesse momento, tem uma dimensão de missão, solidificando certos modelos de comportamento associados diretamente à figura da mulher, como mãe, educadora e construtora da nação, responsável pela formação de “cidadãos/filhos” fortes e cultos”. (VILLANOVA, 2008:89)

[14] A palavra “nação” vem de um verbo latino, nascor (nascer), e de um substantivo derivado desse verbo, natio ou nação, que significa o parto de animais, o parto de uma ninhada. Por significar o “parto de uma ninhada”, a palavra natio/nação passou a significar, por extensão, os indivíduos nascidos ao mesmo tempo de uma mesma mãe, e, depois os indivíduos nascidos num mesmo lugar. (CHAUI, 2006:14)

 

labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier /juin 2011 -jameiro /junho 2011

 

 

 

 


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

 

 

 

 

 

 

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