labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

 

A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA CIÊNCIA: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE AS DIFERENÇAS DE GÊNERO

Fabiane Ferreira da Silva

Paula Regina Costa Ribeiro

Resumo: O artigo discute a participação feminina na ciência moderna a partir das narrativas de “mulheres-cientistas” atuantes em universidades públicas e numa instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul. Na análise chamamos a atenção para o predomínio de explicações biológicas utilizadas como justificativa para a feminização e a masculinização na ciência, bem como para a participação das mulheres nesse contexto. Problematizamos o entendimento das participantes de que as mulheres fazem ciência de maneira diferente dos homens em função das características biológicas. O predomínio do discurso biológico nas narrativas nos possibilitou pensar nas implicações da ciência, instaurada como o grande “regime de verdade” da modernidade, na constituição dos sujeitos, neste estudo, na produção de “mulheres-cientistas”.

Palavras-chave: Estudos Feministas. Gênero. Ciência. Determinismo Biológico.

 

A mulher pode ser educada, mas sua mente não é adequada às ciências mais elevadas, à filosofia e algumas das artes. (Friederich Hegel, filósofo e historiador, séc. XIX)

 

Até início do século XX, a ciência era culturalmente definida como uma carreira imprópria para as mulheres. Entretanto, muitas mulheres, “traindo a própria natureza”, participaram da produção do conhecimento científico. Na História da Ciência, algumas mulheres têm lugar de destaque, a exemplo da física polonesa Madame Curie, que em 1903 tornou-se a primeira mulher a receber o prêmio Nobel de Física e em 1911 recebeu o prêmio Nobel em Química, tornando-se a primeira cientista a conquistar um segundo prêmio Nobel (Nobel Prize, 2010 web). Contudo, mesmo ostentando uma situação ímpar, vale ressaltar que, em 1911, Marie Curie perdeu por um voto o direito de ingressar na Academia de Ciências da França por ter uma possível ascendência judia, por ser estrangeira, mas principalmente por ser mulher, tornando visível a secular resistência masculina à inserção das mulheres no mundo da ciência (Chassot, 2006:42).

Nesse sentido, não por acaso, no caminho da crítica feminista à ciência um dos principais pontos tem sido demonstrar e denunciar a exclusão e invisibilidade das mulheres nesse contexto. Resgatar a história de mulheres cientistas – de Hipácia[1] a Marie Curie, por exemplo – tornou-se uma tarefa central nos anos de 1970, basicamente por dois motivos, primeiro para contrapor o entendimento de que as mulheres não teriam capacidade de fazer ciência, entendimento respaldado por teorias biomédicas sobre diferenças anatômicas ou fisiológicas em relação aos homens, que limitariam seu potencial intelectual e as conformariam, exclusiva ou prioritariamente, para a maternidade e os cuidados com a casa; e o segundo era o desejo de criar modelos para incentivar as jovens a ingressarem na ciência (Schiebinger, 2001:54).  

Mais recentemente, porém, a crítica feminista à ciência tem avançado para o questionamento dos próprios pressupostos da ciência moderna, “virando-a do avesso” ao revelar que ela não é nem nunca foi neutra do ponto de vista de gênero, classe, raça/etnia. Instrumentada pelo conceito de gênero, a crítica feminista questiona o forte viés sexista e androcêntrico que permeia a ciência, que define o homem branco, heterossexual, capitalista, ocidental como sujeito do conhecimento, os pressupostos epistemológicos que orientam o fazer científico, a forma como são socializados os sujeitos que buscam seguir na ciência, entre outros aspectos.

Do mesmo modo que o gênero, a ciência também é uma construção social e histórica, produto e efeito de relações de poder, portanto, as construções científicas não são universais, e sim locais, contingentes e provisórias. Segundo Cecilia Maria Sardenberg e Ana Alice Costa (2002:15), reconheceu-se no conceito de gênero “um instrumento de análise do impacto das ideologias na estruturação do mundo social e intelectual, que se estende para muito além dos eventos e corpos de homens e mulheres.”

Para Evelyn Fox Keller (2006:16), o feminismo contemporâneo, nas diferentes vertentes, “mudou a percepção das mulheres (e do gênero) em boa parte do mundo ocidental. De fato, mudou mais que a percepção, mudou a condição de muitas mulheres nesta parte do mundo. [...] O feminismo contemporâneo mudou a posição das mulheres na ciência.”.

As últimas décadas testemunharam consideráveis avanços no que diz respeito à inserção e à participação das mulheres no campo científico. Atualmente, é possível perceber o número significativo de mulheres em muitas universidades do país como docentes e pesquisadoras, como estudantes de graduação e pós-graduação, no entanto, apesar do crescimento significativo da presença feminina na ciência, ainda se evidencia que essa participação vem ocorrendo de modo dicotimizado ou ainda está aquém da masculina, bem como as mulheres ainda não avançam na carreira na mesma proporção que os homens.

Neste artigo,[2] discutimos a participação de mulheres no campo da ciência moderna, tomando como referência as narrativas de “mulheres-cientistas”[3] atuantes em universidades públicas e numa instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul[4]. Nele buscamos compreender como as participantes desta pesquisa veem a presença das mulheres na ciência, o que elas dizem sobre a feminização e masculinização de determinadas áreas do conhecimento. Na análise das narrativas buscamos chamar a atenção para a existência de determinados discursos e práticas sociais produzidos socio-historicamente que, ao interpelarem os sujeitos, ensinam formas de ser, agir e pensar.

Organizamos a escrita deste texto em três seções. Na primeira tecemos algumas considerações sobre feminismo, gênero e ciência. Num segundo momento, apresentamos brevemente as participantes desta pesquisa e justificamos a utilização da narrativa como metodologia de investigação. Por fim, analisamos como a participação feminina na ciência foi narrada pelas participantes desta pesquisa.

Feminismo(s), Gênero(s) e Ciência(s)

Os feminismos[5], como movimentos sociais, tem uma trajetória que acompanha a luta pela igualdade de direitos e status social entre homens e mulheres. Nessa trajetória, algumas “ondas” constituem os feminismos. O feminismo da “primeira onda” centra-se, fundamentalmente, na reivindicação dos direitos políticos – extensão do direito de voto às mulheres e o direito de serem votadas –, nos sociais e econômicos – direito à educação em todos os níveis, melhores condições de trabalho e salário, entre outras.

O feminismo denominado de “segunda onda” inscreve-se na década de 60, em torno de intensos debates e questionamentos que vão além das preocupações sociais, políticas e econômicas propriamente ditas, mas que investe na produção de conhecimento com o objetivo de compreender e explicar a subordinação e a invisibilidade social e política que as mulheres historicamente vivenciaram. Ao visibilizar as mulheres, pretendia-se produzir formas de intervenção e assim modificar tais condições. Entretanto, é importante lembrar, conforme destaca Guacira Louro (2004:17), que há centenas de anos as desigualdades sociais entre homens e mulheres vinham sendo confrontadas por mulheres, tais como as camponesas e as de classes trabalhadoras, que desempenhavam atividades fora do lar, nas lavouras, nas oficinas e nas fábricas; as mulheres da burguesia que passaram a ocupar espaços como escritórios, hospitais, escolas e universidades.

No entanto, as atividades desempenhadas por essas mulheres eram quase sempre, com raras “dispersões” (como ainda são), controladas e dirigidas por homens, geralmente representadas como secundárias, de menor prestígio e status social, ligadas à assistência, ao cuidado ou à educação, ocupações que estão relacionadas com a identidade feminina. Nesse contexto, os modos como determinadas atividades foram se configurando como permitidas ou não às mulheres, determinadas como “trabalho de mulheres”, constituíram objetos de investigação e problematização desse campo de estudos, colocando na pauta das discussões os interesses, dificuldades e necessidades das mulheres. Assim, as discussões produzidas pelas estudiosas feministas se ocuparam em chamar a atenção para a invisibilidade e exclusão feminina em determinados campos sociais, tais como na ciência.

Foi nesse contexto de contestação e reivindicação que as feministas buscaram argumentar que não são propriamente as características biológicas que definem as desigualdades, atribuem e determinam funções sociais a serem desempenhadas por mulheres e homens, mas sim os modos pelos quais características femininas e masculinas são representadas; as formas pelas quais se reconhece e se distingue feminino de masculino é o que vai constituir o que passa a ser designado como masculinidade e feminilidade, de acordo com o contexto cultural, social e histórico. Foi, portanto, como proposta de rejeição ao “determinismo biológico”[6] presente no termo “sexo”, que as feministas americanas da “segunda onda” passaram a utilizar o conceito de “gênero”, na sua utilização mais recente, para “enfatizar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo” (Scott, 1995:72).

Não é nosso propósito aprofundar discussões em torno do conceito de gênero e dos seus desdobramentos teóricos e políticos. No entanto, antes de discutirmos a relação entre gênero e ciência, cabe destacar que o conceito de gênero é objeto de controvérsias e discussões nos debates feministas contemporâneos. O entendimento de gênero como uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado/biológico tem sido problematizado pelas abordagens pós-estruturalistas que se ocupam em desconstruir a oposição binária sexo/gênero, na qual o primeiro par é assumido como um dado biológico/natural que representa a anatomia e fisiologia do corpo, enquanto que o gênero representa as construções sociais a partir de uma matriz biológica.

Autoras como Judith Butler (2008:25) têm se ocupado em problematizar a distinção entre sexo e gênero, afirmando que “o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza.” Seguindo a perspectiva foucaultiana sobre o caráter discursivo da sexualidade, a autora enfatiza o sexo como resultado “discursivo/cultural”, e, portanto, problematiza a constituição do sexo como “‘pré-discursivo’, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura” (Id. Ibid.). Para a autora (Id. Ibid.), “o gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos.” Assim, assumindo essa abordagem teórica, o sexo deixa de ser pensado como o significante sobre o qual se constrói o significado. O próprio sexo é questionado em sua materialidade “neutra”. Portanto, a distinção sexo/gênero perde sentido dicotômico, pois tanto sexo quanto gênero são categorias construídas socio-historicamente.

Gênero, a partir das abordagens feministas pós-estruturalistas, é entendido como uma construção social, cultural, histórica e linguística, produto e efeito de relações de poder, incluindo os processos que produzem mulheres e homens, distinguindo-os e separando-os como corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade (Meyer, 2003:16). Nesse sentido, operar com o conceito de gênero implica operar num viés construcionista, o que significa colocar-se contra a naturalização do feminino e do masculino (Louro, 2007:207). Desse modo, o construcionismo social contrapõe-se às perspectivas deterministas essencialistas, uma vez que há uma gama de compreensões distintas sobre o que vem a ser ou como se dá a construção social. Tal entendimento nos afasta das discussões que tendem a enfatizar os “papéis”[7] de homens e mulheres na direção de abordagens mais amplas que consideram que as diferentes instâncias sociais, os códigos, as normas, as leis, as ciências são “generificados”, ou seja, constituídos e atravessados por representações de gênero e, ao mesmo tempo, produzem, expressam e/ou (re)significam as referidas representações (Louro, 2004; Meyer, 2003; Scott, 1995).

Nesse sentido, entendemos que a ciência não é “neutra” do ponto de vista das questões de gênero. A ciência moderna, constituída quase que exclusivamente pelos homens, opera num sistema excludente para as mulheres, através de discursos e práticas nada neutros. Portanto, as definições vigentes de neutralidade, objetividade, racionalidade e universalidade da ciência incorporam a visão de mundo dos sujeitos que criaram essa ciência: os homens, ocidentais, brancos, membros das classes dominantes (Löwy, 2009:40). Tais valores masculinos, dos quais as mulheres são “naturalmente” desprovidas, são considerados necessários na produção do conhecimento científico.

Assim, as pesquisas sobre a relação entre ciência e gênero têm se ocupado em discutir o forte viés sexista e androcêntrico que tem permeado a ciência, manifesto tanto na sub-representação das mulheres nas ciências ou mesmo, em determinados contextos específicos, com sua exclusão das práticas e instituições científicas, quanto na forma (masculina) com que as mulheres têm sido representadas nas teorias científicas, entre outros aspectos. 

É considerando esse contexto que as pesquisadoras feministas propõem que se pense/produza uma ciência múltipla, polifônica, inclusiva e equitativa do ponto de vista de gênero e de outros marcadores sociais, tais como etnia, raça e classe (Haraway, 1995, 2004; Keller, 2006). A partir das contribuições de Michel Foucault (2008), tomamos a ciência como uma prática discursiva que institui e regulamenta códigos, normas, regras, saberes e verdades. Nesse sentido, entendemos a ciência como constructo social, uma invenção, uma narrativa localizada, construída de acordo com os contextos culturais, sociais e históricos.

Os entendimentos que colocam o gênero e a ciência no âmbito da cultura e da história pressupõem compreendê-los implicados com o poder, não apenas como campos nos quais o poder se reflete ou se (re)produz, mas campos nos quais o poder se exerce, se efetua e funciona em rede (Foucault, 2003:26-27; 2006:183). Tomar o poder numa perspectiva foucaultiana pressupõem romper com oposições binárias entre dominantes e dominados, na direção de compreender o poder como uma relação de forças, de ações sobre ações que funcionam em rede, na qual os sujeitos não só circulam, mas estão em posição exercer o poder e de sofrer sua ação e, consequentemente, de resistir a ele.

Com tais considerações, cabe destacar que o entendimento da ciência como uma construção social e histórica através do poder implica em decisões sobre o que conhecer e como, por que ou para que conhecer, quais as formas de se produzir conhecimento. Além disso, ao entendermos a ciência como a “grande narrativa” da modernidade, estamos enfatizando o papel constituidor da linguagem na produção dos discursos sobre a ciência, sobre o que a ciência pode e deve fazer e, principalmente, sobre quem pode e quem não pode fazer ciência.

Caminhos e escolhas: os sujeitos da pesquisa e a investigação narrativa

 

Esta pesquisa constitui-se através das narrativas de “mulheres-cientistas” produzidas por meio de entrevistas individuais semiestruturadas. São narrativas localizadas de “mulheres-cientistas” atuantes em universidades públicas e numa instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul.

A escolha das participantes obedeceu alguns critérios, tais como: inserção em áreas tradicionalmente masculinas com mais de 15 anos de atuação profissional, ter projetos financiados por agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica e atuar em programas de pós-graduação. Desse modo, foram convidadas e participaram da pesquisa cinco cientistas atuantes em universidades federais do Rio Grande do Sul, duas da área de Ciências Biológicas, duas da Física e a outra da Engenharia de Computação; e uma pesquisadora da área de Ciências Biológicas atuante numa instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul. Portanto, participaram da pesquisa seis cientistas que estão identificadas por nomes fictícios que foram escolhidos por cada uma das participantes.

A seguir, apresentamos brevemente cada uma das participantes da pesquisa:

Bildi possui graduação em Licenciatura Plena em Ciências-Hab. Biologia, mestrado e doutorado em Ciências Biológicas. Atualmente é professora Titular na área de Biofísica. É professora em dois cursos de pós-graduação. Tem mais de 20 anos de experiência profissional. Tem 52 anos, é casada, tem duas filhas do primeiro casamento, do qual ficou viúva quando as filhas ainda eram crianças.

Carolina possui graduação em História Natural e Livre-Docência na área de Ciências Biológicas. É pesquisadora aposentada da Secretaria de Meio Ambiente do Estado Rio Grande do Sul e desenvolve pesquisas em uma instituição de pesquisa do Rio Grande do Sul. Atualmente exerce a co-orientação de alunos de pós-graduação em duas universidades federais. Tem 75 anos, é divorciada e tem duas filhas e um filho.

Lili tem graduação em Engenharia Elétrica, mestrado em Ciências da Computação e doutorado em Informática e Telecomunicações. Atualmente é professora adjunta de uma universidade pública na área de Engenharia da Computação, e atua em dois programas de pós-graduação na mesma instituição. Ingressou na instituição como professora em 1992. Tem 40 anos, é casada e tem uma filha.

Mariana possui graduação em Farmácia, mestrado e doutorado em Ciências Biológicas. Atualmente é professora Associada II na área de Farmacologia. É professora em dois cursos de pós-graduação. Atua nessa instituição como professora desde 1989. Tem 46 anos, é casada e tem uma filha e um filho.

Salamandra possui graduação, mestrado e doutorado em Física. É professora na área de Física, na graduação e pós-graduação, com ênfase em Física da Matéria Condensada. Também tem atuado em questões de gênero na ciência. Atualmente é diretora do Instituto de Física da sua instituição. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1B. Professora desde 1991. Tem 51 anos, divorciada, não tem filhos.

Sianiak possui bacharelado em Física, mestrado em Física e doutorado em Meteorologia. É professora universitária há mais de 15 anos. Atua na área de Geociências, com ênfase em Micrometeorologia e Climatologia, na graduação e pós-graduação. Tem 48 anos, é casada e não tem filhos.

As narrativas dessas mulheres sobre/na ciência são constituídas por muitas histórias. São narrativas polifônicas, construídas por muitas vozes – da mulher, cientista, mãe, esposa, professora... – que expressam os discursos e as práticas que as constituem.

Além disso, a própria narrativa é uma prática social que constitui os sujeitos, pois é no processo narrativo que os sujeitos vão construindo tanto os sentidos de si, de suas experiências, dos outros e do contexto em que estão inseridos. De acordo com Larrosa (1996:462), a narrativa é uma modalidade discursiva, na qual as histórias que contamos e ouvimos, produzidas e mediadas no interior de determinadas práticas sociais, mais ou menos institucionalizadas, – uma entrevista, uma escola, uma relação amorosa, uma reunião familiar, um confessionário, um tribunal, um grupo de terapia etc., – passam a construir a nossa história. Passam a dar sentido a quem somos e a quem são os outros, constituindo assim as identidades – de gênero, cientista, classe, mãe/pai, filha(o), esposa(o), sexuais, étnico-raciais, entre outras. É nesse complexo jogo narrativo que os sujeitos estabelecem suas posições de sujeito, constroem suas identidades.

Para Larrosa (1996:477), a identidade não é algo que encontramos ou descobrimos, como se fizesse parte da essência de cada sujeito, mas é algo que fabricamos e modificamos nesta gigantesca e polifônica conversação de narrativas que é a vida e que inclui as pessoas com quem nos relacionamos e com cujas histórias nos relacionamos. Portanto, a identidade não é inata, geneticamente pré-determinada, mas é construída, fabricada, negociada, contestada em meio às diversas experiências vividas pelos sujeitos.

Michel Foucault (1995:231), ao longo de sua obra, dedicou-se a “criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos tornam-se sujeitos.”. Para Foucault (1995:235), “há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a.”. Portanto, os sujeitos são fabricações discursivas, tanto a partir dos processos de objetivação, que os constituem como corpos dóceis e úteis, quanto dos processos de subjetivação, que os tornam sujeitos de determinadas identidades.

Nessa mesma direção, Joan Scott (1999:42), ao discutir a constituição dos sujeitos, vai dizer:

Eles não são indivíduos unificados, autônomos, que exercem o livre arbítrio, mas ao contrário, são sujeitos cujo agenciamento é criado através de situações e posições que lhes são conferidas. Ser um sujeito significa estar ‘sujeitado a condições de existência definidas, condições de designação de agentes e condições de agentes e condições de exercício’. Essas condições possibilitam escolhas, apesar de não serem ilimitadas. Sujeitos são constituídos discursivamente, a experiência é um evento lingüístico (não acontece fora de significados estabelecidos), mas não está confinada a uma ordem fixa de significados. Já que o discurso é, por definição, compartilhado, a experiência é coletiva assim como individual. A experiência é uma história do sujeito.[8]

Nessa perspectiva, é nas diversas experiências cotidianas, produzidas e mediadas pela linguagem, que as participantes desta pesquisa constroem tanto os significados de si quanto do mundo em que estão inseridas. É a partir das experiências narradas pelas participantes desta pesquisa que buscamos tecer uma rede de significados sobre a participação das mulheres na ciência, sobre a feminização e masculinização de determinados campos científicos, sobre o que é a ciência e, principalmente, quem pode e deve fazer ciência, buscando discutir alguns discursos que posicionam os sujeitos e produzem suas experiências.

Para a análise das narrativas recorremos à teoria do discurso de Michel Foucault no sentido de problematizar a rede de discursos que vem constituindo as participantes desta pesquisa. Para Foucault (2008:55), os discursos mais do que um conjunto de signos que remetem a conteúdos ou a representações, são “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam.”. Ao definir o conceito de discurso, Foucault (2008) vai nos dizer:

Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apóiem na mesma formação discursiva; ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso), na história; é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência. O discurso, assim entendido, não é uma forma ideal e intemporal que teria, além do mais, uma história; o problema não consiste em saber como e por que ele pôde emergir e tomar corpo num determinado ponto do tempo; é, de parte a parte, histórico – fragmentado de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade, e não de seu surgimento abrupto em meio às cumplicidades do tempo. (Foucault, 2008:132-133)

Foucault, em A Ordem do Discurso, aborda a produção do discurso, destacando procedimentos de controle, seleção e organização dos discursos em nossa sociedade, produtores de interdições, pois “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim não pode falar de qualquer coisa” (2004:9), mas também de enunciados que devem ser ditos e repetidos em determinadas circunstâncias. Esses procedimentos teriam como efeito a rarefação dos discursos, a rarefação dos sujeitos que falam – “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo” (2004:37) –, como também dos procedimentos que produziram o verdadeiro, ou seja, o que é dizível em certas circunstâncias.

Proceder à análise do discurso implica em visualizar as relações de poder que constituem os discursos e a própria história, e com isso multiplicar o próprio discurso, fazendo emergir o discurso religioso, científico, educacional, midiático, entre outros legitimados socialmente e que produzem efeitos na produção dos sujeitos. Para a análise dos discursos, na perspectiva de Foucault, precisamos recusar o entendimento de sentido “oculto” no discurso, ou seja, não há nada por trás do discurso, não há nada escondido que precise ser revelado, desvendado, descoberto. Isso significa dizer que para o autor é preciso ficar simplesmente no nível do próprio discurso, das palavras, do dito, do visível, do pronunciável, daquilo que está posto. Conforme destaca Paula Henning (2008:122), “não se pensa, aliás, não se acredita ou sequer se suspeita, de que os discursos ditos não são bem esses ou que não foi exatamente isso que se queria dizer. Não há nada oculto. Há práticas e discursos que vão constituindo os objetos dos quais falam.”

Nessa perspectiva, analisar as narrativas produzidas pelas participantes desta pesquisa significa considerar que não há nada “oculto” na fala das entrevistadas que precise ser revelado. Analisar as entrevistas compreende explorar ao máximo o que foi dito, o que está posto, o que está “dado”, considerando que as palavras também são construídas sempre em relações de poder, e com isso problematizar os discursos e as práticas sociais que estiveram e estão implicadas na constituição dos sujeitos, neste estudo, na constituição de “mulheres-cientistas”.

Feminização e masculinização nas ciências: a emergência do determinismo biológico

Questionadas sobre a participação das mulheres na ciência, particularizando a experiência delas como mulheres inseridas em uma ciência de base masculina, a maioria das entrevistadas foi incisiva ao apontar com otimismo a presença das mulheres na produção do conhecimento. Para ilustrar, apresentamos a narrativa[9] de uma das participantes da pesquisa:

Eu participo de dois cursos de pós-graduação e fiz a minha pós-graduação. Eu vejo que cada vez tem mais mulher fazendo pós-graduação, entendeu?, tentando se colocar no mercado como docente. Daqui, a maioria dos meus alunos, a maioria esmagadora é mulher, tem poucos alunos homens. Durante o meu doutorado também a maioria esmagadora era mulher. Elas estão entrando, tão entrando na própria medicina. Eu dou aula pra medicina. Até um tempo atrás eram bem mais homens do que mulheres, agora eu já te diria que tá meio a meio. Se facilitar, em algumas turmas tem mais mulher do que homens. Se tu pegar medicina, é saúde, até certo ponto tinha muito mais homens que mulheres, agora não é mais esse contexto, tem muita mulher na medicina, eu chegaria a te dizer meio a meio. Em algumas turmas até um pouquinho mais de mulheres do que de homens, um pouquinho do que tá acontecendo na enfermagem. Enfermagem era mulher, praticamente mulher, pouquíssimos homens. Agora, devagarzinho, tem alguns homens também ingressando no curso de enfermagem. (Mariana)

Embora os estudos sobre gênero na ciência constituam uma área relativamente nova, é possível perceber a sua crescente relevância, a exemplo das diversas pesquisas, publicações, eventos, entre outras iniciativas que têm sido realizadas recentemente em vários países. Tais investigações nos levam a pensar que nas discussões referentes à participação feminina na ciência não é possível e não se trata mais de ficarmos insistindo na clássica pergunta: por que tão poucas? Afinal, as análises de gênero na ciência têm mostrado que a quantidade de mulheres que optam por carreiras científicas tem aumentado consideravelmente, de tal forma que a participação de mulheres e homens em algumas áreas é equivalente, bem como em outras as mulheres superam o número de homens. Para exemplificar, cabe destacar os trabalhos de autoras como Fanny Tabak (2002), Jaqueline Leta (2003), Hildete Pereira de Melo e Helena Lastres (2006), Léa Velho e Helena León (1998), María Elina Estébanez et al (2003 web), entre outras, que a partir de dados estatísticos discutem sob diversos aspectos a participação das mulheres na ciência moderna.

A observação da Mariana de que a participação das mulheres tem crescido, tanto na graduação quanto na pós-graduação, vem ao encontro, por exemplo, dos dados disponibilizados pelo relatório do último censo da Educação Superior divulgado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais): a educação superior, tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância, é predominantemente formada por pessoas do sexo feminino. “Na graduação presencial, as mulheres correspondem a 55,1% do número total de matrículas e a 58,8% do número total de concluintes. Já na modalidade da EaD, 69,2% das matrículas e 76,2% dos concluintes são do sexo feminino” (BRASIL, 2011a web). No que se refere à pós-graduação no país, a análise de dados mais recentes do CNPq mostra que o número de pesquisadores e pesquisadoras compreendendo mestres(as) e doutores(as) vem crescendo gradativamente (Felício, 2010:46). Em 2000, eram quase 27 mil pesquisadores e pouco mais de 20 mil pesquisadoras; já em 2008, no último senso do diretório, o número de pesquisadores e pesquisadoras é equivalente.

Não é nosso propósito neste artigo discutir os aspectos socio-históricos do acesso à educação por parte das mulheres, através da formalização da sua educação e da relação com o mundo do trabalho. Entretanto, pensamos que, embora possamos olhar para esses números com certo otimismo, já que eles produzem determinadas “verdades”[10], é preciso colocar tais verdades em suspenso. É preciso suspeitar do valor de “equidade” que se apresenta nos países com alto índice de participação feminina. Nesse sentido, María Elina Estébanez (2003: web) argumenta que alguns aspectos devem ser levados em consideração quando se trata da crescente representatividade feminina na ciência. Segundo a autora, é importante assinalar que o estancamento salarial do setor público em muitos países da América Latina, somado aos fenômenos de precarização das condições de trabalho e desprestígio da carreira profissional, “expulsa” a mão de obra masculina do setor científico, particularmente o público, mais “pressionada” a manter os rendimentos da família. Além disso, a autora argumenta que a existência de maior variedade de formas de incorporação de trabalho no setor científico e tecnológico – principalmente a modalidade de tempo parcial ou a maior flexibilidade da carga horária – atrai as mulheres, mais “pressionadas” a compatibilizar seu papel reprodutivo com o produtivo. Portanto, se por um lado tais aspectos constituem-se em condições de possibilidade para a crescente participação feminina nas universidades, por outro implicam no processo de “segregação institucional”, já que a participação feminina tende a aumentar nas universidades públicas, enquanto diminui nos âmbitos das instituições privadas e empresariais.

No contexto da participação das mulheres nas universidades, uma questão que tem sido amplamente discutida refere-se à “segregação territorial” (Schiebinger, 2001:77), ou seja, a divisão por gênero nas áreas do conhecimento, já que as mulheres tendem a se concentrar em áreas tradicionalmente “femininas”, em profissões de menor status social, reconhecimento e remuneração, embora as pesquisas atuais tenham apontado que, num futuro não muito distante, áreas tradicionalmente “masculinas” contarão com uma expressiva presença feminina. No que se refere à participação das mulheres por áreas do conhecimento, os dados disponibilizados pelo CNPq (Felício, 2010:47) mostram que as mulheres ainda são minoria na Geociência, na Matemática, nas Engenharias, na Ciência da Computação, na Economia e principalmente na Física, área que concentra a menor representação feminina, em torno de 20%. Entretanto, Psicologia, Linguística, Nutrição, Serviço Social, Fonoaudiologia, Economia Doméstica e Enfermagem constituem-se nas áreas onde as mulheres são mais representadas, mantendo-se acima de 70%.

Na Medicina o número de pesquisadores e pesquisadoras é praticamente o mesmo; na graduação e na pós-graduação as mulheres somam mais de 60% (BRASIL, 2011 web). A área de Ciências Biológicas, área na qual a Mariana está inserida, é considerada equitativa: as mulheres somam um pouco mais de 51% do número de pesquisadores, contudo, se olharmos a participação de estudantes do sexo feminino e masculino na graduação e na pós-graduação nos diferentes níveis (especialização, mestrado e doutorado), a carreira poderia ser considerada feminina (BRASIL, 2011 web).

Ainda sobre a representatividade feminina na área de Ciências Biológicas, Carolina argumenta que, já na década de 60, na sua turma de graduação em História Natural[11], as mulheres eram a maioria. Nas palavras da Carolina:

Na minha turma de graduação em História Natural, as mulheres já eram a maioria. Até, creio que a coisa está atualmente se invertendo na Biologia, com mais rapazes chegando lá. É sinal de que os homens estão ficando mais, diríamos, humanos. Tu sabes que existe todo aquele contexto de discussão em torno de que a mulher é mais bem dotada para certos tipos de atividade, o homem para outros. E já se chegou à conclusão, através de pesquisas, que as mulheres têm uma facilidade maior na área de comunicação e da sensibilidade, e têm uma ligação maior com o astral, em sentido físico, universal, em função da reprodução. Eu acho que isso é importantíssimo, tu entendes? A mulher de fato está mais ligada com o universo do que o homem. Aí a gente fica pensando e isto porque a gente é mulher e é curiosa: será que eles chegam lá? Eles tão chegando, sim! Então, a coisa importante que eu vejo e que me emociona é que mais uma vez a mulher está sendo educadora. O papel de educadora dela é uma coisa inata, instintiva, isso vem da reprodução, isso passa por todas as espécies animais que a gente conhece, desde os invertebrados. E vai sendo potencializando e afinado conforme se abordam os grupos que têm um potencial cerebral maior. O que facilita a entrada da mulher nesse momento da evolução social da espécie humana é a facilidade que ela tem de se comunicar. A mulher tem esse sentido de se adiantar, que é muito forte em função da preservação da espécie, de prever. Então a mulher tem mais bem desenvolvido o dom da previsão do que o homem, porque sempre está ligada a isso: à reprodução. (Carolina)

Essa narrativa nos possibilita pensar nas características “femininas” e “masculinas” que definem e distinguem mulheres de homens em um determinado contexto socio-histórico. As características femininas que emergem na narrativa da Carolina remetem à existência de uma matriz biológica, de atributos comuns entre todas as mulheres, principalmente ao naturalizar a reprodução e o “papel” de educadora das mulheres. Tal entendimento opera com uma noção universal, trans-histórica e transcultural de gênero que remete ao “determinismo biológico”, ou seja, ao pressuposto de que é o sexo biológico que determina as características e funções sociais diferenciadas entre mulheres e homens (Citeli, 2001:134; Louro, 2007:208).

Historicamente, diversas “teorias foram construídas e utilizadas para ‘provar’ distinções físicas, psíquicas, comportamentais; para indicar diferentes habilidades sociais, talentos ou aptidões; para justificar os lugares sociais, as possibilidades e os destinos ‘próprio’ de cada gênero” (Louro, 2004:45). As explicações e teorias sustentadas em uma matriz biológica, legitimadas cientificamente, são as mais variadas possíveis. Para exemplificar, podemos citar o entendimento de que as mulheres, por apresentarem determinadas características biológicas, possuem um instinto materno, estando, na sua essência, a condição de reproduzir e ser mãe; ou ainda que as mulheres sejam excessivamente emocionais e sensíveis em função dos hormônios sexuais femininos; que o lado esquerdo do cérebro, por ser mais desenvolvido, caracteriza a facilidade das mulheres em comunicar-se, entretanto, em função do lado direito, responsável pela capacidade matemática e de organização espacial ser menos desenvolvido nas mulheres, dificulta a aprendizagem da matemática, da física, ou seja, das ciências exatas em geral.

Nessas pesquisas é frequente a utilização de animais para explicar as diferenças de gênero – seja da ordem do comportamento, das habilidades cognitivas, das atitudes –nas quais geralmente o comportamento humano é descrito em comparação com os animais estudados como sendo mais evoluído e mais complexo do que o comportamento animal. Para ilustrar tal entendimento, destacamos a fala da Mariana, na qual podemos perceber enunciados que naturalizam determinadas características femininas, por exemplo, a capacidade das mulheres de fazer várias coisas ao mesmo tempo em função da reprodução:

Uma vez, um artigo que eu li sobre a sabedoria de mãe, era até experiências feitas com animais, então os animais, as fêmeas que tinham prole eram muito mais atinadas do que as fêmeas sem prole, porque a fêmea com prole tinha que buscar comida, tinha que prover a segurança dos filhotes, tinha uma série de, digamos... Como é que eu vou dizer? Mas, enfim, de coisas que ela tinha que fazer às vezes ao mesmo tempo, e ela era capaz de gerenciar todas essas coisas. E eu acho que a mulher é assim também, ela é capaz de gerenciar muita coisa ao mesmo tempo.(Mariansa)

Nessa narrativa, o “cuidado” é entendido não como uma característica exclusiva dos humanos, neste caso, das mulheres, mas como uma característica ligada ao sexo biológico dos animais, uma função natural das fêmeas que “passa por todas as espécies animais que a gente conhece”, conforme também destacou Carolina. Nesse sentido, a força do discurso biológico reside no entendimento de que as diferenças entre mulheres e homens – comportamentos, atitudes, habilidades cognitivas, características pessoas, entre outras – são inatas e universais.

No entanto, não se trata de desconsiderar a existência de uma materialidade biológica do corpo, mas sim de interrogar os processos pelos quais a biologia/natureza serve de argumento para determinar os comportamentos, as habilidades e os lugares sociais que os sujeitos podem e devem ocupar. Além disso, trata-se de perceber a própria materialidade do corpo como uma construção, ou seja, aquilo que dizemos e entendemos sobre o corpo – ossos, músculos, órgãos, hormônios, neurônios e mais –, é uma fabricação histórica e cultural. Thomas Laqueur (2001), em seu livro “Inventando o sexo”, fez diversas investigações para mostrar que o corpo humano tem uma história, rompendo assim com qualquer perspectiva naturalista ou biologizante. Analisando historicamente os discursos sobre o corpo, o autor demonstrou que as diferentes formas de se pensar sobre os sexos, passando da existência de um só sexo, o masculino, do qual as mulheres seriam uma versão imperfeita, para a emergência de dois sexos no século XVIII, não foi resultado de um “avanço” da ciência, mas sim uma resposta política às necessidades daquela época. Na sua trajetória histórica sobre o corpo, Laqueur concluiu que as partes do corpo da mulher e do homem eram percebidas e desenhadas a partir das lentes que lhes davam a forma, ou seja, não eram isentas de valores culturais e sociais. Portanto, é importante que olhemos para o corpo como uma produção histórica, um sistema que, simultaneamente, produz significados sociais e é produzido por eles.

Nesta perspectiva de pensar como o corpo ganha significado socialmente, Bildi, ao comentar sobre as diferenças de gênero, argumenta que, embora determinados “papéis” sociais, tais como as responsabilidades domésticas, o cuidado com os(as) filhos(as), sejam culturalmente atribuídas às mulheres, existem determinadas diferenças entre homens e mulheres resultantes da biologia do corpo. Nas palavras da Bildi:

A maternidade é biológica obviamente. Agora, aquele cuidado da casa, as responsabilidades, é cultural, não vejo por que que o homem não poderia tranquilamente dividir essas responsabilidades. Mas é cultural. Exatamente porque é cultural, quem vai buscar o filho no colégio é a mãe, quem vai não sei o que é a mãe. Por quê? Por quê? E isso tá mudando, mas têm coisas que nós temos que eu acho que o fator biológico interfere sim. Uma vez me disseram assim: “Ah, o homem faz melhor as coisas, porque ele não consegue pensar em duas coisas ao mesmo tempo.”. Eu acho que tem um pouco disso, eu acho que até a neurociência explica isso. O homem é muito focado. Ele tem que dar uma palestra amanhã, ele não pensa em mais nada além da palestra que ele tem que dar amanhã. Nós mulheres temos que dar uma palestra amanhã, mas hoje tu tens que fazer o supermercado pra tua mãe (eu tô falando porque eu faço o supermercado da minha mãe), e tu tens que pegar o teu filho...  Nós estamos fazendo isso e a gente tá ao mesmo tempo pensando em outras coisas que a gente tem que fazer. Isso eu acho que é muito biológico, eu acho que a ciência explica isso. Nós temos conexões nervosas diferentes do homem e isso nos dá, às vezes, uma sobrecarga muito grande. (Bildi)

Nessa narrativa, novamente é possível perceber os efeitos dos discursos científicos na produção dos sujeitos. Para Bildi, determinadas habilidades e comportamentos das mulheres e dos homens são explicadas pela ciência, mais especificamente pela neurociência, área da ciência que se ocupa em estudar o sistema nervoso, especialmente a anatomia e fisiologia do cérebro, com o objetivo de justificar os comportamentos, as habilidades e os processos cognitivos dos sujeitos. Joanalira Magalhães (2008), ao analisar os discursos da neurociência em determinados artefatos culturais – programas de TV e revistas de divulgação científica – problematiza como tais discursos naturalizam e essencializam as diferenças entre homens e mulheres, instituindo as masculinidades e as feminilidades. Segundo a autora, a rede de discursos veiculada nos artefatos culturais analisados focaliza no cérebreo as diferenças entre homens e mulheres, através de explicações biológicas que naturalizam as possíveis distinções de comportamento, das capacidades, habilidades e aptidões cognitivas, bem como os possíveis lugares sociais a serem ocupados por esses sujeitos. Cabe destacar que com essas considerações não estamos contestando a inconsistência de determinadas pesquisas “científicas”, nem se estão “certas” ou “erradas”, mas sim contestando o viés sexista presente em muitas delas.

Nessa direção, o que buscamos é chamar a atenção para os efeitos produtivos dos discursos produzidos pela neurociência na constituição dos sujeitos, especialmente na interpelação e constituição das participantes desta pesquisa, ao evocarem as pesquisas “científicas” nas suas narrativas.

O que está em jogo nesta discussão é que toda essa produção de conhecimento sobre os corpos de homens e mulheres, que conta com o respaldo da ciência, funciona como justificativa para diferenças de gênero e posicionamentos sociais. Para Diana Maffia (2002:33), tais aspectos funcionam como um tipo de barreira denominada “pseudocientífica”, que a ciência produz como conteúdo descritivo da “natureza” feminina, e que, por exemplo, ao naturalizarem o corpo feminino em uma falta de condições cognitivas, “expulsam” as mulheres de determinados lugares de produção de conhecimento, tais como das Ciências Exatas, de determinadas áreas da Engenharia e, principalmente, da Física.

Em outro momento deste texto destacamos o viés sexista que constitui a ciência, uma vez que homens e mulheres tendem a se concentrar em áreas diferentes. Sobre essa questão, as participantes desta pesquisa justificaram a feminização e masculinização de determinadas áreas do conhecimento em função das características “femininas” e “masculinas”. Como podemos perceber nas narrativas que se seguem:

Tem áreas que são mais masculinas. A física, talvez, as engenharias, também. Não sei. Será que também é biológica essa parte do número, da ciência mais exata, do homem ter alguma, biologicamente falando, ter uma abertura, uma facilidade maior? A mulher é mais pra essa área onde ela pode interferir mais, porque eu acho que o número é tão exato que a mulher geralmente não gosta muito disso (risos), não sei, pode ser, pode ser. O que eu sinto é que na área biológica a mulher realmente tá ganhando o seu espaço, e eu acho que ela não tá perdendo essa essência. Eu não sei se a coisa é mais lenta nas outras áreas, porque, pra que essas coisas aconteçam, a mulher precisa reciclar vários outros valores. Mas eu não sei te dizer, não sei, eu nunca tinha parado pra pensar nisso. (Bildi)

Eu acho que tem áreas tipicamente femininas, não sei por que, mas farmácia eu acho que é uma, enfermagem eu acho que é outra, biologia não sei, não sei se ciências biológicas é tão feminina, porque têm bastante biólogo. Mas eu acho que a área da saúde, e depois a área da educação, as licenciaturas, essas eu acho que têm bastante mulher. A mulher tem características mais de doação, de coisas assim, e algumas áreas necessitam isso aí. Mas, por outro lado, como eu tava te dizendo, eu acho que a gente tá num ponto de mudança. Por exemplo, eu dei aula pra psicologia, e tem muito aluno homem na psicologia. Eu não saberia te precisar quantos agora, mas bastante assim, foi uma coisa que eu me lembro que me chamou a atenção no ano passado, a quantidade de homens na psicologia, que era uma profissão que eu achava que era mais feminina. Geralmente as mulheres psicólogas e os homens psiquiatras, porque já eram médicos. Agora eu acho que talvez tenha a ver sim com a questão do ser mulher. Eu não te diria docilidade, porque eu não sou um tipo muito dócil, mas a questão da doação, isso aí eu acho que é. Eu acho que tem uma característica biológica da mulher, o ser mulher eu acho que tem essa questão de doação, de acolhida, de maternidade, mesmo se não é mãe, eu acho que tem isso aí. (Mariana)

Essas narrativas que evidenciam a divisão por gênero na ciência em função das características “femininas” e “masculinas” criam condições para pensarmos nos espaços sociais que os sujeitos devem ocupar de acordo com o seu sexo. Os homens são “naturalmente” dotados das habilidades e características exigidas pelas ciências hard (“duras”), enquanto que as mulheres, exatamente porque são desprovidas, também na sua essência, dessas mesmas habilidades, são “naturalmente” destinadas às ciências soft (“moles”) (Souza, 2002:78). Segundo Londa Schiebinger (2001:296), as ciências hard produzem resultados “duros e firmes”, alicerçadas em fatos estritamente reproduzíveis; pretendem-se “imparciais”, abstratas e quantitativas; estudam coisas duras, inanimadas, matéria em movimento; além disso, são consideradas difíceis, exigindo elevado grau de pensamento abstrato, longas jornadas de trabalho árduo. Contrapondo-se a elas, as ciências soft são consideradas como tendo limites permeáveis e estrutura epistemológica aberta, produzem resultados maleáveis e qualitativos, estudam organismos moles, seres vivos e seus comportamentos, etc. Com tais entendimentos, chega-se a uma dicotomia que rotula, por exemplo, a Física, Química e Matemática como ciências “duras” e a Biologia e Humanidades como ciências “moles”.

Com tais considerações, buscamos enfatizar que o meio científico reproduz as representações de gênero produzidas socio-historicamente, uma vez que o raciocínio matemático, razão e objetividade são concebidas como características “masculinas” e o sentimento, emoção, subjetividade, doação, docilidade, cuidado como “femininas”, posicionando assim os sujeitos. Portanto, determinadas áreas, como as Ciências Exatas, a Física e as Engenharias não se constituem como espaços permitidos para as mulheres, uma vez que elas não possuem as habilidades e características necessárias para atuar nesses campos. Desse modo, seria mais lógico que as mulheres ingressassem em áreas mais “femininas”, mais condizentes com sua condição de gênero, como, por exemplo, a Farmácia, a Enfermagem e as Humanidades.

Entretanto, contrapondo-se à feminização e masculinização das ciências, as duas físicas que participaram da pesquisa argumentaram:

A física precisa de mulheres, pois a física precisa contar com 100% dos talentos. A ciência não tem gênero e precisa contar com todas as experiências possíveis para que possamos resolver problemas. Não há áreas femininas, mas sempre que uma mulher está em um campo atrai mais mulheres, pois as garotas precisam de “modelos”. O meu grupo, por exemplo, sempre tem muitas meninas. (Salamandra)

Não, eu não acho que hajam areas que sejam femininas ou masculinas. Eu acho que existem aspectos de capacidade intelectual. A capacidade matemática é uma coisa que ela vai ser melhor em determinadas pessoas do em outras, como qualquer outra capacidade. (Sianiak)

Questionada se a pessoa vai desenvolver essa capacidade independente do seu gênero, e ela continua:

Exatamente. Mas vão ter algumas que vão ter e outras que não vão ter. Porque isso é uma distribuição, tem os que são mais ou menos, os que são bons e os que são muito bons. (Sianiak)

            Outra questão que emergiu nas narrativas refere-se ao entendimento de que as mulheres fazem ciência de maneira diferente em função das características biológicas. Sobre essa questão, destacamos a fala da Lili, que diz:

Acho que sim, acho que talvez sim. Eu acho que tudo decorre de a mulher parir. Tudo que a gente tem de diferente dos homens faz com que a gente tenha uma visão diferente das coisas, que pode ser que propicie uma resolução desses problemas de uma maneira alternativa que talvez conduza a um resultado melhor. Acho que é mais ou menos por aí que eu vejo a questão do gênero, tudo que decorre da mulher parir. Então tudo o que eu tenho de diferente no meu físico, no meu psíquico, que me permite parir e não permite o outro cara parir, isso pode fazer com que, pra esses problemas que pra mim é a ciência, eu possa identificar alguns que talvez eles não identifiquem. Mapear eles de uma maneira diferente, ver soluções de uma maneira diferente, que talvez conduza a um resultado melhor.(Lili)

    De acordo com Londa Schiebinger (2001:32), a década de 80 assistiu intensos debates sobre a possibilidade da criação de uma “ciência feminista”, em função do entendimento de que a identidade de gênero do(a) cientista influencia o conteúdo da ciência. Segundo a autora, foram frequentes as discussões no sentido de tentar responder a questão:

“As mulheres fazem ciência de uma maneira diferente?”. Para aqueles(as) que acreditavam que sim, as justificativas residiam em torno dos seguintes entendimentos: as mulheres tendem a um trabalho mais abrangente e sintético, evitam campos que exigem competição acirrada, são mais cuidadosas e atentas, prestam maior atenção a detalhes e escolhem diferentes áreas para investigação (Schiebinger, 2001:35). Schiebinger conclui que as discussões em torno da questão sobre se as mulheres fazem ou não ciência de maneira diferente ainda permanecem no domínio da teoria, ou seja, é “uma hipótese que precisa ser testada” (Id. Ibid.: 37).

Nessa perspectiva, a autora argumenta que:

Para testar tal ideia, seria preciso observar os tipos de perspectivas que podem ter sido trazidos à ciência por mulheres afro-americanas, hispânicas, asiático-americanas, americanas nativas e latinas (e assim por diante), de antecedentes de classe alta, média e baixa, para não mencionar diferenças regionais e outras diferenças culturais. A experiência de vida de uma mulher de uma família de imigrantes filipinos será completamente diferente da de uma mulher afro-americana graduada em Harvard ou da de uma mulher branca que cresceu na Pennsylvania rural. (Id. Ibid.:37-38).

Nessa direção, Donna Haraway (1995) propõe a introdução do que ela chama de “saberes localizados” e “corporificados”, que reivindica a ciência como uma construção social e histórica, contingente, localizada, parcial, em oposição aos saberes universais. Entretanto, não significa dizer que temos que abandonar a “objetividade”. Ao contrário, Donna Haraway argumenta a favor de “uma doutrina de objetividade corporificada que acomodasse os projetos científicos feministas críticos e paradoxais: objetividade feminista significa, simplesmente, saberes localizados.” (Id. Ibid.:18). Desse modo, a ciência se constituirá pelas interações entre os diferentes pontos de vista de “sujeitos múltiplos” que não são inocentes nas suas produções e, acima de tudo, são responsáveis por tudo aquilo que aprendem a ver. Os saberes localizados poderão contribuir para o desenvolvimento de uma visão crítica, reflexiva, cética, irônica, plural, parcial de ciência; poderão propiciar o desenvolvimento de um entendimento mais rico da objetividade, que inclua um “distanciamento apaixonado”, a contestação, a responsabilidade e a solidariedade, em função do extraordinário leque de contextos em que a ciência pode ser produzida (Haraway, 1995).

É considerando as proposições apresentadas até aqui que concordamos com o entendimento de Londa Schiebinger (2001:334), quando argumenta que

"[...]o desejo de criar um ‘termômetro feminista’ que nos diga quando uma ciência é feminista não permite suficientemente mudanças na teoria e prática feministas, se isso significa (como é o caso para muitos críticos) uma ciência especial ou separada para mulheres ou feministas. A ciência é uma atividade humana; ela deve servir a todos, inclusive mulheres e feministas.

Para finalizar...

Transitar nas narrativas apresentadas neste texto sobre a participação feminina na ciência nos possibilitou discutir e problematizar alguns discursos produzidos socio-historicamente que, estiveram e estão implicados na constituição dos sujeitos, neste estudo, na constituição de “mulheres-cientistas”, ensinando-lhes modos de ser, agir, de pensar e atuar com relação à ciência. Nesse sentido, transitar nas narrativas das participantes desta pesquisa implica perceber que os entendimentos delas sobre a participação de mulheres e homens nas ciências não podem ser compreendidos fora dos contextos sociais e culturais em que estão inseridas.

Ao analisarmos as narrativas, percebemos que o mundo da ciência (re)produz determinados discursos e as práticas sociais que constituem mulheres e homens, uma vez que as diferenças entre os “papéis” socio-historicamente construídos de mulheres e homens produzem efeitos nas escolhas profissionais, na formação de pesquisadores(as), no desequilíbrio entre mulheres e homens em determinadas áreas do conhecimento, no viés sexista que constitui a ciência. Tais aspectos têm raízes profundas, que envolvem a própria história da humanidade e a construção das identidades femininas e masculinas ao longo dos tempos.

Nessa perspectiva, nas narrativas analisadas problematizamos a emergência de explicações biológicas implicadas em direcionar a vida de mulheres e homens na ciência. Relacionada a essa questão, ficou marcante a emergência de algumas características femininas tais como doação, curiosidade, facilidade em comunicar-se, sensibilidade, instinto maternal, entre outras, como responsáveis pela inserção das mulheres na ciência e pela feminização de determinadas áreas, tais como a Enfermagem, a Farmácia e as Humanidades.

As discussões que buscamos tecer ao longo deste texto não têm a pretensão de serem afirmações definitivas e inquestionáveis, mas, ao contrário, elas representam apenas algumas reflexões sobre a participação feminina no mundo da ciência, constituída em pilares androcêntricos e sexistas. Olhar de forma mais atenta e crítica para as relações entre gênero e ciência implica problematizar determinadas “verdades” cristalizadas na história, contribuindo, talvez, com outros modos de fazer, outros modos de olhar, de viver e de vir a ser.

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Fabiane Ferreira da Silva

Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professora Assistente da Universidade Federal do Pampa – Campus Uruguaiana. Integrante do Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola (GESE/FURG). Tem experiência na área de Educação em Ciências, com ênfase na formação inicial e continuada de professores/as, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de ciências e química, corpo, gênero e sexualidade. E-mail: fabianesilva@unipampa.edu.br

Paula Regina Costa Ribeiro

Doutora em Ciências Biológicas pela UFRGS. Professora Associada II do Instituto de Educação e dos Programas de Pós-Graduação em Educação Ambiental e Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande. Coordena o Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola (GESE/FURG), tendo como foco de pesquisa a educação para  a sexualidade na formação inicial e continuada de professores/as. Bolsista produtividade 1D do CNPq.  E-mail: pribeiro@vetorial.net.


 
Notas

[1] Quando se fala na presença das mulheres na ciência, o primeiro nome que surge destacado e isolado é o da famosa matemática e filósofa da Grécia Antiga, Hipácia (370-415), que trabalhava na Escola Neoplatônica de Alexandria e foi assassinada por monges fanáticos cristãos (Chassot, 2006:96-98). Na historiografia da ciência Hipácia é considerada uma figura emblemática, símbolo da ciência e da sabedoria da Antiguidade, vítima da intolerância cristã. A história de Hipácia é relatada no excelente filme Agora, dirigido por Alejandro Amenábar, lançado na Espanha em 2009.

[2] Este texto integra a Tese de Doutorado, intitulada “As mulheres na ciência: vozes, tempos, lugares e trajetórias”, vinculada à linha de pesquisa Educação Científica: Implicações das Práticas Científicas na Constituição dos Sujeitos, do Curso de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande.

[3] Neste estudo, estamos utilizando a expressão “mulheres-cientistas” entre aspas, como forma de sinalizar a construção das identidades e a constituição dos sujeitos. Entendemos que não existe a identidade “mulher-cientista”, fixa e universal, mas várias e diferentes mulheres, que não são idênticas entre si, que aprenderam/aprendem a agir e se reconhecer como cientista e mulher.

[4] O Rio Grande do Sul é um dos 26 estados do Brasil. Localizado na Região Sul, possui como limites o estado de Santa Catarina ao norte, o oceano Atlântico ao leste, a Argentina a oeste e o Uruguai ao sul. Sua capital é a cidade de Porto Alegre.

[5] Utilizamos “feminismo” no singular para facilitar a fluidez na leitura do texto. No entanto, entendemos que não há feminismo no singular. Existem várias linhas, dentre as quais podemos destacar: o feminismo liberal ou da igualdade, o feminismo da diferença, o feminismo radical... Sobre feminismos, ver: Dominique Fougeyrollas-Schwebel (2009); Londa Schiebinger (2001).

[6] Por “determinismo biológico” entende-se “o conjunto de teorias segundo as quais a posição ocupada por diferentes grupos nas sociedades – ou comportamentos e variações das habilidades, capacidades, padrões cognitivos e sexualidade humanos – derivam de limites ou privilégios inscritos na constituição biológica” (Citeli, 2001:134).

[7] Para Guacira Louro (2004:24), o caráter social e relacional do conceito de gênero não se refere à construção de papéis masculinos e femininos, uma vez que “papéis seriam, basicamente, padrões ou regras arbitrárias que uma sociedade estabelece para seus membros e que definem seus comportamentos, suas roupas, seus modos de se relacionar ou de se portar...”. De acordo com a autora, a pretensão é compreender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos.

[8] Nas citações diretas e títulos de obras (livros/artigos), a ortografia antiga será mantida, por fidelidade à obra citada.

[9] As narrativas das participantes desta pesquisa serão apresentadas ao longo do texto em itálico.

[10] Entendemos “verdades” a partir das contribuições de Michel Foucault. Para o autor (2006: 12), “a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.”.

[11] O curso de História Natural corresponde ao atual curso de Ciências Biológicas.

 

labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012