labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2012  - julho /dezembro 2012

 

 

AS TRÊS JOANAS.

As aventuras das mulheres guerreiras na Idade Média

Carla Cristina Garcia

    Para Norma Telles

 

Resumo:

Afirmar que a guerra, parte substancial da trama social, política e econômica das sociedades medievais, tem sido uma prática na qual historicamente se tem implicado mais homens que mulheres não parece uma generalização abusiva. Mas ignorar as circunstâncias e os modos pelos quais as mulheres também participaram na cultura e na prática da guerra significaria, sem dúvida, ocultar a experiência histórica feminina e negar-lhes toda a capacidade de compromisso com a realidade. Visionárias, rebeldes, aventureiras ou revolucionárias, estas mulheres que triunfaram ou foram derrotadas no campo de batalhas têm a trajetória de suas vidas profundamente marcada pelo contexto histórico e social no qual suas ações se desenvolveram.Partindo desse ponto de vista, um dos objetivos deste artigo é fazer uma aproximação às construções que na cultura ocidental habitualmente serviram de modos de representação as maneiras de se vincular ativamente as mulheres as guerras. É preciso verificar também as dinâmicas interpretativas a que estas construções se prestaram, dinâmicas polifônicas que acolheram visões androcêntricas, mas também ginocêntricas. Trata-se de uma aproximação as histórias e aos feitos das guerreiras medievais, aos modos e circunstâncias de sua participação ativa nos conflitos e aos códigos de representação que visibilizaram as experiências bélicas femininas para que se possa produzir uma reflexão sobre a importância que tiveram nas guerras de seu tempo.

Palavras Chave: Mulheres Guerreiras, Aventuras, Amazonas, Donzelas Guerreiras.

 

      Declarando a guerra: Cherchez La Femme!

              (Introdução)

A guerra tem sido motivo de reflexões e posicionamentos coletivos ou individuais para as mulheres de todas as épocas históricas, independentemente do fato de que suas vozes - de protesto ou beligerantes – fossem ou não escutadas.

Apesar disso, a história não prestou atenção aos diversos papéis assumidos pelas mulheres em momentos de conflito armado. Nas últimas décadas, entretanto, muitas estudiosas e historiadoras feministas desenvolveram estilos de investigação diferenciados depois de terem se dado conta de que a escuta das vozes de mulheres medievais desmentia categoricamente a ideia de que naquele tempo não havia mais do que silêncio. [2]

Para além do silêncio, existem palavras que foram ditas, escritas e que tiveram um âmbito de ressonância algumas vezes amplo como é o caso de Joana D’Arc, outras vezes mais subterrâneos e menos perceptíveis como o das três Joanas e outras guerreiras importantes que trataremos aqui. De qualquer modo, todas compartilharam o mesmo destino: a condenação à lenta desaparição não apenas mediante condenações e fogueiras, mas também por meio da dominatio memoriae: a queda no esquecimento, o silêncio – este sim real e de peso – da cultura dominante para com elas.

O desaparecimento das vozes de mulheres medievais e dos valores culturais de que foram portadoras fizeram com que Duby pudesse afirmar explicitamente que a Idade Média foi uma época masculina e que as mulheres só poderiam ser encontradas filtradas pelas palavras e ou expressões dos homens. (1989).

Entretanto, décadas de pesquisa têm trazido à luz uma quantidade enorme de nomes e recuperado uma variedade tão imensa de histórias de mulheres medievais que não se necessita mais sequer pensá-las como a ponta de um iceberg, metáfora com que Johnston (1987), justificava no final década de 1980 a possibilidade de reler uma mulher como Hildegard Von Bingen partindo de um interesse feminista. Atualmente podemos vê-las como peças de quebra-cabeças, suficientes ao menos para nos permitir intuir os contornos da figura e do conjunto a ser reconstruído.

Desse modo, se poderia talvez reconhecer uma síntese cultural alternativa aquela que confeccionou o pensamento escolástico medieval que teve entre seus fundamentos a exclusão material e simbólica das mulheres.

A herança que nos transmitem essa vozes do passado pode ser lida a partir de um olhar mais sutil e refinado, que nos permita articular, de uma maneira mais complexa do que a simples contraposição frontal - entre o papel social de homens e mulheres - as opções que haviam na cultura medieval que possam revelar a presença de aspectos hoje esquecidos mas de grande valor na cultura destes séculos nos quais no ocidente cristão, se misturaram pessoas de origem latina com populações e grupos étnicos e de culturas diversas (pode-se imaginar o contraste entre o enlace patriarcal dos deuses Greco-romanos e a figura da Grande Deusa venerada pelos celtas), enquanto que a mensagem cristã de um Deus que se fez carne em um corpo de mulher era assimilado, não sem dificuldades e contradições, ao pensamento filosófico grego no qual a dicotomia entre espírito e matéria havia se assentado como categoria fundamental.      

Se no imaginário judaico cristão persiste a imagem da dama da cavalaria, tecendo em sua roca ou jogando xadrez, na prática esta mulher também era capaz de defender seu castelo e sua vila. Por toda Europa se contam histórias e mitos das aventuras de muitas mulheres que lutaram contra o assalto do inimigo. Filhas de reis e nobres, mulheres do povo. Praticamente nenhuma guerra foi travada sem alguma participação feminina.

Nesse sentido, pode-se dizer que ao contrário do que maior parte dos livros conta, tanto no imaginário coletivo quanto na realidade histórica as mulheres medievais tiveram um protagonismo muito maior do que a história oficial – escrita por homens - reconheceu: “A direita da pirâmide estão os que lutam tanto homens quanto mulheres. Não digo que a função das mulheres era a de lutar, mas que estão casadas com os que lutam e a eles devem servir.” (Duby,1994:374).

A partir dos estudos das historiadoras e filosofas feministas das ultimas décadas, já se pode afirmar que as mulheres não são apenas as que servem aos que lutam, mas que lutam também por vontade própria: a aventura da guerra não foi uma prerrogativa masculina. 

 

O campo das Batalhas: As guerreiras no imaginário medieval.

A existência de mulheres empunhando armas figura tanto na tradição clássica, nas epopeias germânicas e célticas quanto na tradição judaico-cristã.

No Antigo Testamento está, por exemplo, a história de Débora. Conhecida como a Mãe de Israel, a profetisa e juíza Débora[3], por volta de 1150 a.C., reorganizou as tribos de Israel para derrotar o rei Jabin de Canaã e seu comandante militar, Sísara. Essa vitória uniu as tribos autônomas e dispersadas de Israel e trouxe 40 anos de paz. A história é dramatizada vividamente na ode triunfal Cântico de Débora, no capítulo 5 do “Livros dos Juízes” do Velho Testamento da Bíblia.

 Débora convocou Barac e o instruiu a arregimentar um exército de 10 mil homens para ir ao encontro de Sísara. Barac só concordou em fazê-lo com a condição de que ela o acompanhasse, o que ela fez, prevendo que “é nas mãos de uma mulher que Lahweh entregará Sísara” (Juízes 4:9). Os israelitas expulsaram o inimigo e Sísara fugiu a pé para o assentamento de Héber, o Quenita, amigo do rei Jabin. Enquanto dormia na tenda de Héber, Jael, esposa de Héber, matou Sísara com uma estaca da tenda, cumprindo assim a profecia de Débora. (Juízes 4:21). Para comemorar o acontecimento, Débora (ou talvez um contemporâneo seu) compôs o Cântico de Débora. O mais antigo escrito na Bíblia e o mais sofisticado de todos os antigos cânticos de guerra é tido pelos estudiosos como uma obra-prima da poesia judaica e considerado uma das odes mais refinadas da literatura mundial. Além disso, é único pelo fato de duas mulheres – Débora e Jael – aparecerem como heroínas. (Anderson, 1991:80)

Figura 1: Gustave Doré. Rainha Débora, séc. XVIII.

Uma lenda celta do século VII ou VIII assim descreve a rainha guerreira Mebd:

 “Uma mulher alta e formosa. Em sua mão levava uma leve e afiada lança e por cima de sua cabeça sustentava uma espada de ferro com empunhadura de mulher: uma figura impressionante”. (Anderson, 1991:87)

A descrição dessa rainha guerreira mostra que não se trata de uma mulher que assume uma função masculina: a existência de uma espada com empunhadura para mulher demonstra que este não era um objeto excepcional, mas sim usual entre as mulheres das culturas não romanas.

Outro exemplo é o da rainha Boudica que comandou uma das mais sangrentas revoltas bretãs contra Roma. Organizou e capitaneou um exercito que marchou até Londres em 62 D.C. Derrotada e preferiu morrer antes de ser obrigada a marchar como prisioneira em um desfile triunfal.

A proximidade da mulher germânica com o campo de batalha fica bastante explicita nas descrições feitas por Tácito:

“Com ou sem armas estavam no campo de batalha e os guerreiros mostravam suas feridas para suas mães e esposas e elas não temiam contá-las e examiná-las e levavam comida e palavras de ânimo aos combatentes. Se conservou a tradição de que quando algum exercito estava aponto de render-se era reanimado pelas mulheres com a obstinação de seus gritos e a exposição de seus peitos (...), além disso, acreditam que há nelas algo de divino e profético, não menosprezam seus conselhos nem esquecem suas respostas” (Tacito, 2006: cap.7 e 8.) 

Durante a Idade Média as mulheres lutaram muitas guerras. Nas cruzadas, combateram dentro dos exércitos francos. Os historiadores as descrevem como se fossem amazonas, vestidas como homens, a cavalo segurando a lança e o escudo de guerra. A frente de todas elas a Dama das Esporas de Ouro: Eleonor de Aquitânia, comparada com Pentesiléia, rainha das amazonas.[4] (Contamine, 1980: 80-85).

 

Figura 2: Eleonor de Aquitânia.

A Guerra das duas Joanas

A Guerra dos Cem Anos (1337 -1475) começou como um enfrentamento entre os reis da Inglaterra e França e acabou adquirindo dimensões internacionais o que a converteu na primeira das muitas guerras que regaram os campos da Europa com rios de sangue. Qualquer disputa civil da época - e houve muitas- contava com a presença de tropas inglesas e francesas que, logicamente combatiam sempre em campos opostos.

Um destes conflitos regionais aconteceu na Bretanha francesa. Os historiadores o conhecem como a Guerra das duas Joanas já que as protagonistas deste conflito foram duas inimigas que tinham o mesmo nome: Jeanne de Montfort e Jeanne de Blois, Penthiève por nascimento. Entretanto nos parece mais correto denominá-lo de A Guerra das Três Joanas porque às duas primeiras deve-se acrescentar uma terceira: Jeanne de Clisson, a Leoa da Bretanha, cuja vida de aventureira e guerreira pirata é uma das mais emocionantes de todos os tempos. (Klausmann, 1997)

Jeanne de Montfort e Jeanne de Blois

Em 1341, João III, duque da Bretanha morreu sem deixar descendentes diretos e seus parentes iniciaram uma terrível competição pela coroa ducal. A certa altura restaram apenas dois candidatos. O melhor situado dos dois era o conde Jean de Montfort já que seu pai era o meio irmão de João III, mas o ducado foi cedido a Jeanne de Penthieve, filha de outro meio irmão do duque.

 Ainda que a Bretanha fosse regida pela lei sálica, que impedia o acesso ao trono às mulheres, essa lei podia ser interpretada de muitas maneiras. A herdeira estava casada com Carlos de Blois, sobrinho do rei da França que tinha um interesse especial em que a Bretanha estivesse em mãos de um governante francês, afinal quem controlasse o ducado, dominaria a rota comercial que unia os portos ingleses e vizcaínos as cidades portuárias flamencas, cuja possessão era  disputada ferozmente por ingleses, franceses e castelhanos.

Dito de outra forma, a Bretanha era a chave para a economia européia. A prosperidade dos criadores de ovelhas ingleses, dos burgueses, artesãos e trabalhadores flamencos e dos banqueiros italianos dependia – em grande medida- de que as águas do Canal da Mancha estivessem tranqüilas e mansas.

Jeanne de Montfort, esposa do conde, apesar de não possuir a nacionalidade, era idolatrada pelo povo bretão. Combinava a fineza e os bons modos da mais perfeita dama com a agilidade e bravura do mais valente cavaleiro: não apenas dominava a arte da equitação melhor do que muitos, mas também - por simples gosto - costumava participar – e ganhar- muitas justas que se organizavam de tempos em tempos.

Diante destas circunstâncias, a sociedade dividiu-se em duas facções irreconciliáveis e a guerra civil teve inicio. De um lado a pequena nobreza, os padres, os burgueses e o povo a favor dos Montfort; do outro, os grandes senhores e os bispos ao lado dos Blois.   Entretanto, em agosto de 1341, o conde de Montfort sofreu uma emboscada e acabou preso pelos franceses em uma torre do Louvre por três longos anos. Bretã por adoção, Jeanne de Montfort tomou pessoalmente o estandarte com a imagem do arminho – símbolo da casa da Bretanha – e comandou o combate contra os franceses e os partidários de Blois. Encastelada, Jeanne lançou contínuos e rápidos ataques contra os soldados de Jeanne de Blois. Esta tática - atacar o inimigo e se retirar sem abrir a batalha – seria copiada anos depois em outras guerras medievais importantes. (Klausmann, 1997)

Figura 3: Jeanne de Montfort defendendo seu castelo.

Para acabar de uma vez com o cerco que sofria em seu castelo pelos soldados franceses, Jeanne reuniu um exercito de trezentos homens para atacar e queimar o acampamento inimigo. A partir desse ataque vitorioso, Jeanne passou a ser chamada de “La Flamme” (A Chama).

Apesar de ter sofrido algumas derrotas e ter sido presa, Jeanne conseguiu escapar com a ajuda dos ingleses e, uma vez em Londres obteve apoio para formar uma pequena frota de navios – regida pelas normas do corso – e tinha como objetivo reconquistar a Bretanha.

Na batalha que se seguiu, Jeanne demonstrou que seu talento bélico não se limitava a terra firme:

“Foi coisa inaudita e jamais vista o numero dos que caíram sob as armas e nunca se viu tanta luta. Quanto à dama que ali estava, de pé em frente ao inimigo, manejou as armas com maior destreza do que os soldados.” (apud Klausmann,1997:119).

Poucos meses depois dessa batalha marítima, as duas Joanas acabaram por firmar um acordo de paz, mediado pelo Papa Clemente VI conhecido como o tratado de Malestroit. Um gesto de boa vontade que não durou muito. Em 1343, cada vez mais pressionada pelos franceses e esgotada pelos combates, Jeanne, “a Chama” se retirou para a Inglaterra onde – dizem – enlouqueceu.

Figura 4: As duas Joanas e o tratado de Malestroit

A morte do conde de Montfort marcou o declínio definitivo da guerreira bretã. Eduardo III da Inglaterra obteve a tutela de seus filhos e tirou de Jeanne todo o poder. . (Klausmann, 1997)

Se Jeanne Montfort enlouqueceu, o marido da herdeira Jeanne de Blois, Charles sofreu uma grave crise. Depois de se render aos ingleses em 1347, foi conduzido a Londres onde vagava pelos cemitérios pedindo perdão por haver devastado seu país e levado seus amigos a morte. Cinco anos depois, Eduardo o liberou e ele voltou a lutar por imposição da herdeira, Jeanne de Blois, que havia tomado cargo das obrigações da guerra diante daquilo que ela chamava de covardia do marido. Charles morreu na batalha decisiva da Guerra das duas Joanas em 1364 e Jeanne pouco pode fazer além de firmar uma paz honrosa. Depois de combater desesperadamente durante meses Marie Jeanne de Blois cedeu os direitos à coroa ducal ao filho mais velho de Jeanne Montfort.

 Não se sabe se Jeanne, “A Chama” ainda vivia na época em que seu primogênito finalmente obteve os direitos à coroa ducal, pois os cronistas * não voltam a falar dela, mas nos registros da história da Bretanha seu nome e suas façanhas continuaram a ser lembrados:

“Podia balançar-se sobre qualquer cavalo com muito mais destreza de que qualquer cavaleiro com maior experiência. Em meio a uma multidão de homens armados, podia dar golpes como o mais valente dos mestres de campo. Combatia em terra ou no mar e sabia tudo sobre traçar estratégias de ataque, proteger a terra conquistada, negociar com príncipes e organizar todas as necessidades para a guerra. Podia atacar e defender uma fortaleza e suportar a maior das dificuldades.” (apud Klausmann,1997:118.).

Figura 5: 6 de junho de 1342, Jeanne “A chama” libertando Hennebont.

 

Jeanne de Clisson: a Leoa Sangrenta.

Dizem os cronistas que a jovem viúva Jeanne de Belleville era a mulher mais bela sua época quando se casou pela segunda vez com um dos nobres mais poderosos da Bretanha, o conde Olivier de Clisson. Com o inicio da guerra de sucessão bretã, Clisson se uniu – como se esperava - à causa de Jeanne de Blois. Porém seu apoio durou pouco tempo, pois ao que parece após um acordo com o conde de Montfort, passou a lutar ao lado deste.

Em 1343 com o tratado de paz de Malestroit assinado pelas duas Joanas, Olivier de Clisson viajou a Paris para assistir a um torneio quando ele e seus cavaleiros foram presos pelo exercito de Felipe VI e depois de um rápido julgamento, foram condenados à morte por traição e decapitados.

 Jeanne, jurando vingança, decidiu tomar as armas para defender a honra e o solar dos Clisson. Poucos dias depois que a cabeça de seu marido foi pendurada na praça publica de Nantes, Jeanne deixou seus filhos sob a guarda de seu enteado e partiu com mais de 400 homens para o castelo de um importante aliado de Jeanne de Blois. Ali ela comandou um massacre no qual nenhum de seus inimigos sobreviveu. As crônicas dão conta de que depois desse massacre, ela se tornou o pior pesadelo dos franceses. No tempo em passou exilada em Londres ao lado de Jeanne de Montfort, planejou levar a guerra ao mar. O rei então lhe proporcionou três cocas[5]e lhe deu patente de corso. Nada mais.

Ela se encarregou de armá-las vendendo todas as jóias que possuía e, com seus dois filhos a bordo, zarpou para se converter no terror dos mercadores franceses que cruzavam o Canal da Mancha. Navegou sem rumo fixo durante meses desde a costa que ia de Vizcaya até os portos flamencos afundando todo e qualquer navio que cruzasse seu caminho. Os cronistas da época relatam que os cascos de suas cocas estavam pintados de negro e as velas tingidas de vermelho. Nas tabernas de todos os portos atlânticos os marinheiros falavam sobre a crueldade da Leoa Sangrenta – apelido que certamente lhe agradava, pois o leão era o símbolo desenhado no escudo da casa Clisson.

Diziam que a Leoa assistia impávida ao lado de seus filhos a execução das tripulações e que ela mesma se encarregava da execução de todos aqueles que tinham o nome de Felipe. Rumores, fofocas, contos. O fato é que cada dia aumentava o numero de barcos que não chegavam a seu destino. Declarada proscrita pelo parlamento francês, a marinha passou a persegui-la e quando finalmente a encontrou o que seu deu foi uma sangrenta batalha que durou horas. Mas a Leoa conseguiu escapar com seus dois filhos. Vagou por sete dias como náufraga até uma tropa montfordista a encontrou. Seu filho menor havia morrido.

Figura 6: brasão da família Clisson.

Arrasada, Jeanne de Clisson voltou para Londres acompanhada de seu filho Oliver. Contam os cronistas que a Leoa desistiu da vingança por medo de que não sobrassem descendentes dos Clisson para continuá-la, casou-se com um oficial inglês e nunca mais pegou em armas até que morreu em 1359.

Jeanne de Montfort e Jeanne de Clisson foram duas mulheres excepcionais, não por terem brandido a espada, mas porque fizeram a guerra no mar muito mais dura do que em terra. Sua adversária, Jeanne de Blois, apenas combateu em terra, do mesmo modo que a quarta e mais conhecida das Joanas da Guerra dos Cem Anos: Joana D’Arc, a Donzela de Orléans.

Deve-se, entretanto, fazer a distinção entre as três Joanas anteriores e a donzela de Orléans.  Joana D’Arc – primeiro queimada na fogueira como bruxa, depois canonizada -  era filha de camponeses, virgem e católica fervorosa. As outras Joanas, eram nobres bretãs “semibárbaras”, casadas ou viúvas com filhos herdeiros de títulos.

Pode-se dizer que os traços das três Joanas correspondem mais com os das inglesas e escocesas que lutaram do outro lado do Canal da Mancha em outros dos muitos conflitos regionais da Guerra dos Cem Anos: por exemplo, a longa e sangrenta briga entre escoceses descendentes dos Pictos – jamais romanizados – e os ingleses, herdeiros dos vikings que sitiaram Paris muitos séculos antes.

É o caso de Isobel Mac Duff e Agnes, a Morena. Isobel, cuja defesa da causa escocesa beirava o fanatismo (pois de fato ela pertencia ao clã que pretendia o trono escocês), acusou seu marido de traição , abandou sua casa e montada em seu melhor cavalo reuniu um grupo composto apenas de mulheres escocesas nobres. Seu marido indignado ofereceu uma alta recompensa por sua cabeça, prêmio este que alguém recebeu, pois Isobel foi capturada e passou muitos anos na prisão.  ( Rackin,2000)

Figura 7: Isobel Mac Duff

Lady Agnes Randolph, antiga companheira de armas de Isobel teve melhor sorte. Em 1338, defendeu o castelo de Dumbar durante cinco longos meses contando com a ajuda apenas das mulheres da região. O Conde de Salisbury – seu sitiador – não teve nenhum rebote machista ante a brava resistência de Lady Agnes e sua tropa de soldadas. Ao contrário. Segundo contam os cronistas compôs um poema em sua honra que passou ao folclore popular:

 (Black Agnes)

“She kept a stir in tower and trench,

That brawling, boisterous Scottish wench

Came I early, came I late,

I found Agnes at the gate.”[6]

Figura 8: Agnes Randolph

O cavaleiro dificilmente poderia criticar a conduta da condessa de Dumbar já que no momento em que ele estava sitiando este castelo na Escócia, sua dama tentava evitar que hordas de David II da Escócia invadisse Roxborough, sua residência.

Vale mencionar que por esta mesma época, Felipa de Hainault, a consorte regente de Eduardo III da Inglaterra dirigia pessoalmente a batalha de Newcastle, que teve como saldo a derrota completa do exercito escocês e a captura do rei David II. Felipa estava a ponto de dar a luz de um dos sete filhos que teve com o rei, fato este que inspirou um poeta anônimo – identificado por alguns como de Shakespeare – tais versos:

“David of Scotland, lately up in arms,

Thinking, belike, he soonest should prevail,

Your highness being absent from the realm,

Is by the fruitful service of your peers

And painful travel of the queen herself,

That, big with child, was every day in arms,

Vanquish'd, subdu'd, and taken prisoner.” (apud Rackin, 2000)

Figura 9: Felipa de Hainault

Não importa se o poeta exagerou ou não. O interessante é o simbolismo que estabelece entre o nascimento do príncipe e a captura do monarca escocês. A rainha pode ser mãe, esposa e guerreira ao mesmo tempo. Não necessita esconder sua condição de mulher para demonstrar sua coragem e seu valor pessoal. Os bretões, escoceses e os normandos ingleses não questionavam o fato de suas mulheres trocarem as toucas pelos elmos. Com também escreveu Arthur Conan Doyle:

“Era aquela uma época de mulheres guerreiras. As façanhas da morena Agnes, de lady Salisbury, da condessa de Montfort, ainda estavam frescas na memória das gentes. Com tais exemplos a vista, as esposas dos capitães ingleses se fizeram tão combativas quanto seus maridos e durante sua ausência governavam seus castelos com a prudência e disciplina.” ( Doyle, 1998:145)

É importante ressaltar que a presença das mulheres nas batalhas era tão proeminente que em 1467, Hans Talhoffer, um mestre de armas dedicou um capitulo de seu tratado sobre a arte do combate corpo a corpo às táticas e regras que regulavam os duelos entre um homem e uma mulher. (Talhoffer, 2000)

A historiografia oficial androcêntrica, cujo modo de pensar está duplamente condicionado – pelo machismo grego romano e pela misoginia cristã - apresenta o comportamento de Joana D’Arc como excepcional e singular Mas deve-se considerar que, como assinalamos anteriormente, ver uma mulher armada – ainda que não fosse habitual – não era tão estranho como possa parecer.

Joana D’Arc, uma plebéia de dezesseis anos desafiou quase todas as normas que uma mulher camponesa deveria seguir: desobedeceu a seus pais, importunou seus superiores buscando ajuda e insistiu em atuar a margem do papel feminino habitual. Disse a todos que havia sido enviada por Deus para unir-se ao exercito do rei da França e acabar com o cerco a Orléans. E as pessoas a escutaram, e a seguiram. Em circunstâncias normais talvez essa mulher insubmissa tivesse sido reprimida, mas em meio a uma guerra tão longa, as autoridades nela acreditaram. Pode-se imaginar que em seu tempo uma virgem com fé podia conseguir um exercito: ela tinha acesso a Deus por meio das vozes que escutava e foi considerada uma heroína: ao mesmo tempo forte e piedosa enviada para salvar o reino. (Anderson, 1991:177)

O Livro de Façanhas das Armas de Christine de Pizan

Neste contexto, uma mulher Joana D’Arc liderou um exercito e outra mulher, Christine de Pizan a cantou. Para Pizan, a atuação de Joana demonstrava as teorias já expostas por ela em seu livro A Cidade das Damas de 1405: uma mulher - por certas motivações – pode pegar as armas e ser tão valente quanto os homens. Em um diálogo com Razão, ela lembra:

“Você há de saber, querida Christine, que parece que Deus quis mostrar expressamente aos homens que mesmo que nem todas as mulheres tenham força física e a audácia da qual geralmente estes se vangloriam não se pode deduzir que as mulheres estejam totalmente desprovidas desta força.” (Pizan,1990:60)

Razão aconselha Christine a colocar como primeiras pedras da muralha da Cidade das Damas as mulheres guerreiras. Pizan então escreve sobre algumas delas como Semíramis, que além de conquistar a Babilônia, a reconstruiu, Zenobia, rainha de Palmira, Artemísia que venceu os persas. Entre elas também aparece Fredegunda, rainha dos francos que encabeçou seu exercito com o filho nos braços e que por meio de um estratagema venceu o exército inimigo. Note-se: não devido à força, mas sim a sua habilidade de planejar a batalha.

Figura 10: Miniatura do Cité des Dames 1405.

É importante ressaltar que no registro histórico que faz, Pizan destaca sempre além do valor e da coragem destas mulheres, sua inteligência, conhecimentos, bom senso, fidelidade. Para a autora a participação destas mulheres nas guerras históricas ou míticas nunca é um ato de violência gratuita, mas uma resposta a uma provocação, uma traição, um ataque anterior: a si mesmas, a seus filhos ou a seu país. (Pernoud,2000)

Os conhecimentos que possuía sobre estratégias militares e o uso das armas, Christine demonstrou em 1410 em um tratado sobre a arte militar que segundo especialistas é o melhor tratado sobre armas escritos na Idade Média. (Cannon, 1970:180). Trata-se do Livro de Façanhas de Armas e Cavalaria no qual a autora pergunta o quanto é lícito fazer guerra. Menciona entre as condições prévias a toda operação militar o critério da guerra justa.

Os conselhos militares de Christine estão destinados tanto ao ataque quanto a defesa. Conhece perfeitamente o armamento de seu tempo e as técnicas de artilharia. Ela é reticente quanto ao uso da pólvora e propõe que não se divulgue o uso do fogo grego[7], pois “para um cristão não é lícito usar de tais inumanidades que vão contra todo direito de guerra.” (apud Contamine, 1980:439 )

Tratou também de questões técnicas e morais das guerras no contexto de reforma da Arte da Cavalaria levada a cabo durante os séculos XIV e XV. No lugar da glória individual, do desejo anárquico de honra e a busca exclusiva de lucros pessoais, ela propunha submissão às ordens de um chefe, uma integração mais estreita no seio da comunidade militar e a adesão contínua da coroa. (Pernoud, 2000:115). Este foi o programa que Joana D’Arc conseguiu articular: aglutinou o exército francês e subordinou sua ação a dignidade da coroa, cuja legitimidade restituiu na pessoa de Carlos VII em sua cerimônia de consagração.

Tanto Christine quanto Joana compartilhavam a aposta por um monarquia com força arbitral, capaz de canalizar as discórdias internas e dar estabilidade ao reino. Compartilharam também a idéia da legitimidade do uso da força para a restituição da paz. Para levar a cabo esta ação, Joana adotou os esquemas formais de um comportamento místico em um contexto propício para ser ativado: eram tempos de crise monárquica e eclesial, de messianismo e de manifestações de formas distintas de autoridade feminina que se afirmavam pela via da profecia e da santidade. As mesmas que se tratou de desativar durante seu processo de condenação. (Cabré Pairet,1996:77-97 )

Pizan não ficou alheia a este clima de exaltação política e mental. Afetada diretamente pela guerra, exilou-se em Paris em seus últimos anos de vida entre 1418 e 1430. Christine soube de Joana, conheceu de perto suas façanhas e a cantou em seu ultimo poema Le Ditié de Jeanne D’Arc de1429, ano em que esta conquistou a cidade Orléans:

“(...) Por meio do qual Deus restituiu

A seu povo quando foi oprimido...

Ah! Que honra para o sexo feminino!

Ao qual Deus ama tanto que mostrou

Um caminho aos poderosos

Pelo qual o reino, outrora perdido

Foi recuperado por uma mulher

Coisa que os homens não puderam fazer.” ( apud,Anderson,1991:186)

Neste Poema, dedicado a gloria de Deus, por haver livrado a França de suas humilhações, se conjugam argumentos religiosos, patrióticos e feministas e de todos estes temas Joana era o centro, uma camponesa cujas façanhas e aventuras eram merecedoras de figurar nas crônicas históricas. A restauradora do trono francês era comparada por Christine a mulheres fortes da bíblia como Ester, Judith e Débora, a heroína com quem começamos este artigo.

Presas no calabouço: interpretações androcêntricas das mulheres guerreiras

Como vimos, na tradição da cultura ocidental patriarcal, caracterizada pelo ocultamento do paradigma bélico feminino, mitos como o das Amazonas e o da Donzela Guerreira têm sido as formas matriciais de representar a implicação das mulheres nas guerras, um dos recursos tradicionais do poder viril, e aqui se deve acrescentar as mulheres “encasteladas”, que atuam somente na ausência ou escassez de homens e sem utilizar armas, assumem a defesa de sua cidade ou fortaleza.

Estas figuras foram reatualizados em canções de gestas, nos romances cortesãos e também em diversos tratados históricos escritos no ambiente do humanismo renascentista, constituindo um núcleo temático recorrente nos debates da Querelle de Femmes[8]. As amazonas assim como a donzela guerreira, durante os séculos XVI e XVII encontraram lugar nos romances de cavalaria e também na produção teatral que acabou por manter viva suas histórias nas tradições folclóricas e essa projeção espacial que tiveram, parece um claro indicador da potencia significante que lhes foi atribuída no passado.

Entretanto é fundamental ressaltar que, em que pesem influências mútuas e misturas feitas entre amazonas, donzelas guerreira e as mulheres encasteladas ao longo dos séculos, as três figuras apresentam diferenças fundamentais.

Na tradição androcêntrica, as amazonas encarnam o arquétipo da mulher bélica e andrófoba, guerreira por natureza e educação. Eram mulheres dominadoras que não tinham necessidade de homens para sobreviver, que desautorizavam o matrimonio e a heterossexualidade como fórmulas obrigatórias de convivência, pois mantinham com os homens encontros para a procriação. As amazonas que - segundo diferentes tradições - primavam por sua descendência feminina, eram portadoras de uma imagem ginecocrática que produziu fascinação no imaginário feminino e medo no masculino.

A donzela guerreira acolhe matizes bem diferentes. Representa a jovem que, forçada pelas circunstâncias se veste com roupas de cavaleiro praticando acidental e ocasionalmente a guerra e a arte da cavalaria. O arquétipo toma forma dentro de um itinerário dotado de princípio, meio e fim, ligado a estados de exílio, crises ou separação no qual o disfarce de homem, que oculta a identidade da mulher, é revelado e atua como elemento estruturador da ação.

Ao contrário das amazonas, a donzela guerreira não subverte a ordem patriarcal, mas sim a sanciona: a jovem substitui o pai na guerra na ausência de irmãos e depois de haver cumprido sua missão, volta à casa do pai e é quando sua identidade sexual é revelada ao capitão ou ao príncipe com quem combateu no campo de batalha e com quem manteve uma relação de atração mútua entorpecida por seu disfarce e com ele se casa.

As histórias das mulheres encasteladas aparecem estritamente vinculadas ao mundo urbano beneficiando-se do prestigio retórico da historiografia, já que muitas destas tradições de heroísmo coletivo feminino tomaram forma escrita nas crônicas históricas gerais, mas, sobretudo, nas histórias locais. Estas histórias que se repetem em diferentes cenários costumam estar ambientadas no período medieval ainda que não faltem exemplos greco-latinos. (Erler, 2003)

A fortaleza ou a cidade amuralhada é o cenário e as mulheres são as protagonistas de uma ação destinada a defesa deste espaço diante de uma situação de sítio ou agressão iminente por parte forças inimigas que aspiram sua conquista. A resistência organizada destas mulheres é ativada pela necessidade dada à ausência ou extrema escassez de homens no momento em que o perigo se manifesta. É um traço comum a estas histórias também o uso da inteligência, da astucia, da estratégia e da simulação como recursos para a conquista da vitória sem que cheguem a exercer atos cruéis mediante o uso de armas ofensivas na maioria dos casos. A farsa consiste em se fazer passar por homem diante do inimigo usando para isso roupas masculinas e armas que de longe enganem o oponente.

Todas estas formas matriciais de representação das mulheres os modo que as mulheres têm de se relacionar com as guerras tem estado solidamente sustentadas nas culturas ocidentais por todas estas tradições, mas deve-se refletir sobre as dinâmicas sócio- históricas de atribuição de sentido a que estiveram submetidas ao longo do tempo.

Tais figuras femininas parecem ter arrastado consigo todos os tópicos da mulher varonil que rompe com as pautas de identidade femininas socialmente aceitas. As amazonas guerreiras androfóbicas, mulheres degeneradas que se assemelha ao homem desenvolvendo para isso qualidades físicas e atividades viris. A donzela guerreira valorizada em termos de sanção e continuidade dos papéis sexuais tradicionais que renuncia apenas formal e transitoriamente a identidade feminina que é reafirmada no final da história. Em última instancia, a donzela guerreira sanciona a ordem patriarcal, pois sua trajetória não transforma a ordem, parte de uma família patriarcal e a ela retorna.

Também as ações heróicas das mulheres encasteladas são envernizadas de qualidades viris nos escritos dos cronistas homens. A maneira como utilizam as roupas masculinas, como escondem seus cabelos, sanciona o tópico da semelhança com o masculino e com isso se introduz a dialética viciada do parecer frente ao ser.

O corpus legendário das mulheres resistentes, reatualizado nas histórias locais dos séculos XVI e XVII prestou-se a diversos usos. Ele foi tecido, por exemplo, com mitos de refundação incrustados em estratégias de representação das identidades urbanas. Deste modo, o reconhecimento simbólico na memória coletiva da contribuição significativa das mulheres como grupo anônimo, laico e popular com todo o potencial subversivo que contem a representação da feminilidade guerreira fica neutralizado por sua integração em um quadro de estreito patriotismo local. ( Delpech,1994:20-31)

À primeira vista estas constelações de arquétipos estão predominantemente presididas por uma lógica de sentido subsidiária de cosmovisões androcêntricas que sancionariam a exclusão feminina de um campo de ação masculino estreitamente vinculado ao exercício e controle do poder. Um bom exemplo é a história da defesa do castelo inglês de Bokenan, reclamado pelo rei em 1461. A senhora do castelo, Alicia, na ausência de seu marido se negou a entregá-lo; o rei então enviou nove comissionários presididos por um juiz de paz para ficar com o castelo de forma legal. Mas, quando a comitiva cruzou a guarda exterior, encontrou a ponte levadiça fechada e Alicia apareceu em uma pequena torre defendendo o castelo com flechas e outras armas de guerra, auxiliada por muitas pessoas armadas e disse aos emissários do rei:

“Vós que sois o juiz de paz, peço que conserve a paz, porque não abandonarei este castelo até morrer. E se vós rompeis a paz ou fizeres a guerra para tirar-me daqui, hei de defender-me já que prefiro morrer dessa maneira a ser morta quando meu marido voltar, pois me encarregou que cuidasse do castelo. As forças da lei se retiraram confusas”. (Power, 2000:54)

Este fragmento mostra que Alicia quer a paz, não será a primeira a romper, mas, caso não haja solução pacífica, defenderá seu castelo com todas as armas que possui, pois diz: teme mais a seu marido do que as tropas do rei. Uma história bem diferente dessa é a de Catarina Sforza.

Figura 11: Caterina Sforza

Caterina Sforza foi uma das grandes figuras do renascimento italiano, desafiou todos os convencionalismos de seu tempo e enfrentou abertamente inimigos poderosos como os Borgia e o rei da França com força de guerreira. Sua ânsia pelo conhecimento a levava a passar horas em seu laboratório desenvolvendo fórmulas, algumas para uso terapêutico e outras para cosmética. Contam os historiadores que procurou junto a Leonardo da Vinci o elixir da eterna juventude. Famosa por sua audácia no amor e na guerra era filha ilegítima do Duque Galeazzo Maria Sforza, de Milão e de Lucrezia Landriani. Aos 14 anos casou-se com Girolamo Riario, quando passou a deter o título de Senhora de Ímola e Condessa de Forli.

Educada na corte milanesa refinada, que no século XV era admirada por toda a Europa, viveu durante os primeiros anos de casada em Roma, amparada pelos bens e títulos conferidos a Girolamo por seu tio, o papa Sisto IV, cumprindo além de seus deveres de esposa e mãe, papéis em geral reservados aos homens. Com a morte do papa, em 1484, Caterina tomou de assalto o Castelo de Santo Ângelo, na esperança de intimidar os cardeais para sagrarem como novo pontífice alguém de sua família. Fracassando, mudou-se para Forli com o marido. Uma vez lá, caíram vítimas de uma revolta local onde seu marido foi assassinado e Caterina aprisionada com seus seis filhos pelos conspiradores.

Contam os cronistas de sua vida que escapou das mãos inimigas, deixando os filhos para trás como reféns e levantando a saia mostrando seu sexo desnudo teria gritado para a multidão que “Ho con me lo stampo per farne degli altri!” (Tenho o necessário para fazer mais filhos!) Com a ajuda das forças militares do tio, Ludovico Sforza, Duque de Milão, controlou a rebelião, recobrou terras e filhos e, na condição de regente, seu primeiro ato foi vingar a morte de seu marido aprisionando os conspiradores e suas famílias destruindo seus palácios e repartindo seus bens entre os pobres da cidade. Participou de inúmeras conspirações e foi vítima de tantas outras. Compilou um livro de receitas de cosméticos e prescrições médicas. Deixou mais de 400 fórmulas de propriedades de plantas, pedras, fórmulas para unguentos, xaropes, cremes etc. Ela é descrita pelos cronistas oficiais como feiticeira e alquimista. Ficou conhecida popularmente como "vampiresa de la Romaña”, " diablesa encarnada " e " virago cruelísima " .( Abrahão,2009)

Entretanto, cabe perguntar se este é a única maneira de interpretar estes mitos e histórias apontados até aqui uma vez que despertaram um enorme interesse entre as mulheres de épocas e lugares tão diferentes e buscar interpretações sobre a capacidade destas figuras para representar as experiências ou desejos femininos ancorados em um sistema de significados diferentes dos androcêntricos implícito nas interpretações tradicionais.

A Chama, a Leoa e a Donzela: leituras feministas das aventuras das mulheres nos campos de batalha.

Em seu Livro das Três Virtudes, escrito em 1405, Pizan estabelece quais são as tarefas que uma dama deve ser capaz de cumprir, entre elas está a de defender seu castelo e sua cidade. (Pizan, 2002) A autora trata de múltiplas perspectivas a questão de com as mulheres participam das guerras, articulando estratégias narrativas complexas que incidiam em parâmetros de igualdade e diferença entre mulheres e homens e das mulheres entre si; estratégias devedoras dos recursos culturais que movia a cultura cavalheiresca e humanista de sua época com as quais conseguiu nomear os campos de experiência feminina, do passado e de seu presente, desmontando as visões androcêntricas sobre a mulher guerreira e conferindo-lhes sentido fora do circuito de significação do patriarcado.

Ancorada nessas referências e imersa diretamente no debate da Querelle des Femmes, para ela, a Natureza compensa a falta de força física das mulheres com outras qualidades. E a coragem, diz Pizan “não reside na força do corpo, mas sua morada é a consciência e o coração”, ou seja, não é uma qualidade masculina, mas humana.

Mesmo que a guerra - atividade assistida pela coragem e pela força - seja um campo de ação mais para os homens do que para as mulheres, para a autora isto não se constitui como um problema, porque uma mulher inteligente pode fazer o que quiser.

Por isso se lembra das rainhas e imperatrizes que fizeram cargo de seus castelos com inteligência e justiça em seus reinos. E também assinala suas gloriosas intervenções no campo de batalha em que chegaram a superar os homens. Princesas altivas que se recusaram ao matrimônio, viúvas e rainhas que defenderam a herança de seus filhos, formam um catálogo de mulheres heróicas, guerreiras honradas e corajosas, cujas ações – muitas vezes cruéis – são justificadas pelo peso das circunstâncias.

Dentro de sua reflexão extensa e plural sobre o tema da guerra deve-se destacar sua reformulação do mito das amazonas e sua exaltação as mulheres encasteladas. Para além da visão misógina das amazonas como mulheres selvagens e degeneradas, Pizan recupera o mito conferindo-lhe sentido a partir da experiência feminina.

“Nos confins da Europa, existe uma terra circundada pelo grande oceano, que enlaça todo o mundo. Esta terra se chama Sicília, ou Sicilia. Um dia, os efeitos devastadores da guerra terminaram privando aquela cidade de todos os homens nobres que ali viviam. A mulheres do país, vendo que todas haviam perdido seus maridos, irmãos e pais, e só restavam os velhos e as crianças, reuniram-se corajosamente para decidir o que fazer. No final, deliberaram que daquele momento em diante elas iriam governar o reino sem tutela masculina, promulgando um edital proibindo o acesso de qualquer homem em seu território. Todavia, para assegurar uma descendência, elas iriam a países vizinhos em determinadas épocas do ano, voltando em seguida ao seu país: se dessem a luz a crianças do sexo masculino, elas reenviariam aos seus pais, e se ao contrário fossem do sexo feminino, cuidariam de sua educação. Para garantir a aplicação dessa lei, coroaram como rainhas, duas de suas damas mais nobres: uma que se chamava Lampedo e a outra Marpasia. Feito isso, expulsaram do país todos os homens que tinham restado, em seguida armaram-se e com um grande exército completamente formado de damas e moças jovens, e caminharam até as terras de seus inimigos, a ferro e a fogo. Nenhum conseguiu resistir: para ser breve, vingaram-se muito bem da morte de seus maridos. Foi assim que as mulheres da Sicília começaram a usar armas, e foram depois chamadas de Amazonas (...) ( Pizan, 2001:96)

 Pizan humaniza e feminiliza o mito andrófobo das amazonas, confere uma origem legitima a seu reino suas ações, uma origem baseada no paradoxo do uso da força para rejeitar a ordem masculina das coisas que as privou de seus maridos, pais e irmãos. Um mundo de mulheres no qual elas impõem suas leis:

“Tomaram tanto gosto com a prática das armas que conseguiram expandir seu território e ganhar fama em todo o mundo, como já te havia dito. Aquelas duas rainhas Lampedo e Marpasia invadiram muitos países, cada uma comandando um exército. Tanto fizeram que conquistaram grande parte da Europa e da Ásia, submetendo muitos reinos ao seu domínio e às suas leis. Fundaram diversas cidades: até na Ásia, onde a cidade de Efeso gozou durante muito tempo de um grande renome.” ( Pizan, 2001:96)

Guerreiras, conquistadoras e também civilizadoras, Pizan torna as amazonas mulheres valentes, fortes, belas, e sábias. Resgatará os nomes e as aventuras de algumas das mais legendárias rainhas, reconstruindo o tecido mítico feminino heróico interpretado a partir do ponto de vista da cultura cavalheiresca no qual se insere.

O mito oferece leituras muito diferentes quando no âmbito feminino da cultura cortesã francesa do começo do século XV. A visão de Pizan retoma uma tradição - significativa, mas não generalizada – presente em três romances do século XII: Enéas, Tróia e Alexandre. O uso cortês do tema das amazonas acabou por conduzir a constituição de um tipo feminino exemplar e original no qual a força se destaca como uma das  qualidades fundamentais. (Petit,1983: 63-84).

A fascinação pelo mito das amazonas e das donzelas guerreiras – exemplos de mulheres valentes - se confirma durante todo o século XVI nos livros de cavalaria, uma produção herdeira da literatura cortês que teve enorme aceitação entre o público feminino a ponto de condicionar seus conteúdos. (Marin Pina, 1991:129-147)

As amazonas, um tema presente em muitas obras imersas no contexto da Querrelle des Femmes, transcendeu a contextos muito diferentes. Até a última década do século XVII, por exemplo, a historiografia surgida nos meio femininos da ordem ursulina, narrava o martírio de Santa Úrsula e das onze mil virgens em termos de campo de batalha e descrevia como Úrsula voou de esquadrão em esquadrão para alentar “suas santas amazonas em seu combate contra o exército que as atacava” (Davis, 1995: 103) Uma leitura de defesa bélica ausente do relato que durante séculos foi divulgado na “Lenda Dourada” de Santiago de Vorágine uma das compilações da vida dos santos mais difundida na Idade Média, onde a representação dominante é a do martírio de Úrsula e suas companheiras pelas mãos dos Hunos quando estes sitiaram a cidade de Colônia. (Marin Pina, 1991:145)

O tema da donzela guerreira foi um campo permanente de reatualizações. A constatação do caráter marcadamente feminino deste tipo de texto está no fato de que são fundamentalmente as mulheres que cantam os romances e sua presença constante suscitou em muitas estudiosas feministas da literatura oral questões e leituras não ortodoxas das figuras das mulheres guerreiras e sua capacidade para representar e interpretar a experiência feminina.

Para Baltanás( 1988), nas histórias das donzelas guerreiras,  é parcial a figura do retorno a ordem tradicional, pois o retorno se dá depois dela ter demonstrado sua capacidade para desempenhar papéis histórica e socialmente atribuídos ao homem. E fica claro que desempenha um determinado papel não porque seja naturalmente dado, mas porque é socialmente estabelecido: não porque não pode ser de outra maneira, mas porque ela aceita que seja assim. Também há o sentido de responsabilidade da jovem donzela ente seus deveres familiares, por consciência de sua própria honra bem como pelo desejo de mostrar que uma mulher pode fazer tudo aquilo que um homem faz.

Tais considerações são interessantes se levarmos em conta que estas histórias circularam com muito êxito nos meios femininos durante o século XVI e continuam fazendo sucesso até nossos dias.

O mito da donzela guerreira foi o estereótipo formal com que Joana D’Arc foi vestida para levar a termo sua missão – dada por Deus, seu verdadeiro Rei – para salvar o reino da França. Não se pode entender este mandato divino dado a uma mulher como excepcionalidade que singulariza a aparição de uma mulher no campo de batalha, mas sim como uso de recursos mentais necessários para autorizar sua palavra de mulher. Foi assim que encontrou um espaço autônomo, livre das ataduras das hierarquias masculinas do poder político e religioso.

Investida de uma missão divina com conseqüências bem terrenas, Joana, vestida de homem, com os cabelos cortados por que assim Deus havia ordenado, parte para a guerra com todo o equipamento próprio de um cavaleiro.

 

Figura 12: Joana D’Arc

Qual foi a acusação que condenou Joana a fogueira? Em 1431, Joana caiu em mãos de seus inimigos, os ingleses. Sua negativa a submeter-se ao juízo arbitrário daqueles que a julgavam – padres ligados a Inglaterra foi contumaz. Como Marguerite Porete[10], Joana se conduzia por uma lei superior que não estava apenas contra, mas acima do poder hierárquico dos homens da igreja que a julgavam. Em seu processo ela foi declarada, feiticeira, falsa profeta, invocadora de maus espíritos, conspiradora, escandalosa e incitadora cruel de derramamento de sangue. Seus juízes afirmavam que ela havia abandonado a decência de seu próprio sexo adotando imodestamente as roupas e o status de cavaleiro.

A questão sobre as roupas masculinas no qual se aferra a maior parte do julgamento, a negativa contundente de Joana de não se desfazer da armadura era justificada pela obediência ao mandato divino que ela seguia. O traje fazia parte de sua missão, e em nome dessa renunciou as roupas de mulher e com elas a administração dos sacramentos. Em tudo isso, os juízes viam uma impostura, um modo de conduzir a vida livre de convenções que se formalizavam no campo dos conteúdos de gênero e livre do sistema institucional das autoridades eclesiásticas que sancionavam estas ordens e estabeleciam os conteúdos desta ortodoxia.

Joana, a guerreira vestida com roupas masculinas, com cabelos curtos, vivendo entre os homens, jamais escondeu sua condição de mulher. Todos sabiam. Costumava estar na companhia de mulheres quando pernoitava em alguma casa ou fortaleza e com elas mantinha relações estreitas de amizade, pois suscitava em suas anfitrioas respeito de admiração. 

 Tinha como referentes autorizadoras duas santas: Catarina de Alexandria e Margarida[11] e com muita freqüência ouvia suas vozes e via sua imagem: elas guiavam seus atos. Costumava dizer “não há um só dia em que não as veja” A espada que empunhava, por mandato de Santa Catarina, era a que estava na igreja a ela consagrada em Fierbois que se encontrava abandonada e oxidada atrás do altar principal. E aqui cabe uma observação importante.Estas duas santas eram muito veneradas por muitas mulheres e também pelas seguidoras de Guillerma da Bohemia e Maifreda[12] e têm sido interpretadas como santas de cobertura capazes de acolher diversos processos de significação. (Muraro, 1997:33)

Figura 13: Joana D’Arc com a espada e o estandarte

Em suas recordações de infância, sua mãe com quem aprendeu os rudimentos da fé cristã, sempre está presente. Reaparecem também as recordações de um mundo de relações onde estão, por exemplo, suas madrinhas de batismo, que lhe contavam histórias das fadas que habitavam a Árvore das Damas, árvore centenária para onde as crianças corriam para cantar e dançar e em cujas imediações se localizava uma fonte cujas águas tinham propriedades curativas. (Duby, 2005:176)

Bandeira Branca (Conclusão)

Mulheres guerreiras, amazonas têm fascinado as mulheres ao longo do tempo. Esta fascinação se fez visível na produção escrita que direta ou colateralmente entrou no debate social e literário da Querelle des Femmes. Neste debate, as mulheres tomaram voz a partir de posições muito diferentes, como escritoras, como matrocinadoras de obras escritas em defesa das mulheres e como leitoras, ou seja, como agentes ativos nos processos sociais de criação de sentido. No campo muito mais amplo da historia oral - espaço este em que as mulheres afirmaram durante séculos sua voz e sua escuta - estas fórmulas arquetípicas também encontraram enorme eco.

Em todos estes círculos femininos de produção, transmissão e recepção, as imagens das mulheres guerreiras ofereceram argumentos para a defesa do sexo feminino, para a afirmação de sue valor e a demonstração de sua capacidade para atuar em qualquer campo da ação humana.

Além disso, restaurar a autoridade das ações das mulheres guerreiras pode contribuíram para a reconstrução do tecido heróico feminino debilmente representado e invisibilizado na cultura ocidental hegemônica.

Dessa forma, cabe pensar que muitas mulheres não apenas gostaram da leitura, da escuta ou repetição oral de histórias sobre mulheres guerreira, mas também viram nestes relatos moldes adequados para tornar visíveis e inteligíveis formas de experiência feminina, experiência que no campo de batalha requeria ser contemplada sempre no singular, com seus nexos significantes: circunstâncias e intenções. Essa pode ser uma maneira de entender, fora de apriorismos ou formulações rígidas, o compromisso das mulheres com a realidade que em cada momento lhes coube viver.      

                                                                                      

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Sites das ilustrações.

Figura 1: http://www.ahistoria.com.br/biografia-debora/

Figura 2: http://mujeresdeleyenda.blogspot.com.br/2010/06/leonor-de-aquitania-vi.html

Figura3: http://www.vintagefineartprints.com/print-89937-1869435/jeanne-de-montfort-dame-de-bretagne-ally-english-defends-her-chateau-against-french-giclee-print/

Figura 4: http://trefaucube.free.fr/index.php?id=87

Figura5: http://www.ouest-france.fr/2012/06/05/hennebont/6-juin-1342-Jehanne-la-Flamme-libere-Hennebont--62984845.html

Figura 6: http://dechav.free.fr/fiche.php?sosa=1077642

Figura 7: http://www.facebook.com/isabelmacduff?sk=info

Figura8: http://www.mainlesson.com/display.php?author=marshall&book=scotland&story=agnes

Figura 9: http://pt.wikipedia.org/wiki/Filipa_de_Hainault

Figura 10: http://www.wdl.org/pt/item/4391/

Figura 11: http://blog404.org/2012/05/26/awesome-ladies-in-history-caterina-sforza/

Figuras 12 e 13: http://www.jeanne-darc.info/p_jeanne/sword.html

Figura 14: http://www.vialin.com/jeannelapucelle/fairy_tree.html


 * As crônicas históricas foram comuns na Idade Média e Renascimento europeus e consistem em um registro ou narrativa detalhada de acontecimentos históricos, por vezes, incluindo material lendário, apresentados em ordem cronológica e sem interpretação autoral ou comentário. Os cronistas históricos na Idade Média frequentemente escreviam com profundidade e eloquência, de maneira que na prática os conceitos de "história" e "crônica" se confundem. Cf. In: Gransdem, Antonia.1992. Legends, Traditions and History In Medieval England. London: Continuum International Publishing Group ltd.


[1} Nota biográfica:

 Carla Cristina Garcia é doutora em Ciências Sociais – Antropologia-  pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) com  pós-doutorado pelo Instituto José Maria Mora (México, DF). É professora assistente doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenadora do Inanna. Núcleo transdisciplinar de investigações de sexualidades, gênero e diferenças da pucsp.É autora de dos livros Ovelhas na Névoa um estudo sobre mulheres e a loucura (Ed.Rosa dos Tempos/Record); Produzindo Monografia (Ed. Limiar); As Outras Vozes: memórias femininas em São Caetano do Sul (Ed.Hucitec);Hambre del Alma as escritoras e o banquete das palavras( Ed. Limiar) e Sociologia da Acessibilidade( IESD). Breve História do Feminismo (Nova Alexandria)

[2] Destaca-se aqui a produção de estudos e publicações feitas pelo Centro de Investigações Feministas da Universidade de Barcelona: Duoda. Cf. In: http://www.ub.edu/duoda/web/bienvenida.php?lang=1&t=00

[3] Os juízes bíblicos eram pessoas que lutavam pela liberdade, conhecidos não apenas por seus sábios julgamentos legais e religiosos, mas também por sua liderança militar. Débora era a única juíza entre tantos homens.

[4] Eleonor de Aquitânia incentivou e ela própria preparou a 2ª Cruzada, na qual decidiu participar ao lado do marido Luís VII. Diz-se que foi ele que, ciumentamente, a arrastou consigo, com receio de a deixar sozinha na corte. Mas o mais provável é que Leonor se aborrecesse em Paris e desejasse tomar parte numa expedição que se adivinhava plena de aventuras. As Cruzadas, como é sabido, eram, não só uma forma de remissão dos pecados, mas também um meio para se ganhar notoriedade, fama, glória e riquezas. Antes da partida, atuou nos preparativos: promoveu torneios para arrecadar recursos, recolheu doações e, como era costume dos cruzados fazer, foi a todas as abadias pedir a bênção e as preces dos religiosos das ordens. Leonor acompanhou a expedição, assim como outras damas da nobreza, mas ela tinha o estatuto de líder feudal do exército da Aquitânia em pé de igualdade com os outros dirigentes. Segundo as lendas tradicionais, Leonor e as suas aias vestiram-se de Amazonas. Ainda que esta história não possa ser comprovada, de qualquer maneira é histórico que o seu comportamento durante a cruzada foi considerado indecoroso pelo papa.

[5] A coca é uma embarcação de carga que se caracteriza por possuir um casco redondo. Desenhada por marinheiros dos portos do mar báltico, serviu de modelo para as naus caribenhas e portuguesas.

[7] Fogo Grego era um líquido de composição complexa a base de petróleo, magnésio e outros componentes. Inflamável, não se misturava com a água e gerava uma chama difícil de apagar.

[8]  A Querelle des Femmes, foi um debate acerca da condição feminina tendo como aporte os quadros sociais característicos do humanismo, Reforma e Contra- Reforma e passou a ser simultaneamente agente e fruto das mudanças do período. Tal debate é considerado pela historiadora Joan Kelly (1975) como um tipo de feminismo germinal, no sentido original do termo e que tem como principais características a oposição dialética, a misoginia com base na ideia de gênero – de forma muito semelhante ao conceito atual – e a possibilidade de universalização da questão que se baseia numa concepção geral da humanidade, questionando a ideia universal de humanitas que não incluía o sexo feminino.

[9] Maiores referências sobre a vida de Catarina Sforza em: http://www.womenwholead.org/caterina_sforza.htm

[10] Marguerite Porete (1250-1310) foi uma beguina que, por volta de 1290, escreveu o livro O Espelho das Almas Simples como um diálogo em que apresentava o Amor da Alma tocada por Deus, e fazia falar o Amor e a Razão em diálogos alegóricos. Na época, os exemplares encontrados foram apreendidos e queimados e Porete advertida sob pena de ser presa. Como a religiosa não obedeceu às ordens, foi encarcerada em 1309 e, por um ano e meio, se recusou a colaborar com os inquisidores. Foi condenada pela Inquisição em 31 de maio de 1310 e em 1º de junho queimada em praça pública, em Paris, como herege relapsa, pois havia sido avisada de que a Igreja não estava de acordo com suas idéias.

[11] Santa Catarina de Alexandria, protetora dos filósofos, é uma figura lendária. Segundo narra o mito, ela foi uma jovem filósofa cristã brilhante que sofreu o martírio nos tempos do imperador Magencio. Segundo alguns estudiosos, a história de Catarina encobriria a história da filósofa alexandrina Hipátia que foi morta por cristãos por causa de sua autoridade de mulher superior às divisões religiosas.

Margarida  é o nome ocidental da bela Marina de Antióquia de Psídia, mártir do século III, muito popular na Idade Média.Conta a história que ela foi devorada por um dragão- o diabo- e que voltou viva de seu interior, alegoria de uma salvação milagrosa da morte. (Muraro, 1997:33)

[12]Guglielma da Boêmia (1210-1281) foi uma mística cristã (beguina).Primeiramente honrada como santa, depois declarada herege e, postumamente (em 1300), junto com seus discípulos, os Gulhermitas (que nela viam uma reencarnação feminina do Espirito Santo), queimada na fogueira da Inquisição. Guglielma pregava a igualdade entre os sexos, dizia aos seus devotos que eles deveriam permanecer em uma vida fraterna, como uma família, praticava a cura e administrava sermões à comunidade religiosa que a ela se juntou. Guglielma se auto-declarava como a terceira pessoa para S. Trindade, encarnada, recordando as palavras de São Paulo: "No Senhor não há homem sem a mulher nem a mulher sem o homem", e que a encarnação de Deus tinha ocorrido no corpo de uma mulher. Após a morte de Guglielma e, aos anos que se seguiram, Maifreda de Pirovano ( ? -1300)foi a máxima expoente da seita. Sucessora de Guglielma, era quem administrava os sacramentos. A sua autoridade dentro da seita consistia na crença de que ela própria era a representação do Espírito Santo, encarnado na terra: “A Irmã Mayfreda é uma verdade a "Papessa" e têm a autoridade de um verdadeiro papa, porque Mayfreda é ela mesma o Espírito Santo na forma de uma mulher, o seu representante na forma de uma mulher. O papa e o papado e a Cúria, deverão entregar a sua autoridade à irmã Mayfreda, que irá batizar a judeus, muçulmanos e todos os outros povos fora da Igreja Romana.”(Muraro,1997)

labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2012  - julho /dezembro 2012