labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier / juin 2015 -janeiro/juin 2015

 

 

Formação histórica e relações de gênero:

como jovens significam a história de mulheres em suas narrativas? Um estudo de caso

            Elaine Prochnow Pires e Cristiani Bereta da Silva

 

Resumo: Este artigo discute ideias históricas de estudantes do Ensino Médio sobre o papel das mulheres e as relações de gênero na história do Brasil. A proposta constitui recorte de dois projetos que se articulam desenvolvidos pelas autoras no Programa de Pós-Graduação em História e no Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). A ideia é pensar um conjunto de atividades propostas aos estudantes sobre o período democrático (1946-1964) a partir do livro didático utilizado por eles e analisar as reflexões produzidas em forma de textos. Estes são tomados como narrativas que expressam o pensamento histórico desses jovens e foram analisados utilizando aportes da didática da História, numa perspectiva da formação  histórica.

Palavras-chave: história das mulheres, formação histórica, ensino de História.

 

Introdução

Quando ouço a história do Brasil apenas escuto que foram os homens que fizeram tudo por aqui.

[Joana, 2014].

Historicamente pode-se dizer que as ciências têm produzido conhecimento no interior de uma lógica identitária que acaba por eleger formas de saber dominantes e normativas sobre a condição humana, resultando numa operação que reitera exclusões, oculta e ao mesmo tempo produz desigualdades. Segundo Margareth Rago (1998) esse é um dos principais pontos que fazem parte da crítica feminista ao saber ocidental. Concordamos com tal crítica e entendemos que quando os saberes considerados válidos para educar e instruir uma nova geração são didatizados e divulgados no espaço escolar – sob a forma de textos, imagens e outros materiais – também evidenciam as relações de poder constitutivas da produção de conhecimento.

Mesmo após tantas décadas de lutas feministas, de estudos e políticas públicas desenvolvidos na clave das relações de gênero que visam problematizar e intervir nos processos que instituem e sustentam desigualdades sociais entre homens e mulheres -autorizando formas de subordinação feminina -, pode-se considerar que a escola ainda constitui espaço de incômodas permanências quanto à produção e reprodução de preconceitos, desigualdades, posições hierárquicas e normativas (Louro, 1997).    Em seus múltiplos processos a escola nos produz como sujeitos que somos, e não há como ocultar que tais processos são operados e exercidos por meio de relações de poder. O poder é aqui compreendido por meio das análises de Foucault (1979) sobre sua natureza e funcionamento. O poder não procede de ideologia, mesmo quando se aplica sobre os sujeitos, e não age necessariamente através da violência e da repressão em suas tentativas de dirigir corpos. Porque antes de reprimir o poder produz realidades, produz verdades.

Como espaço cultural a escola veicula formas de pensar construídas a partir de representações heteronormativas de como homens e mulheres devem ser e se comportar. Tais normatividades marcam presença nas salas de aula, nos livros didáticos utilizados, quando se estudam ou se debatem determinados conteúdos, exercícios, etc. Nessa direção entende-se que as disciplinas escolares ainda reforçam saberes construídos sob a ideia de um conceito universal de homem, branco, heterossexual e civilizado, rejeitando todos os que escapam a essa referência normativa. Mas não somente, pois tais representações também se fazem presentes no recreio, nos intervalos das aulas ou no pátio externo antes e depois do início das aulas, nas conversas, nas brigas e nas brincadeiras entre os estudantes de diferentes idades. Aparecem também quando as mulheres nos livros didáticos ainda são visibilizadas como heroínas míticas e não como sujeitos inseridos nas dinâmicas das relações sociais, interagindo continuamente com os homens, agindo e sofrendo as ações humanas nas descontinuidades e permanências na história.  Em muitos livros didáticos as mulheres aparecem como figuras ilustrativas no processo histórico, ou em segundo plano em relação aos homens,  como podem sugerir alguns textos e/ou imagens que se referem às mulheres na condição de responsáveis pelos afazeres domésticos ou de heroínas, personagens capazes de grandes feitos e ações que a credenciam como personagem significativa da história[1].     

 Convém lembrar que a historiografia durante muito tempo ocultou as mulheres ou as deixou em segundo plano, o que permitia que a própria história fosse também “responsável pela produção sobre a diferença sexual” (Pedro, 2005: 87).  Muito provavelmente em decorrência dessa tradição, nem sempre a ausência das mulheres foi percebida como um problema no universo escolar. Sobre essa questão, a historiadora Joana Maria Pedro (2005: 83) escreve:

“entrar para a História” tem sido um valor disputado. A antiga forma de escrever a História, costumeiramente chamada de “positivista”, ou às vezes “empirista”, dava destaque a personagens, em geral masculinos, que tinham de alguma forma participado dos governos e/ou de guerras. Para muitas pessoas esta era uma forma de “imortalidade”. Pertencer a esta grande narrativa significava, e ainda significa, prestígio (Grifos no original). ( Pedro (2005: 83)

Tais narrativas sobre as mulheres interpelam os sujeitos em seu processo de escolarização e informam um mundo generificado por meio de normas e discursos hierárquicos. A escolarização constitui processo importante na formação histórica de crianças e jovens. Politicamente, portanto, é tarefa indispensável do/a professor/a problematizar essas questões, incluí-las no cotidiano das aulas possibilitando que o ensino de História  se converta em ferramenta potente contra as desigualdades sexuais e de gênero. Não está se defendendo aqui que o fim último da História seja reparar e mesmo compensar injustiças cometidas contra sujeitos coletivos e individuais. Como bem lembra Peter Lee (2012: 225), o ensino de História não pode ser um “instrumento para criar certos tipos de cidadãos, não importa quão nobres tais objetivos pretendam ser”. Defendemos, no entanto, que a relação entre história e cidadania, história e justiça social deve se dar no nível da compreensão dos processos históricos, no sentido de que esta seja capaz de subsidiar argumentos que defendam tanto o funcionamento bem-sucedido de uma sociedade fundada em direitos e deveres quanto relações justas, baseadas em respeito e igualdade na diferença.

  Nessa direção a proposta deste artigo é refletir sobre como os jovens[2] compreendem o papel das mulheres e as relações de gênero na História do Brasil. Gênero, aqui, é compreendido como categoria de análise histórica que vem sendo utilizada com o objetivo de dar significado às relações de poder. Isso porque o estudo das relações de gênero tem partido do pressuposto de que as relações sociais entre homens e mulheres são produtos de construções culturais. Além disso, o uso de gênero como categoria de análise histórica tem ampliado significativamente o conceito dos papéis sociais ao incorporar as relações de poder e dimensionar tanto a ideia de assimetria quanto a de hierarquia nas relações entre homens e mulheres (Scott, 1990; Pedro, 2005).

O ponto de partida: identificação do problema e delimitação do campo de estudo

Para o desenvolvimento da proposta de sequencia didática, aqui analisada, selecionou-se uma turma de terceiro ano do Ensino Médio da Escola de Educação Básica Adolfo Böving, na cidade de Braço do Trombudo, em Santa Catarina[3]. O município é pequeno, localizado no que se convencionou chamar de “Vale Europeu” catarinense, pelo fato de a população ser formada majoritariamente por descendentes de alemães. A população é de 3.600 habitantes, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,78, avaliação acima da média nacional[4].  A turma selecionada possuía 13 estudantes, sendo que 11 participaram de toda a atividade e dois faltaram em algum momento do seu desenvolvimento, por isso sua exclusão dessa análise. Foram, portanto, 5 meninas e 6 meninos com idade entre 16 e 17 anos, já com metas definidas para as futuras carreiras. Deve ser destacado que os/as estudantes sempre tiveram como característica marcante a motivação para os estudos, o que lhes possibilitou superar dificuldades com a elaboração de textos.

A atividade desenvolvida pela professora da turma, uma das autoras desse texto, teve como objetivo geral compreender as ideias históricas elaboradas pelos estudantes antes e depois de uma proposta de trabalho e de análise de textos e imagens do livro didático referentes ao chamado período democrático da História do Brasil (1946-1964) e que tratavam, especialmente dos papeis das mulheres. Nesse sentido a proposta foi concebida com intenção de identificar em que medida o trabalho em sala de aula pode contribuir para a construção de novas representações sobre os papeis das mulheres no processo histórico. O interesse em realizar tal trabalho advém da constatação de que ainda são esparsas as referências à participação feminina na história, inclusive nos livros didáticos.

O desenvolvimento das atividades na escola teve dois momentos bem demarcados. No primeiro pediu-se aos estudantes que construíssem um texto dissertativo sobre o papel das mulheres na sociedade. O objetivo era perceber quais ideias os/as alunos/as possuíam sobre o tema e como as organizavam numa narrativa a partir de suas próprias representações. No segundo momento foi elaborada e aplicada uma sequência didática, ou seja, uma série de atividades que culminam nos objetivos acima descritos, organizada em 6 aulas de 45 minutos de duração cada uma, utilizando o livro didático. A sequência é descrita em linhas gerais a seguir.

Foram tomados por base os conteúdos programáticos previstos para o terceiro ano do Ensino Médio e, a partir deles, buscou-se abordar, provocativamente, questões de gênero na unidade sobre o Período Democrático (1946-1964) no Brasil. Após a leitura prévia dos textos contidos no livro didático do autor Gilberto Cotrim (2010), utilizado pela turma, observou-se que as mulheres apareciam apenas em imagens de propagandas de produtos de uso doméstico e em um único texto sobre revistas femininas dos anos 1950 que mostravam como as mulheres ideais deveriam se comportar na época. Todo o restante do capítulo, composto por 27 páginas, trata dos presidentes da época com seus respectivos mandatos, ações e problemas, além da situação social e econômica do país naquele período. Em momento algum o autor refere-se às familiares desses presidentes ou às mulheres, tendo ou não destaque em algum segmento da sociedade.

Primeiro o grupo realizou uma leitura compartilhada e discutiu o capítulo do livro didático referente ao Período Democrático (1946-1964). Cada período a partir da Constituição de 1946, seguindo com os presidentes Dutra, Vargas, Juscelino, Jânio Quadros e João Goulart, foi alvo de discussões em que se buscava enfatizar as imagens femininas que apareceram ao longo do capítulo e em textos como o das revistas femininas na década de 1950. Finalizadas as discussões, os/as alunos/as fizeram uma análise das imagem nas propagandas de produtos domésticos comercializados na década de 1950, buscando inferir sobre o papel das mulheres nesse processo. Após as leituras dos textos, das discussões e da análise de imagens, propomos aos/às estudantes que criassem um novo texto sobre o papel das mulheres na história do Brasil, em especial no período estudado. Buscou-se, com isso, estimular os estudantes a refletir sobre as mudanças sociais e comportamentais relacionadas às mulheres e às relações de gênero na sociedade, bem como entender as ideias históricas elaboradas por eles após as reflexões propostas.

A proposta de atividade e as análises realizadas privilegiam o trabalho com a narrativa nas aulas de História. Defendemos que quando os/as estudantes – para além da leitura de textos didáticos – também são estimulados a escrever textos sobre determinados temas na sala de aula, consequentemente também são estimulados a comunicar os sentidos que vão construindo sobre o passado. O pressuposto de que a história é uma narrativa em si própria explicativa, é algo que deve ser considerado nas atividades propostas aos estudantes (Barca; Gago, 2004). Nessa direção, os textos são tomados como narrativas que elaboram e expressam o pensamento histórico desses jovens e foram analisados utilizando aportes da didática da História, compreendida como intrinsecamente relacionada à História, desempenhando função importante na escrita e na compreensão histórica. O efeito da história sobre a vida prática, mediado por diferentes veículos e suportes, “é sempre um fator do processo de conhecimento histórico, de tipo fundamental, e deve ser considerado parte integrante da matriz disciplinar da ciência da história” (Rüsen, 2007: 86).

 “O que se entende aqui por processos de aprendizado vai bem além dos recursos pedagógicos do ensino escolar de história” (Rüsen, 2007: 87).  Partimos do pressuposto de que o ensino e a aprendizagem histórica constituem-se em dimensão mais ampla, não circunscrita à escola, mas relacionada aos efeitos da história sobre a vida prática, ou melhor, à forma como a história enraíza-se nas necessidades sociais para orientar a vida dentro da estrutura do tempo. Aprendizado compreendido como dimensão do processo de formação histórica. Rüsen (2007: 87-88) aborda a formação histórica sob dois aspectos: um horizontal e outro transversal:

O corte transversal revela o saber histórico como síntese de experiência com interpretação. Com isso, a diversidade e a correlação dessas duas dimensões são articuladas com a terceira, a dimensão de orientação da vida prática, de modo a deixar claro como e quando o pensamento histórico, especificamente científico, surte efeitos práticos. O corte horizontal trata da formação como processo de socialização e de individuação, trata da dinâmica evolutiva interna da formação da identidade histórica e, naturalmente também, se e como essa dinâmica pode e deve ser influenciada pela ciência.      

A contribuição da didática e a compreensão da formação histórica são aqui fundamentais porque estamos lidando com acervos de saberes e contextos apreendidos de forma extradisciplinar e transversal mesmo quando se trata do espaço escolar. Vale observar que questões relacionadas à orientação sexual, às desigualdades de gênero, étnicas, geracionais, de classe, etc., não pertencem a uma área de saber específico – não são conteúdos da matriz disciplinar da História, da Geografia etc. –, mas são demandas recentes produzidas com base em referenciais interdisciplinares, a partir de movimentos sociais feministas e negros, principalmente da década de 1960, sendo incorporadas como saberes pela academia somente a partir desse processo. Além disso, as informações que os/as estudantes mobilizaram para construir seus textos são reelaborações do que eles/as aprendem também fora da escola, como na família, nos programas de televisão, em filmes, livros, etc. As narrativas desses/as estudantes são formas de interpretação do mundo e de si próprio, e evidenciam, portanto, dimensões da formação histórica, ou seja, do aprendizado histórico e do modo próprio desse aprendizado. Precisamos conhecer o que eles/as sabem sobre a história das mulheres e das relações de gênero para poder a partir daí intervir de modo mais consistente no aprendizado de contextos mais abrangentes relacionados as questões que envolvem o tema.

 

Narrativas e ideias históricas de jovens

 

'Ao longo da história as mulheres sofreram preconceitos que são inadmissíveis. Por muitas vezes foram “rotuladas” com inferioridade frente ao sexo masculino. Isso começou a mudar apenas na segunda metade do século XX. Há na história global figuras ímpares no que diz respeito à luta contra preconceitos, exemplo disso é Joana D’Arc, outro grande exemplo mais contemporâneo e do Brasil é Anita Garibaldi. [...] A importância das mulheres veio com a colocação das mulheres no mercado de trabalho, depois da Segunda Guerra Mundial. [...] Os reflexos do preconceito que ocorreu durante toda a história perduram até hoje, mulheres ganham menos que homens, mulheres não têm tanto espaço na política. Enfim ainda há muito a percorrer para diminuir os preconceitos que estão presentes na sociedade. Contudo, a educação das futuras gerações é o melhor antídoto que se pode dar para esse mal." (João, 2014).

"O Brasil passou por uma gigantesca evolução em seu cenário político no século XX. Pois elegeu uma figura feminina para a presidência, o que é um grande marco, já que não se vê na história uma valorização das mulheres. As mulheres já foram proibidas de votar e usadas como fantoche: a princesa Isabel ao assinar a Lei Áurea. Mas houve outras que foram importantes para a vida política do país. Olga, a mulher de Júlio Prestes [sic], é um exemplo, pois lutou arduamente ao seu lado. A atual presidente Dilma também fez parte de várias lutas para melhorar o Brasil. Ou seja, mesmo sem o devido reconhecimento as mulheres têm e tiveram participação na vida política do país. E a tendência é que sua participação aumente cada vez mais, uma prova disso é que na última eleição houve três mulheres candidatas à presidência." (Luana, 2014)

 

Os dois excertos acima são exemplos representativos dos 11 textos produzidos na primeira etapa da proposta do trabalho. Tais narrativas trouxeram percepções relativas à própria historicidade das desigualdades entre homens e mulheres. Expressões utilizadas como ontem e hoje, antigamente e presente, antes e depois e outras semelhantes usadas para organizar a narrativa, indicam que os/as jovens fizeram um esforço de evidenciar suas ideias sobre as mulheres e relações de gênero numa perspectiva histórica, da duração, o que também pode ser observado nessa estratégia utilizada pelo estudante Natanael para iniciar seu texto: “As desigualdades de gênero possuem raízes profundas no Brasil” (Natanael, 2014). Outra questão importante que se refere à passagem do tempo é que a maioria dos/as estudantes utilizou como estratégia chamar a atenção para as conquistas de direitos como parte de lutas de movimentos de mulheres e/ou feministas. Isso indica que a diferença entre um passado e um presente foi percebida por meio de lutas, conflitos, notadamente referindo-se às mulheres ou a movimentos feministas. Os títulos que escolheram para seus textos também dão conta disso, por exemplo: “O poder das mulheres”; “Antes versus depois”; “Um único gênero não constrói história”; “A história começa a mudar”.

De modo geral, mesmo nessa primeira etapa, os/as estudantes compreendem que relações de gênero são relações de poder, pois dimensionam as diferenças entre homens e mulheres como hierarquias. Observam-se em suas narrativas palavras como preconceito, inferioridade, lutas e conquistas, repetidas vezes, bem como ideias de que mudanças significativas quanto às posições que as mulheres conquistaram na sociedade já vêm ocorrendo. Embora haja tentativas de conectar os argumentos a passagens da história, estas se mostram fragmentadas, sobressaindo-se questões de senso comum, construídas a partir de experiências vividas ou presenciadas em seu cotidiano. Parece que nessa organização inicial do pensamento histórico os/as jovens buscam indícios significativos disponíveis em suas vidas para explicar as desigualdades nas relações entre homens e mulheres. Isso muito provavelmente deve-se ao fato de que “as razões para as ações são referenciadas no passado e precisam ser entendidas pelas suas próprias razões” (Lee, 2011: 21). Por isso as ideias históricas são formadas primeiro a partir de experiências cotidianas, como necessidade de orientação temporal na vida prática.

Faz-se necessário chamar a atenção para o fato de que as narrativas dessa primeira etapa também são caracterizadas por uma polaridade que oculta a permanência de relações assimétricas em diferentes setores da sociedade, bem como as lutas travadas no cotidiano e a violência contra as mulheres no tempo presente. As narrativas de modo geral estabelecem um momento relativo a um antes e um depois, relacionados à história das mulheres, posicionando o primeiro período como tempo de desigualdade, inferioridade, sem direitos etc., e o segundo como tempo de conquista, superação, direitos, respectivamente. Destaca-se uma visão de que as mulheres já alcançaram espaços antes jamais imaginados e que as dificuldades estão sendo superadas. Contudo, a maioria dos textos não problematiza as continuidades, não houve busca de elementos no presente para dar conta delas.

Após essa primeira etapa foram propostas aos/às estudantes a leitura e discussão dos textos e imagens contidos no capítulo 13: Período Democrático (1946-1964), do livro didático História global: Brasil e geral (Cotrim, 2010).  A atividade de análise de imagens causou o estranhamento por parte dos/as estudantes pela forma como eram descritas as mulheres na década de 1950. Nessas imagens elas aparecem fazendo propaganda de produtos de uso doméstico, o que levou à percepção da dos papeis idealizados para as mulheres no Brasil dos anos 1950. A partir dessa observação, os/as estudantes discutiram sobre os estereótipos femininos, compreendendo as consequências atuais desses estereótipos no entendimento dos lugares sociais das mulheres. Esses estereótipos foram compreendidos pelos/as estudantes como preconceitos que incidem nos comportamentos sociais, e que ainda permanecem nos dias atuais. Os exemplos levantados nas discussões revelam uma representação das mulheres, como motoristas pouco habilidosas ou ainda, a existência de trabalhos ditos exclusivamente masculinos (as mulheres que o exercem tornam-se vítimas de preconceito). Por outro lado, identifica-se a vulgarização de determinados comportamentos, vistos como exclusivamente femininos, caracterizando a percepção dos/as alunos/as em relação aos estereótipos. Por exemplo, a voluptuosidade em relacionamentos amorosos, para o masculino é considerado um destaque, para o feminino uma vulgaridade.

"Após seis aulas de 45 minutos dedicadas ao tema relativo ao Período Democrático, problematizando o papel da mulher na história do Brasil, passou-se à escrita dos textos, também em sala de aula, agora com o desafio de tratar da história das mulheres no Brasil. De modo geral, os textos produzidos pelos/as estudantes nessa segunda etapa buscaram incluir elementos dos conteúdos históricos estudados para tratar da ausência dessas mulheres na construção histórica e social do país, buscando pensar nas continuidades de algumas assimetrias nas relações sociais. Nos debates em sala de aula, essa foi uma questão muito reforçada pela professora da turma: refletir sobre o presente, sobre mudanças, mas também continuidades. Destaca-se que alguns recursos retóricos usados nos textos a fim de evidenciar a permanência de preconceitos e desigualdades foram buscados também nas respectivas experiências cotidianas, haja vista que tanto os textos quanto as discussões propostas acabaram não abrangendo, por exemplo, a violência de gênero. Observa-se que algumas narrativas reforçaram a preocupação em relação à violência doméstica, “e atualmente ainda há marcas visíveis dessa era, não é incomum ouvir pessoas dizendo: ‘lugar de mulher é na cozinha’ ou ‘só serve para pilotar fogão’, e até mesmo sendo agredidas” (Luana, 2014). 

Houve esforço por parte da maioria dos/as estudantes em mudar não só a argumentação privilegiada no primeiro texto, escrito por eles/as antes das discussões, em relação ao segundo, mas também em incorporar um tom mais crítico, após as discussões. Uma aluna, em seu primeiro texto, percebe a “evolução” feminina em evidência, citando principalmente a atuação das mulheres na política, destacando como exemplo a presidência da república. Entende-se aqui que “evolução” consistiria em maior envolvimento político e social das mulheres. Já no seu segundo texto, a narrativa incorre num tom de indignação, assumindo um discurso mais abertamente crítico, utilizando-se inclusive de termos como machismo, machista, machões. Assim escreve a aluna,

"Na era democrática as mulheres deveriam ser totalmente submissas aos homens e não poderiam trabalhar fora de casa, sendo transformadas em uma empregada, ou seja, [deveriam] fazer todas as vontades dos “machões”. Não se pode negar que ocorreu um amadurecimento na sociedade, mas esses reflexos ainda estão presentes, e não são poucos os machistas que se acham donos das mulheres. E lamentavelmente muitas mulheres aceitam e se privam de diversas coisas por causa desses machões. A sociedade só será igualitária se essa estrutura machista for rompida, o que poderia tornar o Brasil um país modelo em termos de consciência de gênero." (Nair, 2014)

Outra constatação, nos textos produzidos pelos/as estudantes, é a inserção das mulheres na política e na elaboração e aprovação de leis, ressaltando-se a importância da voz feminina, como fica evidenciado no fragmento, abaixo:

"A trajetória das mulheres na área do direito e da política cresceu muito, evidenciando o fortalecimento na aprovação de leis, na realização da justiça e consequentemente no fortalecimento da democracia moderna. Outra questão importante é a dupla jornada de trabalho de tantas trabalhadoras acumulam na pratica profissional e no serviço doméstico com evidente prejuízo da saúde e lazer." (Natanael, 2014).

 Observa-se aqui a percepção de um fato social, que evidenciaria uma mudança relativa aos papeis das mulheres na sociedade, em contraponto a um novo problema, que acaba sendo criado para essas mulheres: a dupla jornada de trabalho. Esse aluno reflete sobre a equidade dos papéis entre homens e mulheres e o prejuízo no excesso de trabalho que fica a cargo dessas trabalhadoras, concluindo sua narrativa com uma reflexão sobre justiças e injustiças.

  Do conjunto dos 22 textos analisados, três narrativas em especial chamaram a atenção pela clareza na identificação de preconceitos travestidos em formas diversas, tais como: “salários diferentes nos mesmos postos de trabalho” (João, 2014); “diferença de oportunidades empregatícias em grandes empresas” (Luana, 2014); “mulher fumando ou bebendo, achamos diferente” (Joana, 2014). Esses fragmentos dos textos explicitam a maneira como os/as alunos/as percebem as desigualdades experimentadas pelas mulheres na sociedade. As oportunidades de emprego e a separação das funções ainda estão latentes na nossa sociedade, pois ainda há diferenças salariais entre homens e mulheres que ocupam uma mesma função.

 Por outro lado, alguns comportamentos tidos como “vulgares” são atribuídos às mulheres sempre em maior escala, na sociedade. Como, por exemplo, vida sexual ativa. Esses comportamentos foram percebidos nas discussões em sala de aula pelos/as próprios/as alunos/as, observando que se tornam recorrentes e acabam sendo reproduzidos de forma não intencional como se fossem uma verdade única. Ressalta-se aqui outro traço de formação de consciência histórica acompanhada do desejo de transformação de olhar e atitude frente aos preconceitos, desnaturalizando a forma de agir e falar sobre as mulheres.

Considerações finais

“A forma linguística dentro da qual a consciência histórica realiza sua função de orientação é a narração” (Rüsen, 2010: 59). Narrar, contar uma história é realizar uma síntese das dimensões de tempo utilizando acervos de saberes variados simultaneamente à mobilização da experiência, da orientação e da interpretação. Trabalhar com narrativas nas aulas de História é contribuir para a formação histórica de crianças e jovens, é permitir que eles possam elaborar e reelaborar suas ideias, dando sentido ao passado em relação ao presente e ao futuro. Isso porque, ainda segundo Rüsen (2009) a operação mental específica, que entrelaça os tempos e determina empírica e normativamente os conteúdos, é o ato de narrar, de contar histórias. Com este trabalho não observamos que a atividade proposta foi responsável pelo aumento da formação histórica ou da consciência histórica, algo que consideramos difícil ou quase impossível de mensurar por meio dessa análise. O objetivo era perceber as ideias históricas dos/as jovens e em que medida o trabalho em sala de aula poderia ampliar ou mudar a forma como os estudantes percebem a história das mulheres e das relações de gênero.  Podemos dizer que o trabalho foi bastante positivo no que respeita a esse objetivo inicial.

Durante todo o processo de desenvolvimento da sequência didática observou-se a ampliação de argumentos no que se refere aos papeis das mulheres na sociedade, bem como na construção histórica do Brasil. No primeiro contato com o tema, a grande maioria dos/as alunos/as não demonstrou a percepção de que problemas relacionados a preconceitos e desigualdades entre homens e mulheres ainda permanecem no presente.  A percepção geral era de que os problemas existiram, mas foram superados, pois hoje temos até uma mulher na presidência da República. Pode-se inferir que esta representação está assentada no pressuposto de que um homem ocupar o cargo político mais alto do país é a norma; uma mulher, desvio. Essa percepção expõe heranças de naturalização das assimetrias nas relações entre homens e mulheres e dificulta que estudantes tão jovens as identifiquem. 

Quando abordados os textos e imagens do livro didático sobre a Era Democrática (1946 a 1964), a ideia de que os problemas já foram superados se intensificou, pois as mulheres não apareciam em locais de destaque, a não ser em propagandas de produtos de uso doméstico e em textos que pretendiam mostrar como elas deveriam se comportar em sociedade. Nesse sentido, na concepção dos/as estudantes as dificuldades que as mulheres encontram hoje são muito menores e que, portanto “os problemas quase não existem mais”.

Os/As estudantes perceberam a ausência de mulheres nos textos analisados e interpretaram essa ausência como um problema a ser resolvido. Orientaram-se a partir dessa ausência e finalmente motivaram-se a desenvolver ações para que as mulheres possam ficar mais evidentes no processo da formação da sociedade brasileira, ou seja, para que se reconheça a importância delas na construção histórica do nosso país.

A partir dessas constatações, a discussão trazida para o tempo presente iniciou uma transformação na maneira como os/as alunos/as percebiam os lugares ocupados pelas mulheres na sociedade. Os estereótipos enraizados no comportamento social começaram a ser percebidos como consequência de uma era ou de tantas eras de dominação masculina sobre as mulheres. No entanto, essa percepção ficou evidente em apenas 46% da turma, e nesse percentual apenas um estudante é do sexo masculino. Essa percepção demonstra que a vivência do problema é fator importante na identificação deste. “O ser humano não é apenas um ator no papel que o seu tempo e espaço lhe destinaram, é agente, é um dos fazedores do seu próprio tempo e, por tal, a História-ciência deve reconhecer-lhe relevância” (Barca; Gago, 2004: 30). As meninas da turma observaram a permanência dos problemas de maneira mais efetiva que os meninos, pois vivenciam possivelmente algumas dessas questões em sua própria história pessoal.

Outra observação importante se relaciona com a apropriação de termos que se diferenciam conforme o/a autor/a do texto. Por exemplo, muito embora os meninos também façam referência a um passado e a um presente, eles não usam expressões como “machismo”, “machistas”, “machões”. Suas críticas ficam subsumidas em apontamentos mais gerais, ao contrário das meninas, que ousaram mais em suas críticas, apropriando-se inclusive de termos comuns em lutas e bandeiras feministas.

Dessa maneira, pode-se observar que os efeitos de um trabalho voltado à transformação de olhares e condutas são limitados, pois as falas mais significativas vieram das alunas que sentem e possivelmente vivenciem situações de preconceitos de gênero em seu cotidiano. Ainda pensando na eficácia de uma sequência didática, com objetivos de favorecer a formação de um/a cidadão/ã capaz de contribuir com as transformações sociais necessárias, percebe-se no livro didático utilizado poucos caminhos que auxiliem na concretização desses objetivos. Dessa forma, entende-se que a mediação do/a professor/a é de fundamental importância para que as ideias históricas possam ser transformadas, repensadas e que culminem em uma mudança de atitudes.

 O ensino de História deve refletir sobre as relações de gênero na construção da história do Brasil, evidenciando questões sociais e de poder como parte dos processos históricos abordados. Já há algumas décadas vem se debatendo nos cenários nacional e internacional que ensinar História não é ensinar sobre o passado. Também não é ensinar sobre fatos e datas, pois histórico é o temporal e história em nosso cotidiano é muito mais uma maneira particular de pensar, não propriamente um conjunto de conhecimentos (Bergmann, 1989/1990: 35). Consideramos que dotar de inteligibilidade a produção de desigualdades como parte dos processos históricos que contribuem para explicar o presente é um dos desafios colocados ao ensino de História. Um bom ensino de História constitui-se em ferramenta poderosa e, assim, imprescindível para a compreensão de tais processos, sua relação com o presente e argumentos a fim de combater formas que traduzam diferenças em desigualdade e dominações em nosso cotidiano. Ensinar História é buscar formas de estabelecer relações entre passado e presente, desde o presente, e assim contribuir para se projetar um futuro coletivo.

 

Referências

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Revistas eletrônicas

BARCA, Isabel; GAGO, Marília. 2004. Usos da narrativa em História. In. MELO, Maria do Céu; LOPES, José Manuel (org.). Narrativas históricas e ficcionais. Recepção e produção para professores e alunos. Actas. Centro de Investigação em educação. Instituto de Educação e Psicologia. Braga: Universidade do Minho, p. 29-39. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/653/1/Isabel.pdf. Acesso em: 8 abr. 2015.

LEE, Peter.  2012. O ensino de história – algumas reflexões do Reino Unido. Entrevista concedida a Cristiani Bereta da Silva. Tempo e Argumento. Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, Florianópolis, v. 4, n. 2, p. 216-250, jul./dez. Disponível em: <http://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180304022012216/2166>. Acesso em: 14 ago. 2014.

Textos eletrônicos

RÜSEN, Jörn. 2009. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia". Cultura histórica. Traduzido para o espanhol por F. Sánchez Costa e Ib Schumacher, p.1-31. Disponível em: <www.culturahistorica.es/ruesen.castellano.html>. Acesso: 12 jul. 2012.

Estudantes citados

JOANA. Texto 1. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 13/11/2014.

JOÃO. Texto 1. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 13/11/2014.

LUANA, Texto 1. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 13/11/2014.

LUANA, Texto 2. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 27/11/2014.

NAIR, Texto 2. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 27/11/2014.

NATANEL, Texto 1. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 13/11/2014.

NATANEL, Texto 2. Estudante do 3o ano do Ensino Médio na Escola de Educação Básica Adolfo Böving. Braço do Trombudo, SC. 27/11/2014.

 

Biografia das autoras

Elaine Prochnow Pires. Graduada em História. Aluna da turma de 2014 do Mestrado Profissional em Ensino de História (Mestrado em rede nacional – ProfHistória) na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Professora da rede estadual de Educação de Santa Catarina, na Escola de Educação Básica Adolfo Böving, município Braço do Trombudo/SC.

Cristiani Bereta da Silva. Doutora em História (UFSC, 2003) com pós-doutorado em Educação (UNICAMP, 2011). Professora do Departamento e do Programas de Pós-Graduação em História e do Mestrado Profissional em Ensino de História na UDESC. Bolsista produtividade em pesquisa do CNPq.


 

[1] Sobre essa permanência no tratamento em relação às mulheres nos livros didáticos ver os artigos de Reinaldo Lindolfo Lohn e Vanderlei Machado (2004) e Cristiani Bereta da Silva (2007)

[2] É importante informar que os nomes dos/as estudantes foram trocados por nomes fictícios com o objetivo de proteger sua identidade. Também foram corrigidos aspectos da escrita no que se relaciona à concordância e à pontuação, a fim de dar maior clareza ao texto. As referências completas encontram-se ao final deste artigo

[3] Escola onde trabalha uma das autoras deste texto: Elaine Prochnow Pires.

[4] Informações disponíveis em: http://www.bracodotrombudo.sc.gov.br/. Acesso em: 14 abr. 2015.

 

labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier / juin 2015 -janeiro/juin 2015