labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier / juin 2015 -janeiro/juin 2015

 

 

Entre silêncios, esquecimentos e exclusões:

das dificuldades em se falar de Gênero e mulheres nos PCN’s e nas aulas de História

Valéria Fernandes da Silva

 

Resumo:

Neste artigo analisamos a ausência das discussões de Gênero dentro nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio e Fundamental (PCN’s, PCNEM e PCN+) e os resultados de uma pesquisa feita com ex-alunas/os que concluíram sua educação básica entre o ano de 1986 e 2014 e que se dispuseram a responder e comentar, em um formulário online, perguntas sobre suas aulas de História. Além disso, discutimos sobre como as mulheres aparem ou não nos livros didáticos e nas falas dos/as docentes.   

Palavras-chave: gênero, feminismos, ensino de história, PCNEM, PCN’s, História das Mulheres.

 

Introdução

 

A sala de aula é um lugar privilegiado de interação, construção e transmissão de saberes por parte de professores/as e alunos/as.  É, também, um espaço de silêncios, de enunciação de verdades absolutas, de práticas e discursos que reforçam a exclusão de agentes históricos.  Estabelecido isso, há espaço para as mulheres nas aulas de História do Ensino Fundamental e Médio no Brasil?

Talvez a pergunta suscite críticas imediatas, afinal a História que é, ou deveria ser ensinada, aquela preconizada pelos especialistas e presente nos currículos, não é personalista, mas centrada em eixos – cultura, sociedade, economia – ou temas como trabalho, organização social, poder, etc. No entanto nossos alunos e alunas continuam saindo dos bancos escolares do ensino básico tendo sido apresentados aos heróis fundadores, aos grandes pensadores, aos cientistas, aos revolucionários e aos grandes estadistas, todos eles, homens. Suas fotos continuam em destaque na maioria dos livros de História, seus nomes se insinuam insidiosamente mesmo em aulas que se afastam do modelo tradicional, afinal, eles fizeram a História.

Em contrapartida, nossos estudantes saem também das nossas escolas com a certeza de que as mulheres não estavam, pelo menos até o final do século XIX e início do século XX, envolvidas nas atividades que promoviam o “progresso” da humanidade; mas em seus lares, cuidando de filhos e filhas, submissas às autoridades masculinas e sofrendo com a opressão, porém, via de regra, aceitando sua “condição”.   

Algumas mulheres poderiam eventualmente fugir dessa divisão tradicional e atemporal de papéis de gênero, contudo elas são tratadas como exceção, ou não são percebidas primariamente como mulheres, como no caso das escravas negras e índias durante o Período Colonial e o Império.  Em alguns casos, as mulheres que escapam às representações sociais[1] tradicionais do feminino são motivo de escárnio, pois seu comportamento destoa, às vezes de forma radical, da moral patriarcal vigente.  

Este artigo é, portanto, fruto das minhas reflexões ao longo de anos de trabalho como professora de História no Ensino Fundamental e Médio da rede pública e privada e em especial como docente do Colégio Militar de Brasília, instituição na qual leciono desde o ano de 2002.  O artigo discutirá a ausência das discussões de gênero dentro dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio e os resultados de pesquisa feita com ex-alunas que concluíram sua educação básica entre o ano de 1986 e 2014 e que se dispuseram a responder e comentar, em um formulário online, perguntas sobre suas aulas de História. Além disso, discutiremos também sobre como as mulheres apareciam ou não apareciam nos livros didáticos e nas falas dos/as docentes. 

Essa pesquisa com ex-alunas foi realizada na internet, em um grupo da rede social Facebook, sem qualquer conexão com o ensino de História, que possibilitou a participação 24 pessoas interessadas das mais diferentes regiões do país. Apliquei para este grupo um formulário online[2], intitulado “As Mulheres e o Ensino de História no Brasil”, elaborado com recursos do Google Docs. Nesse levantamento, evitei abordar ex-alunas que poderiam sentir certo constrangimento em responder uma pesquisa sobre o ensino da disciplina feito por uma ex-professora. A busca, no entanto, não foi por uma neutralidade impossível de alcançar, mas pela possibilidade de tornar visível, ainda que de forma muito limitada, as diferentes práticas e abordagens pedagógicas relacionadas ao gênero e às mulheres, ao longo das últimas décadas. 

 

Ensino de História, entre continuidades, progresso e contingências

Na minha época não havia discussão sobre eventual ausência [sic] de figuras históricas femininas relevantes, mas chegou a ser dito em alguma aula que às mulheres não era permitido fazer certas coisas no passado, da mesma forma que antes havia escravidão e hoje não mais. (Ana Lúcia)

Os conteúdos ensinados nas nossas escolas não raro se ancoram no “[...] conforto das continuidades históricas, que legitimam o presente, ao construir identidades fixas e assegurar-nos da existência de um passado organizado, à espera de ser desvelado pelo historiador [...]” (Rago, 2006: web).  Este passado, ensinado nas escolas, ainda vacila ao questionar as metanarrativas ocidentais, masculinas e universalizantes, consegue ensaiar alguma ruptura quando a questão são as relações étnico-raciais, contudo tende a se melindrar ou ignorar as hierarquias sociais e sexuais tradicionais, reforçando-as, seja no livro didático, seja na prática e nos discursos de boa parte dos/as docentes.

Como professora feminista, incomoda-me a forma como a disciplina é ensinada no momento em que nossas crianças e adolescentes, meninas e meninos, estão nos anos mais vulneráveis da formação de suas personalidades.  Além disso, ainda compartilho da visão romântica de que professores/as são fundamentais no trabalho de construção de um mundo mais justo e igualitário para homens e mulheres. 

Assim, quando penso em feminismo, ou melhor dizendo, feminismos, no plural, me refiro a um movimento político que almeja a transformação da sociedade e das relações humanas, inserindo-se:

“[...] em um campo de poder/saber na medida em que interroga e desconstrói a naturalização dos corpos em papéis e práticas sociais, e ao mesmo tempo produz e critica seus próprios discursos em desdobramentos que contemplam as variáveis etnias, classe, raça, e o próprio sexo biológico na constituição do sujeito “mulher”.  (Navarro-Swain, 2000: web)

"O sujeito dos feminismos é plural e não está ancorado em um grupo determinado e nem ligado a singularidade individual, porém se constrói e desconstrói  “(...) em um movimento complexo e dinâmico, na análise das engrenagens de constituição do corpo/sujeito/sexo, na experiência das práticas sociais generizadas”. (Navarro-Swain, 2000: web)

A “mulher” nos feminismos é uma construção discursiva, flutuante ao sabor do período histórico estudado, descontínua e dependente de arranjos sociais, culturais e econômicos localizados.  Por isso mesmo trazer as mulheres para as aulas de História não é um trabalho de resgate de mulheres notáveis, ainda que eu acredite que elas precisem, sim, aparecer em nossos discursos, especialmente na educação básica, mas de discutir como se dá a própria construção do que é ser mulher e do que é ser homem, das engrenagens de nossa sociedade patriarcal que preza pelas hierarquias de gênero, desnaturalizando-as e possibilitando às alunas e alunos a possibilidade de imaginar que outros arranjos são possíveis.

Um dos conceitos que me são muito caros é o de contingência, isto é, a percepção de que as coisas não precisavam ter sido como aconteceram e as que são, não precisam continuar sendo da mesma forma. Segundo Luciana Gandelman, esta “[..]noção advoga para a história, ao mesmo tempo, a idéia de transformação e de agência humana – noções centrais para o conhecimento histórico e igualmente para a aprendizagem da história”.  (Gandelman, 2003: 209-210)

Como Gandelman bem pontua, há algumas contingências mais aceitas que outras, por exemplo, a noção de que as mulheres sempre foram dominadas pelos homens é uma delas; outra noção é a de que a história das mulheres é marcada pelo progresso contínuo e que nossas ancestrais, seja entre as nações pré-colombianas, no período medieval (esses poucos mil anos), na Roma Republicana, ou entre os sumerianos, tinham sempre menos direitos, mais restrições e sua voz cerceada, às vezes até no espaço privado.Essas certezas e generalizações e o uso da expressão “no passado” sem precisar muito de quando e quem se fala, se insinuam no discurso docente, carecendo de qualquer ida às fontes que dê suporte a tais idéias. Na verdade, como bem explica Tânia Navarro-Swain, até “(...) a eclosão do feminismo dos anos 60, as mulheres haviam sido alijadas do papel de sujeito na construção da memória histórica”. E nem mesmo as primeiras historiadoras feministas conseguiam escapar totalmente dessas idéias, assim:

"O próprio discurso feminista, em seus primórdios, debruçou-se sobre a imagem naturalizada da mulher, eterna vítima/oprimida reproduzindo uma relação paradigmática que tem origens bem definidas na civilização ocidental: os modelos grego e judaico-cristão." (Navarro-Swain, 1993/4: web)

Promover a equidade de gênero é um desafio, entretanto é algo que pode ser construído, mas, para tanto, é preciso refletir sobre a própria categoria gênero, compreender, como explicou Jane Flax que através do gênero “(...) dois tipos de pessoas são criadas” e que dessa construção histórico-social decorrem “(...) divisões e atribuições diferenciadas e (por enquanto) assimétricas de traços e capacidades humanas.” (Flax, 1991: 228). 

A sala de aula é um lugar privilegiado da criação dos gêneros, da naturalização de papéis sociais que são construídos nos embates do social.  Ao apresentarmos a nossos jovens uma história androcêntrica na qual as mulheres figuram “(...) como auxiliares ou sombras, em torno dos homens” (Rago, 2002: web) só reforçamos essas hierarquias e desigualdades.

 

E as Mulheres?  Onde elas estavam?

[...] a história androcêntrica, a História que se ensina nas classes do Ensino Fundamental e Médio, é uma história sem mulheres, é uma história exclusivamente masculina. (Moreno, 1999: 53)

"In history the quarrels of popes and kings, with wars and pestilences in every page; the men all so good for nothing, and hardly any women at all - it is very tiresome. "(Jane Austen)

[...] A aula de "história" é basicamente a história dos homens, não da humanidade, MUITO MENOS das mulheres. (Fernanda, resposta da pesquisa)

Quase duzentos anos separam essas três falas. Elas se referem à História ensinada pelos livros, ou pelas aulas dadas por professores/as.  A História androcêntrica não é a história da humanidade como um todo, mas uma narrativa que exclui as mulheres e termina por desestimular as meninas e adolescentes a estudarem a disciplina ou, o mais comum, alimenta a sua baixa autoestima, afinal, elas não seriam importantes. 

Em minha experiência de sala de aula percebi, por várias vezes, o espanto de alunos e alunas – algumas com os olhos brilhando – quando afirmo e mostro através das fontes que as mulheres também estavam nas revoluções, escrevendo livros, defendendo suas idéias, lutando por direitos trabalhistas, e, também, nas cavernas, nos canaviais, pilotando aviões na guerra, ganhando o seu próprio sustento e o de outros de sua família, enfim em quase toda a sorte de atividades ao longo da História.

Enquanto escrevo este texto, está acontecendo a primeira etapa da 7ª Olimpíada de História do Brasil da qual podem participar alunos/as do nono ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio de escolas públicas e particulares de todo o país.  Curiosamente, nesta fase, gênero apareceu em duas questões[3]. Uma delas ressaltou na participação das mulheres no movimento operário e como, durante muito tempo, a historiografia ignorou a sua presença, porque elas, geralmente, não faziam parte da direção dos sindicatos. Todavia as mulheres estavam na luta operária e ao abrirmos a possibilidade para o uso de outras fontes, como no caso desta questão, um registro da delegacia de ordem social sobre uma greve ocorrida em 1935. As mulheres, que nem eram sindicalizadas, aparecem liderando o movimento dentro da fábrica:

Talão de Greves, Dossiê Fábrica Calfat, 2233, DEOPS/SP. Arquivo do Estado de São Paulo.

Esse tipo de documento e discussão raramente aparece nos livros didáticos de História, além disso, a depender da fonte que selecionamos, as mulheres poderão se fazer mais ou menos presentes nos documentos. Conforme bem alerta Michelle Perrot, durante muito tempo a escrita da história era um exercício viril e as mulheres não eram bem recebidas na ordem do discurso nem como produtoras de conhecimento histórico, nem como objeto de estudo. (Perrot, 2005: 14)

Mesmo hoje, o discurso historiográfico presente em boa parte dos livros didáticos ainda é pautado por visões próximas à descrita acima e este tipo de material atua “(...) como mediador entre a proposta oficial do poder, expressa nos próprios currículos, e o conhecimento escolar ensinado pelo professor” (Bittencourt, 1997: 72-73), servindo, portanto de norteador daquilo que é abordado e discutido nas salas de aula. Conforme aponta Eni Orlandi, “todo dizer cala algum sentido [...]” (Orlandi, 2002: 105), assim como o silêncio não é um vazio sem história, o não-dito sempre quer dizer alguma coisa na ordem do discurso.  (Orlandi, 2002: 23)

Nesse sentido, Gerda Lerner descreveu muito bem o esforço feito por algumas das primeiras historiadoras para encontrar as mulheres na História, um esforço que inicialmente mostrou-se pouco frutífero, e que pouco impacto tiveram nos livros e outros materiais didáticos disponíveis no mercado.  Às vezes, as discussões acadêmicas demoram a fazer a transição, isto é, migrarem da produção historiográfica para o material no ensino básico. Lerner compara a escrita da História à produção de peças teatrais e adverte que:

"Olhando para os registros da História da sociedade como se fossem uma peça de teatro, nós percebemos que a história das performances através de milhares de anos foram registradas principalmente por homens e contadas em suas próprias palavras.  Sem muita surpresa, eles não tomaram conhecimento de todas as ações tomadas pelas mulheres. Finalmente, nos últimos cinquenta anos, algumas mulheres adquiriram o treinamento necessário para escrever as peças da companhia [de teatro]. Conforme escreviam, elas passaram a prestar mais atenção ao que as mulheres estavam fazendo. Ainda assim, elas tinham sido muito bem adestradas pelos seus mentores. Assim, elas também percebiam os feitos dos homens no geral como mais significativos e, em seu desejo de elevar o papel das mulheres no passado, elas procuram com afinco por mulheres que fizeram aquilo que os homens costumam fazer.  Assim, nasceu a história compensatória." (Lerner, 1986: 13)

Lerner continua afirmando que as historiadoras feministas vão romper com essa lógica do fazer historiográfico, buscando outros pressupostos, conceitos próprios que permitissem fazer aquilo que Navarro-Swain chama de “História do Possível”, uma História que:

“[...] não tenta esconder ou driblar o conteúdo imaginativo de suas narrativas; ao contrário, reivindica a poderosa força da imaginação para detectar o possível, o silenciado, os comportamentos e relações humanas que não obedecem aos estereótipos e padrões; aponta para um universo onde a fissura é a superfície, pois reconhece como construídos os paradigmas de “mentalidades hegemônicas” ou de “visões de mundo”, compartilhadas por uma maioria.” (Navarro-Swain, 2004: web)

Além disso, há o desinteresse por parte dos professores/as da disciplina em relação ao papel das mulheres, ou de sua atuação para além dos papéis de gênero tradicionais, e nem sempre a responsabilidade é exclusivamente do livro didático. Assim, como bem aponta Tania Navarro-Swain:

“Ao realizar seus recortes na construção do fato e do acontecimento, constituindo assim um saber histórico, o discurso exerce o poder de reafirmação de um sistema de valores e normas, cujos horizontes determinam/constituem e são constituídos por um imaginário que retém e remodela imagens.” (Navarro-Swain, 1993/4: web)

Uma história, que não fala das mulheres, que ignora a sua participação nos “grandes” e “pequenos” acontecimentos, se presta a perpetuar papéis de gênero e representações sociais a respeito das relações entre os sexos, negando-se a discutir as resistências, a ação criativa das mulheres, e como as estruturas patriarcais de poder com suas exclusões e hierarquias foram constituídas. 

 

Como Gênero aparece nos PCNs?

Os Parâmetros Curriculares Nacionais são fruto de longas discussões das quais participaram especialistas de várias áreas. Os PCN’s foram elaborados pelo MEC entre os anos de 1995 e 1997 com o intuito de normatizar o ensino no país e o compromisso de uniformizá-lo levando em consideração a diversidade e as características regionais do Brasil. Os PCNs eram, no início, voltados para o Ensino Fundamental somente, e compostos de nove volumes, sendo um introdutório, sete voltados para as diferentes disciplinas, e o último composto de temas transversais.  A atual edição foi expandida e temos dez volumes no total. 

Um dos chamados temas transversais, que deve, portanto, estar em discussão em todas as disciplinas, “orientação sexual” encontra-se conectado a questão de gênero, que aparece repetidamente no texto. (Gandelman, 2003: 210)

É possível perceber, nos PCN’s, a tentativa de contemplar algumas das discussões e demandas feministas na medida em que as mulheres estão incluídas nos documentos junto com outros grupos desprivilegiados; houve, também, um grande esforço para acomodar o conceito de gênero dentro do texto final, no entanto este ficou associado às discussões referentes à orientação sexual e à sexualidade:

“Ao tratar do tema Orientação Sexual, busca-se considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde, que se expressa no ser humano, do nascimento até a morte.  Relaciona-se com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à diversidade de crenças, valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática e pluralista. Inclui a importância da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/Aids e da gravidez indesejada na adolescência, entre outras questões polêmicas.” (Brasil, 1998: 287)

Desde a apresentação do volume de temas transversais, fica evidente no texto que o conceito de gênero se faz presente na discussão subordinado aos temas que realmente preocupam os/as autores/as do texto, isto é, o avanço do HIV, das doenças sexualmente transmissíveis, da gravidez na adolescência, entre outros. Decorre daí a necessidade de estabelecer que há um exercício da sexualidade “com responsabilidade”.  O objetivo final deste discurso, e compreendo discurso como uma forma de ação sobre outros indivíduos, (Fairclough, 2001: 91) é estabelecer uma espécie de disciplina e controle do corpo e da sexualidade de adolescentes e pré-adolescentes, atuando os PCN’s, eles mesmos, como “tecnologias de gênero”. 

“Tecnologia de gênero” é um conceito de Teresa de Lauretis que indica que o gênero não é algo dado, mas um processo em construção no social, por meio de práticas e discursos diversos, institucionalizados, ou não, “[...] com poder para controlar o campo de significado social, e então produzir, promover, e ‘implantar’ representações de gênero”. (Lauretis, 1987: 18)

Ainda assim, o texto dos PCN’s expressa que discutir a questão de gênero é fundamental para "combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres e apontar para sua transformação", incentivando, nas relações escolares, a "diversidade de comportamento de homens e mulheres", a "relatividade das concepções tradicionalmente associadas ao masculino e ao feminino", o "respeito pelo outro sexo" e pelas "variadas expressões do feminino e do masculino" (Brasil, 1997: 144-146).   

A preocupação prática do volume 10 em relação às questões de gênero não vem acompanhada de uma discussão sobre o conceito, algo que seria válido e necessário para os/as docentes das mais diferentes disciplinas.  Já quando partimos para os volumes relacionados às disciplinas e, neste caso, me ative somente à História, as discussões sobre gênero estão ausentes. 

Claudia Vianna e Sandra Unbehaum elencaram inúmeras críticas aos textos dos PCN’s, e, em especial, ao volume de Temas Transversais.  Um dos que mais saltam aos olhos é o “[...]) uso predominante do masculino genérico como um limite à expansão de uma perspectiva de igualdade de gênero na educação brasileira” e a restrição das discussões de gênero ou, mais ainda, da própria aparição do conceito, ao volume de Orientação Sexual.  (Vianna; Unbehaum, 2006: web)

Confesso que, ao retomar os PCN’s para a escrita desse artigo, esta ausência do gênero em outros volumes e, em especial dos volumes dedicados ao Ensino Médio, foi o que mais me chamou a atenção. Não houve, na estruturação dos PCN’s, uma proposta de integrar gênero às discussões da disciplina História em nenhum dos segmentos da Educação Básica.

Ainda sobre a forma como gênero aparece dentro do volume de temas transversais dos PCN’s, Luciana Gandelman (2003) discute o quanto o conceito estaria dissociado das discussões feitas por autoras feministas como Joan Scott, Teresa de Lauretis, Judith Butler e Tânia Navarro-Swain, e mesmo de um diálogo com a obra de Michel Foucault.  Gandelman argumenta que a visão dos PCN’s em relação ao gênero interessa-se “[...] apenas pelos aspectos diretamente ligados à questão do indivíduo, no caso dos alunos, o que acarreta uma visão praticamente privada de história e de politização”. (Gandelman, 2003: 235)

Esvaziada de reflexões sobre como o gênero é constituído no social, desprovido de seus elementos operacionais, isto é, as representações sociais, as doutrinas (religiosas, científicas, educativas etc.), a política (instituições, organizações sociais, entre outros) e a identidade subjetiva individual, o conceito fica esvaziado de significado e força política.  Apresentado sob esta ótica, torna-se difícil compreender a sua importância para a análise das relações assimétricas entre homens e mulheres, de como elas são constituídas nos discursos e nas práticas. 

O sexo-corpo é tratado nos textos dos PCN’s como uma realidade pré-discursiva, não incorporando as discussões feitas por Judith Butler para quem “não se pode dizer que os corpos tenham uma existência significável anterior à marca de seu gênero”.  (Butler, 2003: 27) Assim, eles não conseguem romper com a visão de que existe uma separação e complementaridade entre sexo e gênero, como se o primeiro fosse da ordem da natureza e o segundo construído histórica e culturalmente, perdendo de vista a própria discussão de como sexo e gênero seriam, também, construções socioculturais. 

 

PCN’s de História do Ensino Médio: silêncio em relação ao Gênero e alguma preocupação com as mulheres

Se no caso dos PCN’s do Ensino Fundamental o argumento de que a discussão sobre gênero estaria contida no volume de temas transversais poderia ser considerada razoável, tal não se aplica aos PCN’s do Ensino Médio (doravante chamados de PCNEM), pois não há, em nenhum momento, o interesse em conceituar ou discutir gênero.

Os PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio) tiveram a sua publicação em 2000, apresentando suas Bases Legais e as áreas de ensino: “Ciências Humanas e suas Tecnologias”, onde a disciplina História está inserida; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias.  No ano de 2007, foi publicado um complemento a este documento, chamado de PCN+. 

A publicação tardia poderia ter se beneficiado das discussões presentes no material para o ensino fundamental, além de potencialmente, já que direcionado para docentes que trabalham com um público mais velho, aprofundar questões teóricas incorporando textos fundamentais, e já clássicos, como “Gênero: uma categoria útil para análise histórica” de Joan Scott (1990), mas nada disso é feito. 

Não há discussão sobre gênero nos PCNEM e há uma única ocorrência da palavra gênero nas 104 páginas do PCN+ de Ciências Humanas e suas Tecnologias, que está exatamente na seção destinada à História, dentro de uma discussão sobre o conceito de cidadania no Brasil, segundo o texto ele incorporaria “[...] problemáticas e anseios individuais, de classes, de gêneros, de grupos sociais, locais, regionais, nacionais e mundiais, que projetam a cidadania enquanto prática e enquanto realidade histórica”. (Brasil, 2007: 78) “Gêneros”, neste caso, poderia ser permutado por “sexo” sem nenhuma perda no sentido, quando, na realidade, conceitualmente sexo e gênero não devem ser utilizados como sinônimos. 

Existe, entretanto, dentro do texto de História dos PCNEM, uma preocupação em separar o ensino tradicional da disciplina da nova proposta do Ministério da Educação.  Assim,

“O estudo de novos temas, considerando a pluralidade de sujeitos em seus confrontos, alterando concepções calcadas apenas nos “grandes eventos” ou nas formas estruturalistas baseadas nos modos de produção, por intermédio dos quais desaparecem de cena homens e mulheres de “carne e osso”, tem redefinido igualmente o tratamento metodológico da pesquisa.” (Brasil, 2000a: 21)

Nesse sentido, o coletivo “mulheres” aparece, preferencialmente, junto com outros grupos marginalizados dentro do discurso histórico tradicional:

“Mulheres, crianças, grupos étnicos diversos têm sido objeto de estudos que redimensionam a compreensão do cotidiano em suas esferas privadas e políticas, a ação e o papel dos indivíduos, rearticulando a subjetividade ao fato de serem produto de determinado tempo histórico no qual as conjunturas e as estruturas estão presentes.” (Brasil, 2000a: 21)

O volume Bases Legais do PCNEM dá grande ênfase à questão da promoção da igualdade como “(...) inspiradora do ensino de todos os conteúdos curriculares” sendo, “ela mesma, um conteúdo de ensino (...)” (Brasil, 2000b: 65), nesse sentido, a igualdade entre homens e mulheres é tema importante e a expressão – “homens e mulheres” – aparece três vezes no texto. Esta promoção da igualdade estritamente associada à promoção da cidadania só seria possível em um ambiente “[...] no qual questões como a igualdade entre homens e mulheres, os direitos da criança, a eliminação da violência passam a ser decisivas para a convivência integradora.” (Brasil, 2000b: 64) A grande lacuna, novamente, é a discussão sobre gênero, isto é, como as desigualdades entre homens e mulheres seriam constituídas.

Além disso, os PCNEM asseveram que sua função é livrar “(...) as novas gerações da ‘amnésia social’ que compromete a constituição de suas identidades individuais e coletivas.” (Brasil, 2000b: 26). Dar visibilidade às chamadas minorias, neste caso às mulheres, é uma delas. Reforçar seu papel como agentes históricos é uma das diretrizes presentes ao longo de todo o texto, não obstante, a reflexão sobre o processo de constituição das diferenças e desigualdades são somente superficialmente abordadas e nunca dentro de uma perspectiva que privilegie o gênero. Ora, dentro do projeto de construção da cidadania que atravessa todos os textos dos PCNEM, a disciplina tem função estratégica e o material produzido pelo Ministério da Educação é bem direto em relação à questão:

“A compreensão de cidadania em uma perspectiva histórica, como resultado de lutas, confrontos e negociações, e constituída por intermédio de conquistas sociais de direitos, pode servir como referência para a organização dos conteúdos da disciplina histórica. A partir de problemáticas contemporâneas, que envolvem a constituição da cidadania, pode-se selecionar conteúdos significativos para a atual geração. Identificar e selecionar conteúdos significativos são tarefas fundamentais dos professores, uma vez que se constata a evidência de que é impossível ensinar “toda a história da humanidade”, exigindo a escolha de temas que possam responder às problemáticas contundentes vividas pela nossa sociedade, tais como as discriminações étnicas e culturais, a pobreza e o analfabetismo.” (Brasil, 2000a: 26)

No entanto o que percebo, em meus quase vinte anos lecionando a disciplina, é o contínuo silenciamento em relação à atuação das mulheres enquanto agentes históricos nos livros didáticos (Silva, 2014), cujos textos deveriam caminhar junto com o que está expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais.  Fala-se muito pouco das mulheres, e, quando se fala, ressalta-se a exceção, ou a opressão como regra.  Sobre essa questão, recebi uma resposta, de uma mulher que cursou seu ensino médio entre os anos de 2006-2010, que ilustra bem este ponto.  É assim que ela se lembra das suas aulas de História:

“A história era contada de maneira bem genérica, homens brancos ricos fazendo as coisas, todo o 'resto' raramente aparecia. [grifo meu] Só lembro da presença das mulheres em livros de história e nas aulas com Joana D'Arc, a visão estereotipada da Maria Antonietta, Princesa Isabel que assinou a Lei Aurea, Carlota Joaquina naquele famoso clássico das aulas de história 'Carlota Joaquim [sic] - Princesa do Brasil'. (Jéssica Santos)

A história que não fala das mulheres, que ignora a sua participação nos “grandes” e “pequenos” acontecimentos, presta-se a inculcar nos alunos e alunas papéis de gênero e representações sociais a respeito das relações entre os sexos, negando-se a discutir as resistências, a ação criativa das mulheres, e como as estruturas patriarcais de poder com suas exclusões e hierarquias foram constituídas. Discutir tais questões seria papel da escola e dos/as professores/as de todos os níveis de ensino, no entanto, gênero não é algo que apareça com destaque nos textos dos PCNEM.

A sala de aula, conforme nos diz Bell Hooks, é, apesar das suas limitações, “[...] um ambiente de possibilidades”, de libertação, (Hooks, 2013: 273) e é nisto que acreditamos como educadora feminista. Se a escola se abstém do seu papel de questionadora e se nossos/as professores/as não são levados a refletir sobre as questões de gênero em seus anos de formação, se a questão pouco se faz presente nos documentos oficiais que norteiam o ensino da disciplina e ainda utilizam livros didáticos que desconsideram as mulheres como sujeitos históricos, o ambiente escolar torna-se um locus privilegiado para o reforço das desigualdades, ajudando a tolher a criatividade de meninas e adolescentes e reforçando seu assujeitamento.  E, conforme atesto na minha experiência cotidiana em uma escola de ensino fundamental e médio e pude vislumbrar nos questionários aplicados no Facebook, esta realidade está mais que consolidada:

“As mulheres sempre tiveram um papel menor, isso quando eram mencionadas, e quando o eram, eram desqualificadas [sic], chamadas de doidas e outros adjetivos negativos.” (Monique Novaes)

“Os professores (geralmente de história) costumavam citar como a mulher era o que levava o homem a ruína e a falha. E como eu estudei em um colégio Adventista cristão, sempre eram feitas piadas sobre a mulher ter sido quem trouxe a desgraça ao mundo (criação).” (Gabriella Oseko)

Frank Pignatelli alerta aos/às professores/as sobre os discursos-práticas que façam com que “(...) os estudantes internalizem e monitorem seu status desviante – na verdade, culpando-se a si próprios pela sua marginalidade.” (Pignatelli, 1994: 137-138) Ao recorrer às narrativas religiosas, como na fala citada acima, professores/as de História reforçam o caráter inferior e perigoso das mulheres e que elas não devem/podem ser protagonistas da história, pois ao tomarem para si este lugar, tornam-se agentes do caos, atraem desgraça, vergonha ou dissenção para o seio da comunidade.  

Adão e Eva de Lucas Cranach the Elder (1526).

Dentro da perspectiva foucaultiana, o ambiente escolar é um lugar privilegiado de poder/saber para o exercício da disciplina, a normatização dos comportamentos, da marginalização/reabilitação do desviante. (Pignatelli, 1994: 137) O lugar de fala de professores/as é privilegiado e, mesmo quando os/as docentes não consideram seu trabalho importante, imprimimos forte impressão – se positiva ou negativa, isso é de somenos importância – nas crianças e adolescentes que nos ouvem semanalmente por meses, ou até anos [4].  E não devemos nos enganar quanto ao papel central ocupado pelos docentes que, no ensino básico, são os transmissores, não raro os únicos, do discurso historiográfico, pois a

“[...] narrativa histórica se caracteriza pela imposição de sentidos, pois distribui e opera significações que aprisionam a multiplicidade do humano em redes de formas modelares e/ou essenciais. O humano é tratado como sendo um todo unívoco e também inequívoco: a biologia define as competências e os saberes, os papéis e os poderes, a expressão e a definição do sexo e da sexualidade, em termos de normalidade e exclusão.” (Navarro-Swain, 2006: web)

Os PCNEM ressaltam a importância dos professores como aqueles/as que devem identificar e selecionar os conteúdos significativos, não obstante, é o livro didático, que pode, ou não ter sido selecionado pelo/a docente, quem tem esse papel.  Professores e professoras, independente da sua formação, parecem saídos dos bancos das universidades com pouca ou nenhuma reflexão sobre a necessidade de autonomia frente ao material didático oferecido.  O que está no livro didático é o que deve ser ensinado.

Como já apontamos antes, os PCN’s e os PCNEM são escritos no masculino universal, não há uma escritura inclusiva do texto, a construção “homens e mulheres”, por exemplo, ocorre uma única vez no PCNEM de Ciências Humanas e suas Tecnologias, exatamente na seção de História, (Brasil, 2000a: 21), e aparece três vezes no documento chamado de Bases Legais dos PCNEM. Já no PCN+, material mais atualizado, não aparece em nenhum momento.  Já “Alunos e alunas” é uma construção que não ocorre nenhuma vez. Sendo um documento fundamental para professores/as de História seria importante enfatizar desde a linguagem o caráter inclusivo e plural do material.  O campo das palavras é o primeiro campo de batalha, e o não-dito também quer dizer alguma coisa. 

No PCN+ há a discussão sobre a importância dos conceitos para a construção do conhecimento histórico, enfatizando que os “conceitos, em geral, contêm um potencial explicativo e problematizador, funcionando também como balizadores na seleção de conteúdos significativos.” (Brasil, 2007: 78)

A despeito da discussão sobre desigualdades e violência serem consideradas importantes dentro do ensino da disciplina e para a formação a cidadania, conceito de suma importância dentro dos PCNEM de História, não se problematiza a questão das desigualdades entre homens e mulheres e de como historicamente esta categoria seria um poderoso instrumento de análise. Há uma única intercorrência na qual “gêneros” aparece como sinônimo de “sexos”, na seguinte construção:

“O sentido que a palavra assume para os brasileiros atualmente, de certa maneira, inclui os demais sentidos historicamente localizados, mas ultrapassa os seus contornos, incorporando problemáticas e anseios individuais, de classes, de gêneros, de grupos sociais, locais, regionais, nacionais e mundiais, que projetam a cidadania enquanto prática e enquanto realidade histórica. “(Brasil, 2000: 25)

Apesar do discurso centrado na questão da cidadania e da eliminação das desigualdades, a questão de gênero não é vista como balizadora das discussões a serem desenvolvidas em sala de aula pelos/as professores/as.  Ora, “(...) o que a história não diz não existiu”. (Navarro-Swain, 2000: 13) E como não vivemos em uma sociedade na qual a violência de gênero e as desigualdades entre homens e mulheres inexistam, enunciar, problematizar e enfatizar a importância do conceito em um texto voltado para os educadores seria fundamental, afinal eles e elas são “balizadores na seleção de conteúdos significativos”.

O que destaco aqui é que há uma lacuna quando se trata das discussões de gênero dentro dos documentos oficiais que deveriam servir de suporte para os/as docentes.  Curiosamente, as discussões sobre gênero não estão em evidência e as discussões na Câmara dos Deputados sobre o Plano Nacional de Educação (PNE), para o decênio 2011/2020, votado somente no ano passado, 2014, são ilustrativas disso. 

Por que trazer esta questão para este artigo? Porque a discussão sobre a categoria “gênero”, ou melhor, aquilo que os grupo conservadores e reacionários denominam “ideologia de gênero”, que não foi colocada em discussão por especialistas dentro de documentos voltados para os/as educadores/as, foi apropriado por religiosos e políticos oportunistas.  A foto abaixo é ilustrativa dos discursos que nortearam a discussão no Congresso Nacional:

Ao longo dos debates, prevaleceram as vozes que defendem slogans como “Homens e Mulheres são diferentes e complementares” e “O Estado é laico, mas meu filho NÃO!”, e a palavra gênero foi excluída do trecho do artigo 2º, que é voltado para a superação das desigualdades educacionais, onde se lia “com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. (Foreque, 2014: web).  O texto final do PNE mantém a questão da redução das desigualdades étnico-raciais e regionais, mas a palavra gênero e a expressão orientação sexual foram excluídas.

Os conservadores têm alguma dimensão do efeito desestabilizador que a categoria gênero e de como as discussões sobre a desigualdade entre homens e mulheres depende delas.  Além disso, existe todo o interesse de garantir, pelo menos através dos documentos oficiais, que ambiente escolar seja um lócus de promoção e naturalização das desigualdades entre homens e mulheres e da heteronormatividade.

 

Quais mulheres aparecem nas aulas de História? 

Quando comecei a escrever este artigo, queria dialogar com ex-estudantes e saber quais eram as suas recordações das aulas de História do Ensino Médio, criei um formulário do Google Docs e deixei em aberto por uma semana para que colegas de uma comunidade do Facebook pudessem responder. Queria saber como e se as mulheres apareciam nos livros e aulas de História. 

Foram ao todo, 24 formulários, 22 deles respondidos por mulheres. Em uma das perguntas, quis saber se, quando estudantes, viam as mulheres como agentes da História, 9 responderam que “não” e 14 “nem sempre”. 19 pessoas que responderam o formulário tinham cursado o ensino médio no século XXI, ou seja, no período pós PCNEM, talvez, com professores/as que tenham cursado a universidade na década anterior.  Ainda assim, a forma como as mulheres apareciam nas aulas e livros da disciplina não parecia tão diferente da minha própria experiência como aluna.

Quando a questão era o livro didático, as respostas apontaram que, mesmo os mais modernos, não utilizam uma linguagem inclusiva sequer esporadicamente. Quanto à forma como as mulheres são/eram retratadas, cabe destacar duas perguntas: 

1. Se o seu livro didático não era inclusivo, havia pelo menos textos de apoio sobre as mulheres ou aspectos da vida das mulheres em algum período da História? 

2. Como as mulheres apareciam nos seus livros de História?

As respostas que recebi correspondem à experiência pessoal de algumas poucas pessoas, no entanto, há muita semelhança entre elas, na medida em que apontam para os mesmos problemas, isto é, o silêncio sobre a múltipla atuação das mulheres enquanto agentes sociais; para o reforço dos papéis tradicionais e para a heteronormatividade; e o destaque dado para as exceções, isto é, divindades, heroínas e rainhas, sempre europeias.

Enfim, quais mulheres apareceram citadas por nome em meu formulário? A rainha Carlota Joaquina (duas vezes), rainha Maria Antonieta (duas vezes), Joana D’Arc (duas vezes), Frida Kahlo (duas vezes), rainha Maria I (uma vez), Princesa Isabel (uma vez) e Cleópatra (uma vez).  Salvo por Frida Kahlo e Joana D’Arc, somente mulheres da nobreza foram lembradas, nenhuma delas negra ou que estivesse fora dos círculos da nobreza ou elites intelectuais e econômicas. Acredito que, para além da questão de gênero, outras, como o classismo e o racismo permeiam nossos resultados conforme aponta esta resposta:

“[...] Não estudamos nada sobre África e nenhuma mulher que não fosse rainha ou deusa ganhava alguma menção qualquer. Sobre gays e lésbicas, nenhuma palavra.” (Roberta Pereira)

Qual o imaginário social que povoa as nossas aulas de história, se concordamos com Castoriadis, quanto a idéia do imaginário ser dinâmico e em contínuo processo de criação (Castoriadis, 1992: 13), este é, também, “um sistema de orientações expressivas e afetivas, que correspondem a outros tantos estereótipos oferecidos aos agentes sociais”. (Baczko 1985: 311) Assim, sobre quais mulheres podemos falar e que delas é dito? As aulas de história alimentavam a homofobia, o racismo e outras formas de discriminação?

“Lembro que sempre havia piadas sobre a sexualidade de alguns agentes, como Hitler, Napoleão e Frida, como se de alguma forma fosse um xingamento ser lésbica ou gay. Não me lembro de nenhum comentário categoricamente machista, racista ou homofóbico, mas as piadinhas com certeza ajudam a perpetuar essas práticas, pois são mais sutis, e quem as fala nunca se vê como preconceituoso.” (Eduardo Carvalho)

“Frida Kahlo foi mencionada uma vez pelo professor como supostamente lésbica devido a sua aparência física, que foi o principal tópico de discussão, dentre todas as características e feitos dela.” (Eduardo Carvalho)

As duas respostas acima apontam para a questão da homofobia e como ela se cruza com o machismo. Frida Kahlo, uma das maiores artistas do século XX, é citada nem tanto pela sua arte, mas por sua aparência e orientação sexual. A mensagem é clara, como mulher, Frida deveria se preocupar com sua aparência e buscar agradar os homens e que uma mulher-lésbica é alguém que não conseguiu atingir os altos padrões de exigência masculina. E, ainda que o respondente, um dos poucos homens que participou da pesquisa, não perceba, o sexismo e a homofobia devem ter permeado muitas de suas aulas de história.

“Cleópatra foi descrita apenas como amante dos imperados de Roma. Lembro que um professor de história vivia fazendo piadinhas sexistas que depreciavam mulheres. Ele parava a aula só para fazer disso. Lembro de uma professora de história que dizia que as pessoas negras foram escravizadas porque eram passivas mesmo, mais acomodadas. Tive outro professor de história que se gabava da irmã ter casado virgem – ele usava o termo "zerada 0 quilômetros". (Camila Livino)

“Como as mulheres eram pouquíssimo mencionadas em sala de aula, era difícil elas serem alvos de depreciação. Mas lembro que um professor fez uma piada sobre uma suposta promiscuidade de Carlota Joaquina, disse que ela era uma mulher filantrópica, ou seja, gostava de "dar". Fora isso, não lembro mais ocasiões em que figuras femininas foram depreciadas.” (Ana Beatriz)

Mesmo sendo pouco citadas nas aulas, a sexualidade feminina é, volta e meia, submetida ao escrutínio por professoras/es de História.  Em suas falas, não raro, as mulheres são reduzidas aos seus corpos, ao sexo, “(...) amálgama que resulta em práticas de subordinação e assujeitamento”.  (Navarro-Swain, 2000: web) Inclusive aquelas que não são objeto da aula. Mesmo uma rainha que governava em seu próprio nome, Cleópatra, é transformada em amante de César e Marco Aurélio; Carlota Joaquina, rainha que teve um papel político importante tanto em Portugal quanto no Brasil, é avaliada e depreciada a partir dos relatos sobre seu apetite sexual, algo inadequado para uma mulher, por isso, motivo de riso ou cólera.

“Estudando a história do Brasil e de Portugal, havia o caso da rainha Maria I (conhecida como Dona Maria, a louca), que tinha sua doença usada como exemplo para generalizar uma irracionalidade das mulheres, principalmente as da realeza. Outra vez, estudando sobre Joana D'arc [sic], foi questionado o protagonismo dela, falando algo do tipo "ela não foi agente única, foi parte de um grupo", engraçado que não era falado isso de Tiradentes, Dom Pedro I, Napoleão, apenas dela.” (Eduardo Carvalho)

“O único caso que me lembro claramente (mas houve outros) foi o dos costumeiros ataques misóginos à rainha Maria Antonieta. O professor citou aquela fala dos brioches, comumente atribuída a ela, e dizia que se tratava de uma mulher desprezível. Até pouco tempo, eu nutria uma profunda aversão por essa figura histórica, quando pesquisei e descobri o outro lado e o porquê dela ser tão odiada...” (Marjóry Kühn)

Outros dois aspectos levantados nas respostas são o do caráter excepcional atribuído a algumas personagens femininas, neste caso, Joana D’Arc. Apesar das diversas fontes apontando a presença das mulheres na guerra, desde a antiguidade oriental e ocidental, até os nossos dias, assumindo sua identidade feminina, caso da própria Joana D’Arc, ou escondendo-se durante todo o conflito, ou parte dele, por trás de uma identidade masculina, o caráter excepcional de seus atos é sempre conclamado. 

A atividade guerreira está associada diretamente às representações sociais mais duradouras de masculinidade. A mulher-soldado causa distúrbio à ordem do discurso erodindo as certezas a respeito da identidade masculina. Por conta disso, ela precisa ser esquecida ou confinada ao caráter excepcional, ao papel de heroína e/ou mártir, que reforce que a guerra, a coragem e capacidade de liderança são, e continuarão sendo, apanágio masculino, traços viris que as mulheres não deveriam possuir, mas que podem, sim, ser-lhes atribuídas, especialmente quando conduzirem, como no mito literário da donzela guerreira, ao encontro da morte[5].

Já no caso das rainhas, algumas delas, como de Maria I de Portugal, e, especialmente, de Maria Antonieta da França, atraem tanta antipatia que, não raro, é aberta uma exceção e elas são citadas nas aulas de história. A questão é que os relatos sobre suas vidas e seus “malfeitos” foram feitos por homens, não raro, inimigos políticos. 

 

Panfleto satírico retrata romance de Maria Antonieta com a Duquesa de Polignac.

No caso de ambas as rainhas, algumas das características a elas atribuídas terminam por serem utilizadas para justificar discursos sobre a incapacidade feminina como um todo.   Sobre D. Maria I foi lançado o estigma da loucura, esta palavra vazia a qual podem ser atrelados quaisquer sentidos.  Fora isso, questionasse a sua capacidade, como mulher, de gerir o Estado, como se ela tivesse sido o único elemento reacionário de sua época em Portugal.

No caso de Antonieta, são repetidas, como verdade indiscutível, todas as críticas e difamações lançadas sobre ela desde antes da Revolução Francesa. Vaidosa, insensível às misérias de seu povo, ora frígida, ora insaciável, ora adúltera, ora devoradora de homens ou sáfica, mais tarde, acusada pelos revolucionários de abusar sexualmente do próprio filho, tudo a depender de quem redige o relato ou o panfleto satírico-pornográfico.  A estrangeira que se tornou receptáculo de todos os vícios e responsável pelos males da França.  Enquanto isso, o rei tem seu mau governo relevado. Como uma das respondentes colocou, só mesmo depois de sair do ensino médio, graças a outras leituras, ela pode compreender os motivos de tanto ódio e misoginia.  O problema é que, para muitos, a versão de sala de aula será levada por toda a vida.

 

Considerações Finais

As discussões feitas na academia nem sempre chegam às salas de aula do ensino básico com a rapidez esperada e, neste artigo, discutimos a dificuldade a se enfrentar para que o conceito de gênero e as discussões sobre as desigualdades entre homens e mulheres se façam presentes nos documentos oficias, como os PCN’s e os PCNEM.  O que temos é um abismo entre a universidade e as salas de aulas que, muitas vezes, reproduzem um discurso histórico que ignora as mulheres, seu protagonismo e o sistema que reproduz as desigualdades e promove os assujeitamentos.

Neste artigo busquei refletir sobre como o gênero aparece nos documentos oficiais e sobre a prática em sala de aula. Mais do que dizer que os discursos e as práticas não se coadunam, reforço que os textos produzidos no âmbito do Ministério da Educação, que deveriam nortear as discussões e reflexões dos/as professores/as, são omissos quanto à discussão de gênero. Enquanto isso, a prática de sala de aula, sobretudo no Ensino Médio, objeto desse artigo, continua reproduzindo uma história androcêntrica e excludente. Alheia ao que é discutido na Academia, nem sempre compatível com os PCNEM e ao movimento dos setores conservadores brasileiros que buscam obstruir ainda mais a entrada das discussões feministas e de gênero nos currículos nacionais.

 

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Biografia da autora

Valéria Fernandes da Silva é graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e mestre em História Social pela mesma universidade (2001), doutora em História pela UnB (2008). Professora do Colégio Militar de Brasília. Tem experiência na área de História, com ênfase em Estudos de Gênero, trabalhando com os seguintes eixos temáticos: gênero, idade média, igreja, estudos feministas, religiosidade, franciscanismo, história das mulheres, quadrinhos aplicados ao ensino de história e questões de gênero nas HQs.


 

[1] Representação social é uma forma de conhecimento sobre um determinado objeto ao qual são atribuídas características que permitem que este seja lido, operacionalizado, absorvido pelos diferentes agentes sociais.  Trata-se, também, de uma forma de ação sobre o mundo e sobre o outro.  As representações sociais são dinâmicas e para a sua análise faz-se necessário compreender os contextos e condições de sua produção.  (Jodelet, 2004: 27-28)

[2] O formulário está publicado online e disponível em http://goo.gl/forms/i8R60SNfyB, as respostas completas (http://bit.ly/1cop8ux) e resumidas (http://bit.ly/1PBq8Iy) também podem ser visualizadas.

[3] Durante o andamento da OHB, as provas só podem ser acessadas pelos membros das equipes e professores/as orientadores/as.  O site (http://www.olimpiadadehistoria.com.br/), no entanto, disponibiliza as provas anteriores.

[4] Como exemplo, cito minha própria experiência.  Tive a mesma professora de História da 5ª até a 8ª série (1986-89) e, como professora, eu mesma lecionei para o mesmo grupo de alunos/as na 7ª série do ensino fundamental e no 1º e no 3º ano do ensino médio. 

[5] Walnice Nogueira Galvão, que em seu artigo "O Ciclo da Donzela Guerreira", define da seguinte maneira esta personagem tão comum na literatura e no cinema (Diadorin, Mulan, Yentl, Joana D'Arc, etc.): "Filha única ou mais velha, raramente a mais nova de pai sem filhos homens, sem concurso de mãe, corta os cabelos, enverga trajes masculinos, abdica das fraquezas femininas – faceirice, esquivança, medo –, aperta os seios e as ancas, trata ferimentos em segredo, assim como se banha escondida. Costuma ser descoberta quando, ferida, o corpo é desvendado; e guerreira; e morre." (Galvão, 1981: 9)

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