labrys,estudos feministas

número 3, janeiro/ julho 2003

Assimetria de gêneros e aporias da criação: como sair do um imaginário androcêntrico? [1]

Hélène Marquié

Tradução : tania navarro swain

Resumo :

Os trabalhos feministas, principalmente em lingüística, antropologia e em psicologia cognitiva, ressaltaram a profunda assimetria existente entre as categorias “mulher” e “homem”, entre “feminino” e “masculino”. Esta assimetria estrutura nossos imaginários, dnossos processos de percepção e criação. As identidades as mulheres encontram-se presas em e por um imaginário androcêntrico que serve, queiramos ou não, de referência. A partir do domínio da dança e de duas práticas e experiências pessoais, a criação coreográfica e a pesquisa, gostaria de tratar algumas questões suscitadas por esta assimetria. Como escapar ao eterno “outro feminino” e o que fazer com os territórios qualificados a priori como femininos? Como ser diferente sem ser “feminina”? Como ser singular? Como representar/encarnar o universal, ser referência? O que esconde o mito atual da androginia, em particular dos corpos andróginos? Em filigrana, desenham-se outros temas:

- as estratégias adotadas por certas artistas, face às aporias às quais são confrontadas, estratégias que não podem ser vistas senão em sua historicidade, mais especificamente em relação aos avanços das mulheres e das reflexões feministas.

- as dificuldades e as evoluções das críticas feministas, muitas vezes em posição paradoxal, face a estas estratégias.

- os processos de regulação implícitos ou explícitos que, oriundos do sistema androcêntrico dominante, criam estratégias, as mais subversivas.

Palavras-chave: imaginário androcêntrico, androginia, estratégias, arte, artistas mulheres.

Artistas e/ou pesquisadoras, encontramos dificuldades, impasses às vezes, mal entendidos com freqüência, e devemos assumir os paradoxos que resultam das estruturações profundas de nossas culturas androcêntricas. Conteúdos e processos dos imaginários não são neutros nem independentes das hierarquias induzidas pela dominação masculina, e tributárias – de múltiplas maneiras – das categorizações de sexo e da assimetria entre os sexos e gêneros. Como na linguagem, o masculino e seu ponto de vista dominam o feminino, representam o neutro, o objetivo, o coletivo, o universal. Determinam o lugar e o valor do feminino. Disto resultam situações concretas às quais somos confrontadas/os, em formas mais ou menos conscientes, mais ou menos ativas, no processo de criação ou de recepção. Freqüentes demais, evidentes demais, estas situações conflitantes permanecem mal definidas, tacitamente consideradas como naturais e as problemáticas que estão em seu fundamento não são assim expostas.

Lembrarei, de início, algumas constatações e análises que devemos aos trabalhos feministas, principalmente em lingüística, em antropologia e em psicologia cognitiva, que iluminaram a profunda assimetria entre as categorias “mulher” e “homem”, entre “feminino” e “masculino” (entre outras autoras, ver Nicole-Claude Mathieu, Marie-Claude Hurtig, Marie-France Pichevin, Fabio Lorenzi-Cioldi, Anne-Marie Houdebine, Claire Michard):

- As categorias “homem” e “masculino” fazem referência, servem de quadro geral para uma certa universalidade ou neutralidade. As categorias “mulher” e “feminino” são compreendidas como categorias sexuadas, como a especificidade, a diferença.

- Às mulheres e ao feminino são atribuídos qualificativos e valores que definem a priori sua categoria e sua identidade

As mulheres são principalmente percebidas – e, assim, se percebem – como categoria e como grupo, os homens como indivíduos. Como resultado da dominação masculina, que contribui a manter em níveis profundos, esta assimetria estrutura nossos imaginários, nossas capacidades perceptivas, cognitivas e interpretativas, nossos processos de criação e de autocriação. As identidade das mulheres são, assim, enclausuradas em e por um imaginário androcêntrico. Que serve, queiramos ou não, de referencia.

Mas se é possível afrouxar os laços, é uma ilusão crer hoje – no estado atual das coisas – na possibilidade de nos desfazermos completamente destas estruturas, de abstrair totalmente os sistemas e os quadros que nos são impostos, quer seja em nós mesmas, quer seja nas relações  com os outros e com o mundo. A articulação entre identidade singular e o coletivo, principalmente na forma como o coletivo percebe e contribui a orientar esta identidade, é o ponto onde se formam muitas das aporias apontadas. Assim, no que diz respeito ao domínio artístico, de um lado há o que a artista quer, pode e finalmente consegue fazer, sua maneira singular de compreender e resolver, talvez, os paradoxos; mas de outro, há a recepção de sua obra, na qual sua margem de trabalho e de influência é ainda  muito  limitada. Rejeição pura e simples, incompreensão, recuperação, desvio, não são controláveis. Se uma chave individual pode abrir certas portas, não suprime todas as fechaduras.

A partir do domínio da dança e de situações concretas, proponho tratar algumas questões às quais nos confrontamos enquanto artistas e/ pesquisadoras, mais geralmente enquanto indivíduo categorizado “mulher”.

1)                 Os territórios do “outro” feminino

Como evitar a designação de certos territórios como femininos e deles se re-apropriar, fora dos estereótipos?

Trabalhar sobre a natureza, a infância, a loucura, produzir espetáculos com materiais assim elaborados é uma experiência comum a toda dança contemporânea. (Marquié, 1999 : 17-31). Trata-se, para todas/os, de despertar, ampliar as memórias reais ou imaginárias de sensações, movimentos, ritmos, emoções, etc. Em suma, desenraizar a sensação, tornar-se outra. Ora, que sejamos artistas ou espectadoras, nossa posição, enquanto mulheres, não é a mesma que a dos homens em relação ao “outro”, pois são os homens e o masculino que ancoram a referência. A Natureza, o primitivo, a criança, o louco, definem  culturalmente os territórios a priori organizados como femininos, pois são os da “diferença” . Outros tempos: a infância e o arcaico. Outras civilizações: o primitivo. Outro sexo: a mulher. O louco, radical e separado para sempre, ou melhor, a loucura. Esta conotação impregna o imaginário coletivo  , e ainda mais os da/o criadores/as, das/os poetas[2] ou das/os filósofas/os contemporâneas/os[3]. Um homem pode apropriar-se destes territórios, disto se orgulha mesmo, de “transgredir” as fronteiras do “feminino”; é raro, porém, que se confunda e seja confundido com estes espaços e esta transgressão afirmada reforça a existência de uma fronteira. Para as mulheres, ao contrário, trata-se de romper com as designações: o  privilegiado com a natureza, a mulher-criança, a mulher-louca... a mulher-mulher?

Se consideramos a recepção destes espetáculos, constata-se que as coreógrafas são freqüentemente remetidas à sua categoria sexuada, assim que investem territórios categorizados. Assim, o trabalho de Carlotta Ikeda não é percebido da mesma maneira que o dos dançarinos de Butoh.

Há, no imaginário, um feminino em que as mulheres não podem investir sem interina-lo em sua categorização. Chega-se assim a tautologias. Se trabalho, por exemplo, enquanto dançarina sobre a natureza, 1) confirmo minha identidade de mulher 2) confirmo o laço privilegiado das mulheres com a natureza, ainda que centenas de dançarinos e de coreógrafos trabalhem também sobre a natureza. Devo, então, interditar-me este campo?

A posição das mulheres é carregada de ambigüidades e de contradições internas. Daí surgem conflitos e autocensuras, muitas vezes inconscientes. Como as mulheres podem trabalhar sobre e em alguns destes territórios, sem neles serem enclausuradas? Sem se fecharem? Este problema foi particularmente analisado no caso das mulheres artistas próximas do surrealismo e confrontadas a eu próprio mito (Colvile, 1996, Suleiman, 1990, 1993).

Uma questão advém da precedente: como ser “diferente” sem ser categorizada como feminina? Diferente, aqui, compreende não somente fora dos padrões e modelos do feminino ou da produção feminina mas, sobretudo, singular.

2)                 Como ser singular e representar o gênero humano?

As mulheres, artistas ou críticas, encontram-se muitas vezes em situações aporéticas: 1) sair do discurso e das normas dominantes, criar, exprimir uma singularidade (criar, portanto, diferença) sem produzir uma obra percebida como oriunda “da” diferença, da categoria feminina (às vezes substituída pelo exótico); 2) dar a perceber um “universal” humano a partir de experiências e de representações biológicas ou sociais femininas (corpo, mitos ou simplesmente assinatura das obras).

Dito de outra forma, atingir uma originalidade ou uma universalidade que não escamoteiem a sexuação ou a sexualidade – o que significaria adotar uma “neutralidade” manifestada pelo gênero masculino – fora das referências estabelecidas.

Paradoxalmente, se uma mulher chega a inventar e experimentar uma singularidade, ou mesmo um estilo próprio, é enviada ao coletivo feminino. Da mesma forma que uma escrita original de mulher torna-se ainda hoje uma escrita “feminina”, enquanto a de um homem será poética, o trabalho corporal eminentemente pessoal e íntimo de uma dançarina será ainda mais relacionado a um corpo sexuado e a artista à categoria mulher.

A dificuldade consiste em se posicionar em uma singularidade que não exclui a sexuação enquanto parâmetro individual, sem que apareça como um marcador genérico, que serviria de chave para apreender todos os outros componentes.

Como conseguir referir-se ao universal e não exclusivamente à categoria “mulher”? Como um corpo feminino – percebido como tal – poderia encanar o corpo humano?

Em Object constant (1994), as dançarinas interpretavam de forma notável uma dança muito física, cheia de energia. Apesar das dificuldades técnicas, conseguiam segurar com uma só mão seus vestidos que não estavam presos aos ombros. O coreógrafo Rui Horta interpelava as espectadoras e espectadores através da voz de um dançarino: “quando vêem lindas dançarinas, prestes a mostrar seus seios, vocês olham a dança ou as dançarinas elas mesmas?”.

O corpo não é neutro, objetivo (mesmo se a dança dos anos 70, principalmente nos Estados Unidos, esforçou-se para atingir esta “neutralidade”, para fazer desaparecer toda marca de sexo e de gênero – voltarei a este tema). Os corpos femininos,  sobretudo, são percebidos em sua sexuação; corpos sexuados, sexuais, mais sexuais que os dos homens. Sempre ligados mais ou menos à esfera do erotismo, o que não se aplica aos corpos masculinos. E estes corpos permanecem prisioneiros das instrumentalizações das quais foram e continuam a ser objeto, de forma direta pelos os homens, mas igualmente pelos imaginários e discursos androcêntrico,que podem ser veiculados pelas mulheres.

São estas referências que criam sentidos, independentes da vontade da/do coreógrafa/o e, mesmo apesar de nós, na recepção do espetáculo. As dançarinas e as artistas plásticas, quando representam o corpo das mulheres, re-encontram este problema: como gerenciar o nu? Como encarnar a humanidade em um corpo feminino? Como suscitar uma percepção do corpo feminino que não seja a que os séculos nos condicionaram a ter? Como ativar outros referenciais, quando estas referências ainda estão para ser criadas?

Quando, no início do século XX, Isadora Duncan dançava nua, criava uma revolução na percepção do corpo feminino; ela deserotizou a dança, como sublinham vários estudos a seu respeito. Seria talvez mais exato dizer que ela retirou a nudez feminina do registro exclusivo do erotismo, em sua versão androcêntrica e sexista. Ela rompeu, ao mesmo tempo, com os estereótipos da dançarina desencarnada, que “não era uma mulher”, mas uma “pura metáfora”, como queria Mallarmé[4]. Entretanto, ela conservava uma visão essencialista das mulheres.

O problema colocado pela assimetria mulheres/homens, feminino/masculino é ainda mais marcado (o que não significa que seja mais consciente) por tudo que diz respeito aos discursos e representações da sexualidade. Como trabalhar sobre a sexualidade, sobre o erotismo, quando este campo foi definido e seus signos de reconhecimento estabelecidos por um ponto de vista masculino?

Encontramos, de um lado, representações androcêntricas e – no plano dos discursos – instrumentos e definições que cultivam uma fantasmática, criada por um sistema sexista; por outro, encontram-se “as coisas” que, ou não são reconhecidas como pertencentes ao erotismo pois não se inscrevem no imaginário androcêntrico da sexualidade – elas serão qualificadas de “ fora do assunto” [5] – ou são rejeitadas, muitas vezes com condescendência, e depositadas no campo do especificamente feminino (e aqui penso em tudo que é agrupado sob o termo de sensualidade).

Como, nestas condições, tratar o erotismo pela dança, sendo uma mulher? Independente das censuras e autocensuras às quais podem se chocar as/os coreógrafos face a esta temática, creio que uma das razões pelas quais as mulheres pouco abordam esta temática,localiza-se nesta impossibilidade de criar “uma diferença”, uma singularidade ou ainda universalizar o tema tratado, situando-se fora dos estereótipos sem estar, entretanto, “fora do tema”, sem ser categorizada como representante do inteiro grupo “mulher” e de um erotismo especificamente feminino. E, em particular, seria a razão pela qual a sexualidade lesbiana é praticamente invisível na dança.

  No contexto atual da dança contemporânea, esta questão da sexualidade quer-se estreitamente ligada à subversão. Fala-se muito de corpos subversivos, reinventando ou reexplorando as experiências dos anos 70. Mas muitas vezes é negligenciado o fato de que o corpo não é “subversivo” , a não ser que se articule a um pensamento que o é, efetivamente. Assim, o corpo é apenas um instrumento. O corpo feminino pode ser subversivo – e de que maneira – quando a subversão é definida pelas normas masculinas, que fazem dele e de sua exploração o instrumento transgressivo e reivindicativo privilegiado?

Tomo o exemplo aqui do trabalho e do sucesso – sintomático – de La Ribot e das questões que ela levanta. A coreógrafa, cujo nome evoca ao mesmo tempo o das divas, mas igualmente o das semi-mundanas ou de dançarinas-prostituídas do século XIX, coloca em cena seu corpo em posturas provocantes, na intenção explicita de subverter A Moral e As Normas. Se alguns interditos são talvez transgredidos, os de UMA certa moral, aliás mais do que desacreditada na criação contemporânea e no meio sócio-cultural ao qual estes espetáculos são dirigidos, por outro lado La Ribot inscreve-se em um perfeito conformismo com os estereótipos no que concerne às mulheres, seus corpos e à subversão: para afirmar seus desejos subversivos, os artistas homens instrumentalizam e exibem os corpos das mulheres.

É raro que uma coreógrafa tenha, como os homens, as capas das revistas tais como Art Press e Mouvement.  Na capa de Art Press (n.270, juillet-août 3\2001), o corpo nu, vestido apenas com sapatos de salto alto, está deitado de costas, jogado como uma boneca; as pernas abertas deixam entrever o sexo, a cabeça está caída de lado, o rosto invisível sob os cabelos em desordem. Três fotografias da mesma posição (tirada de  Still distinguished), tomadas em ângulos diferentes, estão no mesmo número da revista (uma delas tirada na perspectiva do sexo). Na capa do caderno especial do Mouvement n.6 (2002), intitulada “Espanha longe dos clichês”, ela está de pé, nua (com exceção do único sapato alto), amarrada como um assado (Outsize Baggafe). Vamos reencontra-la na capa da mesma revista, n.10, sempre nua, com fotos Polaroid de seus seios e de seu sexo pregadas nos lugares adequados.

Quais as razões de seu sucesso nos  mídia e com uma certa “elite” intelectual, cuja preocupação não foi nunca de denunciar os estereótipos de sexo: A satisfação de ver uma mulher retomar e assim referendar as representações masculinas? Uma nova ocasião de dar ao voyeurisme um álibi intelectual? Este sucesso não testemunharia o fracasso da subversão, sejam qual forem as intenções iniciais da coreógrafa-performante e sua sinceridade? Em que medida está ela consciente desta ambigüidade? Em que medida a utiliza? E com que intenção? Utilizaria a recuperação da qual é objeto para veicular sua mensagem subversiva ou utilizaria esta mensagem para explorar em seu favor um campo (o da exibição feminina) no qual os homens põem em cena as mulheres? E, neste último caso, não existiria, apesar de tudo, uma certa subversão – em segundo plano?

Esta série de questões aponta para uma outra, mais fundamental: como um corpo feminino nu, que se mostra, pode escapar à história generizada das representações dos corpos femininos? Sendo percebida como corpo humano, cuja sexuação não teria maior ou menor valor que os outros parâmetros morfológicos?

Assim são qualificadas de subversivas – e mesmo de feministas – as coreógrafas que vão mais longe na representação clássica da heterossexualidade, por exemplo (como é o caso de "L'érotisme au féminin", Les Saisons de la Danse, 318, juillet 1999) . Mas não se fala de subversão quando as mulheres encenam outras representações dos corpos e das sexualidades. As raras tentativas femininas para sair dos esquemas continuam marginalizadas de uma maneira ou de outra. Penso, em particular, à recepção dos espetáculos de Marie Chouinard (Mimas, Lune et Saturne, criada em 1980 e retomada pelas dançarinas na retrospectiva Les solos 1978-1998) e de Carlotta Ikeda (Waiting), que se sucederam no teatro da Bastilha, em 1999. Todas as duas, em quadros estéticos diversos, coreografavam o onanismo. A crítica, tão pronta hoje a falar de subversão assim que um homem fala de sexualidade e, sobretudo, de homossexualidade, ficou emudecida. Além disto, a tentativa de Carlota Ikeda de representar uma sexualidade universal, a partir de relações entre mulheres, não é tanto vista como subversão de uma ordem dominante mas, sim, é relacionada a uma perspectiva essencialista, de uma dança “diferente” ou exótica, o Butoh.

A análise de um corpus crítico, relativo principalmente à Marie Chouinard e Carlotta Ikeda, me fez constatar que, no momento em que uma  coreógrafa exprime uma contestação, mas fora das normas da subversão masculina, atacando as relações sociais de sexo em um quadro diverso daquele em que isto é possível, ela é imediatamente inferiorizada por diversos procedimentos. Um dos mais freqüentes é coloca-la em sua categoria de mulher, com seu cortejo de estereótipos: imaturidade de expressões (mulher-criança), exotismo, etc, a menos que seja sublinhada a “feminilidade” da artista, como atenuante para  a desordem que causa.

Alguns exemplos extraídos do noticiário sobre Marie  Chouinard:

“Chouinard, antes de considerar  sua evidente beleza, nutre forças monstruosas e mágicas que revelam fantasmas e alegorias” (Jean-Marc ADOLPHE, Pour la Danse, 125, mai 1986).

«Marie Chouinard é perdoada de suas «criancices» por seu bonito rosto e seu bonito corpo» Angèle DAGENAIS, "Printemps et danse à Montréal", Le Devoir, 24 mars 1980 2 citée par Iro TEMBECK, Danser à Montréal (germination d'une histoire chorégraphique), Presses de l'Université du Québec à Montréal, Montréal, 1991, p. 239).

«Ela se revelou um verdadeiro achado. Ela não tinha um ar nem feminino, nem masculino, mas estava erótica e graciosa de uma maneira inexplicável” (Nakawage, Focus Magazine, Tokyo, sem data).

 Uma observação: quanto à questão da representatividade das mulheres, coloca-se a das referências. Não desenvolverei aqui as conseqüências da ausência de referências femininas para as mulheres, nem das estratégias desenvolvidas pelas artistas para reinventá-las. A necessidade de filiações, de fontes e de referências para atingir sua identidade própria e criativa, que não sejam exclusivamente androcêntricas, explica a  retomada de valores femininos para muitas artistas, principalmente as dos primórdios da dança moderna/contemporânea[6]. A dança moderna, de Isadora Duncan a Martha Graham, participou deste movimento, tendendo a dar às mulheres acesso à representação do universal, conservando, entretanto, o dualismo feminino-masculino. Martha Granham, em especial, criará modelos psicológicos universais a partir de figuras míticas femininas. Jocasta, Ariane, Fedra, Medeia, se tornarão paradigmáticas das paixões humanas, deixando na obscuridade Édipo, Teseu ou Jasão. Fazendo isto, ela antecipava um objetivo feminista dos anos 70: constituir uma universalidade que não seja mais representada exclusivamente pelo sexo e o gênero masculinos e transcenda realmente os sexos. Ao mesmo tempo, criou uma técnica das mais difíceis – clássica e contemporânea reunidas – que ela mesma qualificava de “viril”[7], a partir de um corpo especificamente feminino. A contração, que é a base de sua técnica, origina-se na bacia, mais precisamente, segundo Martha Graham, na vagina, o que pode no mínimo parecer paradoxal para gestos viris[8]. Mas este “viril” do gesto – dirigido contra toda uma mitologia da feminilidade artificial –,  expressando uma energia poderosa, é revelador das possibilidades da dança das mulheres[9].

Estas estratégias foram implementadas e contribuíram para modificar certos esquemas. Graças a Martha Graham, entre outras, o que permanece ainda um objetivo utópico em outros campos de criação, sejam eles quais forem, tornou-se realidade no que diz respeito à dança: as mulheres são referência, e isso também para os homens, não apenas como intérpretes, mas como criadoras.

Nossa posição de crítica feminista não é simples, principalmente face às criações do início da dança moderna. Podemos olhar hoje estas produções com desconfiança, como partícipes de um essencialismo mantenedor do sistema de representações sexistas, logo, da dominação masculina[10]. Todavia, não se deve assim considera-las, como o fazemos com as obras contemporâneas, mas é preciso revê-las em seu contexto histórico, simplesmente como um momento necessário[11].

Parece-me difícil qualificar estas estratégias com os instrumentos conceituais de nossas reflexões feministas do início do século XXI, sem levar em conta a historicidade e o imenso caminho percorrido para que as mulheres passassem de uma “consciência feminina” a uma “consciência mulher” e, em seguida, a uma “consciência feminista”. Hoje ainda, neste imaginário que permanece androcêntrico, numerosas mulheres e artistas são levadas a um caminhar individual ao longo de seu desenvolvimento pessoal e artístico, para se construir, se reeducar, buscando seus materiais, modelos e os processos para monta-los fora dos valores hierárquicos. Existe, é claro, o perigo de ficar neste estágio como em uma armadilha: a tentação em aceitar como naturais, ou mesmo de reivindicar imagens e espaços que na realidade são impostos, ou imagens e espaços de exclusão,  aceitando um papel concebido em uma relação de dominação.

 Nisto reside uma primeira estratégia para tentar resolver o problema: uma mulher pode representar o universal, pode ser ao mesmo tempo singular? Uma afirmação de um “ser mulher” representativo do “ser humano”? Podemos também escolher uma tentativa de suprimir, de obscurecer a percepção de sexo e de gênero. Na medida em que o pertencimento ao sexo feminino não é mais perceptível, suprime-se a questão em lugar de resolve-la, e isto de forma individual e para uma ocasião precisa. Mas isto contribuiria para uma resolução mais ampla, para modificação dos quadros engendrados por uma assimetria de base, para a supressão dos paradoxos? Todo um movimento, englobando a dança e a pesquisa na dinâmica das teorias pós-modernas, o afirma. É toda a questão da “androginia”.

3)                 O mito contemporâneo da androginia

Em um contexto político influenciado pelos movimentos de esquerda, anti-racistas, feministas, a dança dos anos 70, principalmente nos Estados Unidos, substituía a questão da diferença dos sexos, a dos gêneros. Seu ideal é o dos corpos os mais “neutros” possíveis, corpos objetivos, que sejam “signos”[12]. Trata-se ainda, como dizem hoje muitas/os coreógrafas/os daquela época, de uma etapa[13]. Esta concepção confronta-se a diferentes problemas. Por um lado, a necessidade de sempre buscar uma maior “neutralidade” do corpo conduz a leva-lo para uma desincorporação cada vez maior, apagando neste trajeto toda singularidade específica do vivido, para chegar a esta constatação: o corpo encarnado não é uma máquina. "In all the years, all the good times of my work as choreographer, I've tried to insist that the body is objective, pure material for dance. But now I have to pass on that one; nowaday I have to conclude that isn't so. The construction of the human body is not the best design for objectivity ", sublinha Trisha Brown[14]. Por outro lado, o olhar espectador não é neutro e está condicionado a procurar, perceber e interpretar uma diferença sexuada, antes de qualquer parâmetro. Enfim, devemos nos interrogar a respeito dos critérios que permitem afirmar que tal ou tal corpo dançando é andrógino, das condições de realização desta androginia, da possibilidade de realizar uma androginia que não consagre, na realidade, o primado do gênero dominante, do gênero masculino, ancorado em nossas construções mentais e sociais. Além de uma interrogação sobre os gêneros e os sexos como dados independentes, deve-se considera-los na dinâmica das relações sociais de sexo, que se articula à das relações de dominação e hierarquia.

Hoje ainda,uma ilusão de corpo neutro é mantida na dança e seus discursos, a ilusão de um corpo andrógino e sobretudo de um corpo situado além do dualismo entre os sexos, independente das relações sociais de sexo (Klein, 1998 : 193).

Esta concepção exige algumas observações:

1) Os corpos qualificados como andróginos, como sublinha Grabiele Klein, são corpos “apresentados como sexualmente neutros, isto é, ‘liberados’ de atribuições específicas aos sexos, sem ambigüidade. [...] nada na mise en scène remete à uma construção binária dos sexos”(Klein, 1998: 193). Constata-se que a questão é da “apresentação”, da “mise en scène”. Permanecemos no domínio das aparências: encenar não é encarnar. Ora, a dança trabalha outras dimensões além das puras representações, seria necessário levar em conta a motricidade, o movimento por si mesmo, as relações com o espaço, o tempo, o sentido... e ao poder que é assim tecido.

2) Estes corpos andróginos – principalmente em Mercê Cunningham, que serve freqüentemente de referência a este respeito – são com freqüência corpos que não exibem atributos de feminitude, tanto social quanto biológica: corpos sem seios, cabelos curtos. O que corresponde ao corpo masculino e ao corpo feminino, amputados de sua sexuação. O feminino continua no sexuado, o masculino permanece o neutro.

3) A condição de realização da androginia parece ser a dessexualização dos corpos, a  dessexualização propriamente dita. Somente a assexualidade permitiria o apagamento dos gêneros. Androginia e assexuação tornam-se assim, sinônimos e androginia signficaria o apagamento dos gêneros.

4) Esta concepção negligencia a dimensão política das relações sociais de sexo. Tudo se passa como se os gêneros, reduzidos à aparência e ao comportamento, funcionassem independentemente das relações de poder entre os sexos, fora de construções culturais, históricas e sociais. Como sublinha Gabriele Klein “estes coreógrafos [Merce Cunningham, William Forsythe ou Jérôme Bel] não dão nenhuma importância às diferenças entre os sexos e estas diferenças são ainda menos abordadas como um problema social ou psíquico” (Klein, 1998 : 191). Não pretendemos criticá-los por esta escolha. Mas contestar a idéia que teriam contribuído a resolver um problema... que afinal nem foi colocado. Com efeito, a visão ideal de um corpo andrógino na dança contemporânea resolve apenas questões colocadas pelo dualismo dos gêneros e dos sexos e implicitamente pela dominação masculina, as hierarquias. Assim, permanece a ilusão de haver deixado para trás problemas que permanecem atuais, na dança e alhures.

 O corpo andrógino assexuado e dessexualizado, “não carregando atributos da feminitude”, permanece do gênero masculino e surge como a representação do corpo neutro, universal. Corresponde à terceira modalidade da androginia, definida por Fabio Lorenzi-Cioldi (1994)[15] como o angelismo, que mantém, tanto quanto as outras duas modalidades, o primado do sexo masculino e coloca a androginia como uma escolha pessoal, independente do contexto cultural e social, da percepção do outro e das impregnações cognitivas precoces.Com a pretensão de permanecer exterior às categorias de sexo, esta androginia funda-se sobre as mesmas categorizações. A androginia poderia assim ser “uma norma identitária ocidental e masculina” (Lorenzi-Cioldi, 1994 : 179).

Isto deixa duas questões sem resposta: seria possível, apesar de tudo, abandonar o dualismo hierarquizado entre os sexos independentemente das encenações externas, sem para isto  dessexualizar os corpos ou assimilar a neutralidade ou androginia ao masculino? Talvez, mas certamente não no estado atual das coisas. Etapas intermediárias são necessárias para criar outras referências, outros modos de entendimento. Como chegar a isto? Que trajetos tomar? A “androginia”, apesar de suas ambigüidades, é talvez uma das etapas possíveis, mas neste momento não representa a resolução dos paradoxos e aporias engendradas pela hierarquização dos gêneros. Além dos modos de representação dos gêneros, que podem variar de maneiras diversas, é a questão dos gêneros articulando-se às relações de poder – mesmo que dissimulem a realidade – o que realmente importa.

Como concluir?

Como vimos, este trabalho propõe questões e poucas respostas satisfatórias. Longe de haver desaparecido, os paradoxos e aporias subsistem, muitas vezes dissimulados por uma recomposição de gêneros e de representações.

 O gênero é uma temática que está na moda na dança francesa, já utilizado há muitos anos em outros países europeus (principalmente na Alemanha) e na América do Norte, onde a pesquisa na dança é muitas vezes influenciada pelas teorias pós-modernas e queer, que levam raramente em conta a realidade das relações sociais de sexo. Na França, representações e discursos sobre este tema são realizações quase exclusivas de homens e, na maior parte dos casos, reforçam a assimetria constitutiva das relações entre os sexos, deixando de situar a masculinidade em uma dinâmica e um sistema de relações de poder.

Há alguns anos, coreografias sobre o tema da masculinidade se multiplicam. Masculinidade freqüentemente vista – paradoxalmente – como uma essência, uma natureza à qual os homens podem, entretanto, dar conteúdos, da extrema virilidade ao travestimento camp – a nova masculinidade assimilando então a feminilidade patriarcal. As mulheres tratam muito pouco o gênero. Esta desigualdade de interesses não provém de um menor questionamento feito pelas mulheres, de uma censura ou autocensura, mas do fato que, como sublinham Anne-Marie Daune-Richard e Marie-Claude Hurtig (1995 :432),  as relações entre as mulheres e seu gênero são muito mais complexas que as dos homens, já que o modelo da pessoa humana está indexado ao modelo masculino.

Em nossas vivências de artistas e pesquisadoras e face às dificuldades encontradas, encontramos os problemas concretos das estratégias. Como aquele – sempre atual – que consiste em escolher entre a manutenção de uma dicotomia dos sexos que re-valorize o termo feminino e a adoção de uma neutralidade, de uma androginia que se revela ilusória. Estaríamos erradas em querer opor sistematicamente estas estratégias. Com certeza, a primeira pode significar um retorno puro e simples ao essencialismo e a segunda a consagração do masculino, negando a realidade das relações sociais de sexo e a assimetria que ela inscreve, ambas contribuindo a perpetuar um sistema de dominação. Mas ambas, igualmente, podem ter como resultado a modificação de nossas percepções e nossa compreensão do mundo, de liberar os  quadros  de estruturas que orientam e limitam nossos imaginários, se tal for sua finalidade implícita.

Afirmar uma sexuação no feminino que seja referência ou, inversamente, pretender uma neutralidade corporal válida e reconhecível universalmente são duas estratégias com suas limitações, práticas e teóricas. O que fazer? Refletir, problematizar, analisar, evidentemente, mas, sobretudo, agir.

 Neste agir, é necessário tomar consciência do que é veiculado, muitas vezes sem que se pretenda, sem, entretanto,  cair na autocensura, re-apropriando-se de um certo número de territórios. É preciso muitas vezes aceitar que as propostas sejam mal compreendidas, desviadas , parcialmente recuperadas, ou ainda excluídas, do que de escolher a abstenção.

 É um trabalho delicado de dosagem dos materiais e referências disponíveis. Tentar mudar ou suavizar nossos funcionamentos, abrir as molduras, mesmo pouco e imperfeitamente, dispondo de uma estreita margem, mas sabendo que é possível contribuir para sua ampliação. Operando sobre os imaginários, nosso e o do público, cria-se condições de possibilidade de uma revolução profunda de nossas estruturas de pensamento, revela-se sua necessidade, dá-se-lhe conteúdos, trajetos, meios. Para pensar/criar um mundo diferente, é preciso pensa-lo e vive-lo de maneira diferente. A dança é um território aberto para as utopias feministas.

Referências bibliográficas:

COLVILE, Georgiana M.M. 1996. "Filles d'Hélène, sœurs d'Alice : mythes de la femme surréaliste, mis(e) à nu par elle-même", Pensée mythique et surréalisme - Pleine Marge, n°7. Paris : Distribué par Harmonia Mundi, Arles, pp. 245-262.

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Dados biográficos

Hélène Marquié é doutora em estética, formada em biologia. Articula seu trabalho de pesquisa feminista na dança com uma prática profissional de coreógrafa e dançarina e uma prática militante, sobretudo na Maison des Femmes, em Paris. Sua tese versou sobre as artes plásticas e a dança. Atualmente trabalha no laboratório de etnocenologia na Maison des Sciences de l'Homme de Paris Nord. Sua pesquisa refere-se aos corpos e aos imaginários, às representações e práticas, às relações sociais no meio da dança, à construção dos corpos e gêneros, bem como à recomposição atual dos gêneros e às formas de dominação masculinas.



[1] Texto de uma comunicação apresentada no âmbito do atelier  « Culture et rapports sociaux de sexe », no Colloque International de la Recherche Féministe Francophone, Toulouse, 17-22 septembre 2002

[2] Quando ele encontra Nadja, mulher-criança, vinda de um país e de uma cultura diferentes, Naddja que se encontra no limite da loucura,, André Breton consegue reconhecer o mito encarnado. Mas deixará esta encarnação internada no asilo

[3] Penso, em particular, em nossa época, nos filósofos pós-modernos : o “ornar-se mulher” de Deleuze, o feminino de  Derrida, são metáforas para exprimir um tornar-se outro, ou a “ diferença”.

[4] MALLARME Stéphane, "Crayonné au théâtre", Divagations, NRF, Gallimard/Poésie. Paris. 1997, pp. 192-193.

[5] Assim, pode-se ler em várias obras que não há erotismo nas mulheres pintoras surrealistas, simplesmente porque não se manifesta da maneira estabelecida...pelos homens.

[6] Encontramos tais trajetórias dos movimentos artísticos e feministas dos anos 70-80. Assistimeos então à uma verdadeira explosão de figuras femininas positivas, de Grandes Deusas, de representações  de corpos femininos, de uma busca do “ ser mulher", de uma reivindicação de todas as especificidades naturais ou culturais das mulheres que foram desprezaddas ( da mentruação ao bordado)

[7] "Virile gestures are evocative of the only true beauty" escreve ela, por exemplo, em 1928. "Os gestos viris são evocadores da única verdadeira beleza". Citado por Mark FRANKO (1995 : 43).

[8] O que levou um de seus dançarinos,, Robert Cohan, a afirmar que a  Compagnie Graham era a única companhia onde os homens sofriam uma inveja da vagina.

[9]Até 1938, a companhia era excluisvamente feminina

[10] Note-se que a obra de Martha Graham é muito mais severamente julgada pela crítica contemporânea (sobretudo francesa) em sua revalorização dos personagems femininos, julgada essencialista, simplista e ultrapassada,que a de Mary Wigman, que estava impregnada de uma ideologia bastante reacionária neste campo: apologia da mãe e da esposa, em um contexto de propaganda nazista.

[11]Assim a artista plástica Judy Chicago escreve no início de sua carreira no fim dos anos 60 : «  Na época, uma percepção , mesmo simplista da relação entre minha feminitude e minha arte parecia preferável à uma percepção inesitente" Citado emn Women Artists - Femmes artistes du XXe et XXIe siècle. GROSENICK Uta (Dir.). 2001. Köln : Taschen, p. 78.

[12] "O corpo não é um objeto. Mas podemos torna-lo, mais ou menos, signo. Era um ideal a ser atingido." Diz, por exemplo Yvonne RAINER, acrescentando que ela queria, à época, «  abdicar de sua personalidade”. Danser n° 214, octobre 2002, p. 8.

[13] "Eu descrevo-lhes um  p´rocesso que devia acontecer em um certo momento ,  que era necessário", diz Yvonne RAINER. Danser n° 214, octobre 2002, p. 8.

[14] Trisha BROWN entrevista com Edith Boxberger, "Der Körper ist nicht nur Objektivität", Ballet international/ Tanz aktuell, février 1997, p. 25.

[15] As primeiras duas modalidades  de androginia repertoriadas pela autora são : 1) presença simultânea de masculinidade e de feminilidade que podem ser distinguidas ( em alternância) 2) fusão da masculinidade e da feminilidade ) mulher e homem). Elas preservam a especificidade do feminino e do masculino, logo, sua legitimidade enquanto construção. “ Pressupõem a existência e a aceitação tácita “ (p. 74) destas qualidades  e assim reforçam paradoxalmente a “ representação de uma sociedade sexuada… e sexista" (p. 74). A terceira forma refere-se ao “angelismo “ assexuado – nem mulher, nem homem  (Lorenzi-Cioldi, 1994)

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número 3, janeiro/ julho 2003