Labrys As mutilações genitais femininas : estado atual na África [1] Fatou Sow Tradução: tania navarro swain Resumo: As mutilações genitais femininas aparecem com frequencia nas manchetes dos jornais africanos. Ousmane Sembène, escritor e cineasta de renome, consagrou-lhes um filme “Moolaldé”, cuja ação se passa no Burkina Faso, coroado pelo premio do Festival internacional do cinema em Cannes, em maio de 2004. A comunidade africana comemorou, no dia 12 de fevereiro 2004 o Dia pela Abolição das Mutilações Genitais Femininas, sem grandes alardes. Como se já houvéssemos falado o suficiente a este respeito: passemos a outras questões. É verdade que os debates exaltados dos últimos 20 anos sobre estas práticas e outras, afetando a saúde da mãe e da criança, conseguiram o estabelecimento de uma legislação específica; o Protocolo dos Direitos das Mulheres foi sua mais recente conquista, adicionado à Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, votado em Maputo, em julho de 2003. A ratificação deste protocolo por quinze Estados foi suficiente para promulgar sua adoção em nível continental. Palavras-chave: mutilações genitais femininas, África, legislação, abolição. Introdução Por ocasião dos debates acirrados das grandes conferencias,
foram 1. Mutilações genitais femininas:
a Os primeiros “processos judiciários” sobre a Em seguida, ao longo dos anos, os juízes pronunciaram
sentenças de A Itália, pela magnitude das comunidades originárias, Os únicos países a 2. As mutilações genitais femininas: as práticas africanas. Estima-se que haja 115 milhões de mulheres no mundo sofreram
mutilações genitais: clitoridictomia ou infibulação. (Rapport Hosken,
1993). Estas práticas são comuns em 28 países africanos, com costumes
diferentes de uma região Na África, a Estas práticas podem Milhões de casos de excisão são decididos contra a vontade
de mãe ou dos pais, por um dos cônjuges, pela avó, pela tia paterna
ou qualquer Em certas culturas, como na Mauritânia, as mulheres não
excisadas não podem Nota-se, entretanto, uma diminuição sensível das práticas
nas comunidades protestantes (70%), ligadas à 3. As lutas contra as mutilações genitais femininas As condenações das MGF são cada vez, porém, maiores, da
parte das africanas elas mesmas. Organizações locais e regionais emergiram
no fim dos anos 1970, com níveis de consciência, de As práticas mutilantes, qualificadas de “ nefastas”,
estavam associadas à outros costumes condenáveis do Esta Foi em Nairobi (1985) que se iniciou o diálogo, colocando-se
paralelamente, ou em oposição, os diferentes argumentos avançados em nome
da cultura, da religião ou dos direitos das mulheres. As campanhas, a
princípio discretas, depois cada vez mais virulentas em prol de sua Muitas questões aí foram levantadas: pode-se Dez anos mais tarde, na conferencia de Beijing (1995)
uma nova etapa é marcada no É o direito Hoje, a maioria das ativistas africanas recusa o conceito de “ circuncisão feminina”, em nome do respeito da integridade de seus corpos, de sua sexualidade e de sua fecundidade, pelo homens e pela comunidade. Para refutar os argumentos étnicos e identitários, colocam a ênfase, por um lado, que o controle do corpos das mulheres existe em todas as culturas, inclusive as ocidentais e que, por outro, as mutilações não são específicas à África – elas são praticadas no Iêmen, Indonésia , Malásia e mais raramente na Índia e Paquistão. Se a problemática e análise mostraram uma evolução favorável à abolição e à criminalização do ato, a questão das estratégias para torná-las efetivas continua uma questão pendente. O contexto nacional e internacional oferece amplas possibilidades políticas e jurídicas, ainda insuficientemente exploradas pelas africanas. Todos os Estados tem, desde a independência, adotado a Declaração Universal dos direitos do homem ( 1940). Tem, em sua maioria, igualmente admitido e ratificado os princípios ditados pela Carta Internacional dos Direitos do Homem, a Carta Africana de direitos do homem e dos povos (1979). Estratégias, planos de ação e programas foram elaborados durante as conferencias maiores da Década das Nações Unidas para a Mulher, entre 75 e 1985 no México, Copenhague, Nairobi e Beijing, em 1995. Suas resoluções puderam ser aceitas, contestadas, negociadas, retocadas, postas entre aspas para expressar reservas, mas permanecem referencias incontornáveis, quando se fala de direitos das mulheres no mundo e na África. A última vitória neste nível foi a adoção, pela nova União Africana, em julho de 2003, de um Protocolo à Carta Africana de direitos do homem e dos povos, relativo aos direitos das mulheres. Em seu artigo 5, que trata da extinção de práticas nefastas, o Protocole estipula que: “ Os Estados interditam e condenam todas as formas de práticas nefastas que afetem negativamente os direitos humanos das mulheres e que são contrárias às normas internacionais. Os Estados devem tomar todas as medidas legislativas e outras, afim de erradicar estas práticas, principalmente: . sensibilizar todos os setores da sociedade sobre as práticas nefastas , através de campanhas e programas de informação, de educação formal e informal e de comunicação; . proibir, através de medidas legislativas, acompanhadas de sanções, todas as formas de mutilação genital feminina, a escarificação, a medicalização e a para-medicalização das mutilações genitais femininas e todas outras práticas nefastas; . promover o auxílio necessário às vítimas destas práticas nefastas, assegurando-lhes os serviços de base, tais como a saúde, a assistência jurídica, os conselhos, o enquadramento adequado, assim como a formação profissional, para permitir-lhes sua autonomia; . proteger as mulheres que correm o risco de sofrer estas práticas nefastas ou todas formas de violência, abuso e intolerância”. Existe, entretanto, um hiato imenso entre as decisões tomadas em nível internacional (Nações Unidas), como resultado das lutas das mulheres e a maneira de conceber e realizar ações nos países em questão, em primeiro lugar. Na maioria dos países africanos tocados pelas MGF, a recusa política de aplicar a legislação é evidente. Poucos Estados adotaram medida penais. O Sudão proibiu, desde 1946 a infibulação mais continua a autorizar a excisão como prática cultural. As duas intervenções são ainda praticadas. O mesmo acontece no Egito,onde a ablação do clitóris é aceita com o consentimento da mulher e a medicalização do ato. Após várias controvérsias sobre sua supressão, esta foi decretada em 1997, por decisão da justiça. O Gana tem uma lei, desde 1994, o Djibuti desde 1999, neste sentido. O Burkina Faso, onde as ameaças de excomunhão feitas pelas missões católicas permaneceram inúteis, votou sua abolição. Desde 1990, um comitê nacional de luta contra a prática da excisão criou estratégias de sensibilização, financiadas por instituições internacionais e várias Ongs ( palestras religiosas, emissões de rádio e televisão, imprensa, criação de comitês provinciais e de uma linha telefônica SOS Excisão). Ações de sensibilização foram também realizadas, com maior ou menor sucesso, segundo os países. Conduziram a resultados visíveis, entre os quais a liberdade de levantar a questão, sem chocar a opinião pública. Algumas comunidades, principalmente no Senegal, literalmente “ aposentaram a faca”, Hoje, 14 países africanos, entre os quais o Senegal, em janeiro 1999 adotaram uma legislação para proibir as MGF, estabelecendo penas para seus autores.Pode-se igualmente citar a Costa do Marfim e o Togo (1998), o Benin em 2003. Não há ainda uma lei no Camarões, na Mauritânia, no Mali, etc. Não há uma lei específica; as queixas podem utilizar o Código penal. Em tais circunstancias, ainda não fora registrada nenhuma queixa, enquanto a prática permanece. O chefe do Estado da Gâmbia, Yayyah Jammeh ameaça periodicamente as associações femininas que realizam campanhas de sensibilização contra esta prática. Temos razão de , também, nos inquietar, quando um ginecologista estrangeiro, que trabalha em Florença, oferece, há vários anos, às mães africanas que o desejem, uma versão “light” da infibulação e da excisão. Esta operação, que não apresentaria nenhum risco médico, teria o beneplácito das autoridades italianas, o que levantou vivos protestos das associações femininas e de ONGs, tais como AIDOS, que participaram da campanha “STOP Mgf” . Face à persistência das MGF, um apelo internacional “Stop MGF” foi lançado em dezembro 2002, enquanto que Comitê interafricano de luta contra as práticas afetando a saúde da mãe e da criança iniciava em fevereiro 2003, em Addis-Abeba, uma campanha “Tolerância Zero” , sob a égide das esposas dos chefes de Estado africanos e algumas personalidades de destaque na cena internacional e com o apoio da União Européia. Enfim, em junho 2003, realizou-se uma consulta de experts afro-arabes, relativa às “ Normas Legislativas para a prevenção das Mutilações Genitais Femininas” . Esta reunião, da qual participei, contava com a presença de Suzanne Mubarak, esposa do presidente egípcio e de altas autoridades religiosas do país, tais como Shaikh Mohammed Sayed Tantawy e os representantes do Grand Sheikh de Al-Azhar, e do Pape Shenouda III, Patriarca de Alexandria e do Siège de St. Marc. Afirmaram, na ocasião, que nenhum preceito religioso nem do Islã, nem do cristianismo, justificava a prática das MGF. Este encontro, do qual participavam igualmente a equipe de RAINBO, com o dr. Nahid Toubia , além de Ongs e associações femininas africanas e européias, permitiu o diálogo e a troca de informações e de pontos de vista sobre os meios e os instrumentos legislativos mais apropriados para prevenir e eliminar progressivamente as MGF no mundo todo. No fim deste encontro, foi publicada uma Declaração ( mais uma) do Cairo para a eliminação das MGF (23 de junho de 2003). Foi exposta, neste encontro, a imensa tarefa que representa a abolição definitiva das MGF, mas sobretudo, passou-se a falar da sexualidade feminina em termos de direito, liberdade e prazer. Conclusão Foi necessário um discurso radical que chocasse as consciências coletivas e questionassem os valores seculares, para que fossem suscetíveis de iniciativas sempre “ prudentes”. É evidente que nse pode mais, hoje, contentar-se com a evocação das mutilações genitais femininas em termos de saúde pública. No fim do século XX, as reivindicações das mulheres se exprimem em termos de direitos: direitos de acesso à igualdade, à liberdade, à saúde, à educação, à obtenção de renda, ao poder político. O direito ao controle do corpo e da sexualidade parte do mesmo princípio. Somente a lei poderá trazer o respeito a estes direitos. Assim, é preciso colocar a lei à disposição das mulheres. Às pessoas que se inquietam sobre a perda da identidade feminina com o desaparecimento do processo de socialização e das práticas rituais, tais como a excisão, quero afirmar minha recusa de conceber uma identidade fundada na opressão e na dominação. A identidade é um ideal que se constrói. As africanas podem construir-se por elas mesmas. Referências: Abdalla, Raqiyah Hadj Dualeh. Sisters in Affliction : Circumcision and Infibulation in Africa, London, Zed Press, 1982. 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Contribuiu aos debates sobre a saúde, a sexualidade, as atividades econômicas e políticas e os direitos das mulheres na África. [1] Os dadps deste artigo são oriundos de duas publicações:« Mutilations génitales féminines et droits humains », in « Gender revisited », Fatou Sow Ed., Africa Development / Afrique Développement, Vol. XXII,1998, pp. 13-35 e « Femmes d'Afrique », N° spécial de la revue Clio, Histoire, Femmes et Sociétés, N° 6/1997, pp. 180-185, Presses universitaires du Mirail, Toulouse (France). Foram atualizados para levar em conta a legislação recente. [2]A este respeito, ler dois textos recentes que estudam o estado atual das práticas e das legislações em vigor :: Smith, Jacqueline.Visions ans discussions on genital mutilation of girls. An international survey, Defence for Children International, Section The Netherlands, Amsterdam, May 1995. – « Popline documentation concerning female genital mutilation » Population Information Program, Center for communication programs, John Hopkins School of Public Health, Baltimore, updated February 1977. [3]A Suécia abriga comunidades da Somália, Eritréia, Eti[opia, Nigéria, Gana e Gâmbia. A pena máxima é de 2 anos de prisão. (Smith, 1995:170). [4]A Prohibition of Female Circumcision Act (16 julho 1985) prevê uma pena máxima de 5 anos de prisão fechada. Em 1989, a Children Act reforça esta medida. Desde então, campnahas maçicas foram realizadas por grupos britanicos e da diáspora africana para tornar as mutilações geniatias femininas um viollação dos direitos humanos e uma violência contra as meninas (Smith, 1995:174) [5] O Canadá foi o primeiro Estado a dar asilo às mulheres sob a alegação de violências sexistas tais como as MGF (mars 1994).
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