labrys, études
féministes/ estudos feministas Retecendo o lugar da natureza em poemas de autoras Contemporâneas Izabel F. O. Brandão
Resumo Este artigo examina a produção literária de duas autoras, a brasileira Arriete Vilela e a caribenha Grace Nichols, com o objetivo de mostrar a forma como elas tratam questões relativas ao espaço/ lugar da natureza, entendendo esse conceito através da ecocrítica, do feminismo e de outras leituras interdisciplinares. Os poemas dessas autoras apresentam uma leitura da natureza, que envolve interconexões entre humanos e não humanos, numa relação que pode ser vista como harmônica e/ou conflituosa.
1. Literatur e natureza: o lugar dos laços teóricos Este artigo começa com uma pergunta: qual a relação entre a literatura e a natureza? Caso estivéssemos lendo um livro fora do espaço virtual no qual este estudo se localiza, a primeira resposta estaria na página impressa à nossa frente. Quantas árvores foram necessárias para o processo de produção de papel se efetivar? Logo, a conexão se estabelece e pensamos no desmatamento das florestas, ou podemos pensar na chamada exploração sustentável da natureza, que se utiliza de reflorestamentos para a produção de celulose. Assim, diante de nossos olhos está um livro que pode estar colaborando para a destruição da natureza ou um livro que escapa dessa condição. Esse é um dos muitos questionamentos postos pela ecocrítica, um ramo da crítica literária contemporânea que vem renovando os ares da pesquisa acadêmica na literatura há pelo menos quase duas décadas. Um dos críticos cuja reflexão sobre a importância dessa discussão inspirou o início deste artigo é Glen Love, em seu livro Practical Ecocriticism, publicado em 2003 e ainda sem tradução par o português Par ele, o ensino da literatura e a pesquisa na área são atividades culturais que se inserem no contexto da biosfera, “a parte da terra e de sua atmosfera na qual a vida existe” (Love:2003:16). Então, existe uma relação direta entre a literatura, a natureza e a ecocrítica, que extrapola o papel impresso na página que lemos. Essa percepção traduz um diálogo implícito entre o texto literário e o ambiente que nos circunda. Mas há obstáculos, pois “A ecocrítica desenvolve-se como uma resposta crítica explícita a esse diálogo não ouvido, numa tentativ de levá-la a um nível mais elevado de consciência humana” (Love:2003:16). Não é possível o estudo e o ensino da literatura deixarem de lado a referência “às condições naturais do mundo e dos princípios ecológicos básicos que são a base da vida” (Love: 2003, p.16). Se isso ocorre, o descaso é “altamente míope e incongruente” (Love:2003:16). Esse é o mesmo raciocínio de ecofeministas como Diamond e Orestein (1990), Gaard e Murphy (1998) e outros ecocríticos/as como Glotfelty e Fromm (1996), que defendem a interconexão entre as mais diversas áreas do conhecimento, afinal, tudo na natureza é interligado, conforme nos ensina a ecologia. Ao definirem ecofeminismo, Diamond e Orestein falam no “retecimento de novas histórias que reconheçam a diversidade biológica e cultural que sustenta a vida” (apud Gaard & Murphy:1988:2). Entretanto, essa renovação teórica no espaço da literatura é relativamente recente e, por mais que possamos dizer que ela vem crescendo em países do primeiro mundo, no Brasil, esse crescimento é ainda muito parcial. Restringe-se a pesquisadoras na área da literatura, como Angélica Soares, professora da UFRJ, que foi uma das pioneiras no trato com a ecologia em suas relações com a literatura. Desde o início dos anos noventa que ela vem buscando estabelecer essas relações, tendo já publicado em 92, o livro Ecologia e literatura, por ela organizado, a partir da Eco 92, conferência mundial sobre o meio ambiente, ocorrida no Rio de Janeiro, naquele ano. Posteriormente, Soares também publicou A paixão emancipatória (1999), sobre poesia de autoria feminina e um dos capítulos do livro trata especificamente desta relação (Brandão:2003 e 2006). Este artigo coloca-se como uma possível contribuição para essa renovação teórico crítica. Desde 2002 que venho pesquisando na área e desenvolvendo alguns trabalhos de pesquisa cujo norte teórico parte do feminismo em diálogo com outras vertentes críticas interdisciplinares, como a ecocrítica, o ecofeminismo, bem como com autores cujas percepções são compatíveis, como Foucault, Bachelard, Augé, entre outros. Esse foco na interdisciplinaridade tem sido bastante reforçado dentro do feminismo, conforme nos ensina Cláudia L. Costa e Simone Schmidt (2004) e isso se consolida também como parte sine qua non da ecocrítica, pois nenhuma área pode afirmar-se como passível de dar conta de todas as nuances do conhecimento (cf. Glotfelty e Fromm [1996]). Love argumenta, nesse sentido, sobre estudiosos/as da literatura, “que, em sua maioria, permanecem ao lado da barreira do cientista-humanista, limitando seu foco à metáfora e à linguagem e ignorando as excitantes oportunidades interdisciplinares” (Love:2003:32). A segunda pergunta que se impõe neste artigo é de que forma a natureza vem sendo tratada na literatura contemporânea? Love responde a partir da poesia: Uma onda de poesia da nova natureza tem sido a resposta à era da ecologia, assim como o conceito de uma natureza inexaurível e constante é substituído por outro de vulnerabilidade e de reconhecimento de que nossa identidade cultural repousa inquietantemente sobre profundas responsabilidades (Love:2003:33). Se tal questão está sendo tratada dessa forma na nossa literatura é ainda uma pergunta a ser respondida através de pesquisas. O que se pode dizer, no entanto, é que a literatura, de modo geral, busca dar respostas a questionamentos que são provocados pela natureza, seja ela a natureza humana ou a não humana, da qual todos nós fazemos parte. No caso da poesia de autoria feminina, as duas poetas selecionadas para este artigo, Arriete Vilela e Grace Nichols, uma brasileira e outra caribenha, percebem a natureza de modo bastante crítico e enlaçam humano e não humano através de um nó de continuidade revelador da interconexão dos seres, como veremos. 2. A poesia de Arriete Vilela: diálogos com a natureza Arriete Vilela é alagoana de Marechal Deodoro (Brandão:2007). Dona de um estilo marcado pela preocupação com a palavra, com a exatidão do que se pode dela extrair, retirando os adornos, os fitilhos e as sobras, Arriete Vilela estabeleceu-se como escritora em Alagoas, tornou sua obra conhecida e estudada e, em 2005, lançou-se no mercado nacional, a partir da publicação do seu primeiro “romance”, pela editora Gryphos. Lãs ao vento, recentemente premiado pela Academia Feminina Mineira de Letras com o Prêmio Internacional de Literatura Brasil-América Hispânica, é uma narrativa em prosa, mas dá continuidade ao esforço poético da escritora em permanecer trabalhando hibridamente através de narrativas que beiram a poesia e se situam num limiar muito tênue entre um gênero e outro. Para este artigo selecionei poemas que pudessem representar a escritora/poeta na chamada ‘escrita da natureza’, de conformidade com o exposto anteriormente. A poesia de Arriete Vilela faz uso de imagens e metáforas relativas à natureza e o termo aqui indica não apenas a natureza externa ao ser. É também a natureza desse ser cuja interligação com o mundo exterior a ele existe e não pode ser desconsiderada. Essa é uma das leis precípuas da ecologia, conforme nos ensina Rueckert (1972) sobre a interconexão de todas as coisas na natureza. Para a poeta alagoana, a presença do mundo natural indica
um grau de intimidade que pode ser qualificado como maior ou menor, a
As imagens também desvelam a natureza interior do ser humano, que se mostra através de elementos próprios à vivência de uma criança e sua infância, cuja memória vem à tona no poema insinuando cheiros, ou segredos guardados em caixas de sapato, de onde as lembranças saltam. Essa ligação pode também surgir a partir da intimação da palavra e da paixão e, aqui, nesse particular, a poeta mostra seu lado mais sedutor por traçar na linguagem ecos da relação amorosa no que esta tem de melhor ou de pior. Pensando nessas tão múltiplas instâncias poéticas, os poemas selecionados marcam, se não uma continuidade propriamente dita, a luxuriante relação do ser com o mundo natural criando uma “biodiversidade” através da luta com (ou contra) a palavra. A rede do anjo, publicado em 1992, é o segundo livro de poesia de Arriete Vilela, pois considero 15 poemas de Arriete (1974) como sendo o primeiro. Os poemas são curtos em sua maioria e tratam, entre outros temas, da busca da palavra que define a alma, tema que passa a ser quase uma obsessão na obra da escritora. Em Lãs ao vento, a palavra torna-se personagem e conquista um corpo. Se retomarmos Fantasia e avesso, de 1986, e que é o carro-chefe da narrativa em prosa da escritora, a palavra é o corpo do livro, mas seu contexto, se relacionado ao “romance” de 2005, tem uma conotação diversa (Brandão:2001). Aqui ela convoca leitores/leitoras a um íntimo encontro onde se despirá de suas defesas a fim de permitir um mergulho no conhecimento de si, sem o auxílio “das miudezas/ dos fitilhos/ das sinhaninhas”. Com a alma assim destituída de (...) adornos podes enfim conhecê-la. (Poema nº 7) É possível observar, a partir desses versos, a tentativa bem sucedida da poeta de fazer uso de uma linguagem enxuta e são poemas como esse que constituem o corpo de A rede do anjo. Há no livro outros poemas, cujo número de versos é maior, que são mais longos, mas mesmo assim, a linguagem é limpa e clara, tornando a leitura ágil e rápida. É só no retomar dos versos que podemos perceber a preciosidade do sentido exposto na econômica linguagem de Arriete Vilela. Os poemas de A rede do anjo não são nomeados. Isso é um dado recorrente nos livros de Arriete. Essa provocação de anonimidade pode ser entendida como uma tentativa de dificultar a busca de sentido, pois, compreendendo que só nomeamos o que conhecemos, o que envolve um filtro de afetividade (para o bem ou para o mal), o não nomear implica um certo distanciamento: os poemas são apenas número. Mera ilusão, pois o revelar do sentido independe disso, apesar do desejo posto. Talvez seja isso o que provoque “fraturas entre as palavras”, conforme nos diz Arriete em Vadios afetos, numa introdução poética ao livro, a guisa de uma “Ligeira conversa” da autora com seu/sua leitor/ leitora. Essas “fraturas” a deixam “com a incômoda sensação de ter levado uma rasteira dentro do meu próprio texto” (p.6). Essa “rasteira” é o que permite ao leitor/ à leitora compreender os tantos não-ditos do poema impresso na página, identificar-se com ele, ou renegá-lo como distante de si. O Poema nº 4 diz da necessidade da poeta (da sua persona poética) de estar sempre em constante busca dentro de si mesma com o objetivo de conhecer-se. A natureza interior – o estar dentro de si para tal conhecimento – é o necessário fator para uma “conferência” do ser: “confiro-me”. É no retorno dessa jornada que a natureza exterior surge para relatar de forma concreta o descoberto para os olhos que lêem a poeta: e quando emerjo, sou rochedo descobrindo-se com a baixa da maré. (grifos meus) “Rochedo” e “maré” são a form encontrada par demarcar sem abstrações o resultado da incursão dentro do ser. Para Bachelard, em seus estudos sobre a terra, elementos externos da terr apresentam uma poética da vontade, da imaginação extrovertida, em oposição a cavernas e labirintos, que implicam uma poética da intimidade. No caso de elementos da terra como a pedra, ou o rochedo, temos como busca presente a necessidade da resistênci da matéria: “Se no mundo dos símbolos a resistência é humana, no mundo da energia, a existência é material” (Bachelard:1991:16). Assim, Arriete Vilela busca na terra o reforço a seu desejo de resistência. A “maré baixa”, que deixa a descoberto o “rochedo”, mostra-o como uma imagem de defesa escondida do ser da poeta, que só vem à tona quando necessário. E no caso do poema, sua emergência surge do mergulho dentro do ser em busca do conhecimento que se apresenta como pedra, matéria da terra resistente. Assim, um poema sintético como o nº4 revela-se como uma imensa metáfora de força, calcada no mundo natural. Essa metáfora nada mais é do que uma “potência de criação que se multiplica” na imagem do rochedo que se deixa descobrir pela maré baixa. Há alguns anos atrás escrevi um ensaio sobre a poesia de Arriete Vilela que falava sobre a poética da agressão em O ócio dos anjos ignorados, de 1995 (ver Brandão:2001). Esse livro é, ainda, a meu ver, o cerne da obra em versos desta premiada alagoana de Marechal Deodoro, mesmo considerando a qualidade dos livros de poesia publicados anterior e posteriormente ao Ócio. Escolhi, desse livro, o Poema nº 31, porque a conexão com o mundo natural traz a temática da paixão voltada par a própria palavra, que se torna objeto do poema, ela é o ser amado transformado em comida e bebida. A palavra torna-se carapeba frita siri de coral e cerveja, uma saborosa combinação cuja degustação invoca as cores branca, do peixe, do energético laranja, do siri de coral, e o dourado tom da cerveja gelada, bebida, naturalmente, num cenário de rica beleza, às margens da lagoa “exibindo das baronesas/ a flor lilás”. Além disso, a aliteração do “r” presente na estrofe chama a voz ao riso, convidando o/a leitor/leitora à alegria de um momento descontraído em meio a uma bela paisagem. É bom ressaltar aqui que o ecofeminismo vê como um dos seus focos de estudo a temática do erótico. Gaard (1998) pergunta, por exemplo, como é que o erótico aparece no texto literário; ou qual o enfoque dado? No poema em questão, o erótico surge como uma força que impõe à palavra tornar-se o corpo da escrita e como tal, pode ser “comida”, “bebida”, “degustada”; é a palavra-peixe-siri-baronesa-flor lilás, que tonaliza o olhar da poeta levando-a a esse banquete poético. A cerveja-palavra, bebida às margens da lagoa, também se alimenta da cor verde, própria das baronesas que margeiam a lagoa e as flores comuns ao ambiente lacunar. Nesse poema, diferentemente de outros na obra da poeta, a natureza não se coloca como um espaço para a solidão e aquiescimento da paixão. Pelo contrário, a palavra cuida para que o amor por ela seja casual, cheio de bom humor e feliz, como uma paixão recém descoberta. Assim, ela se torna um delicioso prosaísmo temperado com gotas de limão pimenta malagueta e o desejo orgíaco da natureza em ti. Em síntese, o trato poético da palavra é como uma paixão-amor novinha em folha e o encontro com ela é a sedução que a leva a se tornar corpo amado, desejado “e o desejo orgíaco/da natureza/ em ti”, o “ti” naturalmente corporifica a natureza num ser de carne e osso. Arriete comunga harmonicamente com o mundo natural na sua busca de, homeopaticamente, curar-se. Um amor novo – “paixão livre” – torna-se o bálsamo –salsa e arnica – para curar as “sangraduras” do amor ido. E é bom observar que não é qualquer amor que cura: a salsa é selvagem e miudinha, isto é, condensada, para pensar as feridas do passado. Essa ligação com a natureza aqui é crucial para a poeta. O embate de Arriete Vilela com as palavras usa imagens do mundo material e natural conforme o estatuto do sentimento que ela convoca na construção do poema, na sua busca de harmonização e retecimento do conhecimento do ser. Essa luta é difícil, árdua, mas também prazerosa. É como um dia de sol, que tanto pode brilhar, aquecer quanto queimar. É uma luta drummondiana, conforme ela própria reconhece. Ou, em suas próprias palavras: “Esse embate semelha-se/ à uma caminhada à beira mar/ sem brisa/ sob o sol a pino” (Poema 65). 2.A poesia de Grace Nichols e a natureza no corpo A poesia de Nichols é ainda pouco conhecida no Brasil. Questões de raça, classe, gênero e linguagem são alguns dos matizes pelos quais ela pode ser lida. Para este artigo, filtrei apenas o poema “On Receiving a Jamaican Postcard”, pois, além da questão de raça e gênero, trata também de questões do corpo Brandão:2005), bem como outras relativas a tecnologia e outros suportes dentro do texto literário. Superficialmente o poema não trata de nada particularmente relacionado ao corpo. No entanto, leva o/a leitor/a a imaginar um espaço idealizado, quase um paraíso, onde qualquer casal pode descansar, dançar, deitar-se nas praias generosamente ensolaradas do Caribe, fazer amor (ou sexo) e ser entretido pelos “nativos” dançantes. colourful native entertainers dancing at de edge of de sea a man-an-woman combination choreographing de dream of de tourist industry Aqui, a visão idealizada transforma-se numa metáfora política: o país caribenho é, para a indústria do turismo, um lugar de “nativos” primitivos que estão prontos a servir o turista “colonial”. O “humor gentil” de que fala Gifford (1995:60) a respeito de Nichols é mais do que gentil no poema, uma vez que ela acidamente critica a visão colonialista do fotógrafo, que “fabrica” uma narrativa par servir à indústria colonizadora do turismo. Tudo é falso: da “man-an-woman combination” à dança coreografada.
A intenção é apenas satisfazer aos interesses comerciais de uma indústria
cujo propósito único é atrair o Par Gifford (1995:161), a ‘green voice’ de Nichols é “politizada, bem humorada e explora o que significa viver com a construção da natureza situada em dois lugares”. Essa dupla construção leva à ambivalência sentida pela poeta com o que vê no cartão postal da Jamaica. Como destinatária desse cartão postal, ela pode ser vista como aquela que deixou aquele país par viver noutro, marcando assim a diáspora (Ashcroft,Grifiths e Tiffin:1998). O sentimento de saudade pode ser visto de imediato nas terceira e quarta estrofes onde a poet usa a política de um inglês (“english” com “e” minúsculo mesmo) diferente a partir dos sons faltosos como o “th” que aparece no “de”: “an de sea so blue/ an de sky so blue/ an de sand gold fuh true” (grifo meu). É possível associar o anseio expresso na linguagem deste poema ao que foi denominado por E.K.Brathwaite, em 1979, como “linguagem da nação”, um uso político da linguagem do colonizador por povos que foram colonizados. Aqui Nichols demarca o seu “Território Existencial” (Soares: 1999), ou seja um lugar onde se é livre par usar a própria linguagem sem a interferência do colonizador. O mesmo sentimento pode ser visto em outros versos do poema: “wid” em lugar de “with”, “he” em lugar de “his”, “riddum” em lugar de “rhythm”, “lil mo” em lugar de “little more”, etc. Assim, a linguagem é também uma metáfora par a saudade sentida pela poeta da terra deixada par trás. Isso leva par a noção de resistênci, a partir do “corpo” da linguagem. Esse poema não é exatamente “pós-moderno”, mas é possível capturar na sua história narrada elementos oriundos da noção de fotografia como arte, que pode ser vista como prática social, mesmo se relacionada à venda de uma imagem por razões ideológicas ou mais obscuras. Par Connor (1989) pode haver presenç ou ausência de uma narrativa numa fotografia. Segundo ele, Burkin acredita haver numa fotografia todo um mundo na imagem: um mundo de causas, de “antes” e de “depois”, de “se” e de “então”, ou seja, “um mundo narrado” (Connor, 1992:83). Esse “mundo narrado” está implícito no poema em análise: é um mundo de onde se sente saudade (as palavras testemunham isso em seus sons trocados), mas também que se critica. O casal simboliza o objetivo subliminar da indústria turística, que é ‘conspirar’ para obter mais visitantes, e, como conseqüência, mais dinheiro. A conjunção natureza colonizada versus cultura colonizadora expõe a ferida aberta da herança de exploração colonial e da pobreza crônica dos países das Índias Ocidentais cujos “entretenedores nativos” aparecem como cartão de visita. A imagem nos mostra também que o fotógrafo foi bem sucedido ao revelar através do casal dançante “a smiling conspiracy/ to capture the dream of de tourist industry”. Esse sonho é de exploração (“Anything fuh de sake of de tourist industry/ Anything fuh de sake of de tourist industry) e apresenta mais implicações do que simplesmente a visão colonizadora de dois “nativos”: tanto “man-an-woman” estão também ali para mostrar seus corpos como commodities para serem vendidas junto com a paisagem. he staging a dance-prance head in red band beating he waist drum as it he want to drown she wid sound an yes, he muscle looking strong she a vision of frilly red back-backing to de riddum exposing she brown leg arcing like lil mo she will limbo into de sea (grifo meu) Por essa razão, os “natives” jamaicanos estão lá vendendo um sonho para o novo olhar neo-colonizador, que é definido pelo olho do fotógrafo. Essa é a narrativa implícita no cartão postal de Nichols: uma narrativa política que mostra a natureza humana e não humana sendo explorada duplamente, pois ele apresenta outra faceta da exploração que está no olho da indústria de marketing, cuja intenção é atrair os/as consumidores/as para viverem num mundo falso e idealizado. O remédio que Nichols traz para o corpo (incluindo o olho) é a resistência. Portanto, o poema nos ensina que a política da resistência parece ser a única saída na nossa sociedade de consumo globalizada. *** Para fechar este artigo, quero retomar as perguntas feitas no início: a relação entre literatura e natureza ocorre na medida em que não podemos separar o mundo da academia do mundo “real” como se a representação literária tivesse uma existência à parte. Vejo com Love (2003) o fato de que o ser humano é único na natureza em seu interesse pelas artes, onde a literatura se localiza. As questões postas através da ecocrítica, do ecofeminismo aproximam a problematização da natureza do corpo da escrita, da linguagem que constitui o texto literário. A escolha de autoras para uma ilustração foi pensada no sentido de que a literatura de autoria feminina contemporânea tem revelado a sua contribuição para a cultura de forma exemplar e, ideologicamente, demarcado o seu lugar de forma crítica, delicada, mas seguramente politizando o contexto de seus escritos em prosa e verso. O mundo natural surge em diálogo com o humano e nem sempre esse diálogo é harmônico, como pudemos perceber nos poemas examinados. Se Arriete Vilela, por um lado, mostra a alegria da relação palavra/natureza/paixão/conflito, explorando o cerne do ser humano como um espelho da natureza, apropriando-se de imagens exteriores para problematizar conflitos, Grace Nichols, por outro, politiza o debate nos seus versos, ao confrontar o desejo colonizador da cultura em manter o povo ex-colonizado numa condição de permanente exploração. Dessa forma, as duas poetas mostram a interconexão entre a natureza exterior e a natureza do ser humano em diálogo com o não humano, que interagem a partir da linguagem, corpo este através do qual os conflitos estão postos. Referências bibliográficas ALAIMO, Stacy. The Undomesticated Ground –– Recasting Nature as a Feminist Space. Ithaca and London: Cornell U 2000. ASCHROFT, B., GRIFFITHS, G. and TIFFIN, H. 1998.Key Concepts in Post-Colonial Studies. London and New York; Routledge, BACHELARD, Gaston. 1986 Lautrémont. Dallas: The Pegasus Foundation,[1939]. 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É representante de Letras na Comissão Técnica de Acompanhamento de Avaliação do INEP/ MEC e pesquisadora do CNPq.
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