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féministes/ estudos feministas Entre o desejo e a norma: as escritoras do Brasil [1] Margareth Rago Resumo: O texto discute a produção cultural de escritoras, artistas e cientistas no Brasil noBrasil, no início do século XX. Levanta os temas discutidos por algumas escritoras, como Carmem Dolores, Lola de Oliveira e Elisa Teixeira de Abreu. Destaca a questão do casamento, do amor, do adultério e do sexo. Situa as autoras em seu contexto e discute premissas teóricas para este tipo de pesquisa e análise.
Pesquisas relativamente recentes têm revelado a presença efetiva do antigo “sexo frágil”, em vários campos da vida social e cultural. Compensando um silêncio secular, não apenas na cultura brasileira, apontam para uma importante produção cultural das mulheres, marcada pela originalidade e sofisticação, nas artes, na literatura ou na ciência. Ao destacarem as enormes diferenças na maneira de pensar e agir que traz essa produção feminina, especialmente em relação às formas masculinas de interpretação, permitem afirmar a existência de uma cultura feminina (Simmel:1993:67) e, em certa medida feminista, isto é, visando à autonomia das mulheres, também no Brasil. Privilegio, nessa direção, as práticas discursivas de algumas escritoras brasileiras, muito pouco conhecidas até o presente momento, que encontraram, na escrita literária, espaço para a expressão de seu modo de pensar e um meio de participar das discussões que animavam a vida social e cultural de seu tempo, especialmente no que tange às questões relativas à moralidade social e à sexualidade. Debatendo temas de interesse social e nacional muito mais referidos ao campo da moral, do cotidiano e dos costumes; trazendo para a esfera pública temas considerados do domínio privado, a exemplo da sexualidade, do amor, do prazer, do casamento e da prostituição, essas mulheres fizeram-se ouvir e, de algum modo, interferiram nos rumos de construção do país. Deixaram, portanto, marcas de seus modos específicos de dramatização do crescimento urbano, da expansão industrial e da modernização dos costumes, nas primeiras décadas do século 20. Focalizo as representações femininas sobre a vida moderna expressas na criação literária, o que implica considerar os temas que essas escritoras elegeram como de seu interesse maior e que, como já sabemos, diferem em grande parte daqueles discutidos pelos homens. As tradicionais divisões entre os papéis sexuais e entre as esferas pública e privada, desde o século 19, impediram que determinados assuntos fossem abordados pelas mulheres, considerando-se rigidamente que eram problemas a serem discutidos e resolvidos pelos homens, enquanto outros, menos importantes, eram vistos como coisas de mulher. Não há como negar os efeitos individualizadores da crença nestas divisões binárias, que separaram tão rigidamente mulheres e homens, demarcando seus espaços sociais e geográficos, fundamentados em concepções biologizantes a respeito das diferenças de gênero. Não é mero acaso que nas primeiras universidades abertas à entrada das mulheres, na Inglaterra, no século 19, estas devessem freqüentar seus cursos apenas no horário da manhã, já que se acreditava que, à tarde, o frágil físico feminino exigia repouso, tranqüilidade e o aconchego do lar. Além do mais, conhecemos hoje os inúmeros manuais de "higiene sexual", elaborados pelos médicos do passado, que recomendavam leituras leves e inofensivas às moças, tidas como muito delicadas e vulneráveis tanto física, quanto intelectual e moralmente. Focalizo alguns dos temas privilegiados nessa literatura feminina produzida entre 1900-1932 aproximadamente, em especial, aqueles relativos à moral sexual. Falando de amor, casamento, adultério ou desejo sexual, os romances das três escritoras brasileiras aqui consideradas - Elisa Teixeira de Abreu, Carmen Dolores e Lola de Oliveira. – bem poderiam simbolizar três momentos distintos na constituição da subjetividade feminina moderna. Esses livros nos informam sobre a maneira como perceberam as transformações urbanas dos inícios do século passado, no país, como experimentaram o surgimento da figura da nova mulher, como viram as relações afetivas e sexuais, num momento em que as mulheres passavam a participar mais ativamente do espaço público e em que, paulatinamente, insubordinavam-se contra o antigo ideal de feminilidade difundido por suas avós. É recorrente, nesta produção literária, a crítica à figura da mulher tradicional, vista como passiva e submissa ao homem, assim como a valorização das mulheres independentes e determinadas, que passavam a incorporar as novas modas trazidas dos centros europeus ou norte-americanos, a usar maillots coloridos, a viajar sozinhas e a cuidar com maior autonomia de suas próprias vidas. Não é fácil obter informações sobre a biografia dessas romancistas, ao contrário do que costuma acontecer com os escritores do sexo forte. Aliás, na maioria das vezes, suas obras não se encontram nos arquivos públicos das cidades, mas em arquivos particulares de dedicados bibliófilos. Alguns dados, porém, foram encontrados no Dicionário de Autores Paulistas, de Luís Correia de Melo. Elisa Teixeira de Abreu nasceu em Silveiras, em São Paulo, em 1874. Diplomou-se em 1890, pela Escola Normal Secundária de S. Paulo; exerceu o magistério público e colaborou em várias revistas e jornais desse Estado. Poetisa e romancista, é autora do romance A Viúva Barros, publicado em 1900. Carmen Dolores, ou Emília Moncorvo Bandeira de Melo, também nasceu em São Paulo e faleceu no Rio de Janeiro, onde residia. Colaborou em vários jornais, como “O Correio da Manhã”, “O País” e o “Correio Paulistano’, e publicou vários romances, como Um Drama na Roça, de 1907; A Luta, de 1911; livros de contos, como Gradação, de 1897 e Almas Complexas, de 1934; crônicas reunidas no livro Ao Esvoaçar da Idéia e artigos de crítica literária. Ficou ainda conhecida como mãe de outra escritora, Mme Crisanthème, ou Cecília Bandeira de Mello. Algumas informações de pesquisas mais recentes sugerem que Carmen Dolores era bastante conhecida: é citada, por exemplo, no jornal “O Progresso”, de 17/09/1909 (nº.107), de Uberlândia, por um jornalista misógino que criticava seu feminismo (Rodrigues:1995:76). Lola de Oliveira, natural de Porto Alegre, nasceu em 1889, também colaborou em vários jornais de sua terra, do Rio de Janeiro e de São Paulo, secretariou a revista “Escrínio” e tornou-se membro da Academia Literária Feminina, do Rio Grande do Sul. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1965. De seus romances, destacam-se Passadismo e Modernismo, de 1932; Na Cidade das Praias e No Cafezal, de 1931; e Alma Branca, desta mesma década (Oliveira:1931 e 1932) . Nos romances pesquisados, A Viúva Barros,(1900), de Elisa Teixeira de Abreu; A Luta,(1911), de Carmen Dolores; Na Cidade das Praias (1931) e Passadismo e Modernismo (1932), de Lola de Oliveira, em 2a. edição, essas escritoras tematizam questões referentes à moral sexual, discutindo, em especial, o amor, o prazer, o sexo, o adultério e o casamento, assim como as alternativas abertas para as mulheres na modernidade. Na criação literária, encontram espaço para a manifestação de seus pontos de vista diferenciados, assim como para a construção de outros modos de subjetivação, para além daqueles veiculados pelo discurso médico e por outros setores da sociedade culta do período, contrapondo suas próprias interpretações acerca da subjetividade feminina e de questões correlatas. Suas reflexões orientam-se no sentido de problematizar os valores morais e os costumes sociais profundamente afetados pela crescimento urbano-industrial, seja criticando o passado, seja caricaturizando os tipos urbanos e as práticas cotidianas do presente. Alguns estudos recentes vêm mostrando que a escrita feminina constitui não apenas uma forma de evasão para as mulheres, que, no passado, encontravam poucas alternativas profissionais e sociais, mas, sobretudo uma forma diferenciada de inserção na esfera pública, fundamentalmente masculina, subvertendo valores e códigos dominantes. Norma Telles (1987), Heloísa Buarque de Holanda (1992), Eleni Varikas (1986) e Francine Masiello (1992), focalizando a cultura literária feminina no Brasil, na Grécia ou na Argentina, respectivamente, mostram que, através das idéias que veiculavam a respeito de múltiplos assuntos, as autoras abriam espaço para a participação no fechado e masculino mundo público, assim como possibilitavam a construção de uma comunidade de interesses entre elas e suas leitoras. - moral sexual Vários trabalhos têm mostrado, desde os anos de 1980, a importância que o poder médico teve na constituição da subjetividade feminina, especialmente nas mulheres das classes médias e da elite; ao mesmo tempo, sugerem como os modos de subjetivação transcendem os saberes masculinos (Rohden:2001 e 2003;Engel:1988). Assim, perguntam também como as mulheres enfrentaram os preceitos morais impostos a elas. Por exemplo, enquanto os médicos e os juristas aconselhavam o casamento para as jovens, como única saída para a vida e como meio para reprimir a sexualidade, as autoras pesquisadas invariavelmente apresentam a união conjugal como fonte de infelicidade para a mulher, ao contrário do homem, como prisão onde ela se deprime e anula na monotonia de relações mornas e num cotidiano entediante (Rago:1994). Ao longo das três décadas consideradas, esta atitude feminina altera-se apenas no sentido de reforçar a descrença neste tipo de vínculo conjugal. Radicaliza-se a idéia de que a mulher se anula no casamento, já que se, em 1900, ela encontra poucas alternativas de vida e muita satisfação na maternidade, nos anos dez esta satisfação é colocada em dúvida, e, na década de trinta, a mãe moderna parte em viagens para a Europa em busca de cultura, divertimento e lazer, ridicularizando a mãe antiga, exclusivamente dedicada a uma prole numerosa e ao marido indiferente, como veremos. Por outro lado, também os homens passam a descrer da opção pelo casamento, entendendo que à medida em que a modernização avança, já não encontrarão a réplica de suas mães projetada na futura esposa, transformada agora em concorrente profissional. Parece que serão necessárias muitas gerações para que possam aprender a apreciar a nova mulher. Os conflitos do amor e do casamento são focalizados nos romances A Viúva Barros e A Luta. No primeiro, trata-se da estória de uma jovem de condição modesta, Antonieta, que se casa sem amor com um embargador rico e idoso, enviuvando ao cabo de alguns anos. Personalidade forte e sensual, a jovem viúva mantém-se por muitos anos alheia aos ditames do coração e às paixões que desencadeia, e só encontra o "verdadeiro amor" tempos depois. O triângulo amoroso se instala, já que Antonieta se apaixona por Jorge, que por sua vez ama Cecília, que se casa com Carlos. Para vingar-se desta, a atraente viúva torna-se amante de Carlos, mas é "salva" pela empregada devota, que consegue fazer com que Jorge a tire desta situação, desmascarando o outro. A viúva resigna-se e parte para consolar-se na Europa, enquanto Jorge se casa com a doce Cecília. O amor traz conflitos dramáticos entre as pessoas, enquanto o casamento se realiza pela amizade entre os cônjuges, e não por paixão. Já neste romance, a paixão e o desejo sexual não constituem suportes para a união matrimonial: relações sólidas não parecem poder se conformar a partir destes sentimentos, que dilaceram e transtornam, ao invés de aproximar as pessoas. E' significativo o aviso que a mãe de Antonieta lhe dá, pouco antes de morrer: "- O amor! O amor! sabes tu o que isso é? Deus queira que nunca saibas o que é o amor, Antonieta! O amor é sempre a causa de uma desgraça! Felizes aqueles que tiverem o coração indiferente. (...) Foge do amor, conserva o teu coração impassível, que serás feliz.” (p.100) Não raro as autoras apresentam a prostituição, principalmente a de luxo, como meio de emancipação pessoal e de independência econômica da mulher, mesmo que adquirida a partir de uma relação pouco recomendável com algum coronel enriquecido. E' neste espaço erotizado que ela adquire experiência no jogo das relações sociais, aprende a se desinibir e a freqüentar lugares sofisticados e culturais, apresentar-se elegantemente vestida, além de conhecer suas potencialidades emocionais e sexuais, como demonstro em outro estudo, a partir dos romances de outra escritora, Laura Villares, intitulados Vertigem e Extasis, publicados entre 1926 e 1927 (Rago:1991). Em A Luta, de 1911, Carmen Dolores apresenta a personagem central, Celina, dividida entre a vontade de amar e entregar-se às volúpias do desejo, por um lado, simbolizada em sua relação com o antigo namorado, Gilberto, e as pressões sociais e morais da honra, do casamento e da maternidade, materializada em sua ligação com Alfredo Galvão e a sogra D. Margarida. De um lado, as fantasias da liberdade sexual, da independência econômica, do acesso fácil às jóias e às roupas da moda, a exemplo da irmã Julieta, que divide com a outra irmã Olga, os olhares cobiçosos dos freqüentadores da pensão de sua mãe, “Aos Bellos Ares”, em Santa Tereza. De outro, a alternativa da rotina morna e opressiva de um casamento desinteressante, apesar de seguro. Irremediavelmente, as mulheres dividem-se entre duas alternativas bastante limitadas para suas vidas, o casamento tradicional com algum funcionário público, edipianamente preso às determinações maternas, extremamente regular e comportado; de outro, a vida "fácil", livre, mas insegura e desrespeitosa, beirando à prostituição. Ao menos, nos romances publicados até os anos vinte, quando emergem novos modelos de feminilidade e outras utopias da "nova mulher", para além da santa e da pecadora, na cidade e entre as romancistas (Showalter:1993). Assim, já desde o início do livro, a alternativa do casamento é apontada à jovem Celina pela futura sogra, como o melhor meio para escapar das ameaças morais presentes no cotidiano da pensão de sua mãe. Mas, logo depois, somos informados de que a realidade do casamento se mostrara pesada e frustrante diante das suas expectativas: “Não, deveras, a vida não lhe corria nem leve nem jovial... Ah! Não! Era uma monotonia, um isolamento! O Alfredo parecia uma máquina: levantava-se, deitava-se, comia, palitava os dentes, saía, voltava, com uma regularidade de pêndula.” (p.39) Considerada pela autora como uma Bovary da rua das Marrecas, Celina sonha com a "independência da mulher elegante e rica, vestida com apuro, que sai só, vai a teatros e alimenta a corte ardente de muitos adoradores."(p.103) O mesmo sonho embala a imaginação de Zulmira, personagem do livro de Lola de Oliveira, Na Cidade das Praias, de 1931. Descartando um pretendente do campo, esta almeja ter seu “palacete em S. Paulo, freqüentar o Municipal, ir aos cinemas de luxo, às festas, fazer o triângulo aos sábados e o corso aos domingos e, de vez em quando, os meus passeios ao Rio e à Europa. Isso sim, é que é vida!” (p.15) Mulher prática e utilitária como Celina, Zulmira raciocina em termos dos lucros que pode auferir numa ou noutra relação, desprezando o amor como fonte de realização pessoal. Nesse sentido, as personagens femininas desses dois romances se encontram, muito embora no primeiro caso, Celina perceba que seus cálculos não haviam sido tão sábios, já que a riqueza do marido se revelara muito menor do que supunha ao aceitá-lo como esposo. Vale notar que enquanto as mulheres são vitimizadas pela falta de alternativas profissionais, pelo enclausuramento social, mesmo em se tratando da vida na Capital Federal, como em A Luta, pelo egoísmo dos homens que não conseguem projetar um futuro mais harmonioso com elas, ou pela própria impotência em criarem-se alternativas de vida, pelo menos nos romances anteriores à década de trinta, os homens são apresentados como figuras estereotipadas em sua mesquinhez e arrogância, nada tendo a oferecer às mulheres, nem financeira, nem cultural, nem afetivamente, em todos os romances pesquisados. Se a mulher se casa para escapar da prisão materna e conquistar um lugar ao sol, o homem se casa para refugiar-se das agressões do mundo exterior, buscando no lar e nos filhos a morna proteção uterina contra o inesperado, e nunca tendo em vista uma troca afetiva mais intensa. Em oposição ao modelo de feminilidade fundado na passividade e na abnegação, Lola de Oliveira apresenta, nos anos trinta, outra figura feminina: a mulher emancipada. Economicamente independente, ativa e esportista, esta já não espera saídas no casamento, e contrapõe-se, em parte, a um outro perfil feminino que, embora mais fútil, também é extremamente moderno e não depende da proteção masculina para ser feliz: a melindrosa. Esta faz par com o almofadinha, ou com o dandy, interesseiro, vaidoso, descomprometido, amante do luxo e da elegância, que circula em sua baratinha pelas ruas centrais da cidade, arrebatando os corações femininos e esbanjando a fortuna do pai, banqueiro ou industrial. Nas caricaturas publicadas nas revistas do período, aliás, são freqüentes as referências satíricas a esses tipos urbanos, que povoam os contos de Lola de Oliveira. Nestas circunstâncias, o casamento por amor é associado a uma posição romântica e conservadora, que contrasta com os tempos modernos. Nestes, ninguém mais pensa em sentimentos e a vida é regida pelo interesse econômico. Tanto mulheres quanto homens procuram nos seus pares menos o complemento sexual e afetivo, do que a salvação econômica diante das dificuldades da vida material, a exemplo de "O Caçador de Dotes", de Na Cidade das Praias. Indagado se pretendia casar-se por amor, ele reponde taxativamente: “Qual amor! Nesta época de pindaíba, ninguém tem tempo para se lembrar dele.” (p. 25, ver ainda pgs. 47 e 52) No conto "Na Praia do Gonzaga", Carlos justifica-se ao amigo por não querer se casar com Lenita, afirmando: “A Lenita, não me tem amor. Capaz! Quer é se arranjar: ter bungalô, um automóvel e quem lhe pague as contas da modista, da chapeleira, do sapateiro, do cabelereiro, da manicure, etc, etc....”(p.61) Já em Passadismo e Modernismo, explicando o "O Ideal Moderno", a personagem Aracy explica:
A modernidade, referida como americanismo, tempos modernos, modernismos, ou futurismos evoca um individualismo frio e egoísta, a ausência de laços fortes entre os indivíduos, assim como de redes de solidariedade mais confiáveis. Os sentimentos já não garantem as relações entre os sexos, pois o desejo de luxo transformou definitivamente a sensibilidade moderna. E se, em 1911, as mulheres estão divididas entre o casamento seguro com um burocrata mediano e a vida livre, mas moralmente ameaçadora, nos anos trinta, as opções já estão muito mais ousadas, ao menos no mundo urbano. Mulheres e homens buscam aproveitar a vida, passear livremente nas ruas da cidade, freqüentar as praias de Santos e dos Guarujá, apresentar as últimas modas do vestuário, assumindo um total descompromisso nas relações afetivas. Nas palavras do personagem de Lola de Oliveira, “as mocinhas poéticas sonhavam com príncipes encantados e palácios de fadas. Essas velharias já foram queimadas na fogueira da Grande Guerra. O mundo transformou-se completamente. O luxo avassalou todas as classes e as mulheres e os homens só aspiram a riqueza e as altas posições.” (Passadismo...,p.45) Tudo indica que essas autoras, mesmo as mais feministas, não encontram no universo das mulheres uma possibilidade de esperança. Afinal, este também parece não comportar utopias e se caracteriza pela absoluta falta de cooperação, pela inveja acentuada e pela disputa em relação ao objeto do desejo. Em A Luta, Celina, já casada, disputa com a irmã o amor de Gilberto, seu primeiro namorado, e não hesita em interferir na relação amorosa de ambos para impedir um possível casamento. Infeliz em sua própria (des)união conjugal com Alfredo, “ invejava as irmos, que desciam todos os dias de Santa Tereza, tafulas, faceiras, conversando com os homens, aspirando o incenso cálido e estonteante das múltiplas admirações.”(p.103) Já Na Cidade das Praias, são as mulheres que definem as relações que estabelecem entre si como competitivas. Conversando "Sobre a Areia", uma amiga diz para a outra: “Mas você não conhece mesmo as mulheres. Raras são amigas. Quando elas podem, cortam-nos a pele. E isso tudo eu sei porque.(...) E' inveja!"(p.23) Em outro conto, a personagem central teme frustrar-se ao projetar com uma amiga a fundação de uma sociedade de mulheres cultas, em S. Paulo, e conclui anotando em seu diário: “Nós, mulheres, somos tão pouco solidárias... O pomo de discórdia é, sempre, a vaidade, a beleza, a moda e outras ninharias... Quando deixaremos de ser fúteis e tolas?” (p.93) Na verdade, veremos que esta posição se altera profundamente, pois a utopia de uma nova sociedade será pensada a partir da perspectiva da nova mulher. Na percepção feminina, a mulher moderna é apresentada em oposição à figura romântica do passado: as heroínas dos romances modernos já não morrem mais tuberculosas, afirma Mauro em conversa com o amigo, em "As mulheres modernas".(Na Cidade das Praias, p.30) Dotada de algumas características bem definidas, ela é percebida como uma mulher corajosa, não se intimidando mais por ninharias, tendo alterado profundamente seu comportamento desde a Grande Guerra; alegre, esportiva e saudável, adepta de vários esportes como equitação, natação, remo, tênis, preocupando-se narcisicamente com o culto do corpo e da beleza; vaidosa, dedica-se minuciosamente aos cuidados com a aparência e a moda, a exemplo de "Miss vaidade", que descreve detalhadamente seu cotidiano dedicado ao cultivo da aparência física: "Levanto-me às 9 horas. Tomo o meu banho morno, perfumado com os saes da Coty. Em seguida, fricciono-me com água de Colônia. Consagro uns dez minutos à ginástica sueca, para ficar flexível e elegante. (...) Da cabeça passo aos olhos. Amacio as sombracelhas, penteio, arranco com a pinça alguns fios supérfluos. Pinto levemente de rouge as pálpebras; reviro as pestanas com o Rimmel e sombreio com um pouco de lápis. Estão prontos os olhos."(p.34) Elegante, compra suas roupas nas lojas da moda, como a Casa Alemã e o Mappin, em São Paulo; hospeda-se nos hotéis "chics" do Guarujá, quando não viaja para o exterior. Evidentemente, trata-se de mulheres das camadas abastadas, que não trabalham e que dedicam grande parte de seu tempo ao cultivo pessoal, ao embelezamento corporal e ao consumo. No limite, esta figura é apresentada como a melindrosa fútil e interesseira, grande consumidora das novas modas parisienses. Já as mulheres pobres aparecem na condição de trabalhadoras extremamente exploradas, que denunciam o rebaixamento salarial em relação aos homens trabalhadores. "Catadeiras de Café", por exemplo, não vêem perspectivas de melhorar a sorte, ao contrário daqueles: "Trabalho de mulher nunca vai adiante.", afirma uma delas, "A gente ganha uma miséria em toda parte. Nunca soube de catadeira de café que tivesse alguns cobrinhos."(p.37) E' de se notar, na leitura destes romances, que pelo menos duas oposições marcantes caracterizam o universo urbano em processo de modernização: o contraste entre o mundo da riqueza e o da pobreza, e o conflito entre o arcaico e o moderno, que poderia também ser expresso pelo choque das gerações e pela oposição campo/cidade. - luxo, lazer e trabalho De um lado, encontra-se o mundo burguês, onde o lazer, a vida fácil e confortável predominam sobre o trabalho. A preocupação maior se dirige à estetização narcísica das aparências e à observação das roupas e dos comportamentos. De outro, o mundo pobre dos trabalhadores e trabalhadoras, que mal ganham para viver e que apenas participam do primeiro mundo na condição de empregados. No universo dos ricos, os principais temas das conversas registrados pelas autoras giram em torno do dinheiro, dos casamentos realizados ou, na maioria das vezes, frustrados, das roupas elegantes compradas ou reformadas, das últimas novidades culturais e artísticas, das inovações tecnológicas, dos novos hábitos de lazer, do uso do maillot chic, colorido e exagerado pela jovens, das maquillagens, dos passeios pelo centro urbano. Num mundo onde os signos reveladores da identidade já não se encontram codificados em termos de ascendência e hereditariedade, as roupas e a aparência como um todo se transformam num indicador seguro do status social, do tipo de vida, dos recursos financeiros e culturais e da personalidade do indivíduo (Sennet:1988).[2] Em especial, ao se tratar de estórias que se passam na cidade balneária de Santos, o maillot vem simbolizar o impacto da modernidade: as constantes conversas e observações em torno do seu uso, apresentadas em Na Cidade das Praias e em Passadismo e Modernismo, expressam as posições pessoais de homens e mulheres das camadas médias e alta, em relação ao segundo campo de oposições que se observam nos romances, isto é, a oposição entre o tempo presente e o passado. O primeiro caracterizado como tempo da modernidade e do progresso; o segundo assinalado pela presença de valores e hábitos conservadores dos mais velhos, em especial, das avós. - presente e passado na percepção feminina O passar do tempo e a transformação dos hábitos de uma geração para outra são marcados em inúmeros diálogos dos romances destas autoras, em especial nos de Lola de Oliveira, em que se discute o uso das roupas de banho. Assim, na conversa que duas senhoras travam "Na Praia", uma diz para a outra: “Meus pais eram rigorosos, não admitiam certas liberdades. Várias vezes fiz Estação, aqui, com eles, mas, naquele tempo tomava-se banho quase vestidas, só aparecia um pedaço pequeno da perna.(...) Por muito favor as moças e rapazes ainda vêm de maillot à praia, porque a vontade da maioria, eu sei, era a de vestir as roupas de Adão e Eva,(...).” (Na Cidade das Praias, p.71) Comprados na Casa Alemã ou no Mappin, em S. Paulo, os maillots curtos e de cores berrantes identificam suas portadoras à modernidade. Já no início do livro, "A banhista" afirma para sua amiga: “A estréia do maillot foi o assunto da tarde. Muita gente ficou admirada da minha ousadia. As minhas amiguinhas roeram-se de inveja, porque a rapaziada só fez caso de mim.” A mulher moderna contrasta, então, radicalmente com a figura ingênua, débil e sonhadora do passado, freqüentemente designada por Lola de Oliveira como mocinhas românticas de 1830. O piano foi trocado pelo esporte, na era do rádio e da vitrola; as longas tranças pelos cabelos curtos colados à cabeça; o roupão de banho pelo maillot curto e "revolucionariamente vermelho". Além disso, a mulher moderna é muito prática e racional, buscando na educação e na atividade profissional uma alternativa segura para a vida que o casamento tradicional falha em oferecer. Interpelada pela amiga, que não entende porque uma moça rica se dedica ao curso de professora na Escola Normal, Margarida responde: “O dinheiro, Hercília, não garante o futuro de ninguém,(....) Não achas que a mulher tem necessidade, não só de dinheiro, mas, também de uma profissão a que possa recorrer num momento preciso?”(p.86) Aliás, os preconceitos para a educação superior da mulher são descritos com muita clareza no diário de uma médica, imaginado por Lola de Oliveira, em "Tem de casar!", de Passadismo e Modernismo. Sentindo-se ininterruptamente pressionada a casar-se e questionada insistentemente em sua capacidade intelectual e profissional enquanto médica, esta reclama: “Ser mulher e mulher superior é quase um tormento!(...) Os meus colegas movem-me uma guerra surda:negam-me o talento e o preparo, levantam dúvidas sobre os meus estudos durante anos pela Europa; acham que o meu lugar não devia ser na sala de operações, mas, sim, na sala de costuras, remendando fundilhos e fuchicando meias...”(p.117) A mãe moderna, por sua vez, não hesita em aproveitar a vida, viajando com o marido para o exterior, circulando sem culpa pelos salões de chá e festas da cidade, enquanto os filhos permanecem sob os cuidados das pagens, ou nos colégios, como nos informa "A mãe moderna", de Passadismo e Modernismo: "Gosto de bailes, festas, passeios, teatros, cinemas, recepções, footing. Por isso assim que os meus meninos ficaram crescidinhos meti-os no colégio. Agora vou à Europa divertir-me à la grande."(p.11) Destaque especial é dado ao cinema como espaço de constituição das novas referências comportamentais e da nova sensibilidade, em geral. No caso da referência feminina, a atriz Clara Bow destaca-se como modelo de mulher, admirada pelos homens e invejada pelas mulheres, enquanto Rodolfo Valentino aparece como o ídolo masculino. Contudo, a influência do cinema é vista em dimensões muito mais abrangentes: “ ‘O cinema é, hoje, a sucursal da família. E' lá que se está formando a nova geração’, comenta uma observadora.”(p.18) Valeria destacar que, ao invés do que se poderia supor, o mundo moderno, apesar de se caracterizar por relações em que os valores materiais pesam muito mais do que os espirituais, não é apresentado de maneira trágica nesta literatura feminina, em especial a dos anos trinta. Se város personagens reclamam das transformaç_es urbanas, dos resultados do progresso tecnológico, dos "klaxons de automóveis", do barulho das vitrolas, rádios, alto-falantes, jazz-band das confeitarias, apitos dos trens e fábricas, como evoca o Dr. Fagundes, em "A Capital do Barulho" (Passadismo e Modernismo), outros destacam as novas opções de sociabilidade criadas no mundo moderno, em especial pela explosão das diversões e formas de lazer: “Vá ao futebol e verá a barulhada que fazem os torcedores", aconselha seu interlocutor, "Paulistas tristes e silenciosos já se acabaram. Aquela geração que foi criada entre a moleza dos escravos é que deixou esta fama da tristeza paulista. S. Paulo é a capital do barulho. O povo diverte-se. Os teatros, os circos, os cinemas, os rinques, os cabarets, enchem-se à noite. Os bailes se sucedem nas centenas de sociedade, em todos os bairros.” (p.51) O humor e a ironia marcam muitos contos, conversas e atitudes dos personagens, nesta literatura feminina. Nem a modernidade é vista por uma ótica pessimista, representando a destruição dos valores morais ou a dissolução dos costumes. Ao contrário, as escritoras se afinam muito bem com os novos tempos e com as mudanças sociais e sexuais, sem, contudo, deixarem de ser extremamente críticas. Ridicularizam no passado a estreiteza e o moralismo das concepções dominantes, assim como denunciam a limitação da vida cotidiana. No mundo moderno, as mulheres circulam com maior liberdade, produzem com maior desenvoltura e independência, desafiam valores e concepções arcaicas, praticam esportes, valorizam a relação com o corpo e têm uma atuação mais agressiva. Frente às suas avós, conquistaram maior autonomia e espaço individual, profissional, social e político. Nesse sentido, não são vitimizadas, ao contrário do que parecia ocorrer nos romances das décadas anteriores. A "esportista", de Passadismo e Modernismo, pode afirmar tranqüilamente, ridicularizando os valores de sua avó: “No seu tempo as moças só faziam crochet e viviam socadas em casa que nem galinhas chocas. Ela se escandalizou quando soube que eu me fizera esportista.(...) Outro dia ficou aborrecida quando viu o meu retrato de nadadora, que saiu na "Gazeta", na página esportiva. Achou indecente o meu maillot.” (p.82) Além disso, é de se notar a preocupação das autoras com a formação da "nova mulher" e do "novo homem", tema que já aparecia na literatura anarquista de décadas anteriores. Na utopia feminina da nova humanidade dos anos vinte e trinta, que incorpora algumas teses eugenistas e darwinistas, ambos são saudáveis de corpo e espírito e confiantes nas potencialidades do ser humano. Estão, portanto, às antípodas de duas figuras extremamente modernas que passeiam constantemente pelas páginas dos romances: a melindrosa e o almofadinha. Defensora dos esportes, a personagem do conto "Educação Física", de Passadismo e Modernismo, defende aliás a intervenção das mulheres na formação dos novos cidadãos: “Se em vez de pais da pátria fossem as mães da pátria que governassem, eu te garanto que este mundo andaria às direitas e não às avessas. (...) Mens sana in corpore sano. Haveria de fundar parques públicos, onde o povo se entregasse à ginástica, ao remo, à natação, à luta romana, à equitação, à esgrima, ao tênis, ao futebol, a todos os esportes que fortalecem o corpo. Precisamos de uma raça vigorosa e não de almofadinhas e melindrosas que parecem mariposas.”(p.48) - utopias femininas Os romances escritos por estas mulheres elaboram uma crítica bastante densa da modernidade, e parecem apostar numa utopia social e sexual construída numa perspectiva feminina/ista. Se o casamento monogâmico, o amor romântico ou moderno, a moral sexual burguesa já não satisfazem as exigências pessoais para os dois gêneros, também a condução masculina dos rumos políticos e culturais do país são questionados, nesta ótica feminista. Um mundo dirigido pelas mulheres, a partir das formas culturais que elas poderiam propor é apresentado como saída, lembrando-nos as formulações de George Simmel, nos primeiros anos deste século: "Uma nova parte do mundo da cultura seria certamente descoberta se a liberdade de movimento recentemente adquirida pelas mulheres conduzisse a uma objetivação do ser feminino - da mesma maneira que a cultura anterior é uma objetivação da cultura masculina, e não a retomada, pelas mulheres, desta cultura anterior com um conteúdo semelhante (Simmel:1989:159)." Para Lola de Oliveira, um mundo em que os valores femininos tivessem primazia sobre os masculinos certamente seria muito mais saudável. A saúde, por exemplo, seria priorizada entre as questões de interesse nacional, ao invés da formação dos exércitos, tendo-se em vista a constituição de um povo forte, capaz de defender a pátria. Condenando o militarismo, a autora explica através do diálogo de dois amigos: "Se meu filho for um cientista brasileiro notável, se conseguir livrar a humanidade dessa terrível doença (a tuberculose), não será maior do que todos os generais que existirem? Não será o supremo patriota? Será, sim, pois defenderá todas as pátrias do, até hoje, mais invencível dos inimigos.” (p.61) E conclui: “Os cientistas, os escritores, os artistas, os mestres, todos os homens de caráter, de cultura, de coração podem defender e glorificar um país. Não desejes, somente, que o teu filho maneje uma espada. Põe-lhe nas mãos outras armas pacíficas e benfazejas. A guerra é a desordem, o retrocesso de uma nação."(p.61) Nesse sentido, Lola considera o tempo presente como aquele capaz de superar as deficiências do passado, revigorando a raça, através dos cuidados com a saúde e com o corpo, fundamentados por princípios educacionais mais modernos e racionais. No diálogo entre dois esportistas, um deles critica a educação "à moda antiga", que produzia rapazes tímidos e efeminados, "agarrados à barra da saia da tia"(p.75). E pondera: “A nossa mocidade precisa cuidar da saúde, curar as doenças e enrijar o corpo nos esportes. A nossa raça é forte, é resistente. Olha o cearense e o amazonense como afrontam as secas e o Inferno Verde. O caboclo tem uma força colossal para desbravar uma floresta virgem. Não há europeu que derrube, to facilmente, um jequitibá como um sertanejo. Mas os coitados dos nossos patrícios vivem, por aí, esquecidos e abandonados, desprotegidos, atacados de maleita e amarelo. Depois são acoimados de fracos, de indolentes, de incapazes.” (p.76) O nacionalismo das autoras evidencia-se, ainda, na idéia de que os governantes deveriam dar mais atenção à formação cultural do povo, e não apenas se ater ao progresso material, e que deveriam incentivar a valorização da literatura brasileira e da língua portuguesa. Criticando a veneração dos brasileiros por tudo o que é francês, Lola de Oliveira posiciona-se criticamente contra a desnacionalização, através de uma personagem: “Devemos, sim, conhecer os grandes escritores de todos os países, mas desprezar os livros nacionais, a literatura brasileira, onde figuram verdadeiros talentos que só seriam maiores se tivessem nascido em Paris, isso é um verdadeiro crime de lesa patriotismo, não achas?”(p.90) Fundamentalmente, Lola de Oliveira valoriza as novas funções das mulheres, nos múltiplos campos da vida social. Nem santa, nem sombra do marido e dos filhos, a mãe é solicitada como educadora, complementada e não substituída pela professora. No diálogo entre duas normalistas, uma afirma para a outra: “Quando será o dia em que a mulher me compreenda que a ela compete educar e à mestra, somente instruir? Enquanto permanecer a ignorância feminina e o descaso pela educação infantil, a nossa vida será toda de sacrifício inútil.”(p.101) Além disso, as novas profissionais liberais aparecem como necessárias não apenas para o desenvolvimento da nação, de modo geral, mas principalmente numa perspectiva feminista como defensoras das causas e questões das mulheres. No diário que atribui a uma advogada independente, Lola de Oliveira desfere uma crítica contundente ao Código Civil Brasileiro, onde os crimes passionais, por exemplo, não são devidamente penalizados e onde, de modo geral, a mulher não é respeitada como cidadã. Defende o divórcio, entendendo que as mulheres, e não os homens, são freqüentemente pressionados pela sociedade para legitimarem publicamente sua condição. Nesta direção, diz ela: “Precisamos de advogadas para as causas femininas. A mulher não nasceu, somente, para dona de casa, pois a sua ação não se limita, unicamente, entre quatro paredes. Ela forma a metade da humanidade e há de, ainda, quando se libertar da ignorância, contribuir para a felicidade dos povos.”(p.124) Tantos projetos e possibilidades parecem, então, serem viáveis principalmente no espaço urbano, lugar privilegiado do progresso, do tempo presente e da História, em oposição ao campo, identificado ao atraso cultural, ao passado conservador e à ausência de mudanças. Muito embora em muitos contos e passagens, as personagens revelem suas ligações originárias ou fundiárias com o mundo rural, todos, e em especial as mulheres, desejam viver longe dele, usufruindo de seus benefícios de quando em quando, por ocasião das férias. Os cafés, as confeitarias, as praças, os clubes, os teatros, os cinemas, as lojas, o footing dos sábados à tarde, o corso na Avenida Paulista, a agitação da multidão, o barulho dos automóveis, a circulação de idéias, livros e modas literárias, como "a antropofagia modernista" compõem um quadro extremamente positivo e atraente nesta narrativa literária, de modo geral. Ao contrário, a vida rural é associada, principalmente na representação feminina, ao lugar onde ficará absoluta e irreversivelmente presa aos desígnios da natureza, em especial cuidando da casa e dos filhos, e onde sofrerá uma deformação física, engordando e dessexualizando-se. O amor moderno, versátil, instável, fragmentado, aberto a inúmeras experiências, sexualizado e erotizado parece, nesta imaginação literária feminina, não ser possível no campo, lugar dos antigos personagens românticos, raquíticos e sofredores. A modernidade significa um estado de liberdade e, em certa medida, de felicidade, já que as pessoas passam a dispor de inúmeros meios e recursos materiais, emocionais, psicológicos e sociais para se conhecerem, para se transformarem e se comunicarem. Referências bibliográficas ABREU, Elisa T. de. 1900. A Viúva Barros. São Paulo: Editora Bühnaeds, DOLORES, Carmen. 1911 A Luta. Rio de Janeiro: Livraria Garnier Irmãos, . ENGEL, Magali. 1988. Meretrizes e Doutores. Saber médico e prostituição na cidade do Rio de Janeiro no século 19. São Paulo: Brasiliense, HOLLANDA, Heloisa de. 1992. “A roupa de Raquel” in Revista de Estudos Feministas, vol.0, Nº0/92, CIEC/ECO/UFRJ, MASIELLO, Francine. 1992. 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Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, SENNET, Richard. 1988. O declínio do homem público. S.Paulo: Companhia das Letras SHOWALTER, Elaine. 1993. Anarquia sexual. Rio de Janeiro:Rocco SIMMEL, Georg. 1993. Filosofia do amor. São Paulo: Martins Fontes _____________. 1989. “A cultura feminina” in Philosophie de la modernité. Paris : Payot, TELLES, Norma. 1987. Encantações. Escritoras e imaginação literária no Brasil, século XIX. São Paulo: Puc-SP, tese de doutorado VARIKAS, Eleni. 1986. Gemèse d’une conscience féministe em Grèce. Paris : tese de Doutorado, Nota biográfica : Margareth Rago é professora livre-docente do Departamento de História do IFCH da Unicamp. Coordena o grupo de Pesquisa Históira, Cultura e gênero e o Grupo de Estudos Foucaultianos do Programa de Pós-Graduação em História deste Departamento. Foi proofessora-visitante no connecticut College (USA), pela Comissão Fulbright. Entre seus vários livros estão: O que é Taylorismo?; Do cabaré ao lar; Os prazeres da noite; Entre a História e a liberdade. Luce Fabbri e o anarquismo contemporâneo. [1] Uma outra versão desse texto foi publicada como “Cultura feminina e tradição literária no Brasil (1900-1932)”, IN: Mulheres em ação. Práticas discursivas, práticas políticas, de Tânia N. Swain e Diva Gotijo ,(orgs.) Florianópolis: Editora Mulheres, 2005 [2] Sennett, Richard - O Declínio do Homem Público. S.Paulo: Companhia das Letras, 1988.
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féministes/ estudos feministas |