labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier /juin 2007 - janeiro / junho 2007

Os indícios do possível: heroínas, líderes e guerreiras nas tradições históricas do Peru pré-hispânico e colonial

Susane Rodrigues de Oliveira

Resumo:

Este artigo tem como objeto de estudo as representações das mulheres andinas nas tradições históricas das origens/expansão do Tawantinsuyo e da resistência indígena à conquista e colonização hispânica dos Andes. Nesse trabalho se entrecruzam dois objetivos: primeiro, a análise das condições de produção, dos conceitos e valores que informam essas representações veiculadas nas crônicas coloniais; segundo, a procura de indícios, nas crônicas e na historiografia, que nos permitam vislumbrar outras possibilidades de existência para as mulheres e as relações de gênero na história, de imagens que representem uma ruptura com os esquemas que instituíram uma essência feminina/masculina e uma determinação biológica das subjetividades e papeis sociais.



 

1. Os cronistas e as tradições históricas pré-hispânicas

O projeto hispânico de colonização e domesticação das terras e povos confrontados na América, nos séculos XVI e XVII, prescrevia a necessidade de se conhecer a terra e o mar, as coisas naturais e morais, espirituais e temporais, eclesiásticas e seculares, passadas e presentes neste "Novo Mundo". Nesse cenário os cronistas aparecem como responsáveis pela descrição da terra, das riquezas e dos costumes dos povos que habitavam o chamado Tawantinsuyo1, tornando-se os primeiros autores a relatar tanto a própria experiência vivenciada como a observada nos Andes Centrais.

No decênio de 1570-1580 os cronistas recolheram em Cuzco vários relatos a respeito da vida e do passado dos Incas, um conjunto riquíssimo de dados interpretados à luz dos conceitos e valores cristãos colonialistas, que concorriam para a construção de uma imagem negativa dos Incas e uma exaltação dos espanhóis como herdeiros legítimos das terras do Vice-reino do Peru. A política de registro da memória incaica passa a adquirir um interesse peculiar a partir da administração do Vice-rei Francisco de Toledo. É sob ela que se busca consolidar as relações colonialistas de dominação e a legitimidade histórica da conquista, mediante o dispositivo da organização da memória acerca do passado incaico.

As tradições históricas pré-hispânicas que explicavam as origens e expansão do Tawantinsuyo haviam sido transmitidas oralmente de geração em geração no seio de certas famílias incas e ayllus, chegando a sobreviver durante os anos iniciais da conquista e colonização hispânica (Favre, 1998: 71-72). No entanto, o choque da conquista e as pressões coloniais comprometeram boa parte destas tradições orais de registro da memória. Na sociedade incaica essas tradições históricas produziam sentidos para o passado-presente do Tawantinsuyo, - ao explicar as origens, as transformações e permanências sociais, - elas justificavam, atualizavam e codificavam as crenças, os fundamentos políticos-religiosos, as relações de parentesco, as hierarquias e práticas sociais incaicas.

Não por acaso, as tradições históricas pré-hispânicas que davam sentidos não só às huacas, mas também ao passado dos Incas, foram interpretadas pelos cronistas como mitos. Numa visão marcadamente eurocêntrica, alguns cronistas depreciaram os saberes indígenas imprimindo-lhes um sentido fabuloso, demoníaco e irracional. Esse procedimento parecia evitar que as histórias contadas pelos próprios índios rivalizassem com a ortodoxia e os valores cristãos colonialistas, ou que promovessem um questionamento da validade dos conceitos, dogmas e valores que os espanhóis desejavam introduzir na América.

As tradições históricas das origens e expansão do Tawantinsuyo, bem como as da resistência indígena à conquista hispânica dos Andes, guardam também representações e valores a respeito dos gêneros e das relações sociais que estiveram presentes na sociedade incaica (Astete, 2002: 29). O gênero aqui é entendido como a maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres (Butler, 2003: 25-29). Essas tradições sinalizam para os comportamentos idealizados para homens e mulheres na sociedade incaica, para as maneiras como as diferenças sexuais/corporais foram construídas e experimentadas. Os atributos e funções assumidos pelas huacas ancestrais, nessas tradições, podem revelar conceitos e valores relativos ao corpo e ao sagrado que estruturaram a organização política-religiosa dos Incas. O etnohistoriador Francisco Hernádez Astete, em sua obra La mujer en el Tahuantinsuyo, adota esta perspectiva e considera que

uno de los caminos mediante el cual se puede buscar el rol ejercido por la mujer en el mundo incaico es sin duda el del universo mítico, pues es allí donde la gente valida sus prácticas sociales, al proyectar en sus dioses las imágenes de su concepción del deber ser (2002: 25).

Nas crônicas, as histórias a respeito das origens e expansão do Tawantinsuyo revelam indícios de mulheres divinas e humanas, assumindo diferentes atributos e funções independentes de seu sexo biológico; o que nos faz pensar que o sexo biológico não era a base para delimitações no universo cosmogônico e social. Este é o caso da personagem Mama Huaco, como veremos adiante, que ao lado de seu irmão Manco Cápac aparece nas origens dos Incas como mulher guerreira, conquistadora de terras e povos, responsável pela fundação do Tawantinsuyo (Sarmiento [1572] 1988; Guamán Poma [1616] 1993). Essa mesma personagem foi ainda identificada como a primeira Coya ou governadora do Tawantinsuyo, tornando-se também uma huaca heroína ancestral reverenciada pelos Incas em seus rituais (Molina [1575] 1947: 129-130).

Já os relatos sobre a expansão da Tawantinsuyo revelam a presença da Kuraca2 guerreira Chañan Cusi Coca, chefe do ayllu Chocosochona, que no comando de seu exército defendeu os interesses dos Incas na guerra contra os Chancas, capturando e assassinando o chefe inimigo, proporcionando assim uma das vitórias mais importantes para o estabelecimento do poderio incaico sobre os Andes (Sarmiento [1572] 1988; Pachacuti, [1613] 1995). Por essa ação Chañan Cusi tornou-se uma heroína, e passou a ser reverenciada também como huaca sagrada (Sociedad Estatal Quinto Centenário, 1991: 282).

Todo esse universo parecia fugir aos esquemas habituais dos espanhóis, provocando ao mesmo tempo espanto e repulsa. Ainda mais surpreendente, e talvez o mais condenável para os espanhóis, era que algumas mulheres andinas pudessem exercer poder e autoridade, sendo até mesmo adoradas e reverenciadas como deusas/huacas, heroínas e governadoras. Ainda na época da conquista os espanhóis puderam se deparar com as Coyas, mulheres Incas que eram veneradas e obedecidas como governadoras e fundadoras de uma "dinastia feminina". As crônicas revelam que essas mulheres puderam ainda ser proprietárias de terras e que estavam cercadas de muitas riquezas e serviçais (Betanzos [1551]; Murúa [1590]; Guamán Poma [1616] 1993).

Além das Coyas outras mulheres tiveram participação ativa na organização política do Tawantinsuyo exercendo o poder, entre elas se destacam as señoras Cápacs e Kuracas. Cada uma das quatro regiões do Tawantinsuyo possuía uma señora Cápac que podia dividir o poder com um señor cápac: o cronista indígena Felipe Guamán Poma de Ayala exemplifica que no Chinchuaysuyo a Cápac Guarmi Poma Gualca governava todo o reino; enquanto que no Collasuyo a Cápac Umi Tallama era uma mulher muito rica que possuía gados, pastos, prata de Potosí e ouro de Carabaya ([1616] 1993: 136).

Aos olhos dos espanhóis esse universo estranho e desconhecido devia, portanto, escapar aos padrões reconhecidos de gênero (das subjetividades possíveis para homens e mulheres em sociedade) e de religião com que estavam acostumados. Como bem escreve Woortmann, "A dinâmica plural das experiências vivenciadas pelos europeus no decorrer do processo de expansão comercial tornou transparente o caráter multifacetado das experiências humanas no planeta terra" (2004: 317). Ao mesmo tempo em que se descortinava no horizonte outras possibilidades de existência para as mulheres e o sagrado em sociedade, os espanhóis, presos às suas convicções a respeito da religião e dos gêneros só podiam conceber tudo isso como obra do demônio na terra, já que não esperavam encontrar mulheres governando, guerreando ou presidindo cultos e rituais numa sociedade tida como sofisticada, urbana e hierarquizada. Os conquistadores espanhóis deviam estar convencidos de que o demônio devia estar operando, especialmente, através das mulheres. O Tawantinsuyo parecendo escapar à lógica do pensamento cristão e androcêntrico dos espanhóis, necessitava, assim, urgentemente de explicações.

A surpreendente diferença confrontada necessitava ser reconhecida ou interpretada/explicada para atenuar seu conteúdo perturbador, desconhecido para a Espanha, visando assegurar a esta seu poder de nomeação, sua posição de dominação nos territórios americanos conquistados. Através de seus imaginários3 os cronistas se empenharam nessa tarefa de reconhecimento, produzindo e ordenando sentidos para as diferenças confrontadas, ou melhor, elaborando representações4 em discursos que circulavam na época com valor de verdade.

O imaginário que comportava estas representações funcionou entre as forças que tentavam instaurar uma sociedade colonial e androcêntrica nos Andes Centrais, ao atribuir significados para as subjetividades, hierarquias, status e desempenho de homens e mulheres em sociedade. Isso porque, segundo Denise Jodelet, as representações constituem

sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros - orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervêm em processos variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais (2001: 22).

Considerando a força das representações do passado incaico elaboradas pelos cronistas no cenário da conquista hispânica do Tawantinsuyo, apresentaremos neste artigo uma análise das representações de gênero que aparecem nos relatos das origens e expansão do Tawantinsuyo, bem como nos da resistência andina à conquista hispânica, focando, especialmente, as representações de mulheres guerreiras, huacas e governadoras. Nesse trabalho se entrecruzam dois objetivos: primeiro, a análise das condições de produção, dos conceitos e valores que informam essas representações; segundo, a procura de indícios, nas crônicas e na historiografia, que nos permitam vislumbrar outras possibilidades de existência para as mulheres e as relações de gênero na história, de imagens que representem uma ruptura com os esquemas que instituíram uma essência feminina/masculina e uma determinação biológica das subjetividades e papeis sociais

 1. Mama Huaco: heroína e fundadora do Tawantinsuyo

Algumas histórias a respeito das origens dos Incas revelam a presença de uma mulher forte, decidida, conquistadora e guerreira, na figura de Mama Huaco, que junto aos seus quatro irmãos e três irmãs fundaram o Tawantinsuyo (Sarmiento, [1572] 1988; Betanzos, [1551] 1987; Murúa, [1611] 1956). É no chamado "mito dos irmãos Ayar", presente nas crônicas do frei Martin de Murúa e, especialmente, na do cosmógrafo e navegador Sarmiento de Gamboa, que podemos encontrar a sua presença.

Conta Sarmiento que a seis léguas do vale de Cuzco, em Pacaritambo5, surgiram oito irmãos, sendo quatro homens e quatro mulheres. O mais velho dos homens se chamava Manco Capac, o segundo Ayar Auca, o terceiro Ayar Cachi, o quarto Ayar Uchu. Das mulheres a mais velha se chamava Mama Ocllo, a segunda Mama Huaco, a terceira Mama Ipacura ou Mama Cura, a quarta Mama Raua (Sarmiento, [1572] 1988: 52). A partir de Pacaritambo esses irmãos saíram pelos Andes empreendendo uma conquista de terras, chegando finalmente a Cuzco onde se estabeleceram e passaram a governar os territórios e os povos subjugados. Ao descrever esse processo que levou os irmãos e irmãs Incas ao estabelecimento de seus domínios, Sarmiento afirma que eles eram pessoas de

(...) feroces brios y mal intencionados, aunque de altos pensamientos. Estos, como fuesen de más habilidad que los otros y entendiesen la pusilanimidad de los naturales de aquellas comarcas e su facilidad en creer cualquier cosa que con alguna autoridade o fuerza se les proponga, concibieron en sí que podrían enseñorearse de muchas tierras con fuerzas e imbuimientos. Y así juntáronse todos los ocho hermanos, cuatro hombres y cuatro mujeres, y trataron el modo que tendrían para tiranizar las otras gentes fuera del asiento donde ellos estaban, y propusieron de acometer tal hecho con violencia. (...) y para ser tenidos y temidos fingieron ciertas fábulas de su nacimiento, diciendo que ellos eran hijos del Viracocha Pachayachachi, su creador, y que habían salido de unas ventanas para mandar a los demás. Y como eran feroces, hiciéronse creer, temer y tener por más que hombres y aun adorarse por dioses. Y así introdujeron la religón que quisieron ([1572] 1988: 51).

Nesse discurso o cronista parece identificar tanto os homens como as mulheres Incas com a conquista, a força, a violência, a idolatria e a tirania, sinalizando para a representação de mulheres também imbuídas dessa missão conquistadora, apesar de ser uma missão condenada pelo cronista como responsável pela instalação de um sistema cruel, tirânico e idólatra nos Andes. As tradições históricas cujos sentidos foram "fundantes" para a dominação incaica sobre os Andes, bem como à instalação de determinados cultos e rituais ligados a uma dinastia de homens e mulheres tidos como filhos do deus Viracocha, foram desqualificadas por Sarmiento como fábulas inventadas pelos Incas num desejo de poder. Além disso, a religião introduzida pelos Incas aparece como algo forjado cruelmente para a conquista e dominação dos Andes. Desse modo, a aura sagrada que envolvia as tradições históricas e a religião incaica é desmitificada pelo cronista ao imprimir sobre elas um sentido desmoralizante e ilegítimo.

Sarmiento era funcionário da Coroa e do vice-rei Toledo no Peru, e de seu lugar de fala procurava em seus textos dar legitimidade à conquista espanhola do Peru, buscando enfatizar o caráter bélico, as guerras, as mentiras e as crueldades dos Incas, imprimindo imagens que desclassificavam o poder e domínio dos Incas sobre aquelas terras. Dessa forma, ele é um dos artífices do chamado "mito da usurpação"6, construindo uma imagem do governo e da ordem incaica como ilegítima e usurpadora (Iokoi, 1998: 746). Um saber, portanto, que foi instituído/instituidor pelas/das práticas da conquista espanhola nos Andes. Não surpreende que o cronista tenha, portanto, alegado

averiguar la tirania de los crueles Incas de esta tierra, para que todas naciones del mundo entiendan el jurídico y más que legítimo título que el rey de Castilla tiene a estas Índias y a otras tierras a ellas vecinas, especialmente a estos reinos del Perú (Sarmiento, [1552] 1988: 50).

Não por acaso, é na imagem de Mama Huaco que Sarmiento busca a confirmação de suas hipóteses a respeito da origem dessa tirania, crueldade e dominação dos Incas sobre os Andes, ao afirmar que

Estos ochos hermanos llamados Incas dijeron: "Pues somos nacios fuertes, salgamos [sic] de este asiento, y vamos a buscar tierras fértiles, y donde las halláremos, sujetemos [sic] las gentes que allí estuvieren, y tomémosles [sic] las tierras, y hagamos guerra a todos los que no nos recibieren por señores". Esto dicen que dijo Mama Huaco, una de las mujeres, la cual era feroz y cruel, y también Manco Capac, su hermano, asimismo cruel e atroz. Y concertado esto entre los ocho, empezaron a mover las gentes que en aquellas comarcas del cerro había, poniéndoles por premio que los harían ricos, y les darían las tierras y haciendas de los que conquistasen y sujetasen (Ibidem: 52. Grifo meu).

Nesse enunciado, Mama Huaco aparece como uma mulher decidida, forte e de liderança num contexto onde suas palavras e ações mobilizam forças no estabelecimento da dominação incaica. Ela também possuía riquezas e terras, devendo, portanto, exercer algum domínio sobre os recursos materiais/econômicos da existência e o poder de distribuí-los entre os povos aliados. Manco Capac e Mama Huaco são ainda descritos como "caudilhos" (Sarmiento, [1552] 1988: 53) no comando de seus irmãos na conquista de terras.

Este feminino, entretanto, carrega valores negativos, fundando em sua ação a tirania e a guerra. Segundo Sarmiento, Mama Huaco que era fortíssima e destra, foi quem lançou a "vara fundante" para tomar a posse simbólica de Cuzco e assegurar sua prosperidade (Ibidem: 58). Mama Huaco se tornou assim sacralizada. Conta o padre cronista Cristóbal de Molina [1575] que no mês de abril os Incas celebravam o Ayrihua, quando acontecia a colheita de milho nos campos. Entre os rituais dessa cerimônia destaca-se o da oferenda do milho e da chicha ao corpo embalsamado de Mama Huaco. Nas palavras do cronista,

Los habían armado caballeros, salían a la chacra de Sahuasera a traer el maíz que en ella se había cogido, ques por bajo el arco a do dicen [sic] Mama Huaco, hermana de Manco Capac, el primero que sembró el primer maíz [sic], la cual chacra beneficiaban cada año para el cuerpo de la dicha Mama Huaco, haciendo la chicha que era necesaria para el servicio del dicho cuerpo, y así lo traían y lo entregaban a las personas que del dicho cuerpo tenían cargo, que estaba embalsamado; y luego, por su orden, traían el maíz de las chacras del Hacedor, Sol, Luna y Trueno, e Inca y Huanacauri, y de todos los señores muertos (Molina, [1575] 1947: 129-130).

Esse enunciado é bastante revelador de cultos/rituais fundamentados nas tradições histórias das origens, onde o elemento feminino encontra uma dimensão sagrada e privilegiada. A presença de sacerdotes dedicados ao culto de Mama Huaco e de oferendas de milho produzidos nas terras do Criador, Sol, Lua, Trovão, Inca e Huanacauri, atestam a grandeza e importância dos rituais à Mama Huaco no Tawantinsuyo, já que o milho produzido nos campos das outras divindades e do Inca podiam também ser destinados ao seu culto. Molina aponta assim um papel preponderante de Mama Huaco, reatualizado em rituais periódicos por uma maior produtividade dos campos.

Mais uma vez os rituais deflagram um mundo exemplar, o mundo dos ancestrais e dos/as heróis/heroínas culturais (Caleffi, 2004: 42). No ritual à Mama Huaco os seus participantes parecem rememorar aquela atitude primordial fundamental para o sustento dos povos andinos, dando a terra sua fertilidade. O corpo simbólico de Mama Huaco é reverenciado em sinal de gratidão e reconhecimento por esse ato fundador. O princípio feminino aparece-nos aqui, como fonte de autoridade e poder, a partir de seu ato fundador. Se Manco Cápac planta o primeiro milho, as oferendas de suas colheitas são feitas a Mama Huaco. Através desse ritual, os Incas deviam re-atualizar um aspecto do cosmos, a pose da terra e fundação do "império". Molina deixa ainda evidente a participação de armados caballeros ([1575] 1947: 129) no ritual à Mama Huaco, o que sugere também a sua relação/identificação com os guerreiros/as do Tawantinsuyo; quanto a isso a narrativa de Sarmiento apresenta indícios significativos.

No imaginário espanhol essa relação das mulheres com a guerra só podia resultar em algo feroz e cruel. Essas mulheres que pareciam escapar dos padrões reconhecidos de mãe, esposa, dócil e submissa eram vistas como agentes privilegiadas de Satã (Delumeau, 1996), e, portanto, susceptíveis à maldade e a traição. Quanto a isso vejamos o que diz Sarmiento:

Y llegando a las tierras de Huanay-pata (...) halló allí poblados una nación de indios naturales llamados Huallas (...); y Manco Capac y Mama Huaco comenzaron a poblar y tomarles las tierras y aguas contra su voluntad de los Huallas. Y sobre estos les hacían muchos males y fuerzas, y como los Huallas por esto se pusieron en defensa por sus vida y tierras, Mama Huaco y Manco Capac hicieron en ellos muchas crueldades. Y cuentan que Mama Huaco era tan feroz, que matando un indio Hualla le hizo pedazos y le sacó el asadura y tomó el corazón y bofes en la boca, y con ella peleaba - en las manos, se fue contra los Huallas con diabólica determinación. Y como los Huallas viesen aquel horrendo e inhumano espectáculo, temiendo que de ellos hiciesen lo mismo, huyeron, ca [sic] simples y tímidos eran, y así desampararon su natural. Y Mama Huaco, visto la crueldade que habían hecho, y temiendo que por ello fuesen infamados de tiranos, parecióles no dejar ninguno de los Huallas, creyendo que así se encubriría. Y así mataron a cuantos pudieron haber a las manos, y a las mujeres preñadas sacaban las criaturas de los vientres, por que no quedase menoria de aquellos miserables Huallas ([1572] 1988: 60).

Ao classificar a atividade guerreira de Mama Huaco como diabólica, horrenda e desumana o cronista enuncia os sentidos possíveis, numa perspectiva cristã européia, para uma relação do feminino com a guerra. As imagens de Mama Huaco parecem remeter à suposta malignidade da natureza feminina, e ao principio do mal, do diabólico, do humano. Sua determinação e poder é algo da ordem do diabólico, ou melhor, compõem a imagem satânica inscrita na representação das mulheres que povoou o imaginário europeu no fim da Idade Média (Delumeau, 1996: 319-328), marco da desordem absoluta. Assim, retraduzia-se a velha representação da mulher diabólica para as estranhas personagens encontradas no "Novo Mundo", incorporando e alargando o campo das dissonâncias anteriormente detectadas sobre o comportamento feminino. Este estereótipo feminino tornou-se um meio para representar a estranheza do "Novo Mundo".

Na irrupção da novidade, do estranho, do que representa uma ruptura com os esquemas de gênero habituais aos espanhóis, a representação de desumanidade vem aplacar o seu conteúdo perturbador, mobilizando defesas que impeçam a desestabilidade das identidades de gênero conforme as normas androcêntricas e cristãs. À ameaça destas imagens - de um feminino guerreiro, conquistador, líder, - segue-se um trabalho de ancoragem, com o objetivo de torná-las familiares e transformá-las para integrá-las nos esquemas de gênero reconhecidos. Nesse processo as imagens de Mama Huaco são ancoradas numa rede de significação, acomodando-as no universo da alteridade demoníaca e perversa, já negada e perseguida na Europa, por sua associação com a desordem e o caos, com os comportamentos e princípios opostos ao cristianismo, contra a "lei natural" e, portanto, fora do caminho do equilíbrio e da salvação prometida pelo Deus cristão.

As imagens de Mama Huaco são instituídas/instituidoras por/de preconceitos espanhóis quanto à "natural" vulnerabilidade feminina às influências malignas e à sua natureza cruel, bárbara, selvagem, diabólica e irracional. Essas mesmas imagens justificaram e legitimaram as campanhas de "extirpação das idolatrias" nos século XVI e XVII e a autenticação dos justos títulos da Coroa espanhola sobre os Andes, já que o "império" dos Incas funda-se na perversidade feminina e na desordem. Dessa forma, entendo que os sentidos veiculados na imagem de Mama Huaco são constitutivos de processos que, implicitamente ou explicitamente, redefiniram poderes sociais e envolveram uma incessante produção de significados que formaram a experiência social e presidiram as relações entre Incas e espanhóis e entre homens e mulheres no Peru colonial.

Na época da Renascença européia as mulheres são consideradas naturalmente mais malvadas e vingadoras que os homens e assim no mínimo suspeitas e no mais das vezes perigosas (Delumeau, 1996: 349). Podemos perceber, no discurso de Sarmiento, que Mama Huaco, com seus atributos de ferocidade e força, é o inverso do feminino cristão, pois além de não dar a vida, arranca-a do ventre das mães. Ao construir esta imagem "horrenda", Sarmiento desqualifica o feminino na decisão, na força e na conquista, limitando-o, por oposição, à representação da "verdadeira mulher", boa, submissa, mãe e dependente. Em outro episódio narra Sarmiento que esses irmãos saíram para conquistar as terras do povo de Alcabisas no vale de Cuzco:

Y como hubiesen tomado las de los Huallas y de los Sauaseras, quiso también tomar las de los Alcabisas. Y puesto caso que los Alcabisas le habían dados algunas, el Manco Capac quiso e intentó tomárselas todas o casi todas. Y como los Alcabisas vieron que se les entraban hasta las casas, dijeron: "!Estos son hombres belicosos y sin razón! ¡Nos toman las tierras! ¡Vamos y amojonemos las que nos quedan!" Y así lo hicieron. Pero Mama Huaco dijo a Manco Capac: "!Tomemos todas las aguas a los Alcabisas, y así serán forzados a darnos las tierras que quisiéramos!" Y así fue hecho, que les tomaron las aguas. Y sobre esto vinieron a rénir, y como los de Manco Capac eran más y más diestros, forzaron a los Alacabisas a que les dejasen las tierras (...) ([1572] 1988: 62).

Mama Huaco incentiva Manco Cápac à tirania, à conquista, cria estratégias para isto. Astúcia, aliada à força, esta é uma imagem ameaçadora do feminino, portadora do caos, já que em total ruptura com a "lei natural". Dessa violência feminina, os homens do século XVI tinham medo (Delumeau, 1996: 346). Perversidade feminina, desordem cósmica, impureza e as representações do feminino em negativo, para o cronista estão na base da implantação do Tawantinsuyo fundado, assim, sob a fragilidade moral do "sexo feminino", o que, por si só, afirma a ilegitimidade do governo dos Incas sobre os Andes. Como bem atenta Jodelet, as representações sociais orientam e organizam as condutas e comunicações podendo intervir na definição das identidades e nas transformações sociais (2001: 22). O feminino perverso indica a necessidade de controle e domesticação: estas imagens procedem à instituição de gêneros, polarizada e baseada em uma relação superior (masculino) e inferior (feminino). Neste caso, a narrativa mítica toma aqui sua plena dimensão de "discurso fundador", inaugurando e fixando na memória social as imagens e características de um feminino cuja expressão de liberdade e autonomia residem no horror e na perversão de sua "verdadeira" representação.

 3. Conquistadoras, líderes e guerreiras

Sarmiento nos informa ainda que os quatro dirigentes que comandaram os ayllus na conquista de Cuzco foram Manco Capác, Mama Huaco, Sinchi Roca e Mango Sapaca ([1572] 1988: 54-55). E que sendo assim Mama Huaco foi também nomeada entre os quatro chefes do grupo. Esta Coya aparece como mulher tomando parte ativa na conquista de Cuzco, lutando junto aos homens e comandando um exército, numa representação social que aponta para outras possibilidades de existência para mulheres no universo incaico. A representação de Mama Huaco comunica posições políticas possíveis para as mulheres Incas, isso porque as representações sociais constituem, ao mesmo tempo, produtos e processos de uma atividade de apropriação da realidade exterior ao pensamento e de elaboração social dessa mesma realidade, segundo explicita Jodelet (2001: 22). Como veremos Mama Huaco não é a única mulher que aparece como líder e guerreira nas narrativas dos cronistas e nos indícios arqueológicos.

Recentemente (Folha, 17/05/2006) as pesquisas arqueológicas no norte do Peru apresentaram a descoberta do corpo (múmia) de uma mulher de 30 anos, muito bem conservada e localizado num antigo centro cerimonial da cultura moche (pré-inca), datado de 450 d.C.. O seu corpo apresentava tatuagens de animais míticos, aranhas e motivos geométricos. Ao lado dela os estudiosos acharam duas clavas de guerra, 23 lanças e pedras preciosas. Segundo o antropólogo John Verano, seria a primeira vez que se encontrou num enterro feminino daquela cultura, armas acompanhando um cadáver de mulher. Isto não significa que outros não existam, apenas não foram encontrados. Ainda segundo Verano, até onde se sabe somente os homens deviam portar esses objetos, pois "Geralmente as mulheres são retratadas como sacerdotisas na arte mochica" (Folha de São Paulo, 17/05/2006). Esta afirmação com clareza partilha a divisão sexual de atividades e comportamentos.

Esses indícios arqueológicos sinalizam para a presença de uma mulher guerreira detentora de prestígio social, já que a mumificação também era prática destinada a pessoas importantes na sociedade mochica, marcada pelas atividades bélicas. Com isso podemos supor que a presença de mulheres guerreiras com elevado status social já se fazia presente na região andina há muito tempo antes dos Incas; e que, desse modo, a representação de Mama Huaco como guerreira não seria extraordinária na região, ou como sugere os cronistas, um mito/fantasia, já que os próprios indícios arqueológicos, ao lado daqueles oferecidos pelas crônicas, sinalizam para a presença de outras mulheres envolvidas nas mesmas práticas em tempos pré-Incas.

As representações de mulheres em armas aparecem em dois momentos sacralizados pela cultura incaica, na origem dos Incas e no processo de formação do poderio incaico sobre os Andes nos séculos XV e XVI. Além da presença dessas mulheres guerreiras no mundo incaico, as crônicas revelam ainda que os Incas também moveram guerras contra grupos de mulheres.

Segundo o cronista indígena Santa Cruz Pachacuti Yamqui, na época de Topa Inca Yupanqui (1470-1493) saiu de Cuzco um exército muito poderoso de doze mil homens quéchuas que lutou em Huarmi pucara contra as mulheres cullacas ([1613] 1995: 79). Este tipo de indício é extremamente importante já que aponta para a existência de mulheres guerreiras organizadas enquanto tal. Estas representações, estranhas ao quadro representacional do cronista apontam para a pluralidade de organizações e atividades sociais no que diz respeito à fixação de papéis e comportamentos de gênero. Boa parte da historiografia ignora tais indícios relegando-os à imaginação fértil ou credulidade dos cronistas. Se os cronistas, apesar de seus repertórios interpretativos, nos deixam indícios preciosos de uma humanidade multifacetada, a historiografia reduz a história pré-colombiana a um monótono esquema binário de hierarquia e dominação do masculino sobre o feminino, do forte sobre o fraco, repetindo a construção de suas representações e práticas sócio-discursivas..

Betanzos fez um comentário a respeito de outro grupo de mulheres que na época dos Incas lutava em guerras. Ele conta que algumas delas foram capturadas como prisioneiras pelo povo de Caxaroma que praticava o canibalismo. E que eles escolheram entre elas as que melhor lutavam para se casar. Tiveram filhos com elas e depois comeram a carne dessas mulheres (Betanzos, [1551] 1987: 134). O imaginário domesticado pela oposição dos gêneros aqui toma forma: são homens que capturam as mulheres e sua intenção parece clara, ligada à sexualidade e reprodução, apropriação dos corpos das mulheres, absorção dos corpos das mulheres.

Um indício bastante significativo dessa presença de mulheres no Peru pré-hispânico aparece ainda na narrativa de Betanzos, quando menciona que algumas mulheres se vestiram como "guerreiros" nos rituais ordenados pelo Inca Pachacútec (Ibidem: 147). Na visão do cronista estas mulheres como guerreiras, só podiam estar travestidas já que se vestiram de hombres. Na sua acepção somente eles poderiam portar armas e vestimentas para a guerra, desse modo o cronista tenta excluir a possibilidade de uma identificação das mulheres com as atividades guerreiras.

Apesar das poucas referências dos cronistas às mulheres guerreiras aliadas aos Incas, a descrição de uma em particular é bastante reveladora dessa possibilidade, presente nas tradições históricas da guerra dos Incas contra os Chancas e que responde à necessidade dos Incas de explicar sua realidade, de contar os acontecimentos que desataram a expansão e o poderio incaico sobre os Andes. Sarmiento ([1572] 1988: 88) e Pachacuti ([1613] 1995: 61) contam que na época do Inca Yupangui, no episódio em que os Incas lutaram contra os Chancas pelo domínio de uma região próxima à cidade de Cuzco, os homens e as mulheres Incas se armaram para combater os inimigos da cidade. Segundo Sarmiento,

Los que entraron por um barrio del Cuzco llamado Chocos-Chacona fueron valerosamente rebatidos por los que de aquel barrio; adonde cuentan que una mujer llama Chañan Cusi Coca peleó varonilmente y tanto hizo por las manos contra los Chancas que por allí habían acometido, que los hizo retirar. Lo cual fue causa que todos los que lo vieron desmayaron ([1572] 1988: 88).

Da mesma forma que Mama Huaco, Chañan Cusi é destacada também como "mujer varonil" (Pachacuti, [1613] 1995: 61), estando ligada às guerras de conquista movidas pelos Incas. Nessa perspectiva entendo que entre os Incas as atividades não estavam fixadas segundo o sexo biológico das pessoas, conforme tentaram demonstrar Garcilaso e outros cronistas. Se alguns homens puderam ser reconhecidos pela força e coragem heróicas e guerreiras, da mesma forma algumas mulheres também puderam ser reconhecidas e até mesmo sacralizadas pelo desempenho significativo dessa função. Um indício bastante significativo dessa sacralização de mulheres guerreiras aparece numa pintura feita num quadro do século XVI por um artista indígena que se encontra dentro de uma Igreja Católica colonial.

Trata-se de um quadro que representava a ação de Chañan Cusi ao decapitar um chefe inimigo, facilitando assim a vitória dos Incas. Ela aparece no centro desse quadro pisando no corpo do chefe inimigo, cuja cabeça ela segura em uma das mãos e em outra uma espécie de arma. Ao lado dela aparece um homem segurando uma lança, possivelmente um guerreiro, observando a sua ação. Já atrás aparece um grupo de homens pequenos, cujo tamanho e posição secundária na imagem, apenas realçam a figura principal, feminina. A cena é uma constatação de poder, força e presença feminina, cuja importância se afirma na presença dos símbolos, figura que concentra o olhar de quem olha a pintura e dos personagens que compõem o quadro. Três símbolos sagrados para os Incas também aparecem: um camelídio branco correndo ao fundo, dois felinos e um arco-íris no céu (Sociedad Estatal Quinto Centenário, 1991: 282-283).

No período colonial os artistas indígenas representavam vários temas pré-hispânicos sobre os altares das Igrejas católicas no Peru, inspirados também em acontecimentos da época dos Incas, mais uma reatualização das tradições históricas, reafirmando os indícios que estamos ressaltando. A representação de Chañan Cusi figurava não só ao lado de outros "santos guerreiros" da cultura indígena, mas também ao lado das representações dos santos católicos. A Igreja como lugar sagrado no período colonial não deixa de abrigar um certo sincretismo. Alguns artistas indígenas, apesar de convertidos ao catolicismo, expunham aquilo que para eles ainda se relacionava com o sagrado e memória, como o ato heróico de Chanãn Cusi ao facilitar a vitória do Inca na guerra contra os Chancas (Sociedad Estatal Quinto Centenario, 1991: 282).

Essa imagem devia possuir para os Incas um significado religioso, já que nela temos a presença de um animal branco (camelídio) sagrado para os Incas e dois felinos de cujas bocas brotava um arco-irís. Segundo Pachacuti, o arco-irís era símbolo de vitória e prosperidade (Ibidem: 15). Por conta disso, Chañan Cusi parece como personagem sacralizada ao ter sua imagem relacionada aos símbolos sagrados da vitória e prosperidade. Mesmo cristianizados os ameríndios, como vemos, não esqueciam seus antigos deuses/deusas e heróis/heroínas, daí a presença significativa da imagem dessa heroína dentro de uma Igreja do século XVI. Colocada numa Igreja, esta imagem sacraliza o feminino e sua representação de força e poder.

Apesar de todas as restrições e perseguições que os padres católicos promoviam a qualquer manifestação das crenças indígenas no Peru, os artistas indígenas conseguem introduzir dentro das igrejas suas visões de mundo, resistências, memórias e valores, onde o feminino ocupa também um lugar sacralizado na figura de uma mulher guerreira, símbolo das conquistas incaicas. A imagem de Chañan Cusi, bem como a imagem sacralizada da Virgem Maria, reflete a coexistência de diferentes concepções a respeito do feminino e o sagrado no período colonial. Essa imagem afirma ainda, especialmente, a resistência indígena à aceitação completa das concepções cristãs dos gêneros, do sagrado e do passado introduzidas pelos espanhóis.

 

4. Da representação à ação

Do período colonial temos ainda notícias de mulheres guerreiras que lutaram contra a opressão espanhola, igualando-se às heroínas ancestrais - Mama Huaco e Chañan Cusi - que lutaram pela origem e expansão do poderio incaico sobre os Andes. No cenário da conquista hispânica, as representações dessas heroínas ancestrais transmitidas nas tradições históricas deviam constituir saberes práticos que reatualizavam condutas e comportamentos possíveis para as mulheres, construindo para elas a possibilidade de resistência física e bélica à dominação espanhola. Da mesma forma que Chañan Cusi e Mama Huaco participaram ativamente nos confrontos bélicos em prol do Tawantinsuyo, as mulheres Incas na época da conquista também lutaram ativamente contra o poder espanhol. As crônicas legaram poucas notícias a respeito delas, mas parece que a tradição oral andina preservou na memória os feitos dessas mulheres. No Peru a intervenção das mulheres pela independência começou quando ainda se iniciava a conquista espanhola a cargo de Francisco Pizarro. Elas não se renderam à ocupação espanhola, muitas delas pegaram em armas e lutaram pela libertação. Segundo a estudiosa Sofia Nina Kanchari 7, a Coya Kura Oqllo junto e seu companheiro Manco Inka Yupanqui (Tupak Katari) levaram adiante um plano de reconquista do Peru com um grande exército. E que desse modo,

Ella se encargó de iniciar el bloqueo de la ciudad del Cuzco desde la fortaleza de Sacsaywaman. Las batallas continuaron. Kura Oqllo y Manco Inka, no sólo se enfrentaba a Españoles, sino también a los ejércitos comandados por sus propios parientes. Tuvieron que huir hacia Yucay, pero Hernando Pizarro, por venganza, ordenó a matar muchas mujeres que también lucharon por la reconquista. Kura Oqllo fue capturada y conducida al Cuzco, donde Francisco Pizarro ordeno matarla a flechazos. Esta mujer fue una de las primeras heroínas que murió con valor por recuperar sus tierras y mostró dignidad, patriotismo, coraje y amor a su tierra y su raza (Sofia Nina, 2004: web).

As novas gerações aymaras e quéchuas tem mantido na memória o brilho do exemplo das guerreiras Bartolina Sisa, Gregoria Apaza e Kurusa Llave, heroínas aymaras e quéchuas da época colonial. A história de Bartolisa Sisa provém de um esforço de vários estudiosos aymaristas em lançar uma nova luz ao passado daqueles(as) guerreiros(as) que estiveram nas sombras, estigmatizadas como "perversos", "selvagens" e "delinqüentes" na "história oficial"8 (Murillo, 2001: web). Segundo a estudiosa Marina Ari Murillo, ela provinha da linhagem das Mama T'allas, mulheres com autoridade ao lado dos homens, que tinham também suas próprias divindades femininas. Eram mulheres inteligentes, laboriosas, guerreiras que eram contempladas com respeito dentro do pensamento aymara (Ibidem: web).

A presença dos espanhóis fez com que muitas mulheres perdessem sua autonomia, autoridade, propriedades e riquezas, elas passaram a ser tratadas com desrespeito e violência. Bartolina sabia das atrocidades que os espanhóis cometiam contra os quechuas e aymaras, transformando estes povos em escravos e exterminando populações inteiras. Como diz Murillo, ela sabia que

las mujeres eran encerradas por dias em cuartos húmedos y oscuros, sin derecho a alimebtos ni hacer sus necesidades, hijando y tejiendo para el "Caballero" español. Violentadas, golpeadas, insultadas y despreciadas varias mujeres originarias preferieron el suicidio y la muerte de sus hijos antes de presenciar el brutal genocidio al que fue sometido el pueblo Ayamara Quechua por la invasión española (Ibidem: web).

Vendo e vivendo essa situação, Bartolina ao 26 anos de idade levantou a bandeira da reestruturação da "Nação Quéchua Aymara" e foi, segundo a mesma autora, paradigma da mulher indígena e representante das mulheres indígenas que lutaram pela libertação (Ibidem: web). No século XVIII as mulheres ainda estão nas batalhas. A historiografia recente tem recuperado a presença e ação das mulheres em campos onde se pressupunha apenas a existência de homens, a partir das representações binárias de gênero que atrelam o biológico a determinadas condutas.

Estes relatos informam que as comunidades não agüentavam os abusos e violências cometidos pelos espanhóis, e criaram um exército aymara de Libertação, iniciando em 1781 uma guerra libertaria contra a ocupação espanhola. Tupak Katari liderou esta guerra revolucionária que contou com a presença de muitas mulheres. Bartolina se uniu a esse exército (Ibidem: web), junto a milhares de homens e mulheres aymaras que combateram com pedras os canhões e as armas de fogo dos espanhóis. Ainda segundo Murillo, Bartolina organizou as mulheres em batalhas, onde demonstram o seu valor e trabalho infatigável (Idem: 05). Segundo Sofia Nina, Bartolina

fue jefa de batallones indígenas donde demostró gran responsabilidad y capacidad de organización, logrando armar un batallón de guerrilleros indígenas y también grupos de mujeres colaboradoras de la resistencia a los españoles en los diferentes pueblos del Alto Perú. Sus hazañas y arrojó [sic] está representada en el Sitio de La Paz y a Sorata en donde tomó parte activa, ordenando represar el río que pasa por la ciudad para provocar una inundación que debía romper los puentes y aislar a la población, pero este plan fracasó puesto que el general realista, Segurola, recibió ayuda de cinco mil hombres que destruyeron los planes de los rebeldes. Tiempo después, Bartolina Sisa fue capturada, torturada y cruelmente asesinada (2004: web).

Não foi rara a participação das mulheres aymaras e quechuas na rebelião de Tupak Katari, no final do século XVIII (Murillo, 2001: web). O exército de Quiswas de Chayanta, por exemplo, esteve dirigido pela viúva de Thomas Katari, Kurusa Llave, que lutou valentemente até ser derrotada pelas forças de auxílio que os espanhóis receberam (Idem: 08). Gregoria Apaza, irmã menor de Tupak Katari, e companheira de Andrés Tupak Amaru filho do Inca Tupak Amaru, dirigiu tropas femininas em várias batalhas. Como narra Murillo "esta comandanta, (...) dirigió ofensivas del ejercito del joven Amaru. Muchas otras mujeres anónimas andinas pelearon en los ejércitos Amaristas y Kataristas" (Ibidem: 08).

Entretanto, o fim dessas mulheres foi bastante trágico e atroz, já que os espanhóis não esperavam encontrar mulheres lutando contra a opressão e a libertação do julgo colonial no Peru, por isso trataram de perseguí-las e puni-las publicamente. A história de Bartolina, ao lado da de Kura Oqllo, revela o final trágico de uma mulher guerreira em mãos espanholas. Conta Murillo que haviam cumprido 109 dias do cerco Katarista quando em 10 de julho de 1781, os espanhóis receberam reforços de Charkas. Tupak Katari foi obrigado a retirar-se e nesta ação Bartolina foi capturada pelos espanhóis. Nas palavras da autora,

Cuando la comandanta se dirigía al campamento de Pampajasi, sus mismo acompañantes la traicionan y la entregaron presa al cruel Flores quien la condujo presa a la ciudad de La Paz. En Chuquiago fue recebida por una lluvia de piedras, insultos y golpes. El genocida Segurola la encerró encadenada en la peor de las celdas. (...) Los españoles torturan a Bartolina Sisa y le dan el peor de los tratos pero la mantienen com vida esperando usarla como um cebo para capturar a Katari. (...) El 5 de octubre, por ejemplo, sacan a Bartolina de su prisión y disfrazan las terribles condiciones em que la tenian prisionera, lavada y vestida com ropajes ajenos la colocan a pocos pasos del cerco humano del ejército Katarista, mientras Segurola prepara el ataque con varios españoles disfrazados de indígenas. Sin embargo, Tupak Katari, no cae en la trampa y envia a dos mensajeros para que entreguen alimentos, coca y oro a Bartolina (2001: web).

Logo após esses acontecimentos Tupak Katari foi capturado em 1781 e assassinado pelos espanhóis. Um ano mais tarde em 5 de setembro de 1782 os espanhóis conduzem Bartolina pelas ruas de Chiquiago com os cabelos raspados e seu corpo nu, depois de ter sido torturada, espancada e insultada, eles a amarraram num cavalo e lhe colocaram uma coroa de espinhos. Ainda segundo Murillo,

Sus gemidos molestan a los españoles quines para callarla le cortan los pechos. Luego la arrastan varias vueltas por la plaza y le arracan la lengua. Caída la llevan a patadas hasta la horca donde es asesinada y descuartizada. Sus miembros fueron arrancados y su cabeza clavada en un palo fue expusta en Cruzpata. (...) El mismo trato español recibió Gregoria Apaza (...) ella fue igualmente paseada con una corona de clavos y espinas junto a Bartolina Sisa y ahorcada y después despedazada. Su cabeza fue expuesta en Sorata y luego quemada y sus cenizas arrojadas al viento (Ibidem: web).

A violência sexual contra as mulheres indígenas foi uma das armas da colonização, usada para subjugar e humilhar as mulheres como seres mais inferiores e colonizados. A todo momento essa violência parecia transmitir uma mensagem àquelas que ousassem romper os padrões de gênero cristãos colonialistas introduzidos pelos espanhóis. Se na vida real essas mulheres foram perseguidas, estupradas, torturadas e assassinadas, numa luta de libertação, na maior parte das narrativas históricas oficiais elas foram esquecidas e silenciadas, ou tiveram sua memória negada e/ou deturpada.

As mulheres que outrora estiveram também no centro da sociedade incaica, participando ativamente como guerreiras, huacas, heroínas, coyas, curacas, capullanas e sacerdotisas, passaram a ser marginalizadas, tratadas pelos espanhóis como objetos de exploração. Não surpreende o fato de que as mulheres indígenas tenham enfrentado agressões, castigos, estupros e, em alguns casos, de terem sido culpadas politicamente de subversão pelo poder espanhol (Silverblatt, 1990: 158). Como bem observou Todorov, "as mulheres índias são mulheres, ou índios ao quadrado; nesse sentido, tornam-se objeto de dupla violentação" (1999: 58).

O silêncio sobre essas mulheres indígenas em boa parte da historiografia contemporânea faz da história uma narrativa binária, onde as mulheres se encontram apenas no âmbito privado reduzidas aos papeis de mãe e esposa. No entanto, a presença e ação dessas mulheres nas tradições históricas andinas acerca das lutas pela independência nos permitem a construção de outras representações acerca das mulheres indígenas, para além de corpos frágeis, maternos e da divisão generizada dos papeis sociais. Como bem declarou recentemente a jornalista Solange Dominguez, na Revista Ser Indígena,

la actitud y entrega de Bartolina contienen la actitud y el ejemplo de miles de personas pertenecientes a los pueblos ancestrales. Es por ello, que los reconocimientos a su vida no se han detenido. En el mes de julio de 2005 el Congreso Nacional de Bolivia declaró a Bartolina Sisa y Tupak Katari, heroína y héroe nacional, en reconocimiento por su incansable lucha durante el siglo XVIII. (...) De esta manera, la figura de Bartolina Sisa, llamada también Mama T´alla (nombre dado a las mujeres con autoridad, luchadoras y guerreras), se yergue en el presente de los pueblos originarios como un referente, una palabra, una expresión de lucha por su cultura. En su nombre, se contienen los normes [sic] de todas las mujeres y hombres indígenas que llevan, como ella, una misión por sus pueblos: que el silencio no caiga sobre las culturas ancestrales americanas (2005: web).

Enquanto boa parte da historiografia, escrita sob o ponto de vista androcêntrico, silencia a resistência dessas mulheres no passado, na atualidade, boa parte do movimento indígena nos Andes vêm tentando manter a memória desses/as heróis/heroínas que lutaram contra a opressão colonial.

 

5. Considerações finais

O grupo que deu origem ao Tawantinsuyo é intrigante e perturbador, na medida em que foge da realidade tida como natural/determinada para o Ocidente, revelando outras possibilidades de existência para homens e mulheres em sociedade. Se alguns cronistas silenciaram sobre a presença de Mama Huaco, por conta de ser uma mulher forte e livre que tomava decisões e guerreava, outros trataram de desqualificá-la através de negativas e detratoras do feminino familiares aos europeus do século XVI.

As crônicas instituem "significações imaginárias sociais" para o comportamento de mulheres e homens na história. Ao instituir esse "mundo" de significações esses discursos funcionam, ao mesmo tempo, como matrizes e efeitos de práticas diferenciadas (Chartier, 1990: 18). Como diria Castoriadis, "a instituição da sociedade é toda vez instituição de um magma de significações imaginárias sociais, que podemos e devemos denominar um mundo de significações" (Castoriadis, 1982: 404). Desse modo, aquilo que não se refere a esse "mundo de significações" instituídas, não pode existir para a sociedade, "tudo o que aparece é logo tomado nesse mundo - e já só pode aparecer sendo tomado nesse mundo" (Idem: 404).

Não surpreende o fato de que Sarmiento tenha usado a imagem de Mama Huaco para conferir aos Incas uma origem ilegítima, diabólica e não-natural; e de que a maioria das crônicas tenha silenciado ou negado a possibilidade de que Mama Huaco significasse uma mulher guerreira e conquistadora, já que aos olhos espanhóis isto poderia representar uma ameaça à tentativa de instalação de uma sociedade cristã patriarcal no Peru cujos atributos de força, poder e habilidade guerreira deveriam ser masculinos. Nestas representações, o "maravilhoso", é como assinala Navarro-Swain: "aparece apenas para melhor desaparecer, para melhor assegurar o ordenamento do mundo, seus valores e suas imposições" (1998: 254). Por outro lado, o "maravilhoso", que atravessas as representações de Mama Huaco, nos informam sobre a existência de mulheres fortes, capazes de lutar, matar e assegurar a sobrevivência e domínio de seu grupo nos Andes. Um grupo cuja existência era intrigante e perturbadora, visto que poderia transtornar a tão almejada ordem cristã colonial e as imagens naturalizadas do feminino no imaginário espanhol da época. Assim, o cronista fecha as brechas e traz o mundo à ordem do discurso.

A presença das mulheres nas origens e expansão do Tawantinsuyo, e também nas guerras de resistência à dominação colonial, constituem indícios, como vimos, de um feminino exercendo o poder e a liderança. As tradições históricas andinas, seja das origens e expansão de um das maiores organizações políticas que existiram na América Pré-hispânica, seja das guerras de resistência à dominação colonial, traduzem a possibilidade de que as mulheres estejam ligadas a projetos e ações que foram durante muito tempo considerados inacessíveis ao feminino. A história das mulheres peruanas -, rastreada através das crônicas, da historiografia, dos vestígios arqueológicos e das tradições orais andinas acerca do passado,- nos possibilita ainda romper com aquele conhecimento histórico androcêntrico e essencialista, mostrando a multiplicidade do real, em matrizes de inteligibilidade não necessariamente fixadas em corpos/sexos/sexualidade. O que a história diz torna-se possibilidade de existência!


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NOTA BIOGRÁFICA

Susane Rodrigues de Oliveira é doutora em História pela Universidade de Brasília e professora de História da América no ISPAM (Instituto de Ensino Superior Paulo Afonso Martins) localizado no Distrito Federal. Este artigo é resultado das suas pesquisas de doutorado sobre as representações do feminino e do sagrado nos discursos dos cronistas e na historiografia sobre as origens e expansão do "Império" Inca. Este trabalho contou com a orientação da Drª. Tania Navarro-Swain. E-mail: susanero@gmail.com

NOTAS

1 Tawantinsuyo era o nome dado pelos incas a seus domínios, significando a tierra de los cuatro suyos ou as cuatro regiones unidas entre si (Rostworowski, 1999: 19), já que se encontrava dividido em quatro grandes regiões (Chinchaysuyu, Antisuyo, Collasuyu e Cuntisuyu) habitadas por uma multiplicidade de etnias. Este amplo domínio territorial abarcava os planaltos andinos, da Colômbia até as regiões do Chile e da atual Argentina, das costas do Pacífico até a floresta amazônica, tendo o Peru como centro político, econômico e demográfico.

2 Segundo a pesquisadora Maria Rostworowski, antes da expansão incaica o território andino se dividia em macroetnias (Kuracazgos) cujos chefes eram os Hatun Kuraca ou “grandes senhores/as”. A jurisdição de suas terras variava segundo seu poderio e seus componentes étnicos (Rostworowski, 1999: 201). Estes Kuracas governavam, por sua vez, vários Kuracazgos subalternos, de menor hierarquia, alguns bastante pequenos. O modelo sócio-político do âmbito andino se apresentava assim como um mosaico, onde diversos Kuracas podiam estar agrupados sob a hegemonia de chefes maiores, mulheres ou homens.

3 Como bem atenta Baczko, “através dos seus imaginários sociais, uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns” (1985: 309).

4 Segundo Denise Jodelet, as representações sociais constituem “Forma[s] de conhecimento[s], socialmente elaborada[s] e partilhada[s], com um objetivo prático, e que contribuem para a construção de uma realidade comum a um conjunto social (...) [Ou seja, como] sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros – orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais” ( 2001: 22).

5 Pacaritambo: “Posada de la Producción, Posada del Amanecer o Casa del Escondrijo” (Rostworowski, 1999: 37).

6 Segundo Zilda Márcia Gricoli Iokoi, “os espanhóis que chegaram a esta região no século XVI tinham a preocupação de conquistar novas terras, e, dessa forma, procuraram encontrar justificativas para essa apropriação. Assim, ao difundirem a idéia de que os incas eram usurpadores, que haviam se apropriado das terras através da violência, tornavam-nos ilegítimos na área. Os espanhóis poderiam, assim, prosseguir a conquista. Produziram, para a mentalidade da época, o mito da usurpação, com o objetivo de legitimar a coroa espanhola, e criaram campo para constituição dos presságios funestos como os de Viracocha, criados após a conquista” (1998: 746).

7 Sofia Nina Kanchari é integrante do Centro de Desarrollo Integral Ajllaywasi (Bolívia: La Paz).

8 Ver La historia de nuestros héroes andinos (http://www.pusinsuyu.com/html/bartolina_sisa.html).

labrys, études féministes/ estudos feministas
janvier /juin 2007 - janeiro / junho 2007