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études féministes/ estudos feministas Cisões, Alianças e Sucessos dos Feminismos no Rio de Janeiro. Anos 1970-1980. Rachel Soihet*
Resumo: Evidenciar a existência de múltiplas concepções acerca do feminismo em contraposição a uma crença na sua homogeneidade constitui-se num dos objetivos desse artigo. Assim, com base em narrativas de militantes e fontes documentais, são examinadas, por um lado, dissensões nos feminismos do Rio de Janeiro, nos anos 1970-1980, a partir do argumento da corrente majoritária, naquele momento no Centro da Mulher Brasileira CMB-RJ, acerca da necessidade de se evitar determinadas reivindicações que ameaçassem a união de forças contra a ditadura, fato que determinou sua cisão. Por outro lado, ressalto a posterior aliança entre estes feminismos, evidenciando uma tomada de consciência de gênero, dando lugar ao encaminhamento de lutas contra questões que impediam o pleno acesso das mulheres à cidadania, tais como: o controle do corpo (aborto, contracepção), o assédio sexual e o assassinato de mulheres em nome da legítima defesa da honra. Palavras chave: Feminismos – Centro da Mulher Brasileira – Rio de Janeiro –- Aborto Violência contra as Mulheres – Consciência de Gênero Em março de 1979, vinte e uma mulheres se reuniram e elaboraram um documento no qual expressavam tanto seu posicionamento com relação ao Centro da Mulher Brasileira – CMB –, como o que entendiam por feminismo. Após discorrerem acerca das esperanças iniciais no advento do CMB como um espaço de troca de experiências e de realização coletiva de objetivos, pelo despertar da consciência da opressão específica que recai sobre as mulheres, manifestavam o desapontamento com o rumo tomado pelo Centro. Criticavam comportamentos e atitudes autoritárias, agressividade, ausência de afetividade entre as mulheres, existência de temas tabus, presentes em muitas assembléias. Enfatizavam, ainda, o desinteresse no estreitamento de laços com outras mulheres numa perspectiva feminista, nos espaços abertos pelas associações de bairro, profissionais e de comunidades. Assim, questionavam como conhecer a realidade e a amplitude da sexualidade feminina, diferenciando suas experiências sexuais dos mitos masculinos impostos às mulheres. Através desse documento, buscavam mobilizar as mulheres para uma reflexão sobre o feminismo e o Centro da Mulher Brasileira, expressando coletivamente suas críticas e expectativas, a fim de transformar a entidade num espaço realmente feminista. Ainda propunham que os grupos de reflexão se constituíssem em espaços de debates entre as mulheres que os integravam, programando e realizando suas práticas segundo seus interesses e conveniências, sem vinculação burocrática com o espaço que ocupavam, numa estrutura descentralizada, não devendo suas reuniões reproduzir modelos masculinos de hierarquização e competitividade[1]. Ainda frisavam que as mulheres deviam assumir suas aspirações e reivindicações específicas na vida pessoal, política e econômica, fortalecidas por um movimento próprio, sem subordinação a outros grupos que também travavam debates e lutavam pela transformação da sociedade. Depreende-se do documento acima que suas signatárias apresentavam posições próximas do “movimento de liberação das mulheres”, como se apresentava na França nos anos 1970, ou como do chamado “feminismo radical” nos Estados Unidos. Para tais correntes, o feminismo significava a aquisição de uma atitude solidária entre as mulheres, as quais caberia assumir a luta contra as atitudes autoritárias e práticas opressoras em todas as instâncias da vida privada e pública, sem o que não se poderia conceber nenhuma revolução na ordem social. Daí a ênfase no documento acerca da importância de uma “estrutura descentralizada” para o CMB. Também se observa que destacavam a relevância da discussão da sexualidade, considerada por aquelas correntes como uma questão fundamental para a conquista da autonomia para as mulheres através da plena assunção do corpo e da sexualidade (aborto, prazer, contracepção) (ERGAS, 1994, p.601). Em suma, proclamavam a “existência de uma inextricável ligação entre o reino do corpóreo e a constituição da subjetividade. Ser expropriada do seu corpo era muito simplesmente ser expropriada do seu eu” (Idem, ibidem, p.600 [2]. Tal autonomia se faria conquistar, através da troca de experiências em pequenos grupos de autoconsciência, aqui chamados de reflexão. Espaços estes nos quais as mulheres compartilhariam experiências e problemas vivenciados nas relações entre os sexos, entre eles, aqueles relativos à sexualidade, à contracepção, à violência. Esses grupos possibilitariam às mulheres a constatação de problemáticas comuns e a descoberta de que não se tratavam de problemas únicos nem particulares, mas que eram parte da opressão sofrida por todas as mulheres, dando margem ao estabelecimento da irmandade de gênero ou da sororidade (MACHADO, 1992, p. 24-38). Também de acordo com o citado documento, pode-se constatar que divergências profundas estabeleceram-se entre as componentes do CMB, inclusive no que diz respeito à referência de que deveriam assumir seus próprios interesses, sem subordinação a quaisquer outros grupos. Para entender esse processo, cabe retroceder à criação dessa entidade a 8 de setembro de 1975, logo após o evento intitulado “Semana de Pesquisas sobre o Papel e o Comportamento da Mulher Brasileira”, ocorrido entre os dias 30 de junho e 6 de julho de 1975, promovido com o apoio da ONU e da Associação Brasileira de Imprensa – ABI – por grupos que já se reuniam em caráter privado para a discussão da problemática feminina. Este evento alcançara grande sucesso, constituindo-se numa brecha em meio ao autoritarismo que pesava sobre o país. Dele participaram personagens de significativa importância, dentre eles Celso Furtado, que retornava ao Brasil depois de longo afastamento, e que considerou o “feminismo o maior e mais importante movimento deste final de século” [3]. A partir daquele momento, o CMB passou a representar o movimento feminista no Rio de Janeiro, ocorrendo a criação de entidades análogas em outros locais do Brasil. Não tardaram, porém, as divergências entre as suas componentes, revelando, de um lado, a complexa situação política do país mergulhado na ditadura militar e, de outro, a influência dos feminismos internacionais. As primeiras dissensões decorreram de questões ligadas à estrutura e forma de organização da nova entidade, e foram marcadas por duas tendências. Uma vertente defendia a criação e o funcionamento espontâneo de grupos de autoconsciência. A outra, que prevaleceu, era partidária da criação de uma entidade com personalidade jurídica, dispondo de um órgão que incentivasse atividades prioritárias e coordenasse os grupos de reflexão, alegando a necessidade de uma cobertura legal e institucional para realizar reuniões e atividades. Quanto às denominações, houve debates sobre a utilização ou não da palavra “feminista” no nome da futura organização. Venceu a posição de não utilizá-la pelo estigma que carregava, associada ao homossexualismo. Observe-se que a decisão de utilizar a expressão “grupos de reflexão” em vez de “grupos de autoconsciência”, própria dos movimentos de liberação de mulheres em outros países, era justificada pela necessidade de se proteger da repressão, uma vez que a palavra “autoconsciência” poderia ser confundida com militância política. Por outro lado, surgiu uma ambigüidade com relação às práticas desenvolvidas por esses grupos – alguns se intitulavam “de reflexão”, “de trabalho”, ou, ainda, “de reflexão e trabalho”. A tendência foi no sentido de desenvolver atividades derivadas do estudo e da pesquisa sobre temas fundamentais referentes à situação da mulher trabalhadora, às creches do município do Rio de Janeiro (GOLDBERG, 1987, p. 108/109). Como exceção destacou-se o grupo Ceres que assumiu essa denominação a partir da realização de uma pesquisa sobre sexualidade, tema sobre o qual suas componentes refletiam[4]. Através de entrevistas realizadas com algumas das integrantes do CMB e de uma leitura atenta das atas das assembléias, pode-se vislumbrar a presença das divergências mencionadas no “Documento das 21”. Embora, em seu depoimento, Maria Luiza Heilborn (Malu) reconheça que: era a organização política possível naquele momento. (...) Porque na verdade tinha uma questão que era ligada a discutir a condição feminina brasileira, sobretudo, num momento de profunda ditadura no Brasil, muito rigorosa, mas na verdade, o foco era o foco tradicional, é o da esquerda[5]. A agenda da esquerda era de integração, mas no seu ponto de vista “não tinha uma perspectiva feminista”. Visava a “integração da mulher no mercado de trabalho, a mudança no Código Civil, que era muito desfavorável à posição feminina na sociedade, a participação política feminina”. Nesse sentido, o Centro da Mulher Brasileira apresentar-se-ia naquela época como um grande espaço de atuação legítima das forças de esquerda, seria “uma fachada legal, essa é minha versão radical, (...) de atuação das mulheres comunistas, ligadas ao PC, ao Partidão” [6]. Aliás, confirmando a influência que os partidos queriam exercer nas decisões do CMB, refere-se Moema Toscano à “marca desses partidos, que queriam dizer (...) como é que nós íamos nos comportar. Eles queriam ditar as regras. O Partido Comunista (...) já trazia o recado pronto do que a gente devia fazer”[7]. Sem dúvida, havia um predomínio de mulheres vinculadas a organizações de esquerda, embora não necessariamente ao citado partido, que subordinavam a problemática das relações de poder entre homens e mulheres às questões mais gerais da sociedade – marcadas pelo autoritarismo do regime militar com que se defrontava a sociedade brasileira após o golpe de 1964. O empenho maior recaía no desenvolvimento de atividades voltadas para a conscientização das mulheres dos segmentos populares. Nesse sentido, de acordo com a perspectiva marxista-leninista, boa parte das feministas colocava-se naquele momento como vanguarda revolucionária do movimento das mulheres, necessária para orientar as trabalhadoras em sua missão histórica. Legitimavam-se, assim, articulando-se com os outros movimentos de luta pela redemocratização do país (RAGO, 1995/1996, p.35). A competência dessas mulheres em fazer valer suas posições é frisada por Malu: (...) são mulheres admiráveis nesse sentido, vejam só, porque elas tinham traquejo político. Você sabe que reunião é traquejo político, (...): questão de ordem, questão de encaminhamento, questão de não sei o quê, essas mulheres estavam hiper treinadas pra isso (...) eu não queria aquilo: (...) eu tenho horror a isso! É outro tipo de atuação política (...) e essas mulheres tiveram muita habilidade, eu acho que foi um caminho[8]. Os depoimentos obtidos através das entrevistas realizadas são unânimes na confirmação dessa vinculação com a esquerda, como demonstra Leila Linhares Barsted, ao afirmar que o Seminário da ABI foi: um dos primeiros atos em plena ditadura, que as pessoas iam para discutir (...) as mulheres, mas que de alguma maneira tinha uma conotação bem política, até porque as organizadoras eram mulheres que vinham de militância política. Todas nós vínhamos de militância política[9]. Mais adiante, informa: “desde o colegial que eu tinha uma militância política (...), de Partido Comunista. Isso sem ter ninguém da minha família, foi assim, realmente, um interesse meu de me aproximar desse grupo e não de outro grupo” [10]. Hildete Pereira de Melo também revela: “eu nunca ouvi falar na década de cinqüenta de luta de mulher. Eu me interessei pela política e entrei no Partido Comunista em mil novecentos e sessenta e um, ainda adolescente, ainda no Científico”[11]. Outra das depoentes, Lígia Maria Coelho Rodrigues afirma que durante largo tempo considerava que: (...) essa história de feminismo é uma bobagem, o problema é a luta de classes. O grande problema da sociedade é a opressão capitalista. É a divisão entre o capital e o trabalho. A revolução que tem que ser feita é a revolução dos trabalhadores. Eu era de esquerda, era trotskista, tudo que todo mundo era naquela época[12]. Em coerência com o maior número de sócias, a agenda feminista, naquele primeiro momento, destacava as questões sócio-econômicas, como a inferioridade salarial, a dupla jornada e a falta de creches, que interessavam não apenas ao CMB como às feministas que compunham os jornais Brasil-Mulher e Nós Mulheres (MANINI, 1995/1996, p.50). Além dessas questões, sobrelevava a preocupação com a reforma do Código Civil, como também com o engajamento na luta pela libertação dos presos políticos através de apoio ao Movimento Feminino pela Anistia - MFA. “E o Centro foi durante algum tempo um Centro mesmo de debates, discussão, polêmica, posicionamento político, isso para nós sempre esteve muito claro”, informa Moema Toscano. Nesse sentido, outros temas considerados fundamentais quanto à opressão das mulheres, tais como a sexualidade, o aborto, a violência contra a mulher, eram evitados. Também aqueles voltados para a discussão sobre a assimetria de poder nas relações entre homens e mulheres, com ênfase nas problemáticas ligadas à subjetividade e às relações interpessoais, aspectos privilegiados nas reivindicações dos feminismos nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, ficavam fora da pauta de discussões. Estes temas só deveriam ser discutidos nos grupos de reflexão, aliás nem sempre bem vistos, a fim de não prejudicar as alianças entre os setores que se opunham à ditadura, marcadamente, a Igreja Católica, aliada nessa luta. Cabe mencionar que a maioria dos grupos de esquerda, tampouco, era simpática às demandas feministas, considerando o movimento divisionista, além de julgá-lo um fenômeno importado e de caráter burguês[13]. “Porque havia, inclusive, uma discussão na esquerda de que a gente dividia, porque a gente colocava a luta da igualdade das mulheres, você estava dividindo o movimento operário”, como observa Hildete Pereira de Melo. Insatisfações se fizeram sentir, dando lugar a afastamentos de algumas das sócias, inclusive de fundadoras. Dentre as descontentes estava a própria Malu, que passa apenas a participar de um grupo de reflexão por discordar da “idéia de transformar o Centro num lugar de conscientização política, pelo tipo de literatura e atividades propostas” (GOLDBERG, 1987, p. 120). Igualmente, outras, sem se desligar formalmente do CMB, mantiveram-se no seu grupo de reflexão, como se depreende do depoimento de Leila Linhares Barsted: “(...) o grupo Ceres nunca rompeu formalmente com o Centro da Mulher Brasileira, (...), a gente ia lá de vez em quando e tal, mas a gente estava em outra de alguma forma”. O referido grupo funcionaria como “um grupo terapêutico mesmo, sem terapeuta”, no qual “queríamos refletir sobre nós mesmas”, centrando as reflexões na questão da sexualidade feminina. Em fins de 1978, diante da realização de eleições legislativas, as mulheres mais comprometidas com a política partidária escassearam no Centro, o que incentivou a reaproximação daquelas que divergiam da linha predominante. O momento coincidiu com a entrada no CMB de novas sócias com experiência de participação em movimentos de liberação em outros países. Aliado a isso, segundo Malu, uma das que se reaproximaram, a perspectiva do I Encontro Nacional de Mulheres, programado para 1979, deu novo ânimo a que ela, “a Bruna, a Ajuda e a Lígia” buscassem “fazer algo no Brasil para divulgar o aborto e a contracepção, o que desencadeou uma briga inacreditável” GOLDBERG, 1987, p.138/139). Ligia Maria Coelho Rodrigues relata seus primeiros contatos com o Centro, ao retornar da França no início de 1979, onde se “convertera” à causa feminista. Ressalta sua surpresa na reunião de organização do Encontro Nacional de Mulheres, a ser realizado naquele ano, diante da ausência de questões como a violência contra a mulher e a sexualidade entre os temas a serem abordados. Ao sugerir a inclusão do tema da violência, obteve como resposta de uma das componentes do CMB: “Aqui no Brasil é diferente da França. Aqui no Brasil mulher que apanha do marido é porque gosta”. Realizadas as eleições, voltaram as militantes ao Centro para a organização do referido encontro, a se realizar a 8, 9 e 10 de março de 1979. Nas assembléias gerais, o clima ia se tornando extremamente tenso, suscitando polêmica à medida que as sugestões eram apresentadas. Tanto a proposta de um seminário sobre o tema “Livre apropriação do corpo da mulher” quanto aquela de uma discussão acerca da violência contra a mulher foram fatores de conflito e divergência. No tocante à composição do citado seminário, as sócias Malu e Maria Helena Darcy de Oliveira (Marhel) propuseram três painéis, para os quais solicitaram o apoio do CMB: Saúde e Sexualidade da Mulher (os projetos de controle da natalidade), Mulher e anticoncepção (informativo-riscos) e Aborto. De um modo geral, todas estiveram de acordo com os dois primeiros, mas surgiram discordâncias quanto ao último. As sócias que se manifestaram favoravelmente acentuavam que esta era uma questão fundamental por se tratar de um tabu. Discordando delas, outras retrucavam, informando já haver um projeto do governo para a legalização do aborto. Após muita discussão, chegou-se à conclusão de que era necessário fazer uma outra assembléia para continuar o debate com maior número de sócias[14]. Realizaram-se mais duas assembléias em torno da questão[15]. Intervenções sugerindo o adiamento do debate foram rebatidas. Uma das sócias reitera sua posição contrária à introdução do tema aborto, recorrendo ao argumento de que a realidade da França e do Brasil era muito diferente, além do que devia se considerar a posição da Igreja. E ainda colocava em dúvida o interesse do CMB em relação ao tema, já que o número de mulheres presentes era muito pequeno. Outras apoiaram tal posição, mencionando questões mais relevantes na sua perspectiva - trabalho das mulheres, necessidade de locais para deixarem as crianças, salário -, referendando a questão de que a discussão representaria o abandono de aliados e demonstrando seu alinhamento com as posições no CMB que subordinavam a problemática da mulher às questões gerais da sociedade. Enfim, as discussões mantiveram-se acesas, figurando o tema “Mulher e Sexualidade” na programação do evento, embora a questão do aborto não estivesse presente. Todos esses episódios teriam levado a uma reunião fora do Centro, na qual foi elaborado o citado “Documento das 21”, a ser lido no Encontro Nacional. Dentre aquelas que o assinaram estavam algumas das sócias fundadoras do CMB e mulheres que buscavam uma aproximação com o feminismo no Rio, recém chegadas do exterior, tendo desenvolvido uma prática com grupos feministas europeus. Dentre estas, a própria Lígia, que assim se refere a sua experiência em Paris: O grupo que eu fazia parte lá era também totalmente libertário. Tinha aquelas famosas reuniões... Era essencialmente grupos de reflexão, mas volta e meia se fazia ações concretas. Coisas de panfletar, pichar muros. Todas essas coisas, que, aliás, eu adorava. Mas apesar de toda oposição, os temas foram incorporados e das oito comissões, nas quais se repartiram 400 mulheres, duas voltavam-se para a sexualidade e para a violência[16]. A respeito do fato Lígia afirma que era “a primeira vez que um grupo de mulheres se juntou no Brasil para discutir estupro, espancamento no casamento, todas essas coisas”. Não obstante essa vitória, a maioria das mulheres que assinou o documento, após uma assembléia que rejeitou a sua proposta de uma estrutura mais descentralizada para o CMB, decidiu-se pelo desligamento do mesmo em abril de 1979. Dessa cisão surgiu o Coletivo de Mulheres, do qual se desprendeu, em 1981, uma outra organização voltada para a violência contra as mulheres, o SOS Mulher[17]. Por outro lado, constata-se que o CMB, após a cisão, passou a incorporar reivindicações das demais tendências, inclusive a questão da descentralização, que chegou a ser adotada. Porém, diante do esvaziamento observado, decidiu-se pelo retorno do Colegiado à direção do Centro, de acordo com os estatutos aprovados em assembléia geral de 18 de outubro de 1980[18]. Questões outrora combatidas com afinco, como aquelas do aborto e da violência contra as mulheres, passaram a integrar as preocupações do CMB, não apenas através da participação de algumas de suas componentes, mas também de decisões em Assembléias Gerais[19]. Tal mudança é confirmada pela física Lígia Maria de Souza Coelho Rodrigues: “Não, aí depois que o Coletivo se firmou, o CMB mudou. E depois de algum tempo, a gente fazia tudo, todo mundo junto”, o que se ratifica com as investigações em jornais da época. Sem dúvida, a conjuntura revelava-se mais favorável à emergência de tais manifestações e à consolidação de suas propostas com a abertura política intensificada através da aprovação da Lei da Anistia pelo Congresso em 28 de agosto de 1979. Fato que possibilitou a volta das exiladas com viva influência dos feminismos, especialmente europeus, o que, aliado à experiência daquelas que permaneceram no país nos anos 1970 e que construíram os feminismos locais, deu a esses movimentos uma nova configuração. Igualmente, a anistia representou uma época de maior liberalização, menos repressão e mais possibilidades de manifestação, inclusive porque o AI–5 não mais estava em vigor (SARTI, 2004, p.40). O fim do bipartidarismo, por sua vez, a partir de 1980, possibilita o surgimento de outras agremiações, desenvolvendo-se associações de diversos tipos, assim como sindicatos (COSTA, 2002, p.315). Este fato contribuiu para que muitas mulheres, que até então permaneciam no CMB, se decidissem pela atuação em outros espaços, mais identificados com a postura clássica dos movimentos de mulheres, sem quaisquer pretensões feministas. Outras teriam ingressado, além das que permaneceram e que se consideravam feministas ou que se “converteram’ ao feminismo, como é o caso de Santinha, que confessa ter ido “para dentro do Centro da Mulher Brasileira levando essas questões marxistas-leninistas”. Gradativamente, porém, sem abrir mão de desejar a igualdade social, reconhece que “tem uma coisa que se chama igualdade de gênero que é uma base superior...”[20]. Verificar-se-ia, aqui, a tomada de consciência de gênero (PERROT, 1994, p. 503-539) como decorrência de sua participação naquela entidade, parafraseando E. P. Thompson, para o qual é no processo de luta que emerge a consciência de classe (THOMPSON, 1984, p. 37). Nos diversos casos, o termo “feminismo” mantinha-se associado, porém, a diferentes significados e representações. Na verdade, na década de 1980, os movimentos feministas no país tornavam-se uma força política e social consolidada, em que as relações de gênero assumiram primeiro plano. Campanhas contra os abusos com relação às mulheres no que tange a temas até então ignorados, como a violência física e violência simbólica[21](CHARTIER, 1995, p. 40-44), a questão do aborto, etc., passam a merecer espaço cada vez mais amplo nos meios de comunicação, em decorrência da mobilização das feministas e da própria modernização da sociedade brasileira. Assim, a partir desse momento, questões antes colocadas em segundo plano, tidas como próprias à esfera privada, tais como as relativas ao corpo, ao desejo, à sexualidade, à violência, foram legitimadas e trazidas à esfera pública, reconhecendo-se sua dimensão política. Parte-se para a afirmação do universo cultural feminino, e temas tabus são trazidos à tona, forçando o alargamento e democratização daquele espaço (RAGO, 2003, p.5). Particularmente, a reivindicação em prol de medidas legislativas pela liberação do aborto galvanizara as feministas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos desde o início dos anos 1970. Na medida em que muitas de suas correntes consideravam que a expropriação do corpo significava a expropriação do seu eu, arrancar a sexualidade feminina da dominação masculina passou a ser uma questão crucial, no sentido de permitir que as mulheres se sentissem “donas de seu próprio corpo” e que a maternidade fosse uma opção sua no caso de uma gravidez indesejada. Dentre as formas de mobilização visando este objetivo, estavam os depoimentos desafiadores com admissão de culpa por parte de mulheres e médicos proeminentes. Nesse movimento incluía-se a cooperação internacional entre as feministas envolvidas em atividades centradas na prestação de serviços de aborto. Assim, em 1971, conhecidas mulheres da Alemanha Ocidental declararam num artigo publicado pela revista Stern ter voluntariamente interrompido a gravidez. Esse depoimento deu lugar a uma mobilização geral, reivindicando-se a abolição das leis restritivas, numa declaração de apoio contendo 86.500 assinaturas. Tal mobilização resultou na aprovação, em 1974, de legislação que garantia a liberdade de abortar nos três primeiros meses de gravidez. Um ano mais tarde, esta legislação sofreria algumas restrições, limitando-se às situações nas quais o aborto era legal (ERGAS, 1994, p. 603). No mesmo ano em que as mulheres alemãs declaravam “culpa”, 343 francesas, dentre as quais conhecidas artistas, diretoras de cinema e escritoras, como Simone de Beauvoir e Françoise Sagan, lançaram um apelo na revista Nouvel Observateur para a liberação do uso de anticoncepcionais e do aborto na França[22]. Estas mulheres confessavam que tinham abortado, testemunhos seguidos, dois anos mais tarde, pelos de 345 médicos que admitiram ter praticado abortos. Concomitantemente, o movimento pela liberalização do aborto e da contracepção (MLAC) abriu várias clínicas de abortos ilegais. Finalmente, em 1975, foi estabelecida a legalização do aborto na França, permitido até a décima semana de gravidez, sujeito à aprovação médica. Em 1978, as mulheres italianas obtinham a aprovação de uma lei no Senado reconhecendo-lhes esse direito. Na Europa, apenas Portugal, Espanha e Grécia, até aquele momento, não haviam legalizado o aborto[23]. No Brasil, a mobilização a favor do aborto teve início a partir de um episódio ocorrido a 08 de janeiro de 1980, envolvendo a prisão em flagrante de um médico e de duas jovens que recorreram a esta prática numa clínica em Jacarepaguá[24]. De início, tomaram conhecimento do fato um grupo de mulheres, membros do CMB, que decidiram organizar uma manifestação, que ocorreu no dia 16 do mesmo mês. Dela, fizeram parte outras mulheres do próprio CMB, do Coletivo de Mulheres, da Sociedade Brasil Mulher e dos departamentos femininos de entidades estudantis. Visava-se a liberação das pessoas envolvidas, desenvolvendo ampla movimentação a fim de obter um contato com o juiz Alberto Mota Morais, encarregado do processo contra os envolvidos, e que se confessava contrário ao aborto, uma “violência contra os direitos humanos do nascituro”. Este se recusou a recebê-las, ameaçando-as de prisão, alegando que “a Justiça não recebe e não admite qualquer tipo de movimento de solidariedade a um ato criminoso”[25]. Na ocasião, as feministas distribuíram um manifesto no qual protestavam contra a ilegalidade do aborto, contra a política de natalidade do governo, pelo direito de abortar como último recurso, assim como pelo direito de optar por ter ou não ter filhos[26]. Além disso, as entidades feministas comprometeram-se a apoiar as mulheres envolvidas através de duas advogadas que foram colocadas à disposição do caso. Ainda assim, algumas feministas opinaram que não seria o momento de se iniciar uma campanha em favor do aborto, sendo “mais importante agora conscientizar as mulheres sobre o problema”, além de realizar primeiro um trabalho de consulta às mulheres[27]. Já Lígia Rodrigues, também entrevistada na ocasião, apoiava integralmente a campanha, considerando que a legislação vigente se baseava numa preocupação “absolutamente falsa” com os direitos humanos, preocupando-se com um coágulo de sangue “porque o feto de um mês não passa disso”, esquecendo do ser humano, que é a mulher. Lembra que, na maioria das vezes, as mulheres abortam por falta de informações sobre os métodos contraceptivos. Refere-se, ainda, às dificuldades das mulheres pobres, cujo índice de mortes por abortos mal feitos era considerável, e às situações em que tentam fazer aborto sozinhas, com a introdução de objetos estranhos no útero, arriscando-se a sofrer repressões nos hospitais públicos, no caso de problemas de hemorragias e infecções. Este fato teria sido objeto de denúncias no Congresso de Metalúrgicas, em São Paulo, em 1979: Elas disseram que quando recorrem aos hospitais por problemas desse tipo os próprios médicos determinam que a curetagem (raspagem do útero) seja feita a frio (sem anestesia), como uma espécie de castigo. E nesse caso a dor é literalmente insuportável. (...) [28]. Enfim, em meio a esta primeira manifestação pública na história do país sobre a temática, observa-se uma ampliação dos debates sobre a questão. O próprio CMB, até então resistente a esta discussão, em ata da Assembléia Geral de 19 de janeiro de 1980, aprova a sua participação na campanha em favor da legalização do aborto. Ressalte-se a comunicação estabelecida por feministas com grupos internacionais, os quais, através de cartas ao juiz e ao promotor encarregados da ocorrência, desaprovaram a punição aplicada ao médico e às demais personagens envolvidas[29]. A partir desses fatos, o assunto vem à tona nos diversos meios de comunicação. Feministas são entrevistadas, valendo-se dos argumentos utilizados naquele momento, inclusive, pelos feminismos internacionais, para justificar a defesa do aborto: Nós preferimos analisar a sociedade baseada na exploração e na opressão, onde a opressão do corpo é um dos instrumentos. No caso específico das mulheres, nós somos condicionadas a produzir filhos antes de mais nada e a corresponder às expectativas da sexualidade masculina. Isto gera uma ideologia em que a sexualidade feminina é assimilada à sua função reprodutora à conseqüente negação dessa sexualidade. De um ponto de vista mais econômico, os poderes dominantes manipulam e controlam o corpo das mulheres[30]. Por outro lado, na mesma entrevista, as feministas aludem à realidade brasileira. Nessa perspectiva, alertam que as autoridades, alegando preocupação com a “excessiva” fertilidade das mulheres pobres, o que colocaria em risco o equilíbrio do sistema, estavam apoiando a atuação de uma instituição americana, a BEMFAM, com o propósito de promover esterilização, inclusive, sem autorização daquelas mulheres. A reação das feministas a esse propósito pode ser observada na seguinte afirmação: Dada a incapacidade do capitalismo brasileiro em absorver a mão-de-obra disponível, existe um interesse atual, das nossas autoridades de controlar o aumento da população. Então, é importante que fique bem claro, que nós defendemos o direito das mulheres decidirem ter ou não ter filhos. Para isso, teriam que considerar suas aspirações pessoais, profissionais, e até mesmo o direito de ter uma vida própria. Em sua perspectiva, a solução dos problemas estaria na reestruturação da sociedade e não em medidas paliativas. Sendo assim, ao defender a legalização do aborto, as feministas estariam defendendo o direito das mulheres decidirem ter ou não ter filhos, contrapondo-se a “essa hipocrisia e ilegalidade do aborto por um lado e a proliferação de clínicas paralegais por outro” e concluíam: “Na verdade, a gente considera o aborto como última alternativa”. Em consonância com este argumento, o Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, João Carlos Serra (39 anos e cinco filhos) pronuncia-se: O DIU é um método abortivo. A Benfan (sic) e outras sociedades o colocam no útero das mulheres, na maioria das vezes, sem elas saberem o que está acontecendo. Em medicina, aborto também é crime. Só em condições muito especiais o Código de Ética Médica o permite, como nos casos de estupro, doença da mãe ou doença comprovada do feto. Mesmo assim, é necessária uma junta de médicos para lavrar a autorização que permitirá a interrupção da gravidez. Isso raramente acontece. A realidade do aborto é uma realidade social. Ele existe e é praticado à margem da lei, colocando em risco as mulheres que a ele se submetem, quanto pior forem suas condições financeiras O jurista Heleno Fragoso, a propósito das prisões ocorridas, considerou lamentável a atual legislação sobre o aborto, enfatizando a necessidade de uma reforma urgente do Direito Penal nessa matéria.[31]. Em Salvador, durante o 2º Encontro Nacional de Advogados Trabalhistas, a Juíza Maria Elisabeth Junqueira do Rio de Janeiro, defende tese sobre aspectos jurídicos da gestante, abordando quatro pontos: estabilidade temporária; duração dessa estabilidade em um período de 12 meses após o parto; reformulação do elenco de faltas graves que podem ser usadas contra a gestante; e o direito de convalescença da mulher operária que fez o aborto. Concorda com a posição feminista de que a legalização do aborto está ligada à liberdade da mulher, ao seu direito à sexualidade e ao uso do corpo. Assim, a legalização deve garantir um prazo de convalescença às mulheres que abortam “não importando se o aborto foi natural ou provocado”[32]. A questão torna-se tão candente que atrai o interesse dos órgãos de informação do governo militar, cujo documento acusa a ida de mulheres, membros do CMB, identificadas como militantes comunistas, ao programa “Fantástico” da Rede Globo a 27 de janeiro de 1980, para uma entrevista sobre a legalização do aborto. Conclui o documento que essa campanha teria “origem e vínculo com o movimento comunista internacional” [33]. Algo risível, no caso, já que as grandes campanhas em prol do aborto têm suas matrizes em paises, como os Estados Unidos e aqueles da Europa Ocidental, centros do capitalismo hegemônico. Além do que no Brasil, pelas razões já comentadas, o Partido Comunista opunha-se a esta campanha naquele momento. A respeito da Rede Globo, Maria Luisa Heilborn destaca o seu papel na modernização da sociedade brasileira, particularmente, no modo como ela foi retratando personagens femininas, num diálogo com o movimento feminista. Cita, nesse particular, o seriado Malu Mulher... “coitada de mim que (...) chamava Malu e todo mundo fazia piadinhas o tempo inteiro”, difundindo um ideário, “que é um ideário muito pequeno de um gueto, para o conjunto da sociedade”[34]. Digna de nota é a entrevista fornecida ao jornal O Pasquim por um grupo de feministas, algumas das quais representantes do CMB, como também do Coletivo de Mulheres e representantes de outras entidades. A tônica incide sobre a necessidade de legalização do aborto, diante da constatação de que sua proibição prejudicava, principalmente, às mulheres pobres, que recorriam aos métodos mais variados e perigosos para se desfazerem de gestações que não tinham condições de levar a termo. Na referida entrevista, Hildete Pereira de Melo menciona a pesquisa que vinha desenvolvendo acerca do número elevado de mulheres atendidas pelo INAMPS por abortos mal feitos, informando que eram realizados anualmente, no Brasil, cerca de dois milhões de abortos[35]. Como parte da campanha em pauta, faz menção à realização do primeiro congresso que discutiu o aborto no Brasil, realizado no Copacabana Palace, em março de 1983, ao qual teriam comparecido cerca de trezentas mulheres. Algumas delas, como nos afirmou em sua entrevista, possuíam expressão pública, como Cátia Borges, prefeita de Maceió, Selma Bandeira, deputada, Maria Luíza Fontenele, logo depois eleita prefeita de Fortaleza e Martha Suplicy. O criminalista Nilo Batista teria sido autor de um projeto que a deputada Cristina Tavares recebeu na reunião e levou para o Congresso. Projeto este que sofreu algumas críticas por exigir a concordância do marido, o que contrariaria o direito do aborto ser decidido pela mulher. Segundo outra das entrevistadas, Fernanda Carneiro, assessora da deputada Lúcia Arruda do Rio de Janeiro, isto contribuía para que o aborto continuasse a ser praticado clandestinamente. Nessa mesma entrevista dada ao Pasquim, a Dra. Romy Medeiros, presidente do Conselho Nacional de Mulheres e relatora da OAB, menciona sua interpelação por parte de famosos advogados de esquerda, num encontro da OAB em Florianópolis. Na percepção deles, as feministas estariam contribuindo para dividir a luta do povo; afinal, a luta maior seria a Constituinte, contra a Lei de Segurança Nacional, etc, para as quais precisavam estar bem com a Igreja. A estas ponderações teria ela respondido: “Nossa bandeira também é uma luta do povo! Queremos que este problema seja considerado em primeiro lugar, junto com a questão da fome. Estamos defendendo o direito de qualquer mulher separar sexo e reprodução”. Tal posição de membros da esquerda, ainda firmes em sua decisão de manutenção da aliança com a Igreja, a fim de garantir a restauração da democracia no país, revela, por outro lado, uma mudança na atitude de algumas das lideranças do CMB, anteriormente, fiéis a essa estratégia, em detrimento das reivindicações feministas. O que aponta para algo já ressaltado, acerca da tomada de consciência de gênero, à medida que tais mulheres embrenhavam-se na luta por direitos específicos. Também, na referida entrevista, além da oposição da Igreja, são feitas afirmações acerca de outros setores que teriam interesse em impedir a aprovação do aborto, dentre eles, os laboratórios farmacêuticos, ante a possibilidade de maior difusão da pílula. “São 32 milhões de mulheres em idade fértil no Brasil. 32 milhões possíveis de tomar a pílula. Que mercado maravilhoso!” afirma Hildete. Igualmente, as clínicas nas quais eram realizados os abortos teriam interesse na manutenção de sua criminalização, uma vez que, a mulher que fizesse aborto na clandestinidade e ficasse lesada em seu aparelho reprodutor, seria obrigada a realizar novas despesas com antibióticos, raios X, consultas, etc.. “Há uma linha de montagem da saúde”, informa Maria José de Lima (Zezé), outra das entrevistadas, enfermeira do INAMPS, membro do Grupo Mulherando. Haveria, porém, uma dificuldade na transformação da questão numa luta política, pois as mulheres de classe média, que formam a opinião pública, não sofriam tanto o problema, já que podiam dispor de mecanismos mais seguros para fazer seus abortos. Mas a campanha não se resumiu ao comparecimento aos órgãos de comunicação, buscou-se, igualmente, atingir as mulheres dos segmentos populares, através de panfletagens na Feira da Glória denunciando a criminalização do aborto, buscando apoio para essa causa. Para marcar o “dia de ação internacional”, por exemplo, integrantes do Centro da Mulher Brasileira distribuíram panfletos em três praças da zona sul – a Praça Nossa Senhora da Paz, o Lido e o Largo do Machado. Um cartaz apresentava as palavras de ordem: “Que as mulheres decidam. Nosso corpo nos pertence”. Os panfletos continham inúmeras reivindicações, com relação a medidas ligadas à saúde reprodutiva, além de denunciarem a inexistência de creches, boas escolas públicas e equipamentos coletivos. Frisavam ainda a injustiça da legislação considerar criminosas as mulheres que abortam. “Ilegalidade não impede a realização desses abortos, mas deteriora as condições em que eles são realizados, tanto do ponto de vista médico, quanto das condições psicológicas das mulheres”, “Pelo direito ao prazer”. “Pelo aborto livre e gratuito”. “Que as mulheres decidam”. “Nosso corpo nos pertence” finalizava o panfleto[36]. Hildete relata que um dos líderes do Partido Comunista, numa das faixas em que estava escrito o lema “Nosso corpo nos pertence” trocou a letra “N” inicial pelo “V”. Demonstrava, dessa forma, a pouca seriedade com que muitos dos militantes de esquerda encaravam a movimentação e as aspirações feministas na época. A elaboração de um jornal Sexo Finalmente Explícito foi outra das iniciativas com vistas a esclarecimentos acerca do problema, culminando com realização de um filme sob a direção de Eunice Gutman, costumeiramente exibido em Associações de Mães seguido de discussões[37]. Sobre a repercussão positiva dessa campanha, destaque-se o resultado de um plebiscito sobre o aborto realizado a 22 de setembro de 1983 no centro da cidade, Copacabana e Madureira, em que 86% das mulheres entrevistadas manifestaram-se favoravelmente pela sua descriminalização[38]. A causa, porém, passava a sofrer percalços. O projeto nº 590 apresentado pela deputada Cristina Tavares em abril de 1983, foi rejeitado em novembro de 1984 pela Câmara Federal. Este previa a realização do aborto por médico autorizado nos seguintes casos: gestação decorrente de crime contra os costumes; grave enfermidade hereditária física ou mental que comprometesse o novo ser; ou, ainda, devido às condições sócio-econômicas e familiares da gestante, insuficientes ao atendimento das exigências do prosseguimento da gravidez e de prover mais tarde as necessidades elementares do filho, sem privar-se do indispensável à própria subsistência ou à de sua família. Em seguida, ocorreu a revogação da Lei 832/85, de autoria da deputada Lúcia Arruda, aprovada em novembro de 1984 pelos deputados, sancionada pelo Governador, e regulamentada pelo Secretário de Saúde em janeiro de 1985. A referida lei, revogada em abril de 1985, obrigava a rede pública de Saúde do Estado do Rio de Janeiro a prestar atendimento médico à mulher nos casos de aborto permitidos pelo Código Penal: casos de risco de vida da mulher e em casos de gravidez resultante de estupro. Por pressão direta do Cardeal D. Eugênio Salles, o Governador e o Secretário de Saúde voltam atrás[39]. De acordo com este quadro, Leonor Nunes de Paiva afirmava que as declarações do Ministro da Justiça Roberto Lyra nos meios de comunicação, de que o “aborto é tema da Constituinte”, agravava o quadro. Segundo a mesma, caso a correlação de forças da Constituinte se revelasse semelhante àquela que se apresentou no episódio acima, marcada pela insensibilidade das autoridades do Executivo e dos parlamentares fluminenses, as mulheres correriam o risco de ver suprimido o direito de abortar, até mesmo nos casos em que já era garantido este direito: gravidez resultante de estupro e gravidez que representasse risco de vida. Esclarecia, ainda, depois de longo arrazoado pautado no exame da questão em outros países e a partir da teoria dos direitos individuais implícitos, que tal mudança no Brasil, em termos da permissão do aborto, não deveria ser feita na Constituição e, sim, no Código Penal[40]. Na verdade, apesar de todo o esforço despendido pelas mulheres, o objetivo não foi alcançado, mas as lutas em torno da questão, no que tange ao CMB, representaram uma mudança significativa, na medida em que a entidade durante cinco anos se pautou pela rejeição a esta causa, já que, “como o peso do partido era muito grande dentro do CMB, aquelas questões foram colocadas de lado”[41]. Segundo Marilena Chauí a violência apresenta-se como uma relação determinada das relações de força, tanto em termos de classes sociais, quanto em termos interpessoais. Decorre da conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e de opressão. A violência também compreende toda ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como uma coisa, caracterizando-o pela inércia, pela passividade, pelo silêncio (CHAUI, 1984, p. 35). Com base nessa concepção, considerarei aqui uma das formas de violência contra as mulheres: a questão do assédio sexual, contra a qual, prenunciando os novos tempos, envolvera-se o CMB, em maio de 1979. Trata-se da ativa participação de algumas de suas componentes dos protestos contra a atitude tomada pelo Jornal do Brasil com relação a um grupo de recepcionistas. Uma delas fora bolinada por um editor e demitida, após queixar-se do fato às instâncias superiores. Sete colegas que lhe manifestaram solidariedade, buscando interferir pela sua readmissão foram, igualmente, demitidas. Entidades feministas, dentre elas o CMB, puseram-se à frente de um movimento pela reintegração das mesmas, através de várias iniciativas: “carta aberta à Condessa Pereira Carneiro, diretora-presidenta do JB, e aos jornais; telegramas de repúdio à arbitrariedade, contatos diretos com a Condessa”. Um discurso foi pronunciado sobre o evento na Assembléia, pela deputada Heloneida Studart na terça feira, a 8 de maio, apenas noticiado pela Folha de S. Paulo. Posteriormente, na sexta, foi lida uma carta elaborada pelas feministas pelo deputado Raimundo de Oliveira. Mas, a grande imprensa não se manifestou em relação a nenhuma dessas iniciativas. Não obtendo resposta, as feministas conclamaram a população a participar de uma manifestação a 18 de maio em frente ao Jornal do Brasil, em nome da defesa dos direitos humanos e em oposição à violência contra a mulher.[42] Nessas tentativas não foi descartado o recurso a redes pessoais de relacionamento, o que é assinalado pelo depoimento abaixo: ... e antes, de manhã, a Branca foi lá pra casa, (...) e de lá, ela ligou pra Condessa. (...) A Branca ligou da sala e eu fiquei ouvindo na extensão. A Condessa atendeu ela e: “aí, Branquinha!”, ela chamava ela de Branquinha, “como vai? e tal”. Aí a Branca: “Olha dona Malvina (inaudível) eu estou lhe ligando, porque nós estamos aqui na manifestação na porta do Jornal e estamos muito incomodadas porque a moça foi demitida, a moça foi bolinada pelo fulano e foi demitida. Então a gente tá querendo que ela seja readmitida. Acho isso um absurdo tá todo mundo pedindo, protestando e tal”. E aí, ela que atendeu o telefone: “Oí Branquinha, como vai?”. Ela falou assim: “Dona Branca” eu tomei um choque porque ela falou assim: “Dona Branca, essa questão não é pra ser resolvida comigo, essa é questão pra ser tratada com Nascimento Brito, passe bem, viu!?” pá! Aliás, O Pasquim, jornal alternativo que, através da zombaria, costumava contrapor-se às medidas autoritárias do governo militar, foi um dos poucos que abriram espaço para um dos seus articulistas protestar contra o ocorrido; o qual embora denunciando “o silêncio que o esprit de corps dos poderosos sempre sabe providenciar”, teve censurada a divulgação do nome do editor, que motivara a questão, dando lugar a severas críticas do jornal Lampião da Esquina[43]. E por falar em caneta Pilot; a dita cuja voltou a ser utilizada, na redação do Pasquim, durante o fechamento da edição de 18.5. Só que, dessa vez, quem a manejava não era um censor, mas sim, o cartunista Ziraldo, que resolveu tirar, de um texto escrito por Sérgio Augusto, o nome do fauno que atacou a moça no Jornal do Brasil (vide matéria na página 5). Para um jornal que tanto sofreu por causa da Censura, como o Pasquim, foi uma coisa imperdoável. E assim, a questão da violência contra as mulheres que merecera resistências ao ser colocada na pauta de reivindicações no CMB passa a se constituir em uma de suas prioridades, desde o assédio sexual, como apresentado acima, até os assassinatos em nome da legítima defesa da honra, estupros, espancamentos etc. O julgamento de Doca Street, como era chamado Raul Fernando do Amaral Street, assassino de Ângela Diniz, alegando a infidelidade da mesma, que na primeira instância mereceu pena ínfima, constituiu-se num elemento crucial na elevação da consciência de gênero no Rio de Janeiro. A atuação das feministas nesse episódio contribuiu decisivamente para acentuar a mudança de mentalidade na sociedade brasileira. Foi um dos capítulos que desencadearam intensa participação das mulheres. O episódio alcançou forte ressonância e, de início, a sociedade manifestara seu apoio ao assassino. Segundo uma pesquisa, entre dez pessoas entrevistadas, sete o absolveriam. Das cinco mulheres consultadas, apenas uma professora condenaria Doca[44]. A atitude inicial de certa passividade das feministas quanto à questão constituiu-se em objeto de zombaria, por parte de Ziraldo, crítico dos mais contundentes do feminismo: “Atenção feministas do Brasil! Atenção, bravas lutadoras pela causa do feminismo neste país! Cadê sua organização? Cadê sua tática de luta? Cadê o trabalho que vocês fizeram no caso Doca Street?”[45]. Através do depoimento de Hildete Pereira de Melo e dos jornais, temos o testemunho da mobilização, posteriormente levada a efeito no sentido de uma revisão da pena, acentuando-se o perigo que acarretaria essa impunidade para a sociedade brasileira. Com vistas a reverter o quadro, desfavorável às mulheres, já que Doca, ao entrar no Fórum de Cabo Frio para ser submetido a julgamento, merecera aplausos[46] é redigido um Manifesto com 461 assinaturas condenando o machismo na sociedade brasileira. O documento enfatizava a rejeição a uma decisão que afetava não apenas a Ângela Diniz, mas a todas as mulheres que, de algum modo, fugissem ao modelo de comportamento prescrito para o sexo feminino. O julgamento de Doca expressava a maneira pela qual a sociedade brasileira resolvia as relações de poder entre os sexos, em que o sexo masculino poderia impunemente assassinar uma mulher que não correspondesse ao seu papel tradicional[47]. E, segundo a defesa, Ângela fugia a essa imagem, já que ao se separar do marido, deixara os filhos "Haverá coisa mais chocante? Por que abandonou os filhos? Não foi, decerto por um comportamento normal, seráfico, honesto”[48]. Comentando os argumentos da defesa de que o assassino fora movido pela paixão, o jurista Heleno Fragoso refere-se ao caráter anacrônico e pouco sério da questão que nos fazia remontar aos primeiros anos da República, quando os crimes passionais faziam a glória do júri, invocando-se a perturbação dos sentidos e da inteligência, para garantir a absolvição[49]. Por ocasião do segundo julgamento, uma forte pressão é desenvolvida com manifestações de rua. Numa destas, a escritora Rose Marie Muraro, em meio a 500 pessoas, exige a condenação de Doca afirmando: “(...) o que nós queremos é que caia a legítima defesa da honra.”[50]. Na manifestação, as mulheres colheram assinaturas para o abaixo-assinado endereçado ao Tribunal do Júri de Cabo Frio, conclamando a condenação de ‘Doca Street’. Ao megafone, liam a carta do Núcleo de Mobilização Ângela Diniz, formado por 19 entidades feministas. Nela reiteravam seu empenho em impedir que em nome dos “pretensos direitos a defender sua honra” os homens continuassem a se sentir autorizados a assassinar uma mulher[51]. Além das manifestações no Rio, uma caravana dirige-se a Cabo Frio, onde as entidades feministas se unem e vestem-se de preto, alegando que “a cor simboliza nossa opressão, e a revolta contra um assassino tornado herói”, além de portarem faixas com os dizeres: "Se Se Ama Não Se Mata, Quem Ama Não Mata, Abaixo a Farsa da Legítima Defesa de Honra”[52]. Quanto ao defensor de Doca Street, Humberto Telles, diante da pressão das feministas, qualifica-as de “filhas de Hitler, camisas negras da Itália e falanges franquistas: são mulheres fascistas, pois não se voltam para uma luta política por melhores condições de vida, ao lado do homem. Sua briga é contra o homem, com claro componente homossexual”[53]. Nessas observações utiliza-se de um velho recurso de atribuir características masculinas que não se resignavam à passividade. Na verdade, em seu depoimento, revela os ganhos que a pressão feminista estava obtendo ao declarar que a “pressão dos movimentos feministas, nestes dois anos entre o julgamento anterior e o atual, ‘tem pesado muito fortemente na formação de uma opinião pública contra meu cliente”. Enfim, esta foi uma vitória das feministas, em meio a um processo de mudança cultural que se vinha desenvolvendo na sociedade, resultando na condenação do réu, alterando-se uma constante que se reproduzia e se re-atualizava, ao longo do tempo. Com a sua condenação, foi derrotada a tese da ‘legítima defesa da honra’, uma vitória ‘histórica’, no dizer de Rose Marie Muraro, que acrescentou, no calor e emoção do fim do julgamento (quando todos gritavam ‘assassino’ para ‘Doca’): “E assim se acaba com a matança de mulheres no Brasil”[54]. Desse modo, verifica-se que com o processo de “abertura política”, em fins da década de 1970, vieram à tona as questões que até então se mantiveram encobertas pelo temor de prejudicar uma causa mais urgente, qual seja, aquela da democratização do país. Mas a participação de militantes em movimentos de esquerda contribuiu para que estas se deparassem com atitudes discriminatórias dos companheiros com relação às questões de gênero (ALVAREZ, 1988, p.327). Consolidou-se a consciência de que a igualdade propalada entre mulheres e homens era mais uma retórica e as mulheres defrontaram-se com a necessidade da articulação entre a luta contra as condições objetivas da opressão social e as questões em torno das relações de gênero, abrangendo todos os aspectos das relações interpessoais. A subjetividade emergia, assim, como um terreno a ser contemplado nas lutas por igualdade em todas as suas dimensões. Referências bibliográficas ALVAREZ, Sonia E.. “Politizando as relações de gênero e engendrando a democracia” IN: STEPAN, Alfred (Org.) Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 327; CHARTIER, Roger. “Diferenças entre os Sexos e Dominação simbólica (nota crítica)”in Cadernos Pagu (4).Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, 1995. CHAUÍ, Marilena. “Participando do debate sobre mulher e Violência” Perspectivas Antropológicas da Mulher 4. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984. 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Mulheres, 2006; A Subversão pelo Riso. Estudos sobre o Carnaval Carioca da “Belle Époque” ao Tempo de Vargas. 2ª edição: EDUFU, 2008, além de vários artigos e capítulos de livros. Profª do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e pesquisadora do CNPq. Colaboraram nessa pesquisa as bolsistas Flávia Copio Esteves e Nataraj Trinta Cardozo do CNPq, além de Erika Silva Ferreira do PIBIC. [1] Este documento foi elaborado a 4 de março de 1979 e assinado por 21 mulheres, ficando conhecido como “Documento das 21”. [2] Tais idéias eram muito próximas do movimento da contracultura, iniciado nos anos 1960, que se voltava para a crítica dos costumes e da moralidade convencional. Segundo Carlos Alberto M. Pereira a contracultura pode ser entendida como um movimento que teve origem nos anos 1960, mas pode, igualmente, ser vista como uma posição de crítica radical à cultura convencional. [3] Sérgio Augusto. “É isso aí...” O Pasquim Nº 312. RJ, 20 a 26/06/1975, p. 3. [4] Entrevista de Leila Linhares Barsted, concedida em 13 de abril de 2004. Além dela, cita como membros do referido grupo: Sandra Azeredo, Mariska Ribeiro, Branca Moreira Alves, Jacqueline Pitanguy, “num primeiro momento a Malu, em algum momento a Comba Marques Porto também tem espaço nesse grupo”. [5] Entrevista concedida por Maria Luisa Heilborn (Malu) a 11 de maio de 2005. [6] Idem, ibidem. [7] Entrevista concedida por Moema Toscano a 17 de junho de 2003. [8] Entrevista concedida por Malu. [9] Entrevista de Leila Linhares Barsted. [10] Idem, ibidem. [11] Entrevista Hildete Pereira de Melo realizada a 02 de janeiro de 2005. [12] Entrevista de Lígia Maria Coelho Rodrigues, concedida em 01 de fevereiro de 2005 [13] Matérias em O Pasquim, além de uma charge de Millôr Fernandes na Veja, assim se referiam ao feminismo. “Millôr e as nossas grandes reivindicações” Revista Veja. SP. Nº 216, 28.10.1972; [14] Ata da Assembléia Extraordinária - 6 de janeiro de 1979. [15] Ata da Assembléia Extraordinária - 23 de janeiro de 1979 e Continuação dos Debates- 30 de janeiro de 1979. [16] “Em vez de praia: discussão” Jornal Lampião da Esquina, abril de 1979, apresenta matéria sobre a abordagem da sexualidade no Encontro. Sobre a Comissão de Violência, entrevista citada com Lígia Maria Coelho Rodrigues. [17] Ata da Assembléia Geral 21 de abril de 1979. Entrevista Lígia Maria Coelho Rodrigues. [18] A Assembléia Geral de 14 de julho de 1979 decidira adotar experimentalmente a proposta de descentralização [19] Entrevista Hildete Pereira de Melo. Já na assembléia de 3 de agosto de 1979 o grupo “Mulher e Saúde” declara sua intenção de produzir um caderno sobre métodos anticoncepcionais, a de 18 de outubro de 1980 denuncia a violência contra a mulher. [20] Entrevista da médica Maria do Espírito Santo Tavares do Santos (Santinha), concedida em 20 de maio de 2005. [21] A violência simbólica supõe a adesão dos dominados às categorias que embasam sua dominação, correspondendo a interiorização pelas mulheres das normas enunciadas pelos discursos masculinos. Assim, definir a submissão imposta às mulheres como uma violência simbólica ajuda a compreender como a relação de dominação - que é uma relação histórica, cultural e lingüisticamente construída - é sempre afirmada como uma diferença de ordem natural, radical, irredutível, universal. [22] “Francesas fazem manifesto em favor da pílula e do aborto” Jornal do Brasil. 06 de abril de 1971. [23] “As mulheres italianas legalizam o aborto” Brasil-Mulher. Junho 1978. [24] Segundo nos informou a economista e profª da UFF, Hildete Pereira de Melo, esta havia reunido em sua casa um grupo, do qual faziam parte Rose Marie Muraro, Branca Moreira Alves, Comba Marques Porto e Mary Garcia Castro para uma entrevista com uma jornalista que lhes transmitiu a notícia sobre a prisão ocorrida. [25] “Feministas vão a Juiz pedir liberdade para equipe que faz aborto”. Ultima Hora. 17.01.1980. [26] Maria Alice Rocha. “A legalização do aborto - que tome a palavra a mulher” Movimento. 25.02.1980. [27] Estas foram as opiniões de Moema Toscano do CMB e de Maísa Soares de Abreu da Sociedade Brasil Mulher. O Globo. 18 janeiro 1980. [28] Declaração de Lígia Rodrigues. Idem, ibidem. [29] “Aborto-Solidariedade Internacional” Movimento. 14 de abril 1980. [30] “Aborto - O Brasil entra na guerra” Manchete. 02 fevereiro 1980. [31] “Jurista acha inúteis as prisões de médicos e de mulheres por aborto” O Globo 18 janeiro 1980. [32] “Juíza defende o aborto” Jornal do Brasil. 12 outubro 1980. [33] Dossiê produzido pelo Centro Informação de Segurança da Aeronáutica (...) emitido pelo Serviço de Informações do Departamento da Polícia Federal do Rio de Janeiro ao DGIE de São Paulo. As mulheres citadas pelo documento são: Branca Moreira Alves, Comba Marques Porto, Hildete Pereira de Melo, Jacqueline Pitanguy e Lígia, cujo sobrenome não é identificado, mas que nos parece ser Ligia Rodrigues, nossa entrevistada e envolvida na questão, a qual na ocasião era membro do Coletivo de Mulheres. [34] Entrevista Malu [35] “Debate com as feministas. Você acha justo uma mulher ser presa por fazer um aborto?” O Pasquim. Ano XV nº 748 Rio, de 27/10 a 02/11/1983. [36] “Mulheres vão à rua pelo direito de fazer o aborto”. Jornal do Brasil. 17 maio 1981. [36]Constavam como reivindicações: o fim da proibição do aborto, da esterilização forçada, da discriminação profissional da mulher casada ou mãe, o incremento da pesquisa médica na área da contracepção, e melhor divulgação dos métodos contraceptivos. E algumas denúncias: más condições ou inexistência de acompanhamento médico durante a gravidez na rede pública ou previdenciária, as péssimas condições de parto na rede pública e previdenciária e a inexistência de creches, boas escolas públicas e equipamentos coletivos. [37] Entrevista Hildete Pereira de Melo. [38] Ata da Assembléia Geral do CMB de 24 de setembro de 1983. [39] “O aborto na prática e na lei: quem decide?” O Sexo Finalmente Explícito”. Abril 1985. [40] “Aborto e Constituinte” Sexo Finalmente Explícito. Abril 1985. [41] Entrevista Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos. [42] Arquivo pessoal Moema Toscano. Assinavam o documento: Centro da Mulher Brasileira. Comissão Violência contra a Mulher, Comissão Documentação, Comissão de Contra-Informação, Grupos de Reflexão do Coletivo de Mulheres. Jornal Geração (Maceió). [43] Sergio Augusto. “É isso aí - Direitos Humanos (2)” O Pasquim. Ano X, nº 516 .Rio, 18 a 24/05/79; Mulher não é maçaneta: tira a mão daí!”Lampião da Esquina, nº 13, junho de 1979. [44] “Doca Street, culpado ou inocente? O povo é quem julga” O Fluminense. 29.12.1978. [45] Ziraldo. “Atenção Feministas!”. O Pasquim, 30 de maio a 05 de junho de 1980, nº570, p.5. [46] “Doca Street é aplaudido ao chegar no Foro de Cabo Frio".Jornal do Brasil. 18/10/79.
[47] "Manifesto assinado por 461 pessoas condena o machismo
na sociedade brasileira". Jornal do [48] “Acusação diz que Doca não é criminoso passional” O Globo. 15.10.1979. [49] “Doca Street é aplaudido ao chegar no Foro de Cabo Frio".op. cit. [50] “Feministas querem ‘fazer as cabeças” Jornal do Brasil. RJ, 05.11. 1981 [51] “Doca Street-a condenação do assassino” Movimento. 9 de novembro de 1981. [52] “No Julgamento de “Doca”, a União das Mulheres de Negro” Jornal do Brasil. RJ, 05.11. 1981. Aliás, o dístico “Quem Ama não Mata” é posteriormente apropriado pela TV Globo que realizou um programa assim intitulado. [53] “Advogado considera trama homossexual” Jornal do Brasil. RJ, 05.11. 1981. [54] Doca Street-a condenação do assassino” Movimento. 9 de novembro de 1981
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