labrys, estudos feministas

número 1-2, julho/ dezembro 2002

O lugar das lesbianas no movimento das mulheres

 

Line Chamberland

tradução: tania navarro swain

 

Resumo:

Em um olhar retrospectivo sobre sua trajetória pessoal como militante lesbiana e feminista, a autora propõe uma reflexão sobre o lugar das lesbianas no movimento das mulheres do Québec, nas últimas décadas. Distingue três períodos caracterizados por articulações diferentes entre lesbianismo e feminismo e ressalta, em cada uma, os laços de solidariedade e tensão: a emergência de uma geração de lesbianas que constrói sua identidade com referência às lutas políticas e ideológicas do neofeminismo dos anos 1970, o desenvolvimento subseqüente de um movimento autônomo e o militantismo pragmático dos anos 1990. Conclui enunciando as premissas para uma real abertura dos movimentos das mulheres às lesbianas, interrogando-se sobre a capacidade dos feminismos  em pensar o lesbianismo sem dessexualizá-lo.

Palavras-chave: feminismos, movimentos das mulheres, movimentos das lesbianas, lesbianismo, Québec , identidade lesbiana-feminista.

 

Em uma conferência pronunciada em Berlim, em 1904, Anna Rueling fazia um apelo “à ajuda mútua entre o movimento homossexual  e o movimento das mulheres, já que ambos lutavam pela livre determinação individual” (Faderman e Eriksonn, 1980: 81-91). Após sublinhar a importante contribuição das mulheres homossexuais para a obtenção dos direitos das mulheres, deplorava o silêncio das principais organizações feministas sobre este aporte, que nunca haviam movido uma palha para defender os direitos e o status social das integrantes do movimento homossexual , chamadas de “uranianas”, segundo o vocabulário da época. A argumentação de Rueling enfatizava a masculinidade que particulariza a mulher homossexual  retomava a tese, postulando a existência de um “terceiro sexo”, aventada por Magnus Hirschfeld[1], segundo a qual existiria naturalmente, além dos sexos fêmea e macho, uma terceira categoria compreendendo todos aqueles ou aquelas cujas características físicas, os traços de personalidade ou as preferências sexuais não se adequem  aos atributos tradicionalmente associados à masculinidade e/ ou à feminiliade.

A teoria do terceiro sexo repousa sobre uma visão rígida e essencialista das diferenças ligadas ao gênero e hoje é considerada ultrapassada ultrapassada. Entretanto, espanto-me ainda com pertinência, mais de um século depois, as nuances das observações Rueling sobre a participação das lesbianas no movimento das mulheres, evidente para quem tem olhos para ver, mas cujo desvelamento suscita reticências. Segundo a conferencista, se um tal mutismo parecia compreensível, enquanto o movimento contava  com poucas “convertidas”, tornava-se injustificável em uma conjuntura na qual este havia adquirido força e credibilidade.

            No quadro de uma interrogação sobre a capacidade dos movimentos contemporâneos  das mulheres de acolherem as lesbianas, começarei por retomar certas constatações de Rueling, aplicando-as à segunda vaga do feminismo que surgiu no Québec, no fim dos anos 1960. Uma vez que minha reflexão está estreitamente ligada à minha própria trajetória enquanto militante lesbiana e feminista desde os anos 1970, evocarei alguns momentos-chave de minha trajetória pessoal para explicitar, em seguida, o que me parecem ser condições ou preliminares de uma integração das lesbianas no seio    do movimento   das mulheres, bem como os limites de uma tal integração.[2]

            Contrariamente a outras mulheres pertencentes a grupos ditos minoritários, as lesbianas são parte integral dos movimentos das mulheres das mulheres, dos quais  participaram e participam ainda em grande número, como simples simpatizantes ou como militantes engajadas, trabalhadoras, dirigentes ou responsáveis políticas. Expressaram assim sua revolta, sua cólera, seus sonhos, muitas vezes com mais audácia que suas irmãs heterossexuais.

Em seus inúmeros textos teóricos e políticos, nomearam, denunciaram, analisaram a opressão sofrida pelas mulheres, fornecendo assim aos movimentos das mulheres  instrumentos, argumentos e armas ideológicas. Não desejo discutir aqui a parte e os méritos de umas e de outras, nem abrir ou alimentar um debate entre feministas lesbianas e feministas heterossexuais. Não partilho a opinião de que as lesbianas teriam se devotado ou mesmo se sacrificado por lutas que não eram as suas. Quando defendem o direito ao aborto, lutam por  sua própria liberdade, a de dispor do próprio corpo. Quando participam da marcha contra a pobreza das mulheres, é por terem vivenciado, pessoalmente ou em seu meio, as dificuldades de assegurar sua independência econômica, quer vivam sós ou como casais, e isto mesmo se estas uniões são agora reconhecidas. O dinheiro rosa, para retomar a expressão recentemente criada para designar o poder de compra da clientela gay, acumula-se com menor rapidez com os salários rosas, isto  é, femininos.[3]

            Constatar que as lesbianas criaram e modelaram, em conjunto com as heterossexuais,  os movimetnos   das mulheres obriga a formular, de outra forma, a questão da diversidade, no que lhes diz respeito. A pedra de toque aqui não é a acessibilidade destes movimentos  ou sua capacidade de reunir as lesbianas, mas, sobretudo, a visibilidade dada a sua participação, tanto no interior dos movimentos , quanto em suas intervenções públicas. Deste ponto de vista, surgem várias interrogações que poderíamos aplicar aos movimentos em sua globalidade e a seus diversos componentes. A presença das lesbianas é nomeada e sua contribuição reconhecida? Os grupos de serviço levam em conta suas necessidades específicas? Há um interesse pela história e pela cultura lésbica? Existem lugares para este debate? Os espaços ideológicos permitem a representação das lesbianas de outra forma que não seja enquanto  mulheres? Ou, ainda, como mulheres diferenciadas por uma característica extremamente secundária, a de sua orientação sexual?

            Estas questões suscitaram tensões e debates entre as feministas, tanto lesbianas quanto heterossexuais. Dependendo das circunstâncias, as questões lésbicas foram ou ocultas e desviadas, ou levadas em conta nas análises e nas práticas dos grupos e das associações. Em conseqüência, certas lesbianas distanciaram-se de feminismos  classificados por elas  de heterossexuais. A corrente do lesbianismo radical desenvolverá uma crítica mais articulada e mais veemente  dos feminismos, os quais, segundo as defensoras desta tendência política (Turcotte, 1998), não contestam o sistema político fundado na heterossexualidade. Outras lesbianas continuaram a militar em movimentos nos quais  se sentiam relativamente bem aceitas, desde que se mostrando discretas; outras ainda tomaram iniciativas visando definir as problemáticas próprias às lesbianas, a adaptar ou criar serviços apropriados, fazendo valer suas reivindicações próprias.[4] Em minha busca identitária e em meus engajamentos militantes, lesbianismo e feminismo articularam-se de forma diferente, de uma década para outra.

 

A geração lesbiana-feminista

Como milhares de mulheres no Québec, no restante da América do Norte e na Europa, identifiquei-me como lesbiana-feminista nos anos 1970 (Echols, 1984; Faderman, 1991; Hildebran, 1998; Lamoureux, 1998a; Ross, 1995; Roy, 1985). A partir de experiências e de circunstâncias similares, uma boa parte das lesbianas desta geração adotou definições delas mesmas, esquemas de interpretação de suas atrações sexuais e das visões de mundo que diferiam radicalmente das representações anteriores do lesbianismo. Retrospectivamente, pode-se considerar a emergência do lesbiano-feminismo como um movimento social centrado na afirmação identitária (Stein, 1992, 1997). No engajamento das lutas políticas e ideológicas dos feminismos opera-se uma série de reconstruções da identidade lesbiana que a retirou das categorizações médicas e aproximaram-na do universal, eliminando as conotações negativas. Segundo essa nova perspectiva, o lesbianismo não foi mais visto como um comportamento sexual patológico estigmatizado socialmente, mas como uma forma de resistência à dominação patriarcal, uma realização dos ideais feministas de independência e de autonomia em relação aos homens, uma rejeição dos papéis sociais impostos, acompanhada de uma busca de autenticidade . Toda mulher que se engajava em um tal caminho,  toda aquela que “se identifica às mulheres”, segundo a fórmula consagrada, poderia tornar-se lesbiana.[5] Às categorias sexuais (homossexualidade, heterossexualidade), que servem unicamente  reforçar os modelos normativos, opõe-se uma definição mais ampla do lesbianismo, que se acompanha de uma valorização, quase uma idealização, deste estilo de vida.

            Este discurso iria cativar as mulheres cujos  percursos amorosos, identidades e as atrações sexuais variavam  consideravelmente. Nem todas  se tornariam militantes ativas dos movimentos das  das mulheres.

De minha parte, não sou um puro produto desta confluência entre o político e o sexual:  os feminismos haviam modificado profundamente meu olhar sobre as mulheres e aberto a possibilidade de desejo por elas, ao mesmo tempo em que  me haviam fornecido  explicações às dificuldades encontradas, até o momento, em minhas relações com os homens. Até a metade dos anos 1980, o amor pelas mulheres e meu engajamento feminista formaram uma unidade em minha identidade pessoal e política. Por prudência, segundo as circunstâncias, segundo os interlocutores e interlocutoras, eu omitia o “lesbiana”, para conservar apenas o “ feminista”. Não vivia esta meia-verdade como um compromisso, pois era o feminismo que dava sentido a minhas escolhas sexuais. Sentido, sim, pois era ele que as legitimava, tornando-as aceitáveis a meus olhos e na imagem projetada aos outros, dotada assim de uma certa respeitabilidade social.

Para mim, como para toda uma geração de lesbianas, jovens e instruídas em sua maioria, o discurso feminista – do qualéramos  também as enunciadoras – alimentou uma reconstrução de identidade individual e coletiva. A etiqueta Lesbiana havia servido até este momento, não somente para marginalizar aquelas que se sentiam atraídas pelo mesmo sexo, mas de forma mais ampla, para controlar todas as mulheres, construindo o gênero feminino, estabelecendo a fronteira entre a mulher normal, – feminina, logo heterossexual, é claro – e a anormal e desviante. Assim, este epíteto foi aplicado igualmente às mulheres, cuja frieza sexual era, às vezes, atribuída à pulsões homossexuais latentes nos discursos médicos e sexológicos; igualmente à prostituta, que seria motivada inconscientemente por uma agressividade contra os homens ou um desejo de se convencer de sua heterossexualidade.[6]

Ao longo do século, pode-se notar igualmente a figura da Invertida sexual e depois a da Lesbiana   contendo, muitas vezes, os feminismos. Assim, em seus artigos panfletários, denunciando as reivindicações das suffragettes[7], Henri Bourassa (1925) qualificava-as de “mulheres-homens”. Em uma crítica ao Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicada na revista Cite Libre em 1957 – um dos raros ecos dados a esta obra antes dos anos 1960 –, o Dr. Dansereau via, na existência de um capítulo sobre “A lesbiana”, o indício de que a tese da autora “pareceria levar, naturalmente, à inversão” [8].

Lembramo-nos de outras injúrias do gênero, utilizadas para denegrir as ações das neofeministas dos anos 1970 e seguintes: “Não passam de um bando de malditas lésbicas”. Ainda que sejam apenas ilustrações, estes exemplos mostram o caráter central das categorias construídas em torno de práticas sexuais na definição e imposição de um ideal de feminitude. Em nosso impulso de radicalismo, os insultos não nos atingiam e era com orgulho que reivindicávamos a denominação “lesbiana”. Tínhamos, creio, subestimado a profundidade das divisões que se cristalizavam em torno das questões sexuais, no próprio interior das mulheres.

 

As rupturas dos anos 1980

O movimentos das lesbianas  separou-se do movimentodas mulheres e conheceu uma efervescência considerável durante os anos 1980, caracterizada pela multiplicação dos espaços de encontro e dos lugares de fala, assim como por uma abundante produção cultural (Demczuk e Remiggi, 1998[9]). Esta década exaltante, rememorada hoje como uma idade de ouro por algumas, despertou também em mim a lembrança do desencanto e da desunião. Com efeito, o processo de redefinição da identidade lesbiana não se deu sem conflitos: depois do fervor das primeiras lutas, uma vez dissolvida a esperança – deve-se confessar, utópica – de vencer o patriarcado em alguns anos, numerosas divisões políticas e ideológicas surgiram, opondo as lesbianas politizadas entre elas:  a questão de nossa visibilidade nas lutas das mulheres e do caráter central ou secundário da obrigação heterossexual no processo de subordinação do conjunto das mulheres e, portanto, das implicações políticas de nossas escolhas sexuais e das alianças a manter, ou não, com as feministas heterossexuais (Centre Lyonnais d’études Féministes, 1989; Chamberland, 1989; Lamoureux, 1998; Roy, 1985; Turcotte, 1998) Segundo Stein (1992, 1997), o movimento era vítima de seu próprio sucesso: ampliando a definição do lesbianismo, misturando fronteiras, atraiumulheres com experiências  de vida muito diversificadas, para as quais o desejo, a prática sexual, a identidade pessoal e a visão política formavam configurações variadas.  Face às  tensões geradas por esta heterogeneidade, encontramos duas respostas divergentes: uma acentuando a universalidade da categoria “lesbiana”, com risco de perder sua especificidade, principalmente dessexualizando-a (Calhoun,1996), e a outra, reforçando  suas fronteiras através de tomadas de posição políticas que  delimitavam esta categoria mais claramente, mesmo ao custo de excluir aquelas que não partilhavam este ponto de vista.[10] Enfim, a intensa politização dos espaços lesbianos autônomos exauriu um bom número daquelas que os freqüentavam e fez recuar aquelas menos ou não politizadas.

            Enquanto isto, os movimentos feministas marcavam pontos, se institucionalizavam, se profissionalizavam (Lamoureux, 1990, 1998). A receptividade social quanto a eles havia consideravelmente aumentado e o poder político não podia mais ignora-los. Mas impunham-se negociações. De uma época na qual a contestação partia de todos os lugares, passou-se a um clima político mais conservador. Era a década da “excelência” na qual se precisava mostrar competência e moderação Temas “embaraçosos” levados à discussão pública  como  lesbianismo,  ou a heterossexualidade, enquanto instituição opressiva das mulheres, eram tão controversos, tão densos, que foram aos poucos sendo abandonados

            Esta conjuntura tornava problemática a relação entre o lesbianismo e o feminismo, em suas diferentes faces, o que iria provocar em mim uma tomada de consciência, primeiro como um mal-estar, depois como um questionamento com  múltiplas ramificações: porque este embaraço em me identificar como lesbiana, simplesmente, sem a aura do feminismo? Como se expressava minha solidariedade com as lésbicas, situando-se fora dos movimentos das  das mulheres? Que tínhamos nós, finalmente, em comum? Não sofreria eu a mesma repressão enquanto lesbiana? Não levaria, da mesma forma, uma dupla vida, como a maior parte das lesbianas e dos gays: feminista no trabalho, nas organizações das mulheres, e lesbiana à noite, em minha vida privada, nos bares: se éramos, pode-se dizer, vizinhas no continuum de resistência lesbiana, para retomar a fórmula de Adrienne Rich (1980), como explicar que eu conheça tão pouco sua história, sua cultura, suas dificuldades na vida cotidiana?

Um testemunho de Joan Nestlé (1981), co-fundadora dos Arquivos Lesbianos de Nova Yorque, contava sua história pessoal, saudando a coragem das lesbianas butchs e fems[11], que haviam ousado viver seus amores em lugares públicos, muito antes da vaga feminista.  interpelou-me fortemente. Nestlé tentava explicar o universo destas mulheres, no qual estivera inserida nos anos 1950 e 1960, a um auditório de lesbianas-feministas que o percebiam como uma reprodução dos modelos heterossexuais. Esta narrativa emocionante deu-me a medida da profundidade do desprezo com o qual se olhava estas lesbianas, incluindo-se aí um bom número de lesbianas-feministas. E entre estas, eu me incluía.

            Esta perspectiva conduziu-me a abandonar o traço de união entre lesbiana e feminista. Imbricados tal como eram, a partir de então, estes dois engajamentos tornavam-se distintos e cabia a mim articula-los um ao outro. Decidi começar por reaprumar a balança identitária, consagrando minhas energias a reconstituir a história das lesbianas no Québec. Prosseguindo minha pesquisa, mergulhava em textos, a maioria em inglês, provenientes do campo nascente dos estudos lésbicos e gays nos Estados Unidos e Inglaterra. Feministas  heterossexuais e  lesbianas, e estas últimas entre si, se dilaceravam sobre algumas questões, sobretudo relativas à sexualidade, tema que encontrava pouca receptividade nos movimentos feministas e e nas universidades québécoises francófonas. Não posso senão menciona-las aqui brevemente. As análises feministas sobre a pornografia, o estupro, a prostituição e a escravidão sexual das mulheres denunciava vigorosamente a exploração sexual da qual eram vítimas e ressaltavam sua vulnerabilidade neste plano. Focalizando as representações de mulheres como vítimas sexuais, acentuavam uma visão de sua sexualidade que foi considerada redutora por certas feministas, principalmente por aquelas cujas práticas sexuais afastavam-se das normas, sejam elas lesbianas, prostitutas ou outras trabalhadoras do sexo (Bell, 1987; Healey, 1996; Snitow, Stansell e Thompson, 1984; Vance, 1984). Se a condenação da pornografia conseguia um consenso, a reivindicação da censura, privilegiada por uma certa ortodoxia feminista como solução possível contra sua proliferação, suscitava reservas. O que não pensariam as lesbianas, cada vez mais numerosas a desejar representações mais explícitas de sua sexualidade, suscetíveis de serem julgadas pornográficas segundos os cânones em vigor e, portanto, objeto de censura? [12]

Enfim, as análises do heterossexismo, como fundamento ideológico e institucional da hierarquização dos sexos, refinavam-se e criavam novos debates, principalmente com a emergência da corrente queer, mas os pontos de vista feministas eram  muitas vezes ignorados, senão mesmo desprezados (Chamberland, 1997; Malinowitz, 1996; Zimmerman, 1996). Quanto mais se avançava no tempo, mais eu me sentia distante em relação aos movimentos feministas daqui, alegrando-me, entretanto, de seus avanços nos múltiplos setores econômico, social, político. Cheguei a estabelecer alianças nos meios universitários, de forma a levar avante meu projeto de pesquisa. Mas levava comigo o que costumo chamar de  “meu gurada-roupa de vidro”, no qual deixava guradadas um bom número destas questões.

 

Os anos 1990: visibilidade e reconhecimento social

            Os anos 1990 foram marcados por uma maior visibilidade das lesbianas e dos gays no espaço público, notadamente no espaço urbano com o desenvolvimento do Village gay [13] e as manifestações anuais de Divers-Cité [14](Demczuk e Remiggi, 1998: 399-405; Higgins: 125-131). Os movimentos associativos ramificam-se e se consolidam. Toda uma série de grupos e de organizações se estabelece, na base de afinidades ou de atividades partilhadas, nos campos mais diversos: lazer esportivo e cultural, utilização de um mesmo ambiente escolar, experiência vivida e antecipada da  parentalidade[15], reivindicações sindicais, origem étnica comum, mesmo patamar de idade, etc.

Estes agrupamentos apresentam-se mistos, com freqüência,  ainda que as lesbianas fossem, na maior parte das vezes, sub-representadas. Foram formadas assim redes não mistas, em torno de preocupações circunscritas, tais como os reagrupamentos das mulheres de negócios ou das esportistas. Seguindo a vaga americana, as representações da mídia québécoise abrem espaço às lesbianas, como atestam os testemunhos que apareceram na maior parte das revistas femininas, no meio do decênio. Alguns filmes as colocam em cena, como Gazon Maudit, alcançando um vasto público (Nadeau, 1997).

             Os movimentos  gays ocupam igualmente o espaço político e apresentam reivindicações principalmente centradas na denúncia da discriminação contra as pessoas homossexuais e no reconhecimento de seus direitos. Em sua tendência majoritária e através de seus líderes mais influentes, carrega um pensamento reformista visando o reconhecimento das lesbianas e dos gay em todos os planos, social, jurídico, econômico e político. O radicalismo das décadas anteriores foi descartado em favor de uma vontade de integração às estruturas familiares e sociais existentes.

            Em seguida ao desmantelamento  dos movimentos das lesbianas,  das lesbianas, algumas reagruparam-se em coalizões ad hoc, por exemplo, por ocasião das audiências públicas da Comissão dos Direitos da Pessoa sobre a violência e a discriminação contra as lesbianas e os gays em 1993. Outras se uniram ao movimentos gay misto ou a este  aliaram-se de forma ocasional. As mais jovens identificaram-se à tendência queer. Outras continuaram a investir nos movimentos feministas e são cada vez mais numerosas a introduzir os pontos de vista  de vista das lesbianas. Desde 1995 foi criado o Comitê pelo reconhecimento das lesbianas junto à Federação das Mulheres do Québec e, recentemente, a Marcha Mundial das Mulheres abrigou duas reivindicações relativas aos direitos das lesbianas (Demczuk, 2000).

Em 1996, as lesbianas buscaram relançar um movimento autônomo, criando uma associação provincial aberta à diversidade, a Rede das Lesbianas do Québec/Quebec Lesbian Network. Enfim, uma ampla coalizão oriunda dos movimentos lesbianos, gays, sindicais e feministas deu um apoio decisivo às demandas quanto ao reconhecimento dos cônjuges do mesmo sexo.

            De forma global, pode-se observar que muitas lesbianas orientaram seu militantismo, no curso desta década, concentrando-se em objetivos pragmáticos e estabelecendo alianças pontuais. É meu caso. Por exemplo, no início dos anos 1990, engajei-me, no plano sindical, à CSN, a fim de participar da criação de um comitê que deveria inquirir sobre a discriminação com base na orientação sexual no meio de trabalho e explorar o terreno das reivindicações sobre o reconhecimento dos casais do mesmo sexo. Através de diversas realizações e colaborações no meio universitário, tentei favorecer a emergência de um campo de estudos sobre as homossexualidades. Além do choque que suscita a passagem de uma cultura militante lesbiana e feminista a um universo de predominância masculina, no qual a via democrática interna e as relações de poder externas se traçam de formas muito diferentes, as alianças com  os movimentos gays  oferecem como vantagem principal a determinação de objetivos concretos, visando o avanço das causas de homossexuais femininos e masculinos como prioritárias, e isto mesmo se as primeiras são minoria e devam lutar para trazer suas reivindicações próprias, como aquelas relativas à maternidade.

            Ao fim deste caminhar, abandonei muitas certezas, mas as que adquiri me parecem incontornáveis. Gostaria de partilha-las aqui.

1-     As lesbianas não formam um grupo homogêneo: distinguem-se umas das outras por suas experiências de vida, segundo o contexto social no qual afirmaram sua diferença, pelo modo de construir sua identidade como lesbianas, isto é, de nomear seus desejos sexuais, de concebe-los, de explica-los face à elas mesmas e face aos outros, de exterioriza-los em sua aparência e sua maneira de ser, de articula-los com outras facetas de sua personalidade. Diferenciam-se ainda por sua situação econômica, sua inserção em termos de classe social e etnia, sua relação com a família, seu status parental – com ou sem filhos, fruto de um casamento heterossexual ou de uma união com outra mulher – e muitos outros fatores. São igualmente divididas segundo suas visões e engajamentos políticos. Lembremos, por exemplo, que a reivindicação do reconhecimento de cônjuges do mesmo sexo não conseguiu e ainda não obteve a unanimidade entre elas. A dificuldade não reside tanto na ausência de consenso, mas na falta de lugares de debates, tendo em vista o enfraquecimento do movimento autônomo das lesbianas e sua posição minoritária, tanto no interior dos movimentos das mulheres quanto nos movimentos gays. Quem toma a liderança de definir suas reivindicações? Suas prioridades de luta? Durante estes últimos anos, o programa foi definido mais precisamente pela tendência reformista dos movimentos gays. Os movimentos das mulheres não podem, evidentemente, remediar a dificuldade de reagrupamento e de mobilização das lesbianas, em torno de objetivos por elas definidos. Devem, entretanto, ser conscientes desta dificuldade e favorecer os processos de democratização das discussões em seu meio e nas coalizões onde  estão presentes.

Em sua época, o apelo de Anna Rueling obteve frutos. Com efeito, em 1910, alguns anos depois de sua conferência, enquanto se discutia a adoção de um novo código penal na Alemanha, que teria como conseqüência criminalizar as relações sexuais entre duas mulheres, as organizações feministas mobilizaram-se e, junto com os movimentos homossexuais, fizeram recuar os legisladores. (Faderman e Eriksson, 1980: iv-v). Da mesma forma que naquela ocasião, é sem dúvida mais fácil para as lesbianas, participando dos movimentos das mulheres, solicitar e obter seu apoio à suas reivindicações, em uma conjuntura na qual os movimentos homossexuais afirmam-se com vigor, em praça pública, e goazm de uma certa popularidade. Daí a necessidade de que as lesbianas interajam com estes movimentos.

2-     A presença das lesbianas no movimento das mulheres é portadora de ambigüidade, pois esta participação é marcada pelo fato de serem mulheres  e na base de uma ideologia feminista. Pretender uma abertura a todas as mulheres, sem distinção, incluindo as lesbianas, sem que isto não se traduza concretamente em práticas, parece-me enganoso. Acredito ser necessário para que um movimento se torne inclusivo que se leve em conta, de maneira explícita, as realidades e as perspectivas lesbianas nos discursos, reivindicações e serviços oferecidos. Esta é uma ação já iniciada, mas que deve ainda ser estendida ao conjunto das componentes dos movimentos, nos diversos campos de intervenção e de lutas.  (Bélanger, 2000). A manutenção de um tal desafio não deixa de gerar tensões, pois a questão do lesbianismo continua, em meu entender, um tema potencialmente implosivo no interior dos movimentos, malgrado os progressos dos últimos anos. Será preciso tomar um tempo para se dizer os receios, criar um clima de segurança para umas e outras, respeitar os ritmos, compreender as divergências e, sobretudo, “viver com”, ou seja, não forçar consensos artificiais.             Partilho igualmente as interrogações de Calhoun (1996) quanto à possibilidade de representar as lesbianas no quadro das reflexões feministas, apesar da tendência a  a defini-las como sendo essencialmente mulheres e a dessexualizar o lesbianismo.

3-     A identidade e a cultura lesbiano-feminista, da qual emergi, são os produtos de um momento histórico particular. Ao longo do século XX, diferentes concepções de homossexualidade masculina e feminina surgiram, concorreram, coexistiram, imbricaram-se ou contradisseram-se (Sedgwick, 1990). Estas concepções atingem o coração mesmo da construção da sexualidade, dos gêneros (do que é definido como feminino e masculino) e de classes de sexo: quais são as fronteiras que definem os comportamentos sexuais aceitos, tolerados e proibidos? Como se categorizaram os desejos sexuais? Que laços existem entre estas categorias do desejo e da construção da feminilidade e masculinidade? Os homossexuais (mulheres e homens) formam uma minoria distinta, anódina, sem conseqüências, comparável, nestes limites, aos canhotos? Ou há entre os seres humanos um continuum de comportamentos sexuais, todo um espectro de sexualidades e de identidades que abrigam configurações plurais? As respostas a estas questões não são evidentes. São motivo de lutas ao longo das quais categorias, definições, identidades são produzidas, contestadas, retomadas e modificadas. Assim, as lesbianas apropriaram-se do modelo da Invertida sexual do início do século: associando o fato de sentirem uma atração por uma mulher a uma forma de masculinização, permitiam-se nomear explicitamente seu desejo sexual em um contexto no qual o desejo não podia senão expressar-se no masculino, pois considerava-se que as mulheres não o possuíam. Outras se distanciaram deste modelo, pois associava seu desejo a uma forma de anormalidade, mesmo de patologia. Atualmente, o paradigma dominante para conceber a homossexualidade é o da orientação sexual, que dissocia a atração sexual do outros componentes da identidade pessoal. Este modelo, que se impôs a partir dos anos 1990, assimilou a homossexualidade a um traço pessoal irreversível, mais do que um desarranjo de personalidade (Hurteau, 1991). Esta visão foi bem acolhida pelos movimentos gays, pois permitia apresentar a homossexualidade como uma característica entre outras, uma diferença acidental, e denunciar um tratamento diferenciado ou discriminatório em função da orientação sexual. As/os militantes retomaram-na para reclamar, primeiramente, mais tolerância em relação aos homossexuais e, mais recentemente, o acesso a certas formas de reconhecimento social e institucional. Este paradigma prestou-se a diferentes leituras e interpretações, o que explica, sem dúvida, sua força. Entendo que esta visão dá lugar, às vezes, à interpretações redutoras, isolando a orientação sexual de suas facetas psicológicas, sociais e políticas. Por exemplo, considera-la inata é retomar a ordem da natureza da diferença acidental que constituiria a homossexualidade, preservando, assim, intacta a idéia de uma atração ou de uma complementaridade natural entre mulheres e homens. Ou ainda, na demonstração enfática que as lesbianas e os homossexuais masculinos são como qualquer pessoa, acaba-se por apagar sua história, sua cultura própria, suas identidades múltiplas. Estes discursos redutores escamoteiam toda interrogação sobre as categorias de sexo e gênero, sobre a opressão heterossexista enquanto sistema ideológico e institucional, e levam a um direito à diferença limitado e conservador, que não tem outro objetivo que uma série de adaptações da sociedade a nós, e de nós à sociedade.

Entre as lesbianas, as aspirações quanto ao reconhecimento de seus modos de vida, de não sofrerem mais a marginalização, acompanham e rivalizam com a recusa da ordem imposta das sexualidades e dos gêneros, assim como a rejeição de uma normalidade, tão estreitamente definida que sufocaria sua revolta e sua criatividade, que banalizaria sua diferença, tomada aqui no sentido de uma ruptura em relação às mulheres heterossexuais, de uma recusa de serem mulheres no sentido social do termo, que constitui a base de uma transformação individual e social . Esta tensão, por mais que possamos prevê-la, vai permanecer  nos movimentos  das lesbianas por muito tempo.

 

 

REFERÊNCIAS

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Nota biográfica:

Line Chamberland ensina sociologia no CEGEP de Maisonneuve, Montreal, Québec. Publicou o livro, Mémoires lesbiennes. Le lesbianisme à Montréal entre 1950 et 1972 (Remue-ménage, 1996) e dirigiu em 1997 um número da revista Sociologie et sociétés, sobre o tema “ Homossexualidades: questões científicas e militantes”. Professora associada ao Instituto de pesquisas e estudos feministas( IREF)  da UQAM, Université du Québec à Montreal), pesquisa atualmente a adaptação dos serviços sociais e de saúde às necessidades e às realidades das lesbianas mais velhas, em colaboração com a l’Association de recherche IREF/Relais-femmes et le Réseau des lesbiennes du Québec/Quebec Lesbian Network .

e-mail: line.chamberland@arobas.net



[1] Médico alemão e homossexual,(1868-1935), foi um pioneiro da sexologia e um reformador sobre o conjunto das questões relativas à sexualidade. Co-fundador, em 1897, do Comitê científico humanitário, que lutava pela descriminalização da homossexualidade masculina, foi um dos principais inspiradores dos primeiros movimentos homossexuais europeus e realizou múltiplas pesquisas para documentar a existência de um terceiro sexo sob diversas variáveis (inversão sexual, travestismo, hermafroditismo, etc)

[2]  As relações entre feminismo e lesbianismo são complexas e flutuaram nos últimos trinta anos. As leituras que delas são feitas divergem segundo os percursos individuais e as tendências políticas, enquanto que os estudos históricos e sociológicos sobre a questão permanecem pouco numerosos, ao menos no Québec. Estas razões incitaram-me a adotar um tom de testemunho pessoal, no quadro deste breve artigo, indicando, entre parênteses, os escritos que retraçam outros itinerários individuais, que propõe leituras divergentes de minha proposta ou que alimentaram minha reflexão ao longo dos anos.

[3] Encontramos aqui um bom exemplo da ambiguidade introduzida pelo emprego genérico do masculino. A noção de um poder econômico gay inclui aparentemente os dois sexos, enquanto que, de fato, designa a emergência, principalmente entre os homens gay, de uma camada de consumidores que tem uma renda elevada, consagrada em boa parte a certos tipos de gastos de consumo (roupas, viagens, etc)

[4] Por exemplo, no meio dos anos 1980, um grupo de lesbianas formou-se no interior do movimento dos Centros de Ajuda e de luta contra as agressões sexuais. Visava , entre outras coisas, tornar visível a presença das lésbicas e sensibilizar as mulheres heterossexuais quanto a sua opressão específica.

[5] A definição do lesbianismo como identificação-às-mulheres remonta, em sua primeira formulação, a um manifesto intitulado The Woman Identified Woman, redigido em 1970 pelo grupo Radicalesbians , em reação à homofobia expressa no interior da organização  NOW (National Organization of Women) nos Estados Unidos (Stein, 1997: 31-40).

[6] Poderíamos encontrar muitos exemplos nas obras de vulgarização sobre a sexualidade e os manuais de educação sexual, particularmente aqueles inspirados pela psicanálise, que se multiplicam a partir do pós-guerra, para  ter uma difusão maciça nos anos 1990. Mencionarei apenas dois. Em seu livro intitulado “Problemas sexuais da mulher” (Paris, Buchet/Chastel, 1965), o Dr. Noël Lamare definia a frigidez como um “defeito de impulso heterossexual” e via na ligação excessiva a um dos genitores um fator que ligava à frigidez e à homossexualidade feminina. Por outro lado, o livro “A homossexualidade da mulher”, uma das obras mais difundidas sobre o lesbianismo durante este período, Frank Caprio associa a prostituição a uma forma de homossexualidade reprimida (Paris, Payot, 1959, traducão francesa).

[7] Mulheres que lutavam pelo direito do voto. NT

[8] Vale a pena citá-lo integralmente : « Não poderíamos insistir suficientemente sobre a corrupção sutil para onde leva a tese da autora. Um olhar atento sobre os títulos dos capítulos, tratando da formação da mulher, é característico a este respeito: Infância, A jovem, A iniciação sexual, A lesbiana. Não saberíamos melhor resumir como todo o desenvolvimento parece levar, naturalmente, à inversão. Aliás, neste último capítulo, como naquele sobre A jovem, que são os mais vivos dos dois volumes, a autora esquece um pouco de argumentar e pode-se sentir uma quente simpatia por este assunto. Madame de Beauvoir é habitada por uma revolta que pode englobar sua própria natureza, afirmando-a assim anti-natural. («Le ‘Deuxième Sexe’», Cité libre, no. 17, juin 1957 : 66-67).

[9]  Ver, em particular, o capítulo XI, «Voix et images de lesbiennes : la formation d’un réseau de médias» por Dominique Bourque (p. 291-311) e o capítulo XII, « Le projet Gilford : mémoires vives d’une pratique artistique et politique », por Suzanne Boisvert e Danielle Boutet (p. 313-336).

[10]  O texto de Adrienne Rich, Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence, publicado originalmente em 1980 e em francês em 1981, constitui sem dúvida a ilustração mais conhecida da primeira tendência (Rich, 1981). Por outro lado, a corrente do lesbianismo radical no Québec enfatizava a unificação política e ideológica dos movimentos  das lesbianas. Stein (1992) interpreta a emergência da tendência separatista nos Estados Unidos como um estreitamento e um endurecimento da categoria lesbiana pelo estabelecimento de normas comuns. Segundo esta autora, que faz uma leitura do movimento das lesbianas como um movimento de afirmação identitária, estas tensões eram inevitáveis, pois a ampliação desta categoria carreava sua diversificação, enquanto que a construção de espaços comunitários não podia se realizar senão com a fixação de normas e a partilha de um certo estilo de vida.

[11] Butch sendo a lesbiana que adota uma imagem masculina e Fem aquela que, guardando um modelo de feminilidade, vivia uma relação homossexual. NT

[12] Por exemplo, a livraria lesbiana, feminista e gay de Montreal, l´Androgyne, assim como a livraria  Little Sister, de Vancouver, viram suas encomendas retidas ou retardadas pelo serviço aduaneiro.

[13] Bairro de Montréal que congrega grande número de bares, boites, livrarias, espaços de encontro e de atividades culturais gay– mulheres e homens. NT

[14] Jogo de palavras onde a diversidade se imbrica à cidade. NT

[15] utilizo um neologismo para escapar do termo “paternidade”, que  em brasileiro indica literalmente a relação pai-filho, mas que conota a relação pai/mãe-filho/filha.