labrys, estudos feministas

número 1-2, julho/ dezembro 2002

Além das aparências.

Sistema de gênero e encenação dos corpos lesbianos

 

Céline Perrin e Natacha Chetcuti

Tradução: Liliane Machado e tania navarro swain

 

Resumo

Geralmente vistas pelo senso comum como “ masculinas”, as lesbianas deveriam assim reproduzir a dicotomia masculino/feminino habitual. Este artigo se debruça sobre as diversas formas de ser que as lesbianas podem adotar, propondo uma leitura materialista das atitudes encontradas na comunidade lesbiana, com seus códigos e atributos ditos masculinos. Em vez de aí perceber uma identificação ao masculino, as autoras analisam, ao contrário, estes comportamentos como uma recusa das definições normativas do “ feminino” . Entretanto, se as lesbianas transgridem assim a norma de sua categoria de sexo e de pertencimento, suas práticas e representações continuam fortemente tributárias do sistema de gênero

“ quer seja do lado na norma ou do lado da contestação  e que elas  digam que o gênero traduz, ou simboliza, ou constrói o sexo, as diferenças ideológicas são  testemunho  do sexo social : que a anatomia é política."(Mathieu, 1991 : 13)

 

 

O presente artigo é baseado em duas pesquisas exploratórias realizadas respectivamente, na Suíça e na França, por meio de conversas semi-dirigidas[1]. Propusemo-nos examinar que relação as lésbicas bissexuais[2], procedentes de movimentos comunitários (quadros associativos, bares lésbicos), mantém com as categorias produzidas pelo sistema de gênero, mais precisamente como as concepções identitárias lesbianas estão estruturadas pelo gênero, conceito definido aqui tanto  como sistema de relações sociais hierarquizadas, quanto sistema de representações, tradutor desta relação (Nadal, 1999).

Geralmente percebidas pelo senso comum como “masculinas”, as lésbicas estariam também, supostamente, reproduzindo a dicotomia do dito feminino/masculino em suas práticas, quer se trate de sua relação de casal, de sua sexualidade ou das diversas formas de apresentação de si que elas possam adotar. Nós nos interessaremos aqui principalmente por esse último aspecto, propondo uma leitura materialista do jogo freqüentemente praticado no meio lesbiano com os códigos e atributos ditos “masculinos”. Longe de ver nisso uma identificação com os homens, nós analisaremos, ao contrário, esta prática como o signo de uma visão crítica das relações sociais de sexo e de uma recusa em corresponder às definições normativas do “feminino”, percebido amplamente  dominado. Questionar-se-á, igualmente, em que medida este uso de atributos ditos “masculinos” pode ser interpretado como uma transgressão e/ou uma subversão das categorias de sistema de gênero. Com efeito, a transgressão de uma norma (aqui a norma de sua categoria de sexo de pertencimento como a norma heterossexual) não implica forçosamente a subversão de um sistema de pensamento (Mathieu, 1991). Como uma tal subversão pode ser personificada no nível individual ou coletivo?

Como todas as representações, as concepções identitárias lésbicas não se elaboram dentro de um vazio social, mas se constroem de acordo com – ou em resposta às – representações dominantes. Definida aqui como “ o fato de se reconhecer, de se reivindicar, de se atribuir um pertencimento a uma categoria socialmente construída (Saint-Hilaire, 1999: 35), a identidade lésbica é, portanto, tributária das concepções dominantes, tanto da homossexualidade, quanto das categorias homens e mulheres. Uma tal definição de identidade torna necessário distinguir dois níveis identitários: a identidade designada (o fato de se ter uma identidade imposta,  tal qual ela é socialmente definida) de um lado, e a identidade reivindicada, ou a invenção identitária, de outro[3].

Para examinar em que medida as lésbicas de nossas entrevistas endossam uma identidade designada (a lésbica dita masculina, se identificando aos homens) ou, ao contrário, reivindicam uma identidade “outra”, é necessário, em primeiro lugar, reconstituir a constituição da categoria “homossexual” no Ocidente, na qual que se alimentam ainda o senso comum e  suas concepções estereotipadas de homossexualidade. Oporemos  a estas as perspectivas abertas pelo feminismo materialista e o lesbianismo radical, que permitem conceituar o lesbianismo como uma forma de resistência à dominação masculina, e em seguida exporemos uma parte dos dois corpora de dados, nesta perspectiva.

 

TEORIZAÇÕES E CONCEITUALIZAÇÕES DA HOMOSSEXUALIDADE FEMININA

A construção da categoria homossexual e a teoria da inversaõ

Como a imagem da lésbica dita masculina, que se identifica aos homens, foi constituída? Ela está ligada à construção da categoria “homossexual” no Ocidente. É o resultado do trabalho de classificação das perversões como foi feita pelos médicos desde a segunda metade do século XIX (por exemplo, Foucault, 1976; Lhomond, 1991, 2001; Weeks, 1996) e põe em jogo as categorias do sistema de gênero. Com efeito, para compreender a homossexualidade e tratá-la, os médicos procederam a um re-agrupamento dos indivíduos, tendo práticas sexuais consideradas como desviantes, em uma categoria particular, para a qual eles tentaram definir traços específicos.

“A construção de uma espécie particular, aquela dos invertido/as[4], está fundada sobre as definições do que são – e devem ser – os homens e as mulheres, considerados como dois grupos “naturais”, absolutamente distintos, tendo traços anatômicos, morfológicos, psicológicos e comportamentais fundamentalmente diferentes e complementares” (Lhomond, 2001: 154).

Vai-se, a partir de então, buscar sobre os corpos do/as homossexuais e em suas biografias, os signos de intersexualidade, de mistura ou inversão de caracteres definidores de mulheres e  homens: infância se adequando aos papéis de sexo esperados, características físicas próprias ao outro sexo, etc. Estas classificações conduziram também a distinguir os “verdadeiros” invertidos dos falsos, a homossexualidade “verdadeira” e a homossexualidade ocasional. Assim, uma verdadeira lésbica, segundo os médicos do século XIX, só pode possuir características masculinas, é uma “anormal resoluta que se sente homem” (Lhomond, 1991) e que só pode se sentir atraída por...falsas homossexuais (subentende-se: femininas). Estas últimas, em compensação, mulheres “normais” que “se deixam seduzir”, são percebidas como suas  vítimas desviadas ou inconscientes. As representações psico-médicas calcam a relação homossexual sobre o modelo das relações de poder entre os sexos[5] .

 

A posição das lésbicas no seio do sistema de gênero

Opondo-se a estas concepções naturalisantes  dos sexos como sexualidades (homo, hetero), as análises das feministas materialistas e das lésbicas radicais concebem as “mulheres” e os “homens” como categorias socialmente construídas. Longe de ser definidas/os pelo sexo biológico como macho ou fêmea, as mulheres e os homens são produzidas/os como categorias pela relação social de dominação , que em um mesmo movimento as opõe e os hierarquiza. Segue-se que as categorias  “homossexual” e “heterossexual” só têm pertinência no quadro do sistema de gênero em que as categorias de sexo são diferenciadas e hierarquizadas. Dessa maneira, qual é a posição das lesbianas em relação àquela das mulheres em geral?

As duas versões da noção de apropriação, desenvolvidas por Colette Guillauminn ,(1992) são particularmente interessantes a este respeito. Com efeito, se podemos definir a dominação exercendo-se sobre as mulheres como uma apropriação individual por um homem particular (por meio da instituição do casamento ou do concubinato, nos quais as mulheres exercem gratuitamente as tarefas domésticas), mas igualmente como uma apropriação coletiva das mulheres como grupo, pelo grupo dos homens (apropriação marcada por salários desiguais, assédio sexual, as violências, o estupro, etc.) como definiríamos as lésbicas, que escapam à apropriação privada?

Para Monique Wittig, “as lésbicas não são mulheres” na medida em que, “o que faz uma mulher é uma relação particular com um homem, relação que  antigamente  chamávamos de servidão, relação que implica obrigações pessoais e físicas, bem como obrigações econômicas” (Wittig, 1980: 83).

Entretanto, se as lésbicas escapam a esta forma de apropriação privada, deixam elas, por outro lado, de pertencer à classe das mulheres? O lesbianismo radical desenvolve a idéia que as lésbicas sofrem os efeitos da apropriação coletiva. De fato, se elas não mantém relações privadas com os homens (por meio do casamento ou do concubinato), elas continuam, entretanto, remuneradas como mulheres no mercado de trabalho, podem ser o alvo da violência masculina, sob a forma de assédio ou de estupro (real ou sob a forma de ameaça), e geralmente são reconduzidas à sua posição sexuada em suas interações com o sistema heterossexual.

 

A heterossexualidade, pedra angular da apropriação das mulheres

Entretanto, o “que são as mulheres?”, cuja formulação interrogativa já recusa uma qualquer realidade biológica esta necessariamente ligada a “que são as lésbicas?”. Se estas últimas “não são mulheres”, o que são, portanto estas “não mulheres?” Em que e como elas transgridem a lei da categoria do sexo “mulher”? Quais são as conseqüências de sua não integração à norma heterossexual? Antes de abordar o campo destas conseqüências, ainda é necessário interrogar a norma ela mesma e as fendas que o lesbianismo pode abrir.

“Se as duas tendências políticas utilizam o adjetivo ‘radical’ (dolatim radix, raíz) para significar a vontade de identificar, de denunciar e de lutar contra as raízes da opressão das mulheres pelos homens, o lesbianismo radical diverge do feminismo radical na medida em que ele considera o lesbianismo não como uma prática sexual, mas como uma resistência, consciente ou não, à ordem e à política instaurada contra as mulheres: a ‘heterosocialidade’, em que o pivô é a “heterossexualidade” [apresentada como obrigatória] e, em numerosas sociedades, como natural e imutável” (Chetcuti, 2003).

Em outros termos, longe de se resumir a uma simples prática sexual, a heterossexualidade é também uma instituição social funcionando como “a pedra angular de apropriação das mulheres” (Turcotte, 1996:121). De fato, enquanto  a existência do lesbianismo é  tornada invisível e/ou reprimida (Rich, 1980; Bonnet, 1995), a atração sexual das mulheres pelos homens é apresentada como evidente: tanto a heterossexualidade como prática sexual, quanto a “heterosocialidade” como sistema estão baseados na norma da complementaridade  entre as mulheres e os homens, complementaridade que atua em todos os níveis da realidade social; do coito, que permanece freqüentemente pensado como A sexualidade (complementaridade dos órgãos genitais) à partilha desigual das tarefas (divisão “complementar” do trabalho remunerado e do trabalho doméstico e educativo). E do fato de que esta complementaridade é imposta, porém freqüentemente percebida como natural, a relação hierárquica  entre as duas categorias de sexo, que ela contribui para manter, é velada.

Assim,  postulamos que as lésbicas que, de fato escapam à apropriação privada, estão em posição  para questionar – conscientemente ou não – o sistema de gênero e suas categorias por meio da encenação do corpo que elas praticam.

 

2. DIVERSIDADE DAS FIGURAS LÉSBICAS

Procuramos saber , de início, que  representações as lesbianas tem de  sua comunidade e das pessoas que a compõem. Em que medida o estereótipo da “lésbica masculina” estrutura suas representações? Das entrevistas retiram-se visões bem contrastantes.

Bom,  o que dizer às pessoas que dizem sim mas ainda assim , a maioria das lésbicas, elas são mesmo muito masculinas. É verdade! Enfim, eu que convivo mais com lésbicas do que com pessoas comuns, enfim é verdade! Portanto, você se sente pouco à vontade, você não sabe...você  gostaria que isto não  fosse verdade. Enfim, eu não gostaria que fosse verdade. Mas, ao mesmo tempo, é verdade. Então, ao que isto corresponde, e porque eu não sou? (Judith, 38 anos, Suíça).

Segundo o que dizem – mas isto são clichês – portanto, não é por isto, eu não me detenho nos clichês –diz-se que existem as butch, as mulheres um pouco caminhoneiras. Portanto, estas seriam as pessoas que teriam anéis e colares enormes, sapatos grandes, cabelos curtos, nada de roupas femininas...[tom de enumeração  distanciado, irônico]. Mas há as outras, então...eu penso que não é necessário concordar, não é necessário dar mais força a estes discursos. Porque eu penso que talvez existam algumas pessoas assim, mas não há apemas isto. Existe uma feminilidade por trás, a questão pára nos aspectos físicos, e se esquece o resto. (Julie, 32 anos, Suíça).

Em nossas duas entrevistas as mulheres “masculinas” são designadas pelos termos de “caminhoneiras” ou de “butch” (que significa em inglês “ cara” , literalmente, “robusto”). Alguns parecem considerar que elas são masculinas. Outros contestam, em contrapartida, como Julie, a pertinência mesmo do termo, introduzindo uma disjunção entre o que revela a aparência, e o que revela o “ser” (“existe uma feminilidade por trás). Além disso, o fato mesmo de se insistir fortemente sobre a diversidade (“não é uma generalização”, “é um clichê”), coloca em evidência a consciência que elas têm do fato que a imagem da “lésbica masculina” é o estereótipo da lésbica em geral no senso comum.

 Desses dois primeiros extratos sobressai uma vontade de anular os dois efeitos principais dos estereótipos: a simplificação  da realidade social e a generalização dos traços próprios de alguns membros de um grupo ao conjunto deste grupo (Deschamps e Clémence, 1987). Enfim, pode-se já notar, a partir destes extratos, que a imagem da “lésbica masculina”  tem uma carga negativa. Trata-se, entretanto, de questionar  a significação desta estigmatização. De fato, o que é rejeitado precisamente? A transgressão da sua categoria de sexo de pertencimento pelas “caminhoneiras”, pelo cultivo de atributos do outro sexo? O fato que elas encarnam o estereótipo que as heterossexuais fazem das lesbianas, visto que que, como observa Diane, esta imagem transgressora é  a utilizada  sistematicamente nas mídias, quando se coloca em questão homossexuais mulheres ou homens? Ou, ainda, a retomada não somente de atributos, mas também de atitudes e de comportamentos da categoria do sexo dominante, os homens?    

Além das figuras de “caminhoneiras” ou de “butch”, nossas interlocutoras fizeram referência às lesbianas  ditas “andróginas” e “femininas”. Empregamos o termo figura e não aquele de categoria para designa-las, na medida em que não existe definição consensual das características e atributos correspondentes a cada uma delas, única forma  que poderia delimitar verdadeiramente as categorias. Assim, por exemplo, se para Diane (29 anos, Suíça), uma caminhoneira, pode ser uma garota de cabelos raspados com piercing nosseioss, para Romaine (33 anos, França) trata-se de mulheres vestindo ternos com colete , e para Gabrielle (44 anos, Suíça) tênis, jeans, camisa quadriculada, à carreaux, blusão branco, assim [ela imita uma gola redonda,  na altura do pescoço] todo o tempo. Mais que tentar caracteriza-las trata-se, em primeiro lugar, de examinar o papel que têm estas figuras nas concepções identitárias lesbianas.

 

3. APARÊNCIAS DITAS “MASCULINAS” E “FEMININAS”: USOS E FUNÇÕES

À primeira vista, o uso dos códigos e atributos ditos masculinos ou femininos parece sujeito a uma certa ambivalência na comunidade lésbica. Assim, se algumas notam que as lésbicas que adotam a aparência feminina podem exercer uma certa fascinação, ser mais freqüentemente cortejadas e, de uma maneira geral, ser bastante procuradas,porque existem muitas lésbicas que acham que as lésbicas não são muito femininas (Valentine, 38 anos, Suíça), para outras,

existe uma valorização, neste meio, de uma mulher mais masculina, apesar de tudo. Eu posso sentir isto, é nítido. E isto é bom, porque quando eu apareço com roupas mais ou menos unissex ou masculinas, pouco importa, é verdade que é uma atitude muito valorizada. (Olívia, 30 anos, Suíça). 

Mas esta coexistência de discursos aparentemente contraditórios ganha um novo sentido quando se observa que existe, paralelamente, e de maneira muito nítida, uma recusa dos dois extremos, do que é interpretado como ultra masculino ou ultra feminino. As observações , valorizando uma  certa masculinidade ou uma certa feminilidade, deverão ser lidas, antes de tudo, em oposição a um ou outro destes dois extremos.

 

A "masculinidade" pragmática

Algumas se vestem e adotam  o comportamento masculino “para adquirir um lugar”. Segundo elas, na medida em que o mundo é gerido pelos dominantes, ou seja, os homens, é necessário, de maneira pragmática, tomar  atitudes masculinas. O que não significa, entretanto, que elas se identifiquem aos homens ou que se reivindiquem como masculinas, mas que elas fazem um uso deliberado das posturas corporais e dos papéis atribuídos aos homens:

Eu, no ônibus, sento de pernas abertas, tomo o lugar como os caras.. No trabalho, a mesma coisa,, não existem outras soluções para poder existir; eu imponho minha voz  e uma certa  maneira de ser. (Clara, 35 anos, França - trecho das notas de entrevistas)

 

A " masculinidade" como estratégia de proteção

O jogo realizado com os atributos masculinos é, às vezes, percebido como uma estratégia de proteção face aos homens e aos seus avanços sexuais, e isto tanto para aquelas que pensam utiliza-lo quanto por outras que dele se distanciam um pouco.

Antes (...) eu me escondia atrás de roupas largas. Uma imagem de caminhoneira era verdadeiramente uma carapaça, eu sabia que os caras não viriam me chatear, eu me sentia mais forte, de não ter de me fazer de mulher, enfim de não exercer o papel de mulher. Hoje, eu não tenho mais vontade de ter este papel de “butch”, eu não tenho vontade de pertencer a um papel particular explícito, a não ser aquele de lésbica. Por outro lado, , em uma situação em que eu tenho vontade de me proteger, eu serei mais como uma “butch”. Quando eu estou com lesbianas, eu não tenho necessidade de colocar minha armadura. (Louise, 28 anos, França).

Para não ser assediada.  Eu penso que os homens não vão se interessar por tipo de mulheres, além disso. Portanto, é uma espécie de defesa. (Gabrielle, 44 anos, Suíça).

Entretanto, trata-se uma estratégia de mão dupla porque, se ela permite efetivamente evitar os avanços sexuais, ela pode, em contrapartida, desencadear uma violência “heteroxista” que atinge particularmente as lésbicas ditas masculinas. Assim, análises da cultura lesbiana nos Estados Unidos e no Canadá, nos anos 50-60, lembram que, em controles policiais nos bares, por exemplo, eram as butch que eram presas e, freqüentemente também, violadas (Chamberland, 1996; Bourcier, 2001). As lesbianas se encontram, portanto, presas entre duas coerções: de um lado, as aparências femininas são interpretadas como um sinal de disponibilidade aos olhos dos homens. De outro, as aparências masculinas são lidas como uma inadequação à sua categoria de sexo, e a violência que pode se exercer então  está presente para lembrar a posição de dominada, que elas não devem deixar. Uma e outra situação ilustram muito claramente a noção de apropriação coletiva, e como esta é inextricavelmente ligada à norma heterossexual.

 

A “masculinidade” como alternativa ao “feminino imposto”.

Em uma certa medida, o masculino pode ser valorizado como uma maneira de escapar às definições impostas e estereotipadas das características que parecem corresponder a categoria mulher. A vestimenta masculina permite uma neutralização ou uma resistência ao que a “heterosocialidade” designa como o “ser mulher”:

Eu creio efetivamente que durante estes anos, quando eu vim a ser eu mesma,  inclusive em relação à minha sexualidade pois há aí  uma ligação, eu apreendi e vim a ser uma mulher: eu tive a consciência de sê-lo, quando  descobri o feminismo. Eu compreendi por que eu reagia assim. A vestimenta era uma forma de resistência: é muito forte por que a vestimenta é verdadeiramente o que você apresenta à sociedade. Eu coloquei em palavras estas resistências inconscientes,que eram resistências de infância: eu me vestia sempre como um garoto. Atualmente,  é mais andrógino. (Sappho, 28 anos, França).

Eu creio que existem muitas mulheres “homos” que se vestem de maneira masculina, não forçosamente por que elas buscam o masculino propriamente dito, mas porque elas têm necessidade de descartar o feminino imposto. Em todo caso, eu quando era jovem e ... “hetero”, digamos, era difícial  entrar nesta história. Ou seja: “ eu não vou me fazer o que vocês querem que eu faça que eu me faça fazer, por que eu não tenho nenhuma vontade de ser uma espécie de mulher sempre disponível  ou algo do tipo”. (Valentine, 37 anos, Suíça).

Expressa por meio da encenação do corpo, esta rejeição da feminilidade imposta às mulheres liga-se bem mais globalmente à consciência da limitação que sofrem  as mulheres, e à  recusa de a ela se sujeitar. Por exemplo, Valentine prossegue:

Para mim, entrar na comunidade “homo mulher”, não foi apenas por razões sexuais que eu o fiz , mas muito mais por razões de afinidades de gênero. Istoé,  foi a primeira vez da minha vida em que, de repente conheci mais mulheres do que homens, e mulheres que compreendiam o que eu era. Antes, em meio às mulheres, eu me sentia um “alien”. Por que eu tinha valores masculinos, interesses , masculinos, considerados  masculinos (...) eu tinha a impressão de descobrir a face oculta da lua, entende. De repente, descobrir mulheres com as quais eu tinha verdadeiramente pontos comuns (...) era muito mais uma questão de gênero e de papel, e do que eu tinha vontade de fazer com minha vida.

O “feminino imposto” é, portanto rejeitado, porém, a reapropriação dos acessórios masculinos não se opõe à construção de uma identidade de mulher. Ao contrário, ela parece, às vezes, favorecê-la:

Eu tomei consciência que eu era uma mulher quando eu saí do filme Victor ou Vitória, e que me vesti de homem. Eu tinha o sentimento, pela primeira vez, de ser uma mulher vestida de homem. É bizarro, eu acedi a esse status. Eu gosto muito de me vestir de homem, isto me cai  muito bem por que eu me sinto muito à vontade neste gênero de roupa. Mas dito isto, em nenhum momento estar vestida de homem, significa que eu me sinta homem. Ao contrário, pode-se dizer, eu sou mais masculina, entre aspas, segundo os critérios sociais, no quoatidiano; por exemplo, eu sou bem mais masculina [vestida de uma maneira mais “feminina”] do que quando eu visto um. Eu me sinto mais mulher no privado. Hoje, por exemplo,veja, eu me sinto bem mais feminina, finalmente, eu sou feminina vestida de homem. (Sappho, 28 anos, França).

O uso de atributos masculinos permitiu a essa interlocutora aceitar seu corpo de mulher e de se afirmar de maneira positiva como tal , mas diferente, no entanto, das outras mulheres (as heterossexuais). Por meio desta afirmação, Sappho pôde dar um sentido ao seu lesbianismo.

 

A "masculinidade" como código identitário

O uso dos códigos e dos atributos ditos masculinos é também percebido como uma maneira de tornar visível a existência lesbiana[6]. Nesse sentido, uma certa homenagem pode ser prestada às figuras de caminhoneiras ou de “butch” que, historicamente, expuseram esta identidade nos períodos de forte repressão, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento de uma cultura lesbiana, pelo simples fato de terem visibilidade (Chamberland, 2001). Nesta mesma lógica, certos códigos e atributos masculinos podem servir ,ainda hoje , como signos de reconhecimento, de códigos identitários.

Ao contrário, as aparências consideradas mais femininas tornam a identificação difícil, ou seja,  a pessoa é classificada de imediato, fora da categoria lesbiana. Assim ocorreu com Judith (38 anos, Suíça), engajada há seis meses em um grupo feminista e lésbico. Quando foi a uma festa organizada pelo grupo, em companhia, pela primeira vez, de sua companheira, as participantes do grupo vieram até ela e lhe disseram “ah! Mas você é lésbica? Acreditávamos que você era hetero”. Neste tipo de situação, em que as aparências dão indícios percebidos como contraditórios com a identidade reivindicada, o pertencimento a uma categoria deve ser ou verbalizado, ou  tornado visível por meio do próprio casal lésbico.

 

A inadequação da " feminilidade" como identidade lésbica

Além de que o uso de atributos muito femininos pode trazer dúvida sobre a identidade sexual da pessoa pode também, desta maneira , originar  medo ou desconfiança:

Se eu vejo uma mulher feminina que é lésbica, eu terei mais medo, assim, num primeiro momento. Eu me direi talvez que ela não é verdadeiramente lésbica, ou talvez que é também uma história na qual vou me queimar. (Judith, 38 anos Suíça).

Ela tinha todos os traços da femilidade: unhas longas pintadas, sapatos altos, maquiagem ligeiramente exagerada, cabelo gênero uniforme” hetero”, e assim eu não poderia pensar que ela gostava verdadeiramente das mulheres, por que ela tinha todo o arsenal para agradar aos homens. (Vita, 53 anos, França).

Mas a “feminilidade” pode igualmente ligar-se à bissexualidade, e suscitar uma certa rejeição:

Existe um problema que não há no meio masculino [em relação à bissexualidade], que é esta idéia de sujeição ao macho (...) existe uma espécie de percepção que as bissexuais seriam quase uma espécie de traidoras, veja bem. Porque isto quer dizer, você aceita ser sustentada  pelos homens, entre aspas, e ainda vem caçar em nosso território. Portanto, a mulher que é lésbica e que se veste para  atrair o macho, se podemos dizer assim ... (Valentine, 37 anos, Suíça).[7]

Finalmente, a única vez em que a feminilidade foi considerada pertinente,  entre nossas entrevistadas, tratava-se de escolher uma pessoa que iria se expressar publicamente em nome de uma associação lésbica:

Selecionou-se o critério masculino/feminino para enviar a pessoa. Eu mesma estou persuadida que se é uma mulher feminina lésbica que vai a televisão para testemunhar sobre sua vida, será melhor vista do que se ela é masculina. (Judith, 38 anos, Suíça).

O valor negativo associado à “lesbiana masculina” é, portanto fortemente percebido, e é com o intuito de se contrapor o estereótipo que a escolha foi feita em relação a uma mulher percebida como feminina.

Portanto, enquanto as aparências masculinas podem revestir um certo número de funções positivas para a identidade lésbica, as aparências femininas têm essencialmente como efeito tornar invisível esta identidade. Esta não pertinência da feminilidade surge também nas descrições que as entrevistadas podem dar das figuras das caminhoneiras, das andróginas ou das femininas. De fato, contrariamente às duas outras, as figuras femininas – mas não ultra femininas, e esta é uma distinção importante – não são praticamente jamais descritas, como se o termo “feminino” fosse suficiente para possibilitar a compreensão do que ele designa. As lésbicas femininas são qualificadas muito rapidamente, invocando-se uma ou duas características: “feminina, vestido e tudo mais”, “cabelos longos e um vestido”. Desta forma, os estudos de Suzette Triton (2000) e de Anna Lívia (2001) sobre os pequenos anúncios que aparecem nas Lesbia Magazine mostram que existem menos termos para descrever as lésbicas femininas que as lésbicas masculinas. “A maior parte são apenas variações sobre o adjetivo ‘feminino’, enquanto que os termos empregados para as mulheres consideradas masculinas, são muito mais numerosos: ‘lutadora, caminhoneira, garçonne, butch, dandy, armário”. (Lívia, 2001: 127).

O discurso se mostra, entretanto,  mais prolixo desde que se aborde o que nossas interlocutoras consideram como a ultra-feminilidade. Elas fazem, então, referência a figuras como Marilyn Monroe ou a boneca Barbie, citam as manequins das revistas (Jeune e Jolie por exemplo). Elas rejeitam o que elas consideram como caricaturas e como a encarnação de uma identidade artificial e imposta do exterior, inclusive  por aquelas que podem se definir, elas próprias, como “mais femininas”. 

É verdade que a corrente americana das “mulheres-mulheres” é também alguma coisa que me horripila um pouco, por que eu tenho a impressão que é construído um pouco artificialmente (...). É como se fosse necessário ser normal, ora.  Ou seja, se você é uma mulher lésbica, é necessário que você seja como as mulheres normais, ou seja, feminina. (...) aquela que é fem[8], freqüentemente exagera.. Eu não gostaria de estar associada a isto.(Judith, 38 anos, Suíça).

O fato de “ exagerar” remete principalmente ao uso de acessórios tipicamente femininos, como as saias e os vestidos, os saltos altos, os batons vermelhos, rendas e froufrous. . As mulheres de nossas duas pesquisas os rejeitam em sua grande maioria, e isto por três razões: as coerções supostas pela feminilidade, a feminilidade como signo de disponibilidade para os homens e a feminilidade como artifício.

 

As coerções da " feminilidade"

Todas nossas interlocutoras sublinharam os aspectos constrangedores e desconfortáveis de alguns destes acessórios:

Vestida de “tailleur” eu não me sinto bem (...) você não consegue se mover!  Você fica toda presa , e então, honestamente…(Diane, 28 anos, Suíça).

O material: algodão. Eu não gosto do que é sofisticado (...) poucos floreios,  uma coisinha assim meio comum , entendeu?Eu passo muito tempo para escolhe-los por que eu quero estar bem neles. É necessário que eu esteja super bem e, ao mesmo tempo, é necessário que haja um lado estético digamos, não muito chamativo, mas simpático. (Gertrude, 33 anos, França).

O que é essencial para mim é que eu esteja confortável; ou seja, eu não colocaria jamais saltos,coisas deste tipo, não. O critério para mim é que eu esteja bem, que eu possa me movimentar bem. (Judith, 38 anos, Suíça).

Encontramo-nos aqui com análises feitas por Colette Guillaumin (1992) sobre a construção hierarquizada dos corpos femininos e masculinos. Desde os  jogos, os das meninas  ocupando claramente menos espaço que os dos garotos  e se desenvolvendo em territórios mais próximos da casa e dos adultos, até a forma de ocupar corporalmente o espaço, sempre mais comedida para as garotas, passando pelos acessórios das roupas, que  entravam os movimentos e a amplitude dada aos corpos, a lógica da limitação e interiorização em seu  próprio espaço vem acompanhando  todas as etapas da vida das mulheres.

 

A “feminilidade” como signo de disponibilidade aos homens

Para mim, o uso de baton  está ligado ao que é feminino. Está ligado também, ao que pode ser sedução, o lado publicitário, um pouco excessivo, etc. (...) Eu não gosto de passar esta imagem, portanto eu não a incorporo (...) É também, afinal de contas, uma espécie de se fantasiar. Enquanto que,  por exemplo, às vezes eu coloco azul em torno dos olhos, ou alguma coisa nos cílios: assim eu não tenho a impressão absolutamente de estar fantasiada. Mas o vermelho nos lábios,este  é o exagero. Se eu uso,de alguma forma sinto que devo  assumir. Mas, em geral, se eu coloco,  nunca estou só, eu estou com amigas, eu faço mil coisas e tudo bem. (Judith, 38 anos, Suíça).

O discurso de Judith ilustra o fato que o “ fantasiar-se de mulher” poderia ser apenas um jogo, já que ela coloca, por exemplo, um baton vermelho  quando ela sai com suas amigas, com quem ela não teria de “assumir”. Mas este jogo é rejeitado logo que se sai desta situação, ou de uma maneira geral, porque ele é interpretado pelos homens em termos de disponibilidade sexual. Retoma-se o uso dos códigos masculinos como estratégia de proteção. Entretanto, esta interpretação é igualmente aquela de nossas interlocutoras: as aparências femininas remetem para muitas dentre elas à heterossexualidade, percebendo- se a ultra-feminilidade, como aquilo que os homens esperam das mulheres, e portanto, como a própria feminilidade heterossexual. Assim, Romaine (33 anos, França), pode evocar:

As mulheres ditas femininas vistas sob o ângulo masculino, a grande caricatura: unhas pintadas, pintadas de vermelho, vermelho-cheguei nos lábios, super maquiada.

É este tipo de feminilidade que é rejeitado, em razão principalmente do que ela simboliza, como testemunha igualmente o trecho abaixo:

Há mais mulheres femininas do que se imagina [no meio]. Mas, ao mesmo tempo, em cada uma dessas mulheres femininas existe ainda assim...eu não sei se o fato de ser lésbica te propicia uma outra atitude, mas não é forçosamente a mulher “hetero”, é mesmo uma mulher mais segura dela mesma, que tem talvez um comportamento um pouco mais masculino mesmo se ela se veste de maneira  feminina ou muito feminina. (Olívia, 30 anos, Suíça).

Vemos aqui se desenhar uma  “feminilidade lésbica” diferente daquela das mulheres heterossexuais. Se as lésbicas femininas são, segundo Olívia, “mais seguras delas mesmas” e, por isso, têm um comportamento “um pouco mais masculino”, as heterossexuais parecem ser aqui definidas em situação negativa, pela sua posição de dominadas. Esta oposição permite, igualmente, a revalorização da identidade lésbica, estigmatizada alhures, e demarcar o pertencimento a este grupo.

 

A “feminilidade” como artifício

A terceira razão para a rejeição dos acessórios tipicamente femininos está ligada à sua característica artificial, carnavalesca  que as conduz a falar em termos de fantasia, ou quase um travestismo:

Se eu coloco um par de sapatos altos, o que eu jamais faço em minha vida, eu não me sinto bem, em absoluto, eu tenho a impressão de estar no carnaval. (Valentine, 37 anos, Suíça).

Eu não coloco jamais saias, vestidos. Isto não.

E por que você não coloca nunca?

Ah  me parece que eu sou um travesti, eu heim? (...) Eu não ousaria jamais sair assim.(Gabrielle, 44 anos, Suíça).

Eu não uso   saias, nem vestidos, eu visto essencialmente calças, camisetas, camisas. A saia para mim é... eu teria a impressão de me travestir, eu acho que isto não me convém. (Louise, 28 anos, França).

Eu uso uns sapatões desde a minha adolescência, e é verdade que é difícil deixa-los. Mas eu tenho sapatos um pouco mais femininos, é  realmente um negócio de um truque de perua. (Andréa, 23 anos, França).

 

Dessa forma, não apenas os acessórios femininos são percebidos como constrangedores e submissos ao desejo sexual dos homens, como eles são, por outro lado, marcadores de uma identidade na qual as lésbicas não se reconhecem absolutamente.

 

A figura do "travestimento"

Os termos “ fantasia” e “travestimento”, merecem que nos detenhamos sobre eles. De fato, eles são utilizados pela maioria  interlocutoras. Ora, geralmente, são as populações gays, os prostitutos masculinos que utilizam o “travestimento”, adotando o modo de vestir da outra categoria de sexo, e caricaturando-o. Em  uma lógica binária, a transgressão seria, portanto, para as lesbianas, adotar a vestimenta masculina. Mas, para uma grande parte dentre elas é o inverso que se produz. Com efeito, os gays e os prostitutos se travestem como  uma forma de diversão ou porque  desejam revestir ou integrar a estética e identidade feminina (todas duas construídas) com fins pessoais ou comerciais; eles se submetem, portanto, ao sistema de gênero, retomado em um  modo da derrisão. As lesbianas que adotam a vestimenta feminina, ou seja, a aparência típica das mulheres, só o fazem até um certo limite, ou então elas a recusam: dada sua rejeição da identidade sexuada feminina, pode-se compreender que elas se sintem travestidas. A utilização do termo “travestimento” ilustra, portanto, mais uma vez, sua rejeição ao feminino, que remete para elas à posição das mulheres na heterossexualidade.

 

4. DISTANCIANDO-SE DO ESTIGMA DA “CAMINHONEIRA”

A rejeição da ultra-masculinidade

As lésbicas de nossas duas pesquisas não querem, entretanto, ser homens ou ser a eles assimiladas. O que é percebido como ultra-masculinidade é tão rejeitado quanto a ultra-feminidade. Dessa forma, quando os signos masculinos são muito numerosos ou muito extremos, tornam-se perturbadores , conduzindo à desconfiança de uma real identificação com os homens.

O tipo de mulheres que eu gosto, não é a gorda “sapatona”, aquela que usa terno, que não sai dos bares, eu não digo obrigatoriamente super masculinas, mas um pouco “butchs”, que falam forte, são pesadas. De fato, elas são pesadas em todos os sentidos do termo, então é muito chato (...) são mulheres vulgares. Aquela que  vive nos bares e tem  expressões mega- sexistas, e  ela está intimamente convencida do que diz, porque eu sou capaz de usar tais expressões machistas, mas eu não acredito nelas, é pura  provocação. (...) Para mim, não é mais uma mulher, ela saiu desta classificação (...) Ela não  faz parte de nós. (Romaine, 33 anos, França).

Eu não gosto que se queira parecer com os homens. Eu não sei se é seu objetivo? (...) Para mim, é necessário, um pouco de feminilidade. Se eu me volto para as mulheres, não é para encontrar um sósia de homem. (Gabrielle, 44 anos, Suíça).

Para mim, a “butch”eu a imagino acendendo seu isqueiro, te dando fogo,  abrindo a porta, enfim todos os velhos estereótipos dos caras dos anos 50, eu não suporto. Além do mais, se você é sua mulher, ela se comporta como um cara, mas um cara machista, tipo: “não toque em minha mulher!” Isto é um horror. (Violette, 48 anos, França).

Bom se quiser ser muito honesta, as mulheres andróginas eu posso acha-las sedutoras,  as mulheres verdadeiramente “butch” me aborrecem  porque, na verdade, elas adotam freqüentemente atitudes masculinas (...) enfim todas estas atitudes um pouco autoritárias e galantes ao exagero (...) Uma maneira de se sentar, tipo pernas muito abertas, “venha minha boneca” [ela faz uma voz forte, muito grave]. É toda esta encenação  que  eu não gosto (...) [a andrógina] é uma mulher que tem um aspecto exterior considerado  mais masculino, em geral ela tem cabelos curtos, ela é...bom, são estereótipos, mas enfim ela é mais esbelta, em um estilo mais sombrio, de calças. Mas ela se cuida . Há alguma coisa nisto, pois  freqüentemente as mulheres andróginas têm sua própria noção de estilo,mas o fato é que elas possuem um. (Judith, 38 anos, Suíça).

Aqui ainda, a encenação dos corpos vai bem além de um simples jogo de aparências, e pode ser percebida como indicando igualmente comportamentos e atitudes próprios aos dominantes, como mostram as expressões “autoritária”, “machista”, “você é sua mulher”, etc. Assim, o que é rejeitado na figura da “caminhoneira”, é o fato que ela retoma, em seu modo de ser (poucas se percebem assim), as atitudes e os comportamentos do opressor. Como afirma Martine Caraglio, “é como se existisse uma escala de apropriação das características masculinas como um portal a não ser ultrapassado, sob pena de se ver recriminada em  papéis ou comportamentos do outro sexo. (...) Se é permitido utilizar alguns acessórios masculinos, querer “passar-se por’, ou “passar-se por” mesmo sem o pretender, suscita algumas reprovações”. (Caraglio, 1997: 59).

Por outro lado,  a figura da “caminhoneira” ou da “butch” é geralmente oposta àquela da andrógina, que representa freqüentemente um modelo positivo, um ideal, e no qual nossas interlocutoras se definem ou não.

“Caminhoneira”, além de que eu não gosto de dizer isso,  representa uma certa categoria de pessoas que são visíveis (...) Haveria uma vulgaridade, talvez? Isto me faz aborrece porque você avança em um território em que eu não estou ...em que eu me culpabilizo um pouco, porque, ok, eu gosto da andrógina, [a mistura de ] feminilidade e masculinidade, mas, ao mesmo tempo, as mulheres que têm... um físico bastante fino, magro, coisas assim. [Enquanto que] “caminhoneira”, né, elas têm uma vulgaridade, uma espécie de  peso, nesta  categoria. (...)E eu prefiro outras qualidades femininas em uma andrógina, em que você vê uma elegância, uma classe, eu diria, que poderiam ser coisas femininas. (...) Além disso, falando em andrógina, o que é a androginia? Talvez se devesse  retomar adjetivo por adjetivo, no sentido em que eu sou atraída por mulheres lesbianas elegantes, mas não uma elegância feminina. E que ao mesmo tempo são efetivamente, entre aspas, bem feitas. Mas o que é ser bem feita? Seriam as magras tipo H&M [9]? Não,nem tanto, eu diria um mínimo de músculos, como... enfim mais masculino. (...) Enfim eu chamo isto andrógino, e, ao mesmo tempo, se a gente pergunta a outra pessoa, se eu lhe apresento meu tipo standard de mulher, existiriam outras que me diriam “espere aí, são mulheres hypermasculinas!” O que é feminino ou masculino? Não se sai desta história, viu. (Olívia, 30 anos, Suíça).

Além da diversidade das descrições, muitos elementos comuns a algumas são interessantes de serem abordados. De início, o hexis corporal atribuído as caminhoneiras ou às “butch” pode ser lido  como o exato oposto do que produz a construção dos corpos das mulheres, analisada por Colette Guillaumin (1992). Os movimentos descritos sugerem a amplitude (sentar-se de pernas abertas), um volume de voz pouco discreto, por exemplo, e remetem à masculinidade, ou à “não-feminilidade”. Os sapatos pesados, as bijouterias enormes das caminhoneiras, se opõem à “finesse” das andróginas, que aparece nos termos “elegantes”, “magras”.

Outros termos empregados para descrever as caminhoneiras, “pesada”, “vulgar”, por exemplo, se opõem à “classe” ou à “elegância” das andróginas, que “ se cuidam”, têm “sua própria noção de ‘look’ mas têm um”, etc. Esses termos de conotação pejorativa remetem muito claramente a julgamentos de...classe. É igualmente o que demonstram Triton (2000) e Lívia (2001). Fazendo falar  várias lésbicas sobre as conotações associadass aos termos caminhoneira, catcheuse ( lutadora de catch) e “dandy”, notadamente, colocou-se em evidência que, “é a masculinidade operária que tem conotações pejorativas. A masculinidade das classes burguesas é freqüentemente apreciada” (Lívia, 2001: 126). Mais precisamente, “o ‘muito’ de masculinidade é um aspecto de operário” (134). Com efeito, a figura do “dandy” remete a uma forma de masculinidade elegante, refinada, e procurada.

Parece que é bem isso  que  encontramos em nossos dados, mesmo se aquelas que elas qualificam de “dandy” no estudo de Lívia são talvez qualificadas aqui mais como andróginas. Por outro lado, assinalemos  que algumas análises feitas por pesquisadoras de Québec (Chamberland, 1996: 2001) sugerem igualmente uma ligação entre as figuras das caminhoneiras ou das “butch” e as “lésbicas de bar”, criticadas pelas mulheres das classes médias superiores, de forma ainda mais acerba durante os anos 70, porque vivenciavam os papéis “butch/femininas”, papéis percebidos pelas feministas lesbianas, desta década, como reprodutores do esquema heterossexual.

 

A " caminhoneira" é sempre a outra

Finalmente, o segundo ponto comum entre todas essas descrições de “caminhoneiras” é que elas são sistematicamente designadas como “diferentes” de si mesmas. Nenhuma de nossas interlocutoras, mesmo aquelas que podem, aliás, se descrever como masculinas, sabendo que elas podem ser percebidas como tal por outras:

É verdade que existem mulheres “homo” que me vêem, [elas se dizem], aquela lá, hiper masculina,e tudo. Mas há outras que me dizem, não, efetivamente te conhecendo, você tem uma aparência extremamente masculina, sem forçosamente ser uma “caminhoneira”. Mas é verdade que eu tenho um comportamento, uma identidade extremamente femininas. Portanto, efetivamente, a aparência não define uma atitude,ou comportamentos. (...) é verdade que eu gosto de aparecer no meio lesbiano vestida totalmente como um cara, com gravata e camisa. E é verdade que há reações que são... blaghh! Mas é um pouco de provocação. (Olívia, 30 anos, Suíça).

Eu me situo ao lado das andróginas, eu sou grande, tenho cabelos curtos, tenho atitudes talvez masculinas, eu creio que eu imito atitudes, talvez de meu irmão, portanto uma maneira um pouco descuidada, não me sento com os joelhos apertados. O lado esportivo faz também com que se entre mais para o lado masculino, o que me faz dizer que, às vezes, eu devo estar no limite do masculino, porque quando eu entro em uma loja, a dúvida é tamanha que as pessoas me dizem “bom dia senhor”. Eu posso corrigir este erro, mas  às vezes a dúvida persiste, poise eu tenho um jeito de me vestir tipicamente masculino: calças, tênis, tudo, sapatões, eu não tenho pequenos mocassins, não tenho saia, não tenho blusas femininas, eu tenho efetivamente um jeito de me vestir masculino, eu me situo mais no lado andrógino masculino. (Romaine, 33 anos, França).

Para mim é sempre estranho, porque eu não me acho “caminhoneira”macho e às vezes minhas amantes, minhas amigas me dizem que me acham butch, mas acham também que tenho muita feminilidade em mim.É gozado porque eu, eu não me vejo como uma butch, mas é sempre assim: o look e o físico comuns, minha maneira de me vestir também comum, mas butch, não, acho que é uma visão errônea. (Violette, 48 ans, France).

Parece,portanto, que cada uma se apropria do termo «  caminhoneira » ou « butch » para identifica-lo a uma categoria de mulheres diferentes delas mesmas, ou como pensam que são. Finalmente, Olívia e Violette, mesmo insistindo sobre seu próprio manejo dos códigos masculinos, definem negativamente as “ caminhoneiras” como mais masculinas que elas; atribuem-se, em suas atitudes e comportamentos, uma identidade muito feminina e empregam os termos unisexe ou andrógina para se definir. As “caminhoneiras” são efetivamente associadas aos homens, como mostrou Caraglio em sua pesquisa sobre as lesbianas definidas pelas outras como masculinas:“ São raras as que não se colocarão em um “ meio termo” descobrindo sempre “uma outra para descrever como a caricatura do homem(Caraglio, 1997 : 59). Podemos nos indagar se encontraríamos uma só lesbiana ou bissexuelle pronta a reivindicar os qualificativos de “ caminhoneira” ou “ butch” no âmbito de nossa pesquisa.[10] A caminhoneira não seria sempre uma outra?

Entretanto, o que parece ser rejeitado na figura da “ caminhoneira” não é o fato de tomar emprestado atributos considerados masculinos enquanto tais, mas de duplicar este empréstimo de uma série de atitudes e comportamentos identificados aos dos homens e em particular dos homens da classe operária, à uma virilidade percebida como desmesurada. Coloca-se uma distância deste masculino quando à uma aparência viril se acrescentam a vulgaridade, a grosseria, em comportamentos de sedução rudes e machistas (“ vem, minha boneca”). Por outro lado, o que tomam do masculino – e não aos homens- através a figura da andrógina, é a liberdade em relação aos aspectos coercitivos do feminino.

 

5 . NEM ‘CARA’, NEM BONECA: A NORMA DO JUSTO MEIO

Não sou nem um ‘ cara’, nem uma boneca. É assim que Beatrice ( 43, Suíça), resume sua posição. A rejeição dos dois extremos, o demais masculino e o demais feminino , tal como foram evocados até aqui, cria uma nova norma, aquela que , na ausência de algo melhor, chamamos do “ justo meio” . É portanto, neste “ justo meio” que todas as lesbianas de nossa pesquisa se situam, finalmente, pois todas identificam as “caminhoneiras” como uma categoria à parte. Todas também rejeitam o excesso de feminilidade, que remete à posição que elas atribuem às mulheres na heterossexualidade. Esta norma oferece, entretanto, uma certa margem de manobra: com a condição de não ultrapassar certos limites, é possível se definir como “ mais feminina” ou “ mais masculina”, “ andrógina”, “ andrógina com queda para o masculino”, “unisexe”, retomando as expressões ouvidas ao longo deste estudo.

Idealmente representada pela figura da andrógina, a norma do “ justo meio” provém , portanto, de uma tensão entre duas identidades designadas e fortemente rejeitadas e pretende ser uma redefinição positiva da identidade lesbiana, uma identidade reivindicada. Esta resulta, porém, diretamente do pertencimento das lesbianas à categoria mulher no seio do sistema de gênero. Com efeito, ao contrário de uma parte do movimento gay, que no fim dos anos 70/início de 80 tentou redefinir a imagem da homossexualidade masculina opondo-se ao estereótipo do homem efeminado, a ultra-feminilidade não pode ser uma estratégia usada pelas lesbianas contra o estereótipo da “caminhoneira”, pois a feminilidade significa também uma posição dominada. Em outros termos, as concepções identitárias das lesbianas de nossas pesquisas são estruturadas fortemente pela relação de dominação entre mulheres e homens.

“ Na ótica geral do gênero, ( as lesbianas) são objetivamente classificadas em uma escala masculino/feminino única, mesmo se subjetivamente elas se vejam de outra forma, em um ‘ outro lugar’ . Mas este ‘ outro lugar’ é  não é expressável, ou melhor, ele não se exprime senão pela busca do “ justo meio” , o que leva a um paradoxo: querendo se situar acima dos gêneros, as lesbianas são conduzidas a se colocar na fronteira dos  gêneros e assim se encontram no meio deles. (Caraglio, 1997 : 60).

Em relação aos dados de nossos corpora, a presença objetiva desta norma do «  justo meio » praticada por todas as mulheres da pesquisa, não implica que elas usem deliberadamente este jogo de aparências para significar uma posição que transcenderia o gênero e as identidades sexuadas. Assim, por exemplo, Diane (29 anos, Suíça) precisa:

“ É verdade que não uso maquilagem. Mas isto não tem nada a ver com o fato que eu seja lesbiana ou não, é que tentei me maquilar e achei que realmente não me caía bem. (...) Agora, quanto vestuário, é verdade que me visto como estudante. Mas não é uma escolha deliberada. É assim que me sinto melhor.”

Assim, contrariamente à nossa hipótese de início, o jogo que elas praticam com os códigos e atributos considerados masculinos não serve forçosamente a significar, ao menos de forma consciente, uma visão crítica do sistema de gênero e do lugar das mulheres neste sistema, mesmo se elas podem , por outro lado, expressar-se criticamente a este respeito. Seus posicionamentos são múltiplos. Algumas de nossas interlocutoras percebem, de maneira nítida, o que fazem e dizem através de suas aparências e utilizam-no deliberadamente. Outras percebem os efeitos que produzem suas maneiras de se vestir e de se apresentar, sem por isso lhes atribuir uma significação particular.Outras ainda pouco se preocupam com este aspecto das coisas, privilegiando “ simplesmente” seu conforto e seu bem estar. Se podemos, enquanto pesquisadoras, efetuar uma leitura materialista destas práticas, elas próprias não as vivem forçosamente como tais.

 

6.“A ANDRÓGINA”, UM MODELO SUBVERSIVO OU TRANSGRESSOR DAS CATEGORIAS DE SEXO?

A figura da andrógina, como vimos, aparece no discurso da maioria das lesbianas entrevistadas como “ figura aceitável” de identidade sexuada. Ela representa uma imagem positiva, tanto através da descrição que muitas de nossas interlocutoras deram delas mesmas, quanto a expressão de um ideal tipo. Estas auto-descrições ilustram uma vontade de combinar os melhores traços do sistema de gênero. Existe nisto uma vontade de manter uma ambigüidade da categoria de sexo.

“ Gosto de mulheres magras, gosto de uma certa musculatura, e um busto médio. (...) Há sempre critérios que aparecem quando analiso o que não me agrada. Não necessariamente as butch, mas meninas um pouco ambíguas, um pouco femininas, mas não muito femininas, meninas que jogam um pouco com esta polaridade” (Andrea, 23 ans, France).

Sinto-me pouco atraída pelas mulheres femininas, mas talvez mais pelo lado andrógino ou masculino, sim, creio que um pouco masculino, mas, sobretudo, não um homem. ( Lucie, 29 anos, França).

Entretanto, se a androginia permite ir além das características associadas à categoria mulher, não parece contestar o próprio sistema. Como sublinha Christine Delphy:

“Pode-se passar por .... andrógina quando, se quisermos utilizar o termo, teríamos que inventar um pronome que não existe ou então falar de um andrógino ou de uma andrógina e perder assim, antes mesmo de ter tido o tempo de dizer “ andrógina”, todo o benefício simbólico desta tentativa?” ( Delphy, 1997:4)

Ou ainda, retomar certas expressões como “andróginas masculinas ou femininas” , como ouvimos  ao longo das pesquisas? O modelo de androginia nos interpela portanto, sobre o que é possível fazer com o gênero: as fronteiras das categorias de sexo são atenuadas ou eventualmente apagadas, ou as próprias  categorias não são apenas deslocadas pelas transgressões?

Como vimos, o ideal andrógino assinala também uma graduação de apropriação de características femininas ou masculinas a não ser ultrapassada. O modelo “ muito masculino” é rejeitado, pois remete ao modelo do opressor: é estigmatizado por frases do tipo “ ela se acha um homem” ou ainda “ não é mais uma mulher, ela saiu deste esquema”. Ainda que não querendo assemelhar-se às mulheres , tal como são socialmente definidas e em particular às mulheres heterossexuais, as lesbianas querem, mesmo assim, permanecer mulheres. Para elas, utilizar as características sociais designadas como masculinas significa não assemelhar-se aos homens, mas neutralizar a dominação masculina, rejeitando, ao mesmo tempo, os atributos designados ao sexo social mulher.

Por outro lado, o discurso e a linguagem que estruturam as socializações lesbianas se baseiam, ao se descreverem, sobre as referências ao feminino/masculino Mesmo se algumas podem se distanciar destas categorias, é difícil sair de sua utilização. Assim , mesmo que possamos perceber um discurso que se refere às posições de mulheres e de homens, remetendo ao sistema heterossexual, este discurso resulta também de uma restrição da linguagem, que não permite uma figuração fora destas categorias. As lesbianas são , portanto, levadas a se referir à posição de mulheres na heterossexualidade.

A linguagem é estruturada a partir de significantes, provenientes do pensamento dominante e assim, torna-se difícil escapar aos significantes masculino/feminino para se situar, mesmo se percebemos, em nossas entrevistadas,  o desejo de faze-lo. Além dos termos utilizados, as lesbianas, por sua própria existência, questionam a lógica do sistema heterossocial e colocam em questão sua naturalidade ( Rubin, 1999) Mas é-lhes difícil escapar da configuração do sistema de opressão da classe dos homens sobre a classe das mulheres. Faltam-lhes palavras para definir suas práticas e representações, fora dos modelos considerados como referentes. Esta linguagem nos faz falta igualmente enquanto pesquisadoras. Estamos, tanto umas quanto outras em um no woman´s land do gênero.

 

Anexo: notas de campo

Situadas em uma perspectiva etnosociológica, nossas pesquisas se basearam em entrevistas semi-diretivas de uma duração de três horas. Os corpora foram compostos de 9 entrevistas realizadas em 2001 na Suíça francesa(Perrin, 2002) e de 17 entrevistas realizadas em 2000, no sudoeste da França. (Chetcuti, 2000 ; 2001) O método de aproximação das entrevistadas foi feito pelo sistema “ bola de neve” e pelo uso de redes informais e formais que nos são conhecidas ( engajamento em associações locais, organização de debates). As pessoas entrevistas tiveram, em ambos os corpus, entre 20 e 60 anos, com uma nítida preponderância de pessoas nos trinta e quarenta anos.

No que diz respeito ao corpus suíço, cinco das pessoas entrevistadas tem uma formação universitária, duas fizeram uma escola profissional superior e duas fazem um CFC ( certificado federal de capacidade, aprendiz). Todas tinham uma atividade profissional no momento da pesquisa, com exceção de duas, que estão terminando sua formação. Além de duas heterossexuais , membros de grupos feministas, incluídas no corpus, com fins comparativos, três podem ser definidas como “bissexuais”  e quatro como “ lesbianas”, segundo o tipo de associação ou grupo do qual são membros.

No que concerne o corpus francês, duas pessoas entrevistadas tinha nível BEP/CAP ( diplomas profissionais de nível 3); uma estava desempregada, outra era gerente de bar. Duas tinham um nível de estudos de 2 grau; uma é hoje enfermeira, outra está desempregada. As outras fizeram estudos superiores: quatro tem nível de segundo grau , mais dois anos de universidade, seis também nível de segundo grau , mais 4 anos de universidade e duas tem segundo grau mais cinco anos de universidade. Elas trabalham nos setores sócio-cultural, artístico, médico e docente. Duas eram ainda estudantes e duas estavam desempregadas. Doze se definiram como lesbianas, duas como homossexuais, uma queer[11], uma bissexual, e a última se definiu, antes de tudo, como feminista.

 

 

 

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Biografias:

Natacha Chetcuti, é doutoranda em sociologia, Sua tese, em elaboaraçao, intitula-se  Les catégories de genre : normes et variations selon les types de comportements sociaux-sexuels chez les femmes.  Docente na Université de Toulouse-Le Mirail, é membro do comitê de organização do 3e colloque international de la recherche féministe francophone « Ruptures, Résistances et Utopies », organisé par l’Équipe Simone/SAGESSE, que se realizará em  Toulouse, de 17 a 22 septembre 2002  Principais publicações: « Transgression et/ou subversion des genres : les pratiques lesbiennes ? », in Actes du colloque national d’études lesbiennes, Mémoires, langages, sexualités, 13-14 mai 2000, Toulouse, Bagdam Édition ; « Le lesbianisme radical », « Lesbienne, Lesbianisme », « Femmes et prison », in Encyclopédie gay et lesbienne, dir. Didier Éribon, Paris, Larousse, à paraître (2002) ; avec Céline Perrin, « Au-delà des apparences : lesbianisme et catégorisations de sexe », Nouvelles Questions féministes, Lausanne, à paraître (juin 2002) ; « Pratiques lesbiennes : modèles alternatifs du genre ? », dans Construction et déconstruction des sexes, dir. Marie-Anne Juricic, éd Complexe, à paraître (2002).

Céline Perrin, socióloga, diplomada em  Études Genre na Université deLausanne (Suisse), prepara atualmente uma tese de doutorado sobre  os casais de lesbianas e a noção de igualdade. Membro da rede LIEGE (Laboratoire interuniversitaire en Études Genre) bem como do comitê de redação da revista Nouvelles Questions Féministes, trabalha como assistente de ensino Études Genre à l'Université de Lausanne.

 


[1] Suas problemáticas são extremamente próximas, mas foram desenvolvidas sem acertos prévios: nós conversamos pela primeira vez acerca de nossos respectivos trabalhos durante um encontro em 2001. Para mais detalhes confira no final do artigo.

[2] A pesquisa de Perrin investigou a distinção entre “lésbicas” e “bissexuais”, e sugere que ela não é verdadeiramente pertinente em seu corpus (Perrin, 2002). Notadamente, as representações analisadas no artigo não diferem segundo o tipo de “orientação sexual”. É por isso que, para diminuir o texto, nós empregaremos o termo de lésbicas para designar o conjunto de nossas interlocutoras.

[3] Lamoureux, Diane: Conferência ocorrida por ocasião do Séminaire avance du DEA, Genève, Uni Mail, 7 juin 2000.

[4] Nome freqüentemente dado aos/as homossexiais nessa época.

[5] Essas teorias podem parecer distantes, entretanto a homossexualidade só  foi suprimida da lista das doenças mentais da O.M.S. de 1982 e um enésimo estudo visando encontrar o gene responsável da homossexualidade foi mencionado ainda em 1992 (Lhomond, 2001).

[6] Entretanto, a existência de mulheres heterossexuais “masculinas” é acentuada, notando-se que elas também devem compor com sua identificação possível como lésbica.

[7] Precisemos, entretanto, que este discurso apresentado por Valéntine  como existente na comunidade lésbica não foi encontrado no resto do corpus suíço.

[8] Os termos “butch” e “fem”, provenientes dos países anglo-saxões, remetem aos papéis e às formas de apresentação de si adotados por certos casais lésbicos, a butch sendo mais “masculina” e a “fem” mais “feminina”. Entretanto, segundo as pessoas que adotam estes códigos, não se trata em absoluto de uma identificação com a masculinidade ou com a feminidade.

[9] Revista de moda que faz regularmente campanhas publicitárias julgadas sexistas por grupos feministas.

[10] Assinalamos que às vezes, em particular para as mais jovens (20-30 anos) do corpus francês, a figura e o termo butch ( mas não caminhoneira) podem ser adotados de maneira positiva e ser revestidos de um sentido político, tornando a masculinidade um ato de reivindicação, um código de visibilidade lesbiana.

[11]  O termo  « queer » significa em inglês «  estranho », «  bizarro », e mesmo um pouco « esquisito » e foi retomado por certas minorias sexuais estigmatizadas para signifcar sua «  resistência aos regimes de normalidade.é » (Bersani, 1998 : 92-93).