labrys, estudos feministas
número 1-2, julho/ dezembro 2002
A contribuição dos gender studies
aos estudos fílmicos
Geneviève Sellier
Tradução: Liliane Machado
revisão: tania navarro swain
Resumo:
Os estudos sobre filmes tem sido um lócus privilegiado de elaboração de uma análise generizada ( na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos) e na França, um lócus privilegiado de resistência às análises generizadas, por razões que se fundam em tradições culturais específicas e ao lugar tomado pela Universidade em cada sociedade. As análises sob a ótica do gênero dos filmes, que se desenvolveram inicialmente no cadinho dos movimentos feministas, tiveram como alvo o cinema de Hollywood, com um instrumental psicanalítico mostrando-o como um lugar de construção da dominação masculina sobre as mulheres, transformadas em fetiches. Num segundo momento, as pesquisadoras propuseram uma re-leitura dos " grandes autores" masculinos , para questionar a pretensa " neutralidade" de sua criação, reabilitando, ao mesmo tempo, as raras cineastas mulheres, que a história oficial havia sistematicamente esquecido. Um cinema feminista, concomitantemente, tentava inventar alternativas ao cinema dominante. Em seguida, as pesquisas sobre as espectadoras exploraram as contradições particulares às quais eram submetidas e as estratégias de resistência que desenvolviam. Pesquisas sobre as estrelas femininas e masculinas sublinharam a construção de suas imagens como centro de conflitos entre a indústria e o público. Outros trabalhos ainda fizeram emergir um olhar gay (feminino e masculino) sobre o cinema, ou realçaram o impacto da orientação sexual das/os cineastas sobre suas obras. Hoje, é a extrema diversidade destas pesquisas que surpreendem e confirmam a validade, se isto é ainda necessário, da análise generizada do cinema.
Palavras-chave:
Cinema, filme, gênero, feminismo, criação, relações de sexo, dominação masculina, Hollywood
Os estudos fílmicos franceses mantêm uma relação paradoxal com os gender e cultural studies anglo-americanos. De fato, as duas perspectivas correspondem, nos países anglófonos, a uma renovação sem precedentes dos estudos fílmicos e audiovisuais, enquanto que na França, o país que inventou a cinefilia e o cinema de autor, permanecem os domínios menos conhecidos e menos reconhecidos. Mas talvez haja, justamente, um elo estreito entre a legitimidade cultural , à qual acedeu o cinema em nosso país, e a resistência dos estudos fílmicos francês às formas sócio-culturais entre os quais se encontra os de gênero. Com efeito, a cinefilia foi inventada, no decorrer dos anos 20, por Louis Delluc e seus amigos, como um olhar culto sobre o cinema que, à época, era ainda um divertimento popular, desprezado pelas elites. Para se distinguir das massas, eis como se descreve Louis Delluc, em 1923: "Louis Delluc ama o cinema, é tudo". Entusiasmado pelo grande período do Triângulo, Cow-boy e Cia, de 1915, 16, 17, apaixonou-se perdidamente pelo preto e branco. Isso parecia uma sóbria síntese que, de uma certa maneira, evocava-lhe os dramas de Ésquilo ou os recitativos de Cláudio Montevero (sic).
O amplo número destas imagens convincentes estava , em suma, limitado, e duramente equilibrado pelo stock de horrores franceses, italianos, russos – que não estão ainda de todo aniquilados (Delluc, 1985: 173). Já opondo a excelência do cinema americano à mediocridade das produções européias, a cinefilia de Delluc construiu a equivalência entre a beleza, virilidade e abstração, de um lado, e a fealdade, sentimentalismo e feminilidade, de outro.
Essa postura se inscreve em uma tradição cultural francesa, o "modernismo", do qual o historiador A. Huyssen assinala a emergência em meados do século XIX (Huyssen, 1989). À época, tratava-se para os escritores e os artistas de se distinguir de uma cultura de massa emergente pela qual eles temiam ser engolidos. Freqüentemente consumida (e algumas vezes produzida) por mulheres, essa produção estandardizada e rentável vinha a ser o " mau objeto" , por excelência, para a elite culta. Daí em diante os "criadores" se empenhariam em se distinguir ,inovando no registro formal, tomando, assim, suas distâncias em relação a uma relação ingênua coma cultura.
Flaubert escreve Madame Bovary como um manifesto do modernismo, sublimando as aventuras triviais de uma mulher, que encarna os valores alienados da cultura de massa. Lembramos o gosto de Emma Bovary pelos livros que chamaríamos hoje de "romances de aeroporto" nos quais, " tratava-se apenas de amores, amantes, damas perseguidas desmaiando em de pavilhões solitários, cocheiros que são mortos nas paradas, cavalos exauridos em todas as páginas, florestas sombrias, problemas amorosos, juras, soluços, lágrimas e beijos, botes ao clarão da lua, rouxinóis em bosques, senhores bravos como leões, doces como cordeiros, virtuosos como não se pode imaginar, sempre bem intencionados e que choram a cântaros (Flaubert, 1966: 71)".
Esta descrição irônica faz pensar, mutantis mutandi, no cinema popular, em particular nos gêneros destinados ao público feminino, melodramas e comédias sentimentais, ou women’s films americanos. É pela forma de sua escrita que Flaubert coloca à distância a cultura de massa de sua época,mas igualmente pelo olhar de derrisão que lança sobre a cultura de massa da qual se nutre Emma.
Retomando a flama de Louis Delluc, Les Cahiers du cinema, no início dos anos 1950, se inscreviam na mesma tradição cultural. Se alguns aspectos do cinema hollywoodiano foram valorizados isto foi feito, contudo, acentuando-se os aspectos mais abstratos de sua mise em scène, sua "escrita", sem se prender, de maneira nenhuma, ao contexto sócio-cultural no qual eles foram produzidos e consumidos, nem àquilo de que falam os filmes. O formalismo, como perspectiva culta do cinema, permite também passar sob silêncio, não "ver" tudo o que diz respeito aos referentes dos filmes, em particular a construção das identidades de sexo, que são o assunto central da maior parte dos filmes de ficção. Compreende-se melhor, dentro deste contexto, porque os estudos fílmicos na França, largamente tributários da tradição cinéfila, demoram a integrar uma perspectiva que vem a ser básica, ou quase banal, nas universidades anglo-americanas: os gender studies.
Poderia-se propor a seguinte frase para traduzir este conceito como o "estudo das relações e das identidades de sexo enquanto construídos socialmente"; gender não pode ser traduzido por "sexo", que em francês remete à biologia, ao genital ou ao erótico, nem por "gênero", sobretudo nos estudos fílmicos, onde se cria uma confusão com o sentido habitual dessa palavra, que, aliás, foi retomada tal e qual pelas anglo-americanas, para designar um grupo de obras com traços comuns. Poderíamos, portanto, no momento, na ausência de algo melhor, utilizando o mesmo recurso, adotar o termo gender, para falar de um conceito sobre o qual vem se acumulado, há três décadas, um trabalho teórico impressionante, muitas vezes a partir de textos filosóficos, sociológicos e psicanalíticos produzidos na França (veja bibliografia).
O termo estudos feministas (women’s studies ou feminist studies) parece-me duplamente restritivo, de uma parte porque limita esta corrente à sua dimensão militante, que deve ser ultrapassada para pretender uma legitimidade científica; de outra , porque gera um impasse na dimensão sexuada da cultura, que seria , por definição dupla, masculina e feminina. Esta perspectiva tem, portanto, vocação a interessar os pesquisadores dos dois sexos, o que é , algumas vezes, o caso hoje, nas universidades britânicas e americanas, ainda que, historicamente, as mulheres tenham sido pioneiras na matéria.
Se os gender studies estão atualmente bem implantados em nossos vizinhos além do Canal da Mancha e além do Atlântico, em todos os campos disciplinares, incluindo as ciências, o cinema constituiu, desde os anos setenta, um objeto privilegiado para este tipo de perspectiva.
Por um lado os filmes de ficção, tanto no plano das representações, das construções narrativas, quanto do dispositivo da recepção, são desde os primórdios do cinema narrativo, constituídos em uma dimensão sexuada ligada aos desejos e pulsões, que o cinema coloca em jogo. Mas, longe de ser um simples reflexo das relações entre os sexos na sociedade que o produz, o cinema de ficção foi, em particular em Hollywood, um poderoso instrumento de dominação social e sexual, ao mesmo tempo em que trabalhava as contradições engendradas por estas relações e sua evolução.
É, portanto lógico que os movimentos feministas dos anos 1960 e 1970 tenham tomado por objeto privilegiado de suas investigações críticas este campo da produção cultural, tanto mais que seu público, muito grande e freqüentemente majoritariamente feminino, lhe dava um peso particular na construção social das identidades. A origem "política" dessa disciplina acadêmica explica , em parte, as dificuldades persistentes para seu reconhecimento. Em particular na França, onde a universidade continua a manter e a transmitir a ficção de uma "cultura superior", em que o gênio criador escapa às determinações de sexo e de classe. Assim como o sufrágio "universal" (masculino) há muito tempo encobre, em nossos livros de história, a exclusão das mulheres ao direito de voto, a ausência das mulheres na tradição literária e artística francesa permaneceu longo tempo invisível. É, com efeito, nestas disciplinas, que a questão do "gênero" permanece tabu na França, como se levar em conta a dimensão sexuada das criações culturais colocasse em perigo o seu valor universal, deixando visível sua inscrição nas relações de poder entre os sexos.
Sem subestimar a dimensão política desta resistência por parte dos universitários masculinos (é sempre difícil renunciar a uma posição dominante, sobretudo se ela é vivida como legítima), é necessário constatar que a idéia de uma "singularidade francesa" – para retomar a expressão de Mona Ozouf (Ozouf, 1995) - nas relações entre os sexos é largamente partilhada pelas elites intelectuais na França. Singularidade das relações sexuadas na vida social , incentivada por relações de sedução, que nos permitiria fazer economia de uma "guerra dos sexos" à americana, particularmente nefasta para a elite cultivada se coloca em questão as hierarquias culturais. A resistência aos gender studie,s em geral, e aos sexual politics , em particular , (o estudo das relações de poder entre os sexos) encontra assim suas origens, na França, em uma história das idéias em que se misturam inextricavelmente o político e o cultural.
Desde 1975, a teórica britânica Laura Mulvey (1989) iniciava uma crítica do cinema hollywoodiano como instrumento de dominação patriarcal, por meio da análise dos códigos do cinema narrativo clássico. A partir dos conceitos de fetichismo e de voyeurismo, em sua acepção freudiana, Mulvey analisava o cinema dominante como um dispositivo construído sobre e por um olhar masculino – aquele da câmera, substituído por aquele das personagens masculinas na ficção – transformando o corpo feminino em objeto fragmentado. Esta instância do olhar masculino, ao qual todo espectador/a é interpelado a se identificar, condena o público feminino a uma espécie de esquizofrenia, em um cinema que nega às personagens femininas o lugar do sujeito do desejo, do saber ou do poder.
Esse artigo inaugural, além de suas tomadas de posição, forçosamente esquemáticas, abundantemente discutido e nuançado mais tarde, mesmo por sua autora, era interessante pelo fato de não se prender à análise das representações, mas de colocar a questão do dispositivo semiótico e narrativo do cinema hollywoodiano dominante.
É dentro de uma perspectiva análoga que se coloca Raymond Bellour (1979) quando e articula semiologia e psicanálise na análise de alguns grandes filmes de Hitchcock (La Mort aux trousses, Les Oiseux, Marnie), para mostrar que o esquema dominante do cinema hollywoodiano encena o trajeto edipiano de um herói masculino que acede à socialização na experiência do corpo da mulher como o significante da falta e da castração.
Alguns anos mais tarde Tânia Modleski (1988) parece lhe responder: por meio da análise detalhada de sete obras expoentes da longa carreira do mestre do suspense – Chantage, Meurtre, Rébecca, Les Enchainés, Fenêtre sur cour, Vertigo e Frenzy – ela assinala a expressão (limitada), nestes filmes, de um desejo especificamente feminino, o relato de uma trajetória edipiana feminina. Nem misógino, nem feminista, Hitchcock, segundo Modelski, nos leva a nos identificar aos protagonistas dos dois sexos nos seus filmes, para explorar as dificuldades da construção social e psicológica das identidades masculina e feminina.
Ao lado desta releitura sexuada dos autores consagrados pela cinefilia, outros trabalhos tornaram visíveis obras raras de realizadoras e que as histórias do cinema sistematicamente negligenciaram. Sob esta ótica, Sandy Flitterman-Lewis (1996) articula perspectivas históricas, semiológica e psicanalítica para examinar a obra de três cineastas francesas, que participaram de três momentos fortes da construção do cinema francês, como uma alternativa ao modelo hollywoodiano dominante: Germaine Dulac, nos anos vinte, Maria Epstein, nos anos trinta, Agnès Varda, nos anos sessenta.
Germaine Dulac, teórica e cineasta da "primeira vanguarda" dos anos vinte, com Delluc, Epstein, Gance, L’Herbier, descreve em La Souriante Madame Beudet (1922) a existência de uma mulher " do lar" em meio burguês, que procura se liberar dando livre curso a sua imaginação. A intriga serve de pretexto para explorar os meandros de uma subjetividade feminina, cujos fantasmas são figurados em um modo paródico e poético.
Marie Epstein, irmã e colaboradora do teórico e cineasta Jean Epstein (ela foi freqüentemente sua roteirista), realizou com Jean Benoît-Levy (que é o único mencionado nos dicionários e histórias do cinema) três filmes mudos e oito falados antes da guerra. La Maternelle (1934), com Madeleine Renaud, a partir do romance de Léon Frappié, focaliza a pequena Maria, abandonada por sua mãe, uma prostituta, e que desloca seu amor para Rose, assistente no jardim de infância. Quando a menina se sente ameaçada pelo projeto de casamento da jovem, ela tenta se suicidar. A reconciliação final acontece com a aceitação por Maria do casamento de Rose. O filme constrói o processo de identificação do espectador a partir do ponto de vista da menina e de seu amor por esta mãe substituta. A cineasta encena o traumatismo do cenário primitivo de um ponto de vista feminino, invertendo a trajetória edipiana e masculina do cinema narrativo dominante.
Enfim, Flitterman propõe uma leitura muito complexa da obra de Agnès Varda, "mãe da nouvelle vague". Cléo de 5 à 7 (1963) e segue o itinerário de uma cantora de variedades que, a partir de uma crise pessoal (ela acredita ter um câncer), vai passar do status de objeto do olhar ao de sujeito. Varda se interroga sobre a maneira como o cinema transformou as mulheres em imagens.
Com Sans toit ni loi (1986), a cineasta desconstroi os mitos românticos (masculinos) da liberdade e da mulher misteriosa. Por meio da narrativa dos últimos dias da vida de uma jovem encontrada morta em uma vala, Agnès Varda traça "o retrato impossível" de Mona (Sandrine Bonnaire), cuja falta de ancoragem social articula-se à sua ausência de imagem própria. e a leva a autodestruição. Segundo Flitterman, este filme, recusando transformar a personagem e o corpo feminino em objeto sexual, se opõe ao cinema dominante.
Acompanhando as monografias de cineastas, os gender studies, exploraram os gêneros cinematográficos construídos em Hollywood sob uma lógica fortemente sexuada. O film noir americano dos anos quarenta e cinqüenta, por exemplo, foi estudado sob o ângulo das imagens de mulher que propôs: personagem central de maneiras masculinas, a mulher fatal do film noir tem freqüentemente um papel ativo de sujeito desejante que o filme vai se encarregar de controlar ou destruir, não sem ter suscitado, paradoxalmente, a identificação do espectador, em virtude da força da personagem e do brilho das stars que a encarnam. Sua sexualidade ativa torna-a ao mesmo tempo fascinante e terrificante, para os protagonistas masculinos (Kaplan, 1978).
Outros trabalhos analisaram os heróis masculinos dos film noirs, freqüentemente masoquistas e paranóicos, como a expressão de uma crise de identidade masculina na sociedade americana do após-guerra (Krutnik, 1991).
A questão do modo de identificação específico das espectadoras diante dos filmes majoritariamente construídos para e por um olhar masculino e/ou patriarcal tornou-se objeto de numerosos estudos, tanto a partir da psicanálise quanto de textos fílmicos particulares, ou de investigações sociológicas. Mostram, em geral, a extrema diversidade da recepção dos filmes em função da inscrição sócio-cultural das espectadoras, e a extrema mobilidade de seu lugar em relação ao texto fílmico, mobilidade construída, ao mesmo tempo, pelos textos e pela situação concreta de cada espectadora.
Este tipo de pesquisa, originária dos estudos culturais, coloca o problema da inscrição social das produções culturais. O sentido de uma obra varia segundo o contexto sóciocultural da recepção, mas também segundo a identidade sexuada dos espectadores. O trabalho da pesquisadora consiste, então, em fazer emergir as ambivalências e as contradições de filmes que interagem , de uma maneira mais ou menos complexa, com os diferentes públicos aos quais são destinados. Esta corrente permitiu reavaliar a cultura popular destinada às mulheres, mostrando os diferentes modos de construção de identidades sócio-sexuada face aos modelos propostos pelos filmes.
Jackie Stacey (1994), por exemplo, explora a memória das espectadoras britânicas dos anos 1940 e 1950 para compreender o lugar e a função das stars femininas hollywoodianas, a partir de revistas populares de cinema da época e de cartas das leitoras.
Colocando-se sob uma perspectiva resolutamente histórica e utilizando uma perspectiva psicanalítica, assim como as aquisições dos estudos culturais, Stacey analisa os fantasmas da sedução feminina das mulheres britânicas da classe média branca, durante e após a última guerra. Estuda as razões que impelem estas mulheres a freqüentar os cinemas, e as especificidades desta prática cultural, no interior e exterior das salas escuras. Explora, em seguida, a ligação entre as imagens de stars na tela, a construção da identidade das espectadoras e seus hábitos de consumo. Em que medida as stars incitam as espectadoras a consumir, e a virem a ser, elas mesmas, objetos a serem consumidos por outrem?
Nos últimos quinze anos, acompanhando um vasto movimento social de reconhecimento da existência e dos direitos de "minorias sexuais", em particular nos Estados Unidos, numerosos trabalhos foram publicados sobre o "subtexto" gay e lésbico do cinema clássico, sobre a recepção dos filmes em função da orientação sexual dos espectadores/as, sobre as obras produzidas a partir de um olhar homossexual masculino ou feminino.
O trabalho monumental de Edward B. Turk (1989) acerca da obra de Marcel Carné é um modelo na matéria, em particular por sua capacidade de articular a perspectiva gênero com as dimensões histórico-culturais dos filmes e com sua recepção. Este especialista em literatura francesa renova completamente o estudo de filmes tão célebres quanto Le Quai des brumes (1938), Le jour se lève (1939), Les Visiteurs du soir (1942) e Les Enfants du paradis (1945) utilizando os conceitos psicanalíticos da androginia, do masoquismo, do fetichismo e da cena primitiva para melhor compreender o universo de Carné. Explora as expressões veladas da homossexualidade do cineasta e mostra sua extensão e impacto. Esclarece o papel de orientação sexual do cineasta na construção de seu imaginário e as convergências entre homossexualidade e crítica da masculinidade patriarcal.
Atualmente, o leitor/ra, desejoso/sa de ter uma idéia acerca destas novas orientações de pesquisa, arrisca-se a experimentar um sentimento de desânimo, face ao número e a diversidade (e freqüentemente também em razão da dificuldade teórica) das publicações anglo-americanas neste domínio, tanto mais que os estudos sobre a televisão se desenvolvem também de maneira exponencial. Face ao caráter indubitavelmente exótico que estes últimos desenvolvimentos apresentam aos intelectuais franceses, a tentação é grande de atribuir o conjunto destas orientações de pesquisa, sem cerimônia, às especificidades culturais anglo-saxônicas ou aos "desvios comunitários" americanos.
Um melhor conhecimento dessas orientações de pesquisa na França passa, antes de tudo, pelos intercâmbios internacionais e interdisciplinares. Talvez se encontre aí uma ocasião estimulante de questionamento a respeito das divisões disciplinares e os bairrismos. Isto implica também um trabalho de tradução, para colocar à disposição dos pesquisadores e dos estudantes algumas das obras mais importantes produzidas em de vinte e cinco anos, neste domínio. É, sem dúvida, atualmente o obstáculo mais urgente a se contornar.
Um número da revista Cinémaction, dirigida por Berenice Reynaud e Ginette Vincendeau, (1993), assim como uma obra de Noël Burch, Revoir Hollywood, editada no mesmo ano, propõe ao público francófono a tradução de alguns textos importantes dos gender studies anglo-americanos. Um número recente da revista Champs Audiovisuels coordenada por Laurence Allard e Noël Burch, prossegue este trabalho indispensável de tradução. Eu mesma dirijo uma nova coleção na editora L’Harmattan, "Champs visuels étrangers", dedicada às traduções de obras anglófonas sobre os gender e os cultural studies, sendo que os dois primeiros volumes são o "Hitchcock" de Modleski e o "Carné" de Turk.
Mas as/os pesquisadoras/es francesas/es podem também, sem esperar que seja concluído este trabalho de tradução, forçosamente sempre em atraso em relação a produções das idéias, retomar por conta própria estas perspectivas, nos termos que correspondem a nossas especificidades culturais, para abrir novas frentes no estudo do cinema francês. É isto que eu tentei fazer em 1996 com Noël Burch, em La Drôle de guerre des sexes du cinèma français 1930-1956.
O estudo sistemático de um corpus fílmico muito grande (80% da produção ficcional durante os anos de Ocupação) nos permitiu demarcar os esquemas dominantes de representações das relações e de identidades de sexo. Mas a ruptura brutal que nós constatamos em 1940 e, posteriormente, em 1945, sugere que as histórias contadas pelos filmes se articulam mais fortemente do que se pensa habitualmente, á grande História . Não sob a forma de reflexo, mas antes como um imaginário coletivo, em uma época em que todas as classes sociais vão ao cinema e na qual os filmes, produzidos de forma coletiva, se destinam a todos os públicos, sem segmentação cultural institucionalizada (l’art et essai não existiam ainda).
De fato, o esquema narrativo dominante do cinema francês dos anos 1930, todos os gêneros confundidos, coloca em cena um homem maduro, encarnação do patriarca tradicional, que domina uma jovem mulher, suscitando a conivência em Pagnol ou Guitry, ou de um modo crítico em Carné, Grémillon ou Renoir.
A derrota e a ocupação alemã vão desequilibrar essas representações para uma multidão de figuras femininas, ativas e autônomas, que decidem o destino da comunidade, no lugar de um patriarcado enfraquecido, indigno ou derrisório, mas aí também de dois modos contraditórios: ao lado de filmes consensuais e conservadores como Vênus aveugles (Gance, 1940) ou Le Voile bleu (Stelli, 1942) os filmes críticos são numerosos e marcantes, como Les Visiteurs du soir (Carné, 1942), Douce (Autant-Lara, 1943), Le Ciel est à vous (Grémillon, 1944), Falbalas (Becker, 1944-1945).
A Liberação assinala uma segunda ruptura, com o aparecimento maciço de mulheres imorais e nefastas que atacam os homens vitimados, como se, face às mudanças simbolizadas pela participação das mulheres na Resistência, e em seguida, seu acesso ao direito de voto em 1945, os temores masculinos se exprimissem pela diabolização das mulheres autônomas como em Panique (Duvivier, 1946) ou Manèges (Y. Allégret, 1949); mas ao mesmo tempo, uma corrente minoritária de filmes, muitas vezes notáveis, explora com lucidez as relações de dominação patriarcal, mostrando ao mesmo tempo seu caráter opressivo para as mulheres e alienante para os homens: Casque d’or (Becker, 1948), La Verité sur le Bebé Donge (Decoin, 1952), Les Grandes Manoeuvres (Clair, 1954), L’Amour d’une femme (Grémillon, 1954.
Esse período, marcado por uma expressão violentamente conflituosa nas relações homens/mulheres, parece terminar com a emergência de uma nova imagem da feminitude, aquela proposta por Et Dieu créa la femme, de Roger Vadim , em 1956, dando origem ao mito B.B. (Brigite Bardot) , que associa a emancipação das mulheres unicamente à sua sexualidade.
Além da análise das representações fílmicas de "gênero" sobre um período específico, o interesse desse tipo de pesquisa é o de fazer surgir o caráter coletivo e historicamente determinado, e a ligação orgânica das "obras primas" com este imaginário coletivo, o que a cinefilia tem tendência a esquecer.
A articulação entre cultura de elite e cultura de massa e a inscrição histórica das representações de "gênero" no cinema estão também no núcleo central de um número da revista Íris (1998) que dirigi e ao qual estão associadas/os pesquisadoras/es dos dois lados do Canal da Mancha e do Atlântico.
Algumas/ns estudantes corajosas/os e pioneiras/ros já defenderam suas teses em uma perspectiva gender: sobre a reconstrução da masculinidade no cinema da guerra do Vietnã (Meininger, 1999); sobre cinco estrelas femininas declaradas venenos do Box Office, no final dos anos 30, em Hollywood (Dhommée, 2000).
Essas perspectivas sócio-culturais tiveram o interesse de abordar o cinema a partir da experiência dos receptores comuns, e nós entre eles, mas é sem dúvida aí que se encontra o problema para o campo acadêmico francês. De fato, o cinema construiu sua legitimidade universitária de um modo inverso, que privilegiou as perspectivas estéticas às mais formalistas, de maneira a transformar este divertimento popular em objeto da cultura de elite universal (masculina).
E eu concluirei com um último paradoxo: se os estudos fílmicos na França resistem com toda força à contaminação anglo-americana dos gender studies, é ao mesmo tempo o país no qual, há alguns decênios as mulheres, graças a um sistema de auxílio público único no mundo, conseguem realizar filmes, cujo número e qualidade não têm nenhum equivalente nos países anglófonos. Esperemos que aí se encontre uma dinâmica capaz de arrombar alguns ferrolhos...
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Doane, Mary Ann. 1987. The Desire to Desire: the Woman's Film of the 1940's, Bloomington, Indiana University Press.
Kaplan, E. Ann (ed.) 1978. Women in Film Noir, Londres, BFI.
Krutnick, Frank. 1991. In a Lonely Street: Film Noir, Genre, Masculinity, Londres, Routledge.
Petro, Patrice. 1989. Joyless Streets : Women and Melodramatic Representation in Weimar Germany, Princeton, N.J., Princeton University Press
Rowe, Kathleen. 1995. The Unruly Woman: Gender and the Genres of Laughter, Austin, Texas University Press.
Tasker, Yvonne. 1993. Spectacular Bodies: Gender, Genre and the Action Cinema, Londres / New-York, Routledge.
Williams, Linda. 1990. Hardcore: Power, Pleasure and the "Frenzy of the Visible", Londres, Paladin,.
Sobre as representações
Kaplan, E. Ann. 1992. Motherhood and Representation: The Mother in Popular Culture and Melodrama, Londres, Routledge,.
hooks bell. 1992 Black Looks : Race and Representation, South End Press
Modleski, Tania.1984. Loving with a vengeance : Mass-produced Female Fantasies for Women, New York & Londres, Methuen.
Sobre as estrelas
Bingham, Denis. 1994. Acting Male, Rutgers University Press,
Britton, Andrew. 1983. Cary Grant : Comedy and Male Desire, Newcastle upon Tyne, Tyneside Cinema,
––––––––––––, 1984.Katharine Hepburn : the Thirties and After, Newcastle upon Tyne, Tyneside Cinema,
Dyer, Richard. 1979. Stars, Londres, British Film Institute,
–––––––––––, Haevenly Bodies. 1986: Film Stars and Society, Londres, BFI / MacMillan,
Gledhill, Christine. 1991. Stardom : Industry of Desire, Londres, Routledge
McCann, Graham.1993. Rebel Males: Clift, Brando and Dean, New Jersey, Rutgers University Press.
Sklar, Robert. 1992. City Boys : Cagney, Bogart, Garfield, Princeton University Press
Vincendeau, Ginette. 2001. Stars and Stardom in French Cinema, Londres, Continuum
Jeffords, Susan, Hard Bodies. 1994. Hollywood Masculinity in the Reagan Era, NJ, Rutgers University Press
Sobre a recepção
Bobo Jacqueline, Black Women as Cultural Readers, New York, Columbia University Press, 1995.
Ang Ieng, Watching Dallas: Soap Opera and the Melodramatic Imagination (Amsterdam, 1982) Londres, Routledge, 1992.
Merck Mandy, Perversions: Deviant Readings, Londres, Virago, 1993.
Stacey Jackie, Star Gazing: Hollywood Cinema and Female Spectatorship, Londres / New-York, Routledge, 1994.
Taylor Helen, Scarlett's Women: "Gone with the Wind" and its Female Fans, Londres, Virago, 1989.
Sobre os/as autores/ras
Modleski, Tania. 1988. The Woman Who Knew too Much: Hitchcock and Feminist Theory, New York / Londres, Routledge,
Studlar, Gaylyn. 1988. In the Realm of Pleasure: Von Sternberg, Dietrich and the Masochistic Aesthetic, New York, Columbia University Press,
Turk, Edward B. 1989. Child of Paradise: Marcel Carné and the Golden
Estudos gays e lésbicos
Dyer, Richard.1990. Now You See it: Studies on Lesbian and Gay Film, Londres, Routledge
Russo, Vito.1981. The Celluloid Closet: Homosexuality in the Movies, New York, Harper & Row,
Weiss, Andrea. 1992. Vampires and Violets: Lesbians in the Cinema, Londres, Jonathan Cape
Teses defendidas :
Dhommé,e Isabelle. 2000." Les cinq "empoisonneuses": G. Garbo, J. Crawford, M. Dietrich, M. West, K. Hepburn et les Etats-Unis des années trente - Analyse du phénomène social de la star ", sous la direction de Noël Burch, Paris 3
Meininger Sylvestre.1999. " Recherches d’une nouvelle masculinité dans le cinéma américain 1977-1991 ", sous la direction de Noël Burch, Paris 3
Obras citadas:
Huyssen, Andréas. 1989. After the Great Divide: Modernism, Mass Culture, Post Modernism, Bloomington, Indian University Press.
Flaubert, Gustave.1966. Madame Bovary, Garnier-Flammarion.
Delluc, Louis. 1985. in Lês Cinéastes, Écrits Cinématographiques 1, éditions Cinémateque française.
Ozouf, Mona.1995. Lês Mots dês femmes, essai sur la singularité française, Fayard
Biografia :
Geneviève Sellier, MCF em cinematografia, dirige pesquisas na Universidade de Caen, França. Publicações recentes: La Drôle de guerre des sexes du cinéma français (1930-1956), en collaboration avec Noël Burch, préface de Michelle Perrot, collection "Fac Cinéma", éditions Nathan, 400 pages, 1996.- Iris , (revue franco-américaine de théorie de l'image et du son) : "Gender Studies, Cultural Studies et études filmiques" (dir.), n° 26, Paris/Iowa City, automne 1998.- L’Exclusion des femmes, masculinité et politique dans la culture au XXe iècle , co-dir. Odile Krakovitch, coll. Histoire culturelle, Bruxelles, éditions Complexe, 2001.- Femmes de pouvoir, mythes et fantasmes, co-dir. avec Odile Krakovitch et Eliane Viennot, coll. Bibliothèque du féminisme, Paris, L’Harmattan, 2001.