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juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

 

FEMINISMO, ESTADO E POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES:  MONITORANDO A LEI MARIA DA PENHA

Márcia Santana Tavares

Cecília M. B. Sardenberg

Márcia Queiroz de C. Gomes

Resumo:

Este trabalho percorre a trajetória feminista contra a impunidade dos agressores e em defesa dos direitos das mulheres, com a intenção de destacar os avanços, mas, principalmente, apontar os obstáculos para a conquista das mulheres a uma vida sem violência. Pretende, ainda, pensar a relação entre Feminismo e Estado, a partir de reflexões sobre nossa experiência na Coordenação Nacional do Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha – OBSERVE. Mais precisamente, discutimos aqui os impasses e tensões enfrentados desde a criação do OBSERVE, detendo-nos, de um lado, no processo de articulação do Consórcio e sua relação com o Estado, e de outro, no processo de construção dos indicadores pertinentes aos procedimentos metodológicos para o monitoramento.  Por último, discutimos alguns resultados do processo de monitoramento na Região Nordeste, que bem demonstram a pertinência dos esforços investidos no - e pelo -  OBSERVE.

Palavras-chave: violência, direitos das mulheres, lei Maria da Penha

 

Primeiros Apontamentos:

Fenômeno de ampla ocorrência nas sociedades contemporâneas, a violência de gênero contra mulheres atravessa fronteiras geográficas e sociais, de toda sorte, atingindo mulheres de todas as idades, classes, castas, raças, etnias e diferentes orientações sexuais. Revela-se, assim, como fenômeno de ordem universal, que tem por base as ideologias de gênero. Segundo a Organização das Nações Unidas – ONU, a violência de gênero é a “violência contra uma mulher apenas porque ela é mulher” ou que atinge mulheres “desproporcionalmente”, podendo incluir agressão ou sofrimento físico, mental ou sexual, ameaças, coerção e outros atos que deprivem as mulheres de liberdade (UNITED NATIONS, 2006:11). Embora esse tipo de violência possa ocorrer em qualquer cenário e tendo como agressores pessoas que não sejam necessariamente próximas ou de conhecimento da vítima, em geral, é no âmbito familiar e doméstico, e principalmente da parte de parceiros – ou ex-parceiros – conjugais, que as mulheres acabam por vivenciar situações de violência.

A ONU reconheceu a violência contra as mulheres como uma forma de discriminação e violação de direitos humanos, tal qual delineado na sua Declaração pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres (DEVAW), formulando, nesse e em vários outros documentos, importantes recomendações para a criação e implementação de mecanismos de combate a esse tipo de violência (UNITED NATIONS, 2001). Destacam-se, dentre eles, mecanismos de monitoramento e facilitação da implementação dessas recomendações, com realce, no âmbito nacional, para os “mecanismos autônomos e independentes”, tais como observatórios de monitoramento,  para dar conta do controle social, necessário para a eficácia da legislação em vigor  (THOMPSON, 2009; UNITED NATIONS, 2006).

Por certo, tal reconhecimento é uma conquista dos movimentos feministas e de mulheres, seja no âmbito internacional como no nacional, para tornar visível e politizar a violência com base nas ideologias de gênero. Somente a partir da emergência do feminismo contemporâneo nos anos 1960, a violência contra as mulheres, particularmente a violência doméstica e familiar, começou de fato a ser confrontada, tornando-se problema de ordem social.  Como se verá adiante, no Brasil, esse processo só foi deslanchado na década de 1970. Desde então, porém, vem ganhando espaço como uma das principais bandeiras dos movimentos de mulheres e feministas, avançando, também, como uma das questões levantadas por esses movimentos que tem recebido maior atenção por parte do Estado.

De fato, nos últimos anos, sobretudo a partir de 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres – SPM por ato do Presidente Lula, o Governo Federal tem investido em políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, desenvolvendo ações diversificadas, dentre as quais o financiamento para constituição de um Observatório de Monitoramento da Lei Maria da Penha. Todavia, não custa ressaltar, a formulação e implantação dessas políticas pelo Estado brasileiro não se deu por acaso. A intervenção dos movimentos feministas foi fundamental para romper com a conivência da sociedade e impulsionar a criação de leis e espaços especializados que assegurassem a punição dos agressores, bem como a instalação de serviços específicos de prevenção, proteção e assistência às mulheres em situação de violência.

De volta ao começo

No Brasil, a repressão e violência política direcionada a mulheres e homens que se opunham ao Regime Militar, na década de 1970, suscitaram uma convergência entre os movimentos de mulheres e organizações feministas no tocante à luta pela anistia e pela melhoria das condições de vida das mulheres de classes populares. Nesse período, os primeiros grupos feministas assumiram o compromisso de lutar tanto pela igualdade das mulheres como pela anistia e a abertura democrática (SOARES, 1994). O período foi marcado por movimentos de mulheres residentes nas áreas periféricas dos grandes centros urbanos, pela formação de clubes de mães, associações de vizinhança, pelas Comunidades Eclesiais de Base, bem como movimentos comunitários em defesa de serviços como transporte, creche e saneamento básico.

Além disso, o movimento buscou o apoio de mulheres dos mais diferentes segmentos sociais para que abraçassem a luta contra a violência doméstica e familiar, conseguindo deslocá-la para o espaço público e romper o silêncio e a invisibilidade que até então a mantinha circunscrita à esfera privada. Conforme ressalta Corrêa (2001:13-14):

O movimentos feminista no Brasil contemporâneo, que teve sua maior expressão na década de 1970, esteve intimamente articulado com outros movimentos sociais da época: movimentos populares – que iam desde a luta por moradia, passando por melhores condições de vida (água encanada, luz, transporte), até a luta pela criação de creches nas fábricas e universidades (o que era uma lei antiga, mas não cumprida); movimentos políticos – aí incluídos os movimentos pela anistia aos presos políticos, pela luta contra o racismo, pelos direitos à terra dos grupos indígenas do país e o movimento dos homossexuais.

De acordo com Soares (1994), os feminismos trouxeram para o debate com as esquerdas e os partidos progressistas alguns pontos da teoria e da prática do fazer político, com destaque para a não hierarquização das lutas e a sexualização das práticas nos espaços públicos. Assim, introduziu novos temas no movimento de mulheres, que posteriormente foram apropriados pelos partidos de esquerda e forças políticas progressistas, como por exemplo, o direito de ter ou não filhos, o aborto, a sexualidade, a punibilidade aos assassinos de mulheres e a violência doméstica.

O processo de institucionalização das demandas dos movimentos feministas e de mulheres para combater a violência contra as mulheres pode ser sintetizado em três momentos[1]: inicialmente, a criação das delegacias da mulher, em meados dos anos 1980; em segundo lugar, a implantação dos Juizados Especiais Criminais, em meados dos anos 1990; por último, a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como Lei “Maria da Penha” (SANTOS, 2010).

A partir de 1975, a luta feminista ganha impulso com a I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no México, mas o fato da Organização das Nações Unidas – ONU decretar esse ano como “Ano Internacional da Mulher”, torna-o marco inicial para instituir a “Década da Mulher” (1975-1985). Como consequência, há uma politização da violência doméstica e familiar, intensificando-se o debate na sociedade, as denúncias e campanhas, além de encontros, seminários e congressos de mulheres.

De fato, as campanhas que tiveram lugar em meados da década de 1970, valendo-se do mote “quem ama não mata,”[2] deram visibilidade na mídia à questão da violência contra as mulheres e da impunidade e omissão por parte do Estado. Em particular, o assassinato de Angela Diniz por Doca Street em 1976, e o uso do argumento da “legítima defesa da honra” em defesa do agressor, que logrou inocentá-lo em uma primeira instância, ganhou a atenção da mídia, nacional e internacional, contribuindo para o deslanchar de um processo de politização da violência doméstica e familiar.

Nesse período, as organizações feministas e de mulheres não dialogavam com o Estado repressor, nem buscavam seu apoio. E não sem razão. Na época, o Estado não era um “aliado” que pudesse trazer respostas ao problema da violência contra as mulheres. No contexto da ditadura militar, o Estado torturou e assassinou brutalmente homens e mulheres contrários ao regime, torturando inclusive muitas mulheres que voltaram do exílio para juntar-se aos grupos feministas.  Nessa situação, a “ação direta” foi a primeira estratégia do movimento feminista, na medida em que diferentes grupos de ativistas procuraram atender mulheres atingidas pelas mais variadas formas de violência, criando coletivos com essa finalidade  (DINIZ, 2006:19).

Um desses grupos foi o SOS Mulher, criado no início da década de 1980.  Voltado para uma atuação não assistencialista, esse grupo prestava serviços dentro da perspectiva da conscientização das mulheres acerca da dominação masculina, procurando também publicizar a questão da violência doméstica.[3] De um modo geral, a proposta das feministas atuantes nesses coletivos implicava em  “uma mudança nas delegacias comuns”,  com base no  “treinamento” dos agentes de polícia (DINIZ, 2006:18). Essa proposta fundamentava-se nas observações registradas no atendimento às mulheres vítimas de violência, que se queixavam da forma humilhante como eram tratadas nas delegacias (SANTOS, 2008).

Nos anos 1980, no bojo do processo de redemocratização que se desencadeara no país,  a atenção do Estado se voltará, ainda que timidamente, para o atendimento das demandas das mulheres, iniciando-se então um diálogo entre movimentos feministas e o Estado no confronto à violência contra mulheres.  O diálogo foi desencadeado no contexto das eleições de 1982, quando feministas vinculadas ao partido de oposição, o MDB, que ganhara as eleições para o governo de São Paulo, reivindicaram ações de atenção às mulheres. Surgiu, assim, o Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), criado em 1983, que definiu quatro áreas prioritárias de ação: creche, trabalho, violência e saúde (DINIZ, 2006; PINTO, 2005). Embora não houvesse consenso entre os diferentes grupos feministas, eles se articularam em torno das propostas do conselho. No tocante ao combate à violência, conforme explicita Santos (2008),  o CECF era contrário a uma abordagem apenas “criminal”, com ações punitivas. Apresentava, ao invés, propostas de “serviços integrados” e medidas  mais amplas, quais sejam:

 “1) maior politização da violência contra mulheres, coordenação de campanhas educacionais e conscientização das mulheres sobre o problema; 2) criação de casas abrigo e de novas instituições para fornecer atendimento jurídico e psicológico às vítimas da violência doméstica e sexual; 3) mudanças nas instituições jurídicas e policiais, como a capacitação dos policiais numa perspectiva anti-machista, bem como a contratação de assistentes sociais em cada delegacia de policia; 4) reformulação da legislação machista; 5) fomento de pesquisas sobre violência contra as mulheres; e 6) incorporação das preocupações dos movimentos de mulheres na agenda das políticas públicas.” (SANTOS, 2008:6-7).

Contudo, contrariando as expectativas feministas por um programa de ação mais amplo, o Governo de São Paulo criou, em 1985, a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), cujo objetivo maior era reprimir a violência contra as mulheres (BLAY, 2003).  Sem dúvida, isso significou um reconhecimento, por parte do Estado, desse tipo de violência como crime (SANTOS, 2008). Além disso, a DDM deu maior visibilidade ao problema da violência contra as mulheres, abrindo a possibilidade de se ter maiores informações sobre as vítimas, seus agressores, os contextos das agressões e os crimes denunciados com maior freqüência (Pasinato, 2004). Contudo, a ênfase dada pelo Estado nos aspectos da criminalização da violência contra mulheres, e sua repercussão positiva na mídia, contribuíram para uma mudança na agenda feminista.  Conforme observa Santos (2008), a ênfase na criminalização deixou de fora outros aspectos relevantes do combate à violência e atendimento às vítimas, tais como a capacitação de agentes das delegacias dentro de uma perspectiva de gênero e a criação de casas abrigo, fundamentais para a proteção de mulheres em situação de violência.

À bem ou mal, a criação do CECF, em São Paulo, serviu de modelo para o surgimento de conselhos dessa ordem por todo o país, inclusive para a instalação do Conselho Nacional de Direitos da Mulher (em 1984). Da mesma forma, a DDM também serviu de inspiração para a criação de delegacias nas principais cidades, convertendo-se, em tempo, em política especializada para o combate da violência contra mulheres (Pasinato 2010).  Não acaso, na maioria dos Estados, essas delegacias foram denominadas de  “Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres”, ficando conhecidas pela sigla “DEAM”.

Além dessas políticas, a década de 1980 trouxe ainda mudanças no campo jurídico, iniciadas com a Constituição Federal de 1988. Devido à pressão exercida pelos movimentos feministas, pelo movimento organizado de mulheres e pelos conselhos de direitos das mulheres, o texto constitucional proclama a igualdade entre os sexos no inciso 1 do artigo 5º, ao mesmo tempo em que insere no § 8º a garantia de assistência do Estado a todos os membros do grupo familiar, através da criação de mecanismos capazes de inibir a violência na esfera de suas relações.

Em 1987, antecedendo a Assembléia Nacional Constituinte, a articulação entre o movimento feminista, movimento organizado de mulheres e o Conselho Nacional da Mulher possibilitou a realização de uma campanha nacional, Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher. A realização de encontros, em todo o país, possibilitou a sistematização de propostas, que foram divulgadas junto à sociedade civil e aos constituintes por meio da Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte. Cabe lembrar que a ação direta exercida pelo movimento feminista para obter o apoio dos parlamentares, nomeada pela imprensa como “lobby do batom”, conseguiu que cerca de 80% das reivindicações das mulheres fossem aprovadas (COSTA, 2006).

Na década seguinte – a chamada “década das conferências “ - , o Brasil participou e foi signatário das Conferências da ONU realizadas no Cairo (1994) e Beijing (1995), bem como da Conferência Mundial de Direitos Humanos que aconteceu em Viena (1993), quando a violência de gênero contra mulheres foi reconhecida como uma violação dos direitos humanos das mulheres. Note-se, porém, que embora a violência doméstica e sexual contra as mulheres tenha sido contemplada no Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW (1979), somente torna-se foco de discussão na Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993) e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), que ficou conhecida como Carta de Belém do Pará (BRASIL, 2005).

 Vale lembrar que, em 1992, no plano nacional, a Câmara dos Deputados constituiu uma Comissão Parlamentar (CPI), com o incentivo e apoio dos movimentos de mulheres e feministas e com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM, para investigar a incidência da violência contra as mulheres no país. Ressalte-se que o relatório final classifica a violência como problema grave e propõe um Projeto de Lei com vistas a conter este tipo de violência.

Em 1995, com a Lei 9.099/95, foram instituídos os Juizados Especiais Criminais (JECRIMs), considerados revolucionários pela comunidade jurídica, uma vez que, acreditava-se, possibilitariam um maior acesso à justiça para a resolução de conflitos de natureza penal, quando o crime apresentasse menor potencial ofensivo. Apesar dos significativos avanços no que se refere à defesa dos direitos da mulher, houve também retrocessos, entre os quais a Lei Federal nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais – JECRIMs, responsáveis por processar e julgar crimes como delitos de lesões corporais leves e ameaças, para os quais era prescrita uma pena máxima de até 1 ano de detenção, justamente devido ao seu suposto “menor potencial ofensivo” (BARSTED, 2007).

Conforme pondera Aquino (2008), a Lei 9.099/95 aplicava-se à maioria das denúncias feitas nas DEAMs – lesões corporais leves e ameaças –, o que contribuiu para reiterar a histórica banalização da violência contra a mulher. A Lei recomendava a conciliação entre as partes, permitia a “limpeza” da ficha dos acusados, que continuavam como réus primários, além de disponibilizar o recurso à transação penal, isto é, o acusado poderia optar pelo pagamento de uma multa. De fato, os (as) conciliadores (as), em nome da agilidade, não privavam o agressor de liberdade e apenas aplicavam uma multa, geralmente o pagamento de cestas básicas, como forma de reparar os danos causados, ignorando as particularidades das relações de gênero presentes nos conflitos e desconhecendo o caráter cíclico que caracteriza a violência contra a mulher (QUEIROZ, 2008).

Na perspectiva feminista, essa Lei constituiu-se como um grande retrocesso no enfrentamento à violência contra a mulher. Conforme ressalta Pasinato (2004:18): “A classificação da violência como crime de menor potencial ofensivo, o pequeno número de ocorrências que chegam a uma decisão judicial e o tipo de decisão que tem sido ofertada são os principais eixos em que as críticas se articulam.” Frente a essa situação, organizações feministas e feministas acadêmicas passaram a refletir, debater e produzir conhecimento a respeito dos efeitos da Lei 9.099/95. Após uma década de protestos contra os JECRIMs, por iniciativa de feministas que vinham trabalhando com a temática da violência, foi constituído um consórcio formado por organizações não-governamentais e advogadas especialistas na temática da violência contra as mulheres, com a finalidade de elaborar uma proposta de lei que revogasse a competência dos JECRIMs para julgar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

  Em 2004,  a minuta de um projeto de lei, bastante avançado, foi  entregue à Deputada Jandira Feghali, no Congresso Nacional, como também encaminhado ao Executivo Federal, por intermédio da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres,  que havia  sido criada pelo Presidente Lula no ano anterior, com status de Ministério.  Uma comissão interministerial, constituída pelo Governo, que contou com a participação de feministas integrantes das ONGs e redes que elaboraram a minuta original, discutiu a proposta, também apresentada e discutida pelos movimentos de mulheres em várias capitais do país.  Por quase dois anos, ONGs feministas fizeram lobby no Congresso para a aprovação da Lei, o que só veio a acontecer em 7 de agosto de  2006, com a assinatura do Presidente Lula da Silva. Foi assim sancionada a  Lei de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei nº 11.340), mais conhecida como Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em setembro do mesmo ano.

Como se sabe, trata–se de uma homenagem à Professora Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica como resultado de violência doméstica. Passados 15 anos de agressão, Marco Antonio continuava em liberdade, vez que ainda não havia uma decisão final de sua condenação por parte dos tribunais nacionais. Frente à impunidade favorecendo o agressor por parte do Estado Brasileiro, em 1998, Maria da Penha, juntamente como as organizações CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e CLADEM-Brasil (Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) encaminharam à OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) uma petição contra o Estado brasileiro, tendo por base a Convenção de Belém do Pará. A referida Comissão, após exame dos documentos encaminhados, acabou por condenar o Estado brasileiro por “negligência e omissão” no tocante à violência doméstica sofrida por Maria da Penha, recomendando o pagamento, por parte do Estado, da indenização à vítima. Destaque-se que o “caso Maria da Penha foi o primeiro na aplicação da Convenção de Belém do Pará no Sistema Interamericano. E, de fato, a utilização da Convenção foi decisiva para que o processo fosse concluído e, posteriormente, para que o agressor fosse preso, em outubro de 2002, quase 20 anos após o crime, poucos meses antes da prescrição da pena” (AGENDE, 2007:12).

Esses desdobramentos tiveram também relevância para a criação da Lei Maria da Penha, que veio trazer importantes inovações para a proteção de mulheres em situação de violência. Em especial, a Lei Maria da Penha:

·        define e caracteriza a violência doméstica e familiar contra a mulher segundo as considerações das convenções internacionais;

·        classifica as formas de violência doméstica contra a mulher – física, psicológica, sexual, patrimonial e assédio moral;

·        extingue as penas pecuniárias, pagas com cesta básicas ou multas;

·        determina que a violência doméstica independe de sua orientação sexual;

·        retira dos juizados especiais a competência para apreciar os crimes de violência doméstica contra a mulher;

·        prescreve a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, com competência cível e criminal para abranger as questões familiares decorrentes da violência contra a mulher;

·        altera o código do processo penal para permitir ao juiz a decretação de prisão preventiva diante de riscos à integridade física ou moral da mulher e possibilita a prisão em flagrante;

·        aumenta a pena do crime de violência doméstica para de três meses a três anos; e,

·        altera a lei de execuções penais para possibilitar que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de educação e reabilitação.

Essas importantes mudanças, trazidas pela nova Lei, foram reafirmadas com o  II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – PNPM.[4]  O Plano II dedica o capítulo 4 ao enfrentamento de todas as formas de violência e considera prioritária a implementação da Lei Maria da Penha e demais normas jurídicas no âmbito nacional e internacional. Para tanto, define, como uma de suas principais metas, a consolidação do Observatório Lei Maria da Penha. Já o capítulo 11, relativo à gestão e monitoramento do Plano, estabelece como prioridades, por exemplo, a implantação de um Sistema Nacional de Dados e Estatísticas sobre a violência contra as mulheres e a produção, organização e publicização de dados, estudos e pesquisas sobre as temáticas de gênero, raça/etnia e violência contra as mulheres entre outras ações.

 A Lei Maria da Penha é sustentada também pelo Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher (BRASIL, 2008), uma iniciativa do governo federal, dentro da Política de Enfrentamento, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, que objetiva promover, no período de 2008 a 2011, um conjunto de políticas públicas, executadas de forma articulada por ministérios e secretarias especiais, tendo em vista prevenir e enfrentar as diferentes formas de violência contra as mulheres, em função do maior grau de discriminação e vulnerabilidade social a que estão expostas. O Pacto Nacional tem como um dos seus objetivos específicos a redução dos índices de violência contra as mulheres, daí porque uma das áreas que o estruturam é a consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, incluindo a implementação da Lei Maria da Penha.

As inovações introduzidas pela Lei Maria da Penha são incontestáveis no campo político e jurídico, mas a efetiva aplicação desse instrumento legal requer mudanças institucionais nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs e na criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, assim como a capacitação da equipe de profissionais das DEAMs e Juizados Especiais, a implementação de uma rede serviços para os quais as mulheres em situação de violência doméstica e familiar e seus agressores possam ser encaminhados e inclusão dessas mulheres em programas assistenciais entre outras medidas.  Além disso, a implentação da nova Lei demanda uma articulação mais eficaz dentre os órgãos incluídos na rede de atendimento a mulheres em situação de violência, que perpassa os âmbitos municipal, estadual e federal.

Nesse sentido, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, com a finalidade de contribuir para a efetivação da Lei Maria da Penha, assumiu a coordenação do Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres e tem apoiado outros projetos e políticas do governo federal. Por iniciativa do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, um desses projetos resultou em edital para a criação de um observatório, com o propósito de monitorar e avaliar o processo de implementação e aplicação da lei em todo o país. A proposta para a criação do Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha – OBSERVE, foi a vencedora. No que se segue, veremos como se deu a sua articulação e como se definiu sua identidade e relação com o Estado.

Construindo o Observe e Definindo sua Identidade:  Tensões e Desafios

O Observatório de Monitoramento da Lei Maria da Penha – Observe, é uma instância autônoma, da sociedade civil, formado por um consórcio que reúne nove organizações não-governamentais e núcleos de pesquisa universitários: AGENDE – Ações em Gênero; NEPEM/UNB – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher; CEPIA – Cidadania, Estudo Pesquisa, Informação e Ação; NEPP-DH/UFRJ – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos; Coletivo Feminino Plural; THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero; NIEM/UFRGS – Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Relações de Gênero; GEPEM/UFPA – Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres e Relações de Gênero). São também parceiras a Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos e Direitos Sexuais, a REDOR- Rede Regional Feminista Norte e Norte de Estudos sobre Mulheres e Relações de Gênero, e o CLADEM. Dentre essas entidade e redes, incluem-se algumas das que integraram o Consórcio que elaborou a primeira minuta da Lei (AGENDE, CEPIA, THEMIS, CLADEM), bem como da articulação de redes e entidades responsáveis pela elaboração do Relatório “Sombra” – o Relatório da Sociedade Civil apresentado ao Comitê CEDAW por ocasião da avaliação do Relatório Oficial do Brasil a esse comitê.

 Instalado em 2007, o OBSERVE foi organizado em Coordenações Regionais, a AGENDE ficando com a Coordenação da Regional Centro Oeste, CEPIA com a Regional do Sudeste, o Coletivo Feminino Plural com a do Sul, o GEPEM com a da Região Norte e o NEIM ficando responsável pela Regional Nordeste. No seu primeiro ano, a Coordenação Nacional do OBSERVE foi compartilhada entre NEIM, CEPIA e AGENDE, tal arranjo mostrando-se, porém, ineficaz para as operações cotidianas. Destarte, a partir de março de 2009, a coordenação nacional concentrou-se apenas no NEIM, que permanece na liderança do Consórcio.

O OBSERVE tem como missão monitorar a implementação e aplicação da Lei Maria da Penha, o que se traduz em acompanhar esse processo, a partir da coleta, análise e publicização de informações do processo de efetivação da Lei.  Nesse sentido, no primeiro ano de atividades, o Observatório avançou na organização e fortalecimento da sua rede interna por meio de reuniões, informativos eletrônicos internos e encontros em eventos. Ao mesmo tempo, empenhou-se, também, na articulação com outros órgãos e instituições, a exemplo da iniciativa de diálogo com o Supremo Tribunal de Justiça, em Brasília/DF, e do estreitamento de relações com instituições locais/regionais da Rede de atenção à mulher em situação de violência.  

Logo de início, porém, dois desafios se colocaram para o Consórcio. O primeiro diz respeito à definição da identidade do OBSERVE e, consequentemente, da construção das relações internas ao Consórcio e da relação deste com o Estado e com o movimento social, o que implica em definir o que e para quem monitorar. O segundo volta-se mais propriamente para questões metodológicas – como proceder nesse monitoramento, que indicadores utilizar, ou seja, como monitorar – questões essas que dependem, em grande parte, das definições relativas ao primeiro desafio.  Trataremos assim da metodologia na próxima seção, voltando-nos aqui para o primeiro desafio, que tem sido, de fato, o maior. Senão vejamos:

Uma das questões principais levantadas em relação à identidade do OBSERVE centra-se na necessidade de esclarecer o que nos diferencia e o que nos caracteriza enquanto Consórcio, levando em conta que se trata de um grupo com experiências diversas e múltiplas inserções: ONGs feministas, núcleos de estudo e pesquisa vinculado a instituições federais de ensino superior, redes de diferentes organizações (inclusive internacionais, como no caso do CLADEM), que não participam diretamente do Consórcio. Nesse sentido, cabe trazer as considerações tecidas durante reunião da Coordenação do OBSERVE por Leila Linhares Barsted, da CEPIA,  quanto à definição do Observatório como um “conjunto de instituições com olhares diversos e suas especificidades, mas com um objetivo comum”, qual seja, o de produzir um “monitoramento engajado”, como parte das lutas feministas. Esse monitoramento daria conta não apenas da aplicação dessa lei, como também de uma cultura jurídica em torno dela, identificando e publicizando as resistências e aplicação incorreta, mesmo quando “bem intencionadas”. Assim um dado do Observatório daria conta de uma série de iniciativas e iria além do sentido restrito de monitoramento abrindo-se para os movimentos de mulheres, estimulando-os a produzir ‘relatórios sombra’.                                                              

No entanto, como a própria Leila Barsted acrescentou, “não somos pesquisadoras do movimento, não somos impactadoras do movimento”, apesar de sermos parte dele. Tampouco temos o monopólio do monitoramento da Lei Maria da Penha, o que podemos oferecer é uma “experiência de observação”.   Mesmo porque, “não somos pesquisadoras da SPM, apesar da SPM estar financiando a maior parte de nossas atividades”, “não somos fiscais da Lei.”

 No entender de Telia Negrão, Coordenadora da Rede Feminista de Saúde e também presente nas reuniões do OBSERVE, tal situação é indicativa da identidade ambivalente do OBSERVE, que deve fornecer  “produtos” para o Estado, mas manter-se sempre em sinergia com os movimentos, preservando, porém, a sua autonomia em relação a ambos. Para Cecilia Sardenberg do NEIM e da Coordenação Nacional, isso significa colocar o OBSERVE também em uma situação mediadora entre Sociedade Civil e Estado – mas, como ressaltou Ana Alice Costa, representante da REDOR nas reuniões do Consórcio, não simplesmente em relação a SPM. É preciso considerar que as DEAMs, os Juizados, as Casas Abrigo, bem como todos os demais órgãos que formam parte da rede de assistência a mulheres em situação de violência, também são órgãos de Estado, encarregados da implementação e aplicação da Lei Maria da Penha. Como construir uma relação com o Estado, quando essa rede envolve órgãos e agências de nível municipal, estadual e federal?

  Falando do lugar de gestora de políticas de enfrentamento da violência contra mulheres por parte da SPM, Aparecida Gonçalves, presente na reunião do Consórcio realizada em Salvador em 9 de julho de 2009, destacou que o edital referente à construção de um Observatório da Lei Maria da Penha partiu da necessidade de se ter uma instrumento externo ao governo que pudesse contribuir para efetivamente consolidar essa Lei em áreas fundamentais. Ele foi pensando como uma instância de capacitação de avaliação política, a partir do campo teórico feminista, em relação a elementos de aplicabilidade da Lei. O que se esperava, de acordo com Aparecida Gonçalves, era a construção de um “olhar propositivo”, de um instrumento “para olhar o que está acontecendo, fora do vício da máquina do Estado.” Ela prosseguiu acentuando que há “gargalos na Lei Maria da Penha” que demandam esse olhar propositivo para o necessário solucionamento, tal como os impasses no judiciário.

Contudo, para as representantes das entidades que integram o OBSERVE, permanece a questão dos limites desse olhar propositivo. Na verdade, como avaliaram as Coordenações Regionais e Nacional, o OBSERVE não deve ser um órgão de consultoria jurídica em relação à aplicação da Lei, mas apontar como a lei vem sendo aplicada.  Isso inclui, por parte do OBSERVE, a construção de uma visão feminista em relação à aplicação da Lei, que possa servir de instrumento, tanto para o movimento feminista e sua intervenção em diferentes espaços políticos, como também para o Estado, por exemplo, na consolidação de uma posição em favor das mulheres no judiciário.  Daí porque o OBSERVE deve estar em sinergia, tanto com os movimentos, quanto com as com áreas de atuação da SPM. A idéia de monitorar, nesse caso, envolveria o desenvolvimento de processos contínuos de avaliação, que pudessem fornecer ferramentas para o Estado e para a sociedade civil – no caso, os movimentos feminista e de mulheres. Os Observatório, em si, não é uma ferramenta direta de intervenção na implementação da Lei, mas seus resultados devem provocar a mobilização social para uma intervenção do estado no sentido do empoderamento das mulheres, particularmente aquelas em situação de violência. 

Construindo a Metodologia de Monitoramento

O monitoramento da aplicação de uma legislação constitui experiência inédita no país, dada à inexistência de indicadores ou séries históricas de dados que permitam conhecer o desempenho das instituições no combate a violência e os resultados de medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres no país.  Destarte, para as entidades integrantes do Consórcio, a proposta do OBSERVE se destaca de outras iniciativas de monitoramento, na medida em que define, como seu “produto mais forte”, a construção de uma metodologia de monitoramento da Lei Maria da Penha, com indicadores sólidos, que venha a servir de referência para outras iniciativas de monitoramento da própria Lei e produzir e divulgar conhecimentos na área, gerar informações que subsidiem políticas públicas e ações políticas de prevenção e combate à violência contra as mulheres. Entendem, portanto, as entidades que participam do Consórcio, que a produção e sistematização de dados quantitativos e qualitativos se constituem como elementos imprescindíveis para avaliação e acompanhamento das políticas públicas.

De fato, o monitoramento de políticas implica no desenvolvimento de um conjunto de atividades visando o acompanhamento, a observação continuada e regular, a coleta e sistematização de informações através do emprego de instrumental de pesquisa adequado aos objetivos definidos, e o controle e checagem das atividades e de sua execução. Entende-se também que o monitoramento de uma política pública deve ser uma atividade-parte de sua execução, de forma que as informações produzidas e sistematizadas possam ser utilizadas para o aprimoramento das metas e alterações de execução, quando necessárias. Neste sentido, Wanderley e Blanes (2001:174) recomendam que: “Os processos de monitoramento e avaliação exigem a sistematização das informações sendo cada vez mais, imprescindível a existência de banco de dados, de sistemas de informações locais e regionais que alimentem esses processos.”

Segundo Jussara Reis Prá, representante do NIEM /UFRGS no Consórcio e nossa consultora nas pesquisas quantitativas, todo monitoramento deve partir de um diagnóstico, para o qual se torna crucial construir indicadores pertinentes. Assim, o Consórcio elegeu como tarefa prioritária para o primeiro ano de atividades do Observatório, desenvolver um processo de construção de indicadores para o monitoramento da Lei Maria da Penha, que resultou na elaboração e aplicação de dois formulários, sendo um instrumento de coleta especialmente pensado para as Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher e outro para os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Esses serviços foram escolhidos pelos papéis estratégicos que desempenham na resolução de casos de violências doméstica e familiar exercidas contra mulheres.

Os dois formulários reúnem indicadores básicos fundamentais para acompanhamento da aplicação da Lei Maria da Penha e foram elaborados coletivamente, contando com a participação de todas as coordenações regionais do Consórcio, além da colaboração de profissionais como a então juíza titular do Juizado especializado de Cuiabá, e a coordenadora das DEAMs do Rio de Janeiro, criando a oportunidade de serem incluídas sugestões de quem está na “ponta”, prestando atendimento às mulheres, ou lidando diretamente com os serviços que realizam essa tarefa.[5]

Conforme programado, no segundo semestre de 2008, os formulários foram aplicados inicialmente nas capitais sedes das cinco coordenações regionais do Observatório: Belém, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Para além da finalidade de coleta de informações, essa fase de aplicação dos instrumentos de coleta teve por objetivo explorar os limites e possibilidades de obtenção de dados quantitativos e qualitativos considerados estratégicos para o monitoramento da LMP. Nesse sentido, dentre outras questões, os formulários buscaram obter dados acerca das condições de funcionamento, dos sistemas de registro e sistematização de dados em uso, dos procedimentos adotados, das formas e níveis de articulação com os outros serviços da Rede de atendimento às mulheres em situação de violência, e dos principais problemas enfrentados no cumprimento de suas atribuições (GOMES et alii, 2009).  Com base em relatórios desse primeiro levantamento, os formulários de coleta foram reformulados e re-aplicados, em 2009, desta feita em todas as DEAMs e Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulheres, em funcionamento nas  capitais do estados e no Distrito Federal (SARDENBERG; GOMES; TAVARES, 2010).  

Nessa segunda etapa do processo de construção de indicadores e elaboração de um diagnóstico, o preenchimento dos formulários foi realizado durante entrevistas com delegadas de polícia e juízes/as titulares e/ou funcionário/as por ele/as designados. As entrevistas foram conduzidas por 26 pesquisadoras, estudantes de pós-graduação, militantes do movimento de mulheres e feministas, residentes em cada capital, especialmente selecionadas e treinadas para o desenvolvimento das tarefas. Além dos formulários, as pesquisadoras apresentaram relatos etnográficos, em seus diários de campo, consistentes de observações, impressões e comentários que ajudam a compreender não só as características do serviço e do atendimento prestado, mas também a percepção dos funcionários investigados acerca da violência contra as mulheres e a efetividade da Lei Maria da Penha. Reservamos para a próxima seção, a discussão desses primeiros resultados que, ao lado dos dados quantitativos já sistematizados (GOMES et alii, 2010), devem se constituir com ferramentas para a intervenção, tanto do Estado, quanto por parte dos movimentos sociais.

Passando a limpo os Cadernos de Campo: alguns resultados

De modo geral, as pesquisadoras participantes da pesquisa acima referida contaram com a receptividade e colaboração dos funcionários, apesar de, em alguns locais, identificarem desconfiança, descrédito e/ou desinteresse em relação à pesquisa, seus objetivos e importância. Certamente, foram encontradas pessoas comprometidas com a luta para eliminação da violência contra a mulher, que se mobilizaram para reunir os dados solicitados e não se esquivaram de responder aos questionamentos, em especial, com a recomendação expressa das delegadas e juízas que durante o processo de coleta procuraram disponibilizar os dados existentes.  

As Delegacias funcionam em instalações físicas que não atendem as especificidades para as quais foram criadas: poucas têm sede própria e o espaço é mal dividido, é comum a ausência de salas de espera individual ou setor de recepção/triagem em que a privacidade das mulheres seja respeitada; às vezes falta água para beber e as instalações sanitárias nem sempre estão limpas; em umas faltam equipamentos como computadores, mesas e cadeiras e em outras a fiação elétrica antiga oferece risco e provoca frequentemente a suspensão de energia, o que por sua vez, causa a interrupção do atendimento. Além disso, algumas Delegacias estão instaladas em locais de difícil acesso, distantes dos terminais de transporte coletivo e/ou dos bairros com maior incidência de violência contra a mulher.

De acordo com Pasinato (2010a) a inexistência de condições adequadas de trabalho parece ser resultado de um sucateamento de toda a corporação policial nos estados, o que inviabiliza a realização de um trabalho com melhor qualidade, embora isso não possa ser utilizado como justificativa para o mau atendimento prestado às mulheres, nem tampouco deva se constituir em impeditivo para que tenham acesso a seus direitos.

As pesquisadoras visitaram DEAMs cujas instalações físicas se encontram em reforma, outras que estão sendo transferidas para locais mais adequados às demandas das usuárias, assim como algumas que apresentam instalações satisfatórias, com acesso para portadores de deficiência, televisão, salas climatizadas e espaço individualizado de atendimento, o que é interpretado pelas funcionárias como sinal de melhoria e/ou qualidade do atendimento prestado às mulheres. Contudo, há indicadores, não menos importantes, a serem considerados:

O primeiro diz respeito à morosidade no atendimento[6], tanto para efetuar a denúncia como para realização de audiências. Observa-se situações em que, para obter uma simples informação, a pessoa pode ficar mais de duas horas à espera de alguém que a interrogue acerca do motivo de sua ida à DEAM. Numa das capitais, identificou-se uma prática deveras preocupante, a exigência de duas testemunhas que atestem a veracidade dos fatos relatados pela mulher, sem a qual o Boletim de Ocorrência não é registrado, além do agendamento para comparecimento das vítimas e das pessoas para testemunharem a seu favor, o que incorre na desistência de algumas mulheres, por falta de testemunha. Em suma, sob os trâmites burocráticos, oculta-se o descaso e a desimportância atribuída pelos operadores da lei à violência perpetrada contra a mulher.

Durante visita realizada a uma DEAM, por exemplo, identificou-se que uma funcionária sofrera violência doméstica durante anos, mas só denunciara o marido após os colegas de trabalho perceberem as evidências. No entanto, segundo afirma, o processo foi instaurado em julho de 2009 e a audiência com o juiz estava prevista para março de 2010, o que a levou a questionar a pesquisadora acerca da eficiência do Poder Judiciário e, em tom de revolta, verbalizar o desejo de escrever um livro intitulado “Denunciei, e daí? E agora, o que é que eu faço?”. Descrente, mostra-se contrária aos movimentos e campanhas que incentivam as mulheres a denunciarem a violência, uma vez que permanecem desprotegidas, desamparadas.

Suas colocações evidenciam que se as mudanças produzidas pela Lei Maria da Penha no campo jurídico e político são inegáveis, a mudança cultural ainda parece distante, os valores patriarcais permanecem arraigados nas mentalidades sociais, inclusive entre as (os) juízas (es), que pouco têm se esforçado para instituir, em caráter de urgência, as “medidas de prevenção da violência, de proteção e assistência integral à mulher” (QUEIROZ, 2008, p. 65), direitos conquistados e expressos na Lei, sem necessidade de um processo civil ou judicial. Isso porque os valores patriarcais remetem a questão da violência à esfera estritamente privada e naturalizam a desigualdade de poder no seio familiar, ou seja, a violência é classificada como um problema menor que pode ser resolvido em casa ou com o apoio de psicólogos ou assistentes sociais, de forma a não atrapalhar o bom andamento dos tribunais (DEBERT; GREGORI, 2008), o que se reverte na impunidade dos agressores.

De fato, uma mulher relatou à pesquisadora que o juiz verbalizou estranhamento ao atendê-la, alegando que costuma emitir sentenças para presos ou bandidos, e não “pessoas de bem” como ela e o companheiro, ou seja, a violência doméstica e familiar contra a mulher não é considerada como um problema a ser resolvido pelo Estado e, portanto, não é passível de penalização/criminalização. Assim, durante a audiência, o juiz tentou persuadi-la a desistir do processo[7], argumentando que o filho do casal ficaria traumatizado e, como não conseguiu dissuadi-la, concedeu um prazo de seis meses para que o parceiro mudasse de conduta, proibindo-o de cometer agressões físicas ou verbais no período em questão. Talvez por isso, ao conversarem entre si, as mulheres afirmem: “propaganda é uma coisa, na vida real é outra... A Maria da Penha tá aí... o cabra bate e nada...”

Cabe lembrar que as formulações histórico-culturais acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher também influenciam a opinião de operadores da lei sobre o trabalho realizado pelas delegadas e juízas, ou seja, da mesma forma que a violência ainda é tida como algo secundário, menor, as delegadas e juízas se ressentem do menosprezo e da zombaria destiladas pelas (os) colegas, para as (os) quais na DEAM o trabalho é tranquilo, não exige esforço, raciocínio rápido nem tampouco apresenta desafios, da mesma forma que nos Juizados, já que a mulher gosta de apanhar e, portanto, a criminalização não se justifica. Em suma, tanto o trabalho na DEAM como no Juizado são desvalorizados e, elevados à condição de não-trabalho e, portanto, coisa de mulher.

Ao que tudo indica a crescente feminização do judiciário não vem acompanhada de mudanças no que se refere à posição discriminatória em relação às questões de gênero. A magistratura (ainda) permanece um espaço marcado pelas desigualdades de gênero e, o Tribunal continua um espaço gendrado, masculino. Deste modo, juízas, delegadas e promotoras, para obterem aceitação entre os seus pares, podem negar sua identidade feminina e, na tentativa de conferirem racionalidade e objetividade às sentenças formuladas, assumirem uma postura mais rígida, que associam ao sexo masculino (JUNQUEIRA, 1999), mas também se deixarem seduzir pelo poder opressor, passando a se identificar com as figuras que percebiam, até então, como dominadoras, o que influencia seu desinteresse em relação aos conflitos domésticos e às reivindicações femininas (CAMPOS, 2010), e que, talvez, seja uma das causas da rotatividade de delegadas em algumas DEAMs.

Além disso, identificou-se que, em algumas capitais, a transferência de servidores do sexo masculino para as DEAMs é usada como mecanismo de punição ou perseguição política pelos gestores, o que contribui para fortalecer sua resistência no que se refere a repensar os valores machistas e sexistas que ainda regem o comportamento de muitos homens e mulheres nordestinos. Não é à toa, portanto, que uma das delegadas entrevistadas, ao se queixar com a pesquisadora sobre a agressividade e descontrole de uma mulher durante o atendimento, não se mostre constrangida quando um agente policial interfere na conversa e, verbaliza que, se essa mulher for bonita, pode encaminhar para ele, explicitando claramente suas intenções. Ao contrário, a delegada, conivente, reforça essa postura machista, ao afirmar que agentes e motoristas, diante da vulnerabilidade em que se encontram as mulheres, recorrem ao discurso de solidariedade e proteção para se aproximarem das mais jovens e bonitas e, assediá-las.

Observa-se que a ideologia patriarcal ainda atua como fonte de referência para a constituição identitária do macho nordestino, tanto para as mulheres como para os homens que trabalham nas DEAMs. Afinal, conforme ponderam Queiroz e outras autoras (2008), fazem parte da mesma estrutura social e cultural de relações e simbologias de gênero que dão origem à violência contra a mulher, isto é, as concepções e práticas dos (as) profissionais são norteadas por essa estrutura que desvaloriza as mulheres, fazendo com que elas encontrem nas DEAMs desproteção, ao invés da plena aplicação da Lei.

Últimas Anotações

Neste artigo, percorremos o histórico das políticas públicas no Brasil pertinentes ao enfrentamento da violência de gênero contra mulheres, observando que a relação entre os movimentos feministas e de mulheres e o Estado, nesse tocante, avançou bastante nos últimos trinta anos. De fato, de uma total falta de diálogo, durante o período da ditadura militar, chegou-se a uma aproximação e até mesmo colaboração, em várias instâncias, entre os movimentos e os órgãos voltados para a promoção do empoderamento de mulheres, como é o caso da Secretaria de Políticas para Mulheres – SPM, do Governo Federal. Entretanto, é preciso ressaltar, essa relação não se dá sem tensões, como tem sido o caso da relação com o OBSERVE. De fato, a SPM tem esperado uma atuação mais incisiva do OBSERVE, com intervenções pontuais em relação ao judiciário, por exemplo, enquanto as entidades do Consórcio têm deliberado por produzir um monitoramento baseado em uma metodologia construída com rigor científico, que se desenvolve em um ritmo mais lento – o ritmo das pesquisas -  do que foi originalmente pensado pela SPM. Isso tem levado a um descompasso nos entendimentos, traduzindo-se em prejuízos no andamento das ações definidas pelo Consórcio responsável para o OBSERVE.

Por outro lado, como se ressaltou anteriormente, o Estado é muito mais amplo e se de expressa em diferentes níveis, envolvendo uma séries de diferentes  órgãos e instituições que lidam, direta ou indiretamente, com ações referentes ao enfrentamento da violência contra mulheres.  Nesse tocante, compartilhamos algumas inquietações surgidas na leitura dos cadernos de campo elaborados pelas pesquisadoras da Regional Nordeste do Observe. Apesar dos inegáveis avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, e pelos esforços do Governo Federal no sentido da eficácia da sua aplicação, as anotações das pesquisadoras parecem apontar para uma repetição das situações encontradas em capitais investigadas anteriormente: a infraestrutura precária das instalações físicas das DEAMS, situadas em locais de difícil acesso e distantes de serviços públicos; o quadro reduzido e a rotatividade dos servidores, que comprometem a qualidade dos serviços, embora esses não sejam os indicadores mais preocupantes.

Identifica-se que o burocratismo imprime morosidade ao atendimento, contribuindo para instalar entre as mulheres em situação de violência um sentimento de descrença em relação à aplicabilidade da Lei e a certeza de impunidade dos agressores, que é reforçada pela falta de compreensão dos servidores acerca do caráter complexo que envolve a violência contra a mulher e a ausência de uma leitura mais aprofundada sobre seus determinantes.

Constata-se também que a ideologia patriarcal (ainda) presente no imaginário dos (as) servidores (as) torna as mulheres que se dirigem às delegacias, em busca de proteção, alvo do assédio sexual de agentes policiais e motoristas, que lhes impõem outra face da violência, com a conivência de algumas delegadas, as quais usam o machismo como justificativa e, ao desconhecerem o caráter estrutural da violência, findam por naturalizar tal comportamento.

A violência contra a mulher, apesar dos avanços legais, ainda se encontra circunscrita ao domínio privado e, por isso, é considerada uma questão secundária e sem importância pelos operadores da lei, que menosprezam o trabalho realizado pelas delegadas e juízas que atuam com conflitos domésticos. Embora não desconheçam a necessidade de intervenção pública diante do crescimento do número de mulheres em situação de violência, ainda entendem que o atendimento não requer uma sentença judicial ou penalização, e sim medidas de aconselhamento e conciliação, em prol da preservação da instituição familiar, o que se configura como não-trabalho e sim atenção, exercício da escuta e orientação, coisa de mulher e não de homem.

A capacitação dos profissionais que atuam nos serviços é, sem dúvida, fundamental para modificar as práticas no enfrentamento da violência baseada no gênero. Os Planos Nacionais de Direitos das Mulheres e o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres recomendam cursos de capacitação para os profissionais que trabalham em serviços especializados e não especializados no atendimento a mulheres em situação de violência, inclusive no próprio Pacto estão previstos recursos significativos para a qualificação desses profissionais. Entretanto, as DEAMs, assim como os Juizados, não mantêm dados atualizados acerca dos seus funcionários, especialmente sobre a qualificação e capacitação, o que denota um desinteresse na formação de equipes capazes de compreender e manter atitudes e comportamentos em defesa da igualdade de gênero na sociedade e, por conseguinte, comprometidas com a plena aplicação da Lei.

Cabe ressaltar uma última inquietação: a retração do Estado no tocante à área social, em consonância com a orientação neoliberal, tem comprometido a qualidade e quantidade de programas, projetos e serviços, assim como redirecionado os investimentos públicos, num contexto marcado pela restrição dos gastos sociais, em que a conjunção do discurso burguês com o patriarcal converge para o distanciamento entre os direitos conquistados e sua efetividade, o que pode concorrer para reforçar o descaso em relação às mulheres em situação de violência.

Este artigo trouxe um breve panorama acerca das situações enfrentadas pelas mulheres que recorrem aos serviços de atendimento nas DEAMs e nos Juizados das capitais nordestinas. Certamente, ao passarmos a limpo as anotações das demais capitais e do Distrito Federal, agregaremos novas informações e identificaremos outras situações. Do mesmo modo, a sistematização de informações e estatísticas sobre o funcionamento das instituições e serviços investigados obtidas por meio da aplicação de formulários nas Delegacias e Juizados nas 26 capitais e no Distrito Federal, assim como a realização de estudos de caso nas 5 capitais que sediam o Observe[8], certamente originaram outras informações, oferecendo um maior conhecimento acerca dos contextos locais de aplicação da Lei Maria da Penha, bem como dos serviços que atendem as mulheres e os obstáculos que enfrentam para a aplicação da Lei Maria da Penha, inclusive as dificuldades de articulação entre DEAMS e Juizados.

A sistematização dos dados nos possibilitou conhecer as soluções propostas por operadores do Direito e servidores para a realização dos trabalhos, desvendar os possíveis entraves para que a aplicação da Lei Maria da Penha ocorra de forma integral e, mapear iniciativas exitosas na aplicação da Lei, contribuindo com recomendações para a melhoria dos serviços em todo o país.  Em suma, esperamos que os resultados parciais discutidos neste artigo instiguem o (a) leitor (a) a conhecer os resultados finais da pesquisa, em âmbito nacional, sobre as Condições de Aplicação da Lei Maria da Penha nas DEAMS e nos Juizados/Varas de Violência Doméstica e Familiar. Por essa razão, recomendamos que, para continuar a monitorar a aplicação da Lei Maria da Penha: Observe!

Referências

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  nota biográfica:

MÁRCIA SANTANA TAVARES:  Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe (1982), Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (2004) e Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2008). Atualmente é professora adjunto I do Curso de Serviço Social da Universidade Federal da Bahia; professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares Mulheres, Gênero e Feminismo - PPGNEIM/UFBA; colaboradora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador - UCSAL, membro do Grupo Observatório pela Aplicação da Lei Maria da Penha - OBSERVE/NEIM/UFBA e Vice-Coordenadora Nacional de Pesquisa do Observatório Lei Maria da Penha - Observe. Desenvolve estudos voltados para relações de gênero, práticas e representações sociais, família; gestão, monitoramento e avaliação de políticas públicas, mais especificamente, a política de gênero, de enfrentamento à violência contra a mulher e de assistência social.


 

CECILIA M. B. SARDENBERG: Feminista com Graduação  em Antropologia Cultural,  Illinois State University e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social, da Boston University. Professora Associada II no Depto. de Antropologia e no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo-PPG-NEIM da Universidade Federal da Bahia.  Fundadora do NEIM-Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, Coordenadora Nacional do OBSERVE - Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha; Coordenadora (2006/2011) do Grupo da América Latina do Consórcio do Programa de Pesquisas (Research Programme Consortium - RPC) sobre o Empoderamento das Mulheres (Pathways of Women s Empowerment), financiado pelo Department for International Development - DFID da Grã- Bretanha.Trabalha no campo do estudos feministas nas temáticas: feminismo e políticas públicas, gênero e desenvolvimento, gênero e corpo.


 

MÁRCIA QUEIROZ DE CARVALHO GOMES: Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2008), Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2001), graduada em Terapia Ocupacional pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (1980). Atualmente é professora Adjunta da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência nas áreas de Terapia Ocupacional, Sociologia e Antropologia. Atuando principalmente nos seguintes temas: terapia ocupacional, gerontologia, relações intergeracionais e de gênero, políticas públicas e envelhecimento, violência contra a mulher.


 

[1] Para maior detalhamento acerca da luta dos movimentos de feministas e de mulheres e sua repercussão sob a forma da criação de leis e serviços específicos, ver, por exemplo, Soares (1994); Rago (2003); Costa (2006); Santos (2008); CFEMEA (2009); Machado (2010). 

[2] Segundo Santos (2008), esse moto apareceu, inicialmente, em 1980, nos muros de Belo Horizonte em resposta ao assassinato de duas mulheres por seus maridos.

[3] Os SOS Mulher foram criados primeiro na cidade de São Paulo, estendendo-se, depois, para Campanas e Rio de Janeiro. Já em Belo Horizonte surgiu o Centro de Defesa da Mulher, com as mesmas perspectivas.

[4] A II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres – II CNPM, realizada em agosto de 2007, ao validar os princípios e pressupostos da Política Nacional para as Mulheres, assim como as diretrizes e prioridades indicadas pela I CNPM, ocorrida em 2004, aprovou as principais linhas do II PNPM.

[5] Vale destacar que a consolidação, final, dos indicadores no formato dos dois formulários – um dirigido às DEAMs e outro aos Juizados - foi desenvolvida pela Profa. Dra. Jussara Prá, do NIEM/UFRGS e pela Dra. Leila Barsted, do CEPIA, respectivamente, graças às suas reconhecidas experiências e conhecimentos na temática em questão.

[6] A morosidade no atendimento é também apontada por outras pesquisas como uma das queixas feitas pelas mulheres em situação de violência que recorrem às DEAMs. Ver, por exemplo, Pasinato (2009; 2010a); Sardenberg et al (2010).

[7] O artigo 16 da Lei Maria da Penha prevê que a renúncia a uma queixa somente é factível para determinados crimes perante o juiz, em audiência especialmente designada para este fim. Com esta medida, a Lei reforça a impossibilidade de existir mediação de conflitos ou conciliação na esfera policial e judicial (PASINATO, 2010a), o que nos remete a um aspecto apontado por Machado (2010), ao revisitar um texto que escreveu em 2001, quando a Lei 9099/95 ainda se encontrava em vigência: a imprescindibilidade revisão no modus operandi do judiciário, tanto naquele período como atualmente. Ver, também, as críticas feitas por Debert (2006) às funções assistenciais e conciliatórias exercidas pelas Delegacias das Mulheres – DDMs, [apesar de a mulher ser considerada “sujeito de direitos”], bem como ao modelo de justiça conciliatória adotado pelos Juizados Especiais Criminais – JECrims, que favorecia a judicialização da família e a despolitização da justiça, ou seja, a conciliação era orquestrada em nome da defesa da família. Observa-se, portanto, que o redesenho das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres, bem como as mudanças institucionais e implantação dos Juizados Especiais, pelo menos no Nordeste, até o presente momento, não conseguiram abolir as velhas práticas de cunho conciliatório.

[8] Referimo-nos aos relatórios finais das seguintes pesquisas: Condições de Aplicação da Lei Maria da Penha nas DEAMS e nos Juizados/Varas de Violência Doméstica e Familiar nas capitais (PASINATO, 2010a) e Identificando entraves na articulação dos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em cinco capitais (PASINATO, 2010b). O Relatório Final de ambas as pesquisas está disponível no site do OBSERVE: www.observe.ufba.br.

 

márcia santana tavares

cecília sardenberg

márcia queiroz

 

 

labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012