labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

Loucura e cultura: uma escuta das relações de gênero nas falas de pacientes psiquiatrizados

Valeska Zanello

Bruna Bukowitz

 

Resumo

O presente trabalho teve como escopo assinalar como os valores e estereótipos de gênero, presentes em nossa cultura, aparecem evidentes na “quebra psíquica”, isto é, como os papéis estabelecidos culturalmente para o sujeito do sexo feminino ou masculino aparecem na experiência dos ditos “loucos” e “loucas”. A partir da análise quanti-qualitativa das falas de pacientes psiquiatrizados, os resultados apontam para a prevalência de queixas relacionais entre as mulheres e, por outro lado, para a valorização da virilidade entre os homens. Nas queixas relacionais das mulheres, o objeto de descontentamento é, na maior parte das vezes, a família e a vida amorosa. Já no discurso viril dos homens destacaram-se os temas da sexualidade ativa, do trabalho, do dinheiro e da fama.

Palavras chave: relações de gênero; loucura; quebra psíquica; cultura

Abstract

The scope of the present work was to point out how the gender values and stereotypes socially established in our culture are evidenced in the "psychic loss", that is, how the culturally established roles for the male or female individuals appear in the experience of the so-called “insane” people. From the quanti-qualitative analysis of the speeches of psychiatrized patients, the results point to the prevalence of relationship-related complaints among the women and, on the other hand, to the valorization of the virility among the men. In the relationship-related complaints of the women, the object of complaint is, in most cases, family and love life. In the male virility speech, active sexuality, work, money and fame were the most expressive topics.

Keywords: gender relations; insanity; psychic loss; culture

 

            A loucura, comumente entendida como “comportamento desviante, produto de desequilíbrios psíquicos e mentais” (Cherubini, 1997:2), tem sua definição permeada por aspectos sociais e culturais que se transformam ao longo das épocas. Nesse sentido, cada sociedade prescreve conceitos de “normalidade” e, consequentemente, designa como “anormal” aquilo que está fora da norma, que foge ao padrão. Historicamente, os “loucos” foram não apenas interpretados, mas definidos de diferentes maneiras (Foucault, 1982). Ou seja, a própria definição do que venha a ser loucura se modificou. Além disso, a experiência da loucura no mundo ocidental, antes do século XIX, mostrou-se bastante polimorfa, a cada momento histórico (Foucault, 1975), antes de ser confiscada no conceito de “doença mental”.

            Na Antiguidade Clássica, a loucura foi vista, dentre outros enfoques, sob o viés de um modelo mítico-religioso, segundo o qual o desvario seria um castigo divino deferido ao sujeito em função de ter cometido uma afronta à divindade (ultrapassagem do métron). Pessotti (1994) ressalta a posição ativa do indivíduo “louco”, aqui responsável por sua condição.

            Na Idade Média, a causa da loucura foi, sobretudo, atrelada à possessão demoníaca. Assim, o tratamento para os “endemoniados” foi atribuído aos padres, por meio do exorcismo. O catolicismo perseguiu os hereges (sujeitos de condutas desviantes) e queimou na fogueira os acometidos pela bruxaria.

            A partir do século XVII a racionalidade adquiriu paulatinamente maior credibilidade, havendo uma desvalorização das explicações míticas e religiosas. Na tradição ocidental, que valoriza a razão, a loucura foi desqualificada em sua capacidade de dizer a verdade (Machado, 2009).  O louco, banido da sociedade, foi confinado em hospitais gerais, juntamente com outros sujeitos também marginalizados, tais como inválidos pobres, portadores de doenças venéreas, libertinos, etc. (Foucault, 1975). O critério de asilamento, segundo Foucault (1975) seria uma “alteração” em relação à moral. Segundo ele, estas casas não tinham “vocação médica alguma; não se é admitido aí para ser tratado, mas porque não se pode ou não se deve fazer parte da sociedade” (Foucault, 1975:79).

          Somente no século XIX, período de criação da clínica psiquiátrica, é que o louco atingiu sua especificidade enquanto sujeito/objeto a ser estudado e tratado. Foi separado de outros grupos marginais e excluído em asilos específicos. É o início da apropriação da loucura pela medicina, tal como conhecemos ainda hoje em dia. Nesse sentido, Pinel foi um dos pioneiros na compreensão da loucura enquanto “doença” ou “alienação mental” e seu respectivo tratamento. O método de Pinel previa o isolamento do paciente da sociedade e do convívio familiar a fim de garantir uma observação sistemática e prolongada do comportamento do “alienado”, visando também uma reeducação moral.

          Dá-se início aos grandes debates acerca da classificação nosológica dos tipos de alienação. O louco, transformado em paciente, separado agora em sua especificidade (“alienação mental”), passa a ser tratado como objeto de estudo, havendo uma importação da lógica semiológica indicial para o campo da saúde mental (Martins, 2003; Zanello, inédito). Nesse momento histórico, a loucura passa a ser transformada em “doença mental”. Uma das grandes contribuições de Foucault (1982), em História da loucura, é justamente apontar como a “doença mental” é uma entidade produzida e não uma verdade descoberta. O papel do médico imbuiu-se mais de um controle ético do que de uma intervenção terapêutica: “o louco tinha que ser vigiado nos seus gestos, rebaixado nas suas pretensões, contradito no seu delírio, ridicularizado no seu erro” (Foucault, 1975:82). Trata-se de um contexto repressivo e moral. Passa-se a falar sobre o louco, mas do louco é retirado o poder e a vez de falar sobre si mesmo.

        De maneira geral, o modelo manicomial, iniciado através da criação dos asilos específicos para “alienados mentais”, caracterizou-se, cada vez mais, por maus-tratos aos pacientes, envolvendo eletro-choque, banhos frios, amarração, falta de cuidados com higiene e alimentação, lobotomia etc. Esses maus tratos constituíam-se em “punições” para a reeducação moral do paciente: há uma “confusão no interior de um regime moral único cujas técnicas tinham algumas um caráter de precaução social e outras um caráter de estratégia médica” (Foucault, 1975:83).

         As descobertas da neurociência e o desenvolvimento da indústria farmacêutica, no século XX, reforçaram ainda mais a concepção da loucura como “doença mental”[1]. A “mordaça química” permitiu a saída de vários “loucos” do asilo, garantindo, no entanto, a permanência do controle médico, só que desta vez, mais invisibilizado.  O louco é novamente silenciado e seus sintomas “anormais” suprimidos. A percepção da loucura tornou-se um reconhecimento da “doença” e houve um transbordamento da mesma para o cotidiano das pessoas. Firmou-se uma crescente medicalização da existência, constituindo-se uma nova forma de controle social, presente até os dias atuais.

      A nosso ver, a representação da loucura como “doença mental” não favorece o sujeito em sofrimento psíquico grave e nem proporciona uma escuta acerca de um saber que a voz do louco pode portar. Szasz (1980) aponta para a desqualificação das necessidades, aspirações e valores humanos conflitantes que a idéia de “doença mental” promove ao negligenciar os aspectos da subjetividade. Para o autor, o uso deste conceito pela psiquiatria não realiza a necessária distinção entre problemas existenciais e neurológicos, restringindo a interpretação das causas da “doença mental” ao campo fisiológico, enquanto doença do cérebro (corporal).

       Críticas como esta, bem como ao tratamento desumano nos manicômios, levaram ao aparecimento de protestos em diversos países, no século XX, e ao surgimento de iniciativas reformistas no campo da saúde mental que culminaram com o movimento de luta antimanicomial.

            No Brasil, a Reforma Psiquiátrica surgiu mais concretamente apenas no final da década de 1970, em protesto ao subsistema nacional de saúde mental e à estrutura do saber e das instituições psiquiátricas clássicas (Tenório, 2002). A Reforma trouxe em seu bojo a proposta de reformulação do modelo assistencial em saúde mental, apontando a necessidade de reorganização dos serviços.

            Retirar o louco do asilo e restabelecer seu convívio na sociedade é apenas uma pequena parte dessa proposta. É necessário principalmente, a nosso ver, ouvir esta ou este considerada/o louca/o. Restituir as suas vozes. E mais, escutar nestas falas as especificidades da nossa cultura. Como nos diz Foucault (1975:71), a doença só “tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal”. Trata-se, portanto, de saber como “nossa sociedade exprime-se nas formas mórbidas nas quais recusa-se a reconhecer-se” (Foucault, 1975:74).

          Desta forma, ao questionar uma concepção reducionista e biologizante (discurso biomédico) no âmbito da saúde mental, acreditamos que a análise da noção de gênero abre novo campo de reflexões, o qual destaca a participação de fatores sócio-culturais na experiência do sofrimento psíquico. Em outras palavras, a cultura, em seu caráter constitutivo, privilegia caminhos de subjetivação, nos quais as relações de gênero são um fator importante. Isto é, aquilo que a sociedade estabelece e exige de um “homem” ou de uma “mulher” interfere na experiência subjetiva de cada indivíduo e, portanto, tem influência caso esse sujeito venha a “quebrar” [2] em sofrimento psíquico grave.

            A idéia de valores culturais permeando o sofrimento psíquico grave ganha consistência nos estudos epidemiológicos que apontam variações de prevalência de certos “transtornos” na população, com fortes evidências de diferenças na distribuição de tais transtornos quando em relação a homens ou mulheres. Além disso, os próprios sintomas se transformam, a depender dos valores da época e da sociedade. Tal caráter plástico dos sintomas foi denominado por Van den Berg como “metablética” (Van den Berg, 1965).

             Dados epidemiológicos referentes aos “transtornos mentais”[3] apontam para uma maior ocorrência de depressão e transtornos de ansiedade entre as mulheres e, por outro lado, uma prevalência do uso de substâncias psicoativas e comportamentos anti-sociais entre os homens (Andrade, Viana & Silveira, 2006; Rabasquinho & Pereira, 2007; Santos, 2009; Zanello, 2010).

              Atualmente, a interpretação desses dados é realizada por duas grandes correntes norteadoras que levam a entendimentos essencialmente diferenciados. De um lado, a corrente biológica, a qual foi fortalecida pelo abarcamento da loucura pela medicina e pelo despontamento da indústria farmacêutica. Nesse viés, há uma ênfase nos sintomas, na doença, em detrimento da subjetividade, desqualificando as condições existenciais e materiais dos sujeitos em sofrimento psíquico (Zanello, 2010).

               Quanto às mulheres, por exemplo, os transtornos de humor e ansiedade freqüentemente mais associados a elas são explicados em função de seu ciclo reprodutivo, da existência de hormônios no corpo feminino que exercem influência sobre seu humor (Andrade, Viana & Silveira, 2006). Desta forma, a perspectiva biologizante reduz o ser da mulher ao corpo.

               Uma segunda corrente, privilegia uma leitura sócio-cultural, mostrando indicadores psicossociais que influenciam a expressão da saúde mental. Assim, a perspectiva sócio-histórica busca explicar a loucura, enquanto sintoma da nossa cultura, enfatizando fatores de risco no campo social que interferem na “quebra” psíquica, entre eles o gênero (desigualdades nas relações de gênero). “Nessa perspectiva, mais do que conseqüência de um corpo desregulado, o sofrimento psíquico seria compreendido como resultado de papéis sociais, de relações de gênero e da pressão disso sobre o sujeito” (Zanello, 2010:310).

                Em uma pesquisa realizada em Florianópolis, por exemplo, Maluf (2009) aponta a partir das narrativas das “usuárias” dos serviços públicos de saúde mental, o quanto as experiências de aflição, sofrimento, etc. vividas pelas mulheres em sofrimento psíquico grave localizavam-se antes nas trajetórias e nos contextos sociais de seus cotidianos. Em seus relatos, as mulheres pesquisadas enfatizaram os conflitos familiares, o cotidiano doméstico e a relação com o marido e os filhos como principal fonte de tensão e sofrimento psíquico. Dessa forma, revelaram uma experiência não abordada pelo discurso das políticas públicas de saúde mental e de saúde da mulher, e pelo próprio discurso dos profissionais da área de saúde que justificavam estas tensões segundo uma concepção biomédica, pautada no ciclo reprodutivo da mulher (adolescência, gravidez, parto, puerpério e menopausa) ou, simplesmente, no biológico (Maluf, 2009).

                Ludemir (2000), por seu turno, sublinha fatores de risco relacionados aos transtornos mentais comuns (quadros de depressão e ansiedade), cuja população afetada é, em sua prevalência, feminina. Dentre tais fatores de risco estariam: trabalho informal e obrigações familiares (responsabilidades de esposa, mãe, dona de casa). Isto é, a invisibilidade do trabalho, a baixa remuneração e as “obrigações”, assumidas como dever moral, de cuidados com os familiares. Tais ideais são construções cultural e historicamente situadas e dizem respeito às relações de gênero.

                 Reler o campo da saúde mental sob a ótica das relações de gênero pressupõe, portanto, uma desconfiança acerca do caráter histórico e ideológico do abarcamento da loucura pelo discurso psiquiátrico que seleciona certos “dados”, dando-lhes um caráter a-histórico e “natural” (biológico). Como aponta Casares (2008): “(...) no reconocer ni denunciar el androcentrismo que caraceriza uma disciplina forma parte también de um proyeto ideológico y político” (Casares, 2008:32).

                No presente artigo, tratou-se, portanto, de pensar a loucura sob um prisma psicossocial, enquanto sofrimento psíquico grave (Costa, 2010)[4], possibilidade páthica, constituída nas relações e no contexto social. Ao realizarmos esta leitura, aproximamos os “loucos” de todos os “normais” que também sofrem psiquicamente, preenchendo o “abismo” apregoado em termos como “transtorno mental”, que segrega da sociedade de “sãos” os “transtornados”. Trata-se assim de apontar uma continuidade da experiência humana e o quanto o sofrimento psíquico grave coloca em evidência, numa espécie de lupa, certos aspectos que aparecem no sofrimento banal, do cotidiano de cada um de nós e na prática da clínica dita dos “normóticos”. Este é um ensinamento freudiano: o “anormal” nos ensina sobre o “normal” e vice versa (Freud, 1905).

                  O que a “quebra psíquica” nos revela acerca das relações e dos papéis de gênero presentes no cotidiano de cada um de nós? É o que visou pesquisar o presente estudo. De que maneira os papéis sociais constitutivos dos gêneros aparecem no sofrimento dos ditos “loucos” e “loucas”, pacientes psiquiatrizados? E como o entendimento desse fenômeno pode contribuir para uma forma de intervenção mais adequada? Antes de adentrarmos nas especificidades da pesquisa realizada, faz-se necessário esclarecer o próprio conceito de gênero aqui adotado.

Relações de gênero

                  O conceito de gênero surgiu a partir do movimento feminista como “importante categoria de descrição e análise de interações sociais” (Couto-Oliveira, 2007:7), contrapondo-se ao determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual” (Scott, 1990) que reduz a análise dos sujeitos às diferenças “do corpo” (genitália). Segundo Lima (2008), o gênero é marcado pelo sistema cultural patriarcal das sociedades ocidentais onde a mulher é historicamente colocada à margem. “Gênero não pode ser descontextualizado do seu chão patriarcal, gênero trata de uma relação de hierarquia onde o feminino está constantemente subjugado ao masculino” (Lima, 2008:1).

                 Apesar da noção de gênero ter surgido a partir dos estudos feministas que focavam, sobretudo, os papéis sociais e a submissão das mulheres, atualmente, enfatiza-se o conceito de gênero como categoria relacional, isto é, ressalta-se a impossibilidade de estudar mulheres e homens separadamente. Isso porque os papéis de gênero e as categorias a eles relacionadas são complementares, superpostas, pertencendo a um mesmo modo de funcionamento social. Neste caso, a um modo binário de compreensão dos seres humanos e à heterossexualidade compulsória. Em outras palavras, a desconstrução da “essência” feminina leva necessariamente a uma desconstrução da essência “masculina”, e vice-versa, bem como à possibilidade de surgimento de novas categorias de gênero, tais como os transexuais, os travestis e os transgêneros. É por isso que, atualmente, estudos de gênero e feministas se referem a esta categoria como “relações de gênero”.

                 As reflexões acerca deste conceito foram historicamente produzidas a partir da contestação de interesses sociais e, principalmente, políticos e econômicos que designaram os papéis sociais e padrões comportamentais a serem sustentados por mulheres e por homens. Nesse sentido, Santos (2009) aponta que aquilo que parece se tratar da experiência subjetiva de cada sujeito enquanto homem e enquanto mulher encontra-se na realidade submetido a valores e normas conformadas pela sociedade e pelo momento histórico no qual se inserem. Ou como nos diz Casares (2008), ao se referir aos papéis, valores e estereótipos de gênero: “(...) los elementos simbólicos rigen también nuestras vidas, aunque no siempre seamos conscientes de su alcance (...)” (Casares, 2008:232).

                Casares (2008) define da seguinte maneira os papéis de gênero: “son las actividades, comportamientos, y tareas o trabajos que cada cultura asigna a cada sexo” (Casares, 2008:50). Segundo a autora, formam habilidades sociais e formas de atuar “apropriadas” para um membro daquela sociedade, dependendo do sexo em que é classificado. Em geral, são constituídos por valores sociais, que se mostram evidentes nos estereótipos de gênero. Estes últimos apresentam-se como armas eficazes contra a equiparação das pessoas (Casares, 2008:52): são “um conjunto de ideas simples, pero fuertemente arraigadas em la conciencia que escapan al control de la razón”. Possuem força psicológica e criam realidade material! Se fazem presentes, por exemplo, na remuneração desigual de pessoas com sexos diferentes, quando desempenham a mesma tarefa. Os estereótipos sustentam a desigualdade e relação de poder hierárquica entre os gêneros. Além disso, reafirmam os valores sociais e constituem espaço privilegiado na formação identitária das pessoas de uma sociedade: pessoas que não se adaptam aos estereótipos de gênero são consideradas anômalas, marginalizadas. Assim, afirma Casares (2008): “la adecuacion personal a los estereótipos responde, em gran medida, a la necessidad de las personas de sentirse socialmente integradas” (Casares, 2008:53). Os estereótipos de gênero seriam assim categorias artificiais e culturais que exageram as diferenças físicas, tornando-as simbólicas, adquirindo uma dimensão condensadora também das emoções. Isto é, no caso dos estereótipos de gênero, “(...) la simbolización de los sexos se convierte casi em um pensamento normativo lleno de valores sobre ‘lo que debe ser’, ocultando por completo ‘lo que es’ y ‘lo que podria ser’” (Casares, 2008:231).

                  Couto-Oliveira (2007) ressalta que o estabelecimento dos padrões de comportamento, bem como o exercício dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens, implica em experiências de mundo e realidades distintas para os dois sexos, influenciando sobre os diferentes aspectos da vida, individual e socialmente, o que inclui o desenvolvimento e o funcionamento físico e psicológico. 

                 Dentre os estereótipos culturalmente atribuídos às mulheres e que tivemos a oportunidade de levantar em outra pesquisa, anteriormente realizada (Zanello & Gomes, 2010), destacaram-se: a contenção/renúncia sexual, os traços de caráter relacionais (cuidar do outro, dedicar-se a ele) e o ideal de beleza.

                Em relação à pudicícia feminina, nos diz Perrot (2003): “A mulher ‘tal como deve ser’, principalmente a jovem, casadoura, deve mostrar comedimentos nos gestos, nos olhares, na expressão das emoções, as quais não deixará transparecer senão com plena consciência” (Perrot, 2003:15). A Psiquiatria, como vertente da medicina no século XIX, contribuiu bastante na afirmação deste estereótipo, dando-lhe força “científica”, consolidando-se como higienização burguesa dos comportamentos.

As mulheres que se conservavam no seio da sociedade não eram menos vigiadas pelo olhar psiquiátrico, mas sofriam vigilância distinta e penalizadora (....). As normas culturais da sociedade criaram uma imagem onde as mulheres eram idealizadas como anjos do lar guardiãs da virtude. Moralistas e médicos formulavam as normas e o seu destino anatômico, considerando-as especialmente adequadas para a maternidade e os deveres domésticos (Garcia, 1995:57).

              A afirmação da contenção sexual por parte das mulheres relaciona-se também à afirmação da maternidade e a uma suposta “essência” feminina (“natural”) do cuidado com o outro. Segundo Bordo (1997), a “feminilidade”, construída na lógica androcêntrica, coloca a mulher como principal nutridora emocional e física dos demais: “As regras dessa construção de feminidade exigem que as mulheres aprendam como alimentar outras pessoas, não a si próprias, e que considerem como voraz e excessivo qualquer desejo de auto-alimentação e cuidado consigo mesmas” (Bordo, 1997:25). Isto é, exige-se das mulheres que desenvolvam uma espécie de economia emocional totalmente voltada para os outros.

               Quanto ao ideal de beleza relacionado à mulher, adquire o corpo, neste momento histórico, estatuto de elemento central a ser cuidado, “sarado”[5], sobretudo no que tange à gordura ou sobrepeso.  Segundo Novaes (2006), a beleza é um valor e uma moeda de troca, sendo capital na afirmação de uma mulher enquanto tal: “A imagem da mulher na cultura confunde-se com a da beleza. Este é um dos pontos mais enfatizados no discurso sobre a mulher: ela pode ser bonita, deve ser bonita, do contrário não será totalmente mulher” (Novaes, 2006:85). Segundo a autora, o que é normativo para a mulher, no momento e no contexto social atual, não é apenas a imposição de modelos de beleza, nem que ela deve ser bela, mas antes que ela pode ser bela. Isto é, caso a mulher não seja, é sua escolha e a mesma será julgada por um viés moral (“desleixo”, baixa auto-estima, etc). A beleza deixou assim de ser um dever estético para ser um dever moral feminino. Trata-se da afirmação das tecnologias do self, tão bem apontadas por Foucault (1977:136): “a eficácia das práticas disciplinares é maior quando não são vividas como demandas externas ao sujeito, mas como comportamentos auto-gerados e auto-regulados”. Isto é, o ideal de beleza, como dever moral, passou a constituir subjetivamente as mulheres levando estas a pensarem que a busca da beleza é uma opção pessoal.

               Estes três estereótipos, como teremos a oportunidade de mostrar mais adiante, fazem-se presentes também na experiência de sofrimento psíquico grave e aparecem tanto nas queixas femininas quanto nas formas defensivas ao sofrimento.

            Igualmente afetados por elementos sociais são as construções dos estereótipos masculinos. De acordo com Azize e Araújo (2003), a representação de homem viu-se, em nossa cultura, cada vez mais aderida à representação de virilidade. Faz-se mister, portanto, apontar o caráter social e histórico da construção da virilidade masculina e o que é considerado viril enquanto tal. Segundo Azize e Araújo (2003), o que conta, nesse caso, é a excelência de desempenho: “Essa excelência de desempenho esperada de todo ‘homem de verdade’ possui ainda uma especificidade: não se trata apenas de atingir um padrão viril assumido como dominante, mas de parecer, transparecer, falar, demonstrar esta situação” (Azize & Araújo, 2003:41). O desempenho aqui se trata não apenas da potência sexual, mas também laboral (Zanello & Gomes, 2010). Ou, nas palavras de Casares (2008), dos estereótipos do varão prenhador e provedor.

            Badinter (1992) aponta, nesse sentido, o quanto ser “homem” é uma construção que ocorre no imperativo. Para ela, a virilidade tem que ser “fabricada” e provada: “Dever, provas, competições, essas palavras dizem que há uma verdadeira tarefa a realizar para vir a ser um homem (...). O homem é então uma espécie de artefato, e como tal ele corre sempre o risco de falhar. Defeito de fabricação, falha da máquina viril, em suma um homem fracassado” (Badinter, 1992:15). Esta virilidade exigida dos homens para que cumpram ou realizem sua “essência” masculina é motivadora de tensões e conflitos permanentes, pois a mesma deve ser afirmada em toda e qualquer circunstância. Os homens acabariam assim por serem oprimidos por sua própria opressão.

              Welzer-Lang (2004) sublinha o drama desta virilidade, quando ela é colocada em xeque em situações sociais as mais diversas, tais como o desemprego; a andropausa social representada pela aposentadoria; ou, pode-se pensar, no caso do objeto de nosso estudo, estar em um estado de impotência “forçada” devido à internação psiquiátrica. 

                Para ambos os sexos, portanto, há expectativas e cobranças sociais. Mais do que externos, esses valores são constitutivos dos percursos de subjetivação e se fazem presentes na experiência de ser um “homem” ou uma “mulher”, estabelecendo parâmetros pelos quais o sujeito se vivencia e se avalia.

              Ao qualificar as relações de gênero como aspectos dinâmicos constitutivos dos sujeitos, faz-se mister pensarmos no processo de subjetivação e de como a quebra psíquica revela conteúdos de gênero privilegiados em nossa cultura. O presente estudo tem assim como escopo fazer uma análise quanti-qualitativa dos discursos de pacientes psiquiatrizados, sob o foco das relações de gênero. Objetivou-se mostrar o quanto a fala destes pacientes é plena de questões profundamente marcadas pelas categorias de gênero.

Metodologia

                Para o presente trabalho foram realizadas 34 visitas ao setor de internação de um hospital psiquiátrico público de uma capital brasileira, durante os meses de fevereiro a junho de 2010. As visitas ocorreram três vezes por semana, no período matutino, com duração de 4 horas por dia. O público alvo foram os pacientes internos do hospital, em geral, avaliados em situação de surto ou crise (tentativa de suicídio, crise epiléptica). Durante estas visitas foram realizadas 22 entrevistas abertas, além de conversas informais no pátio, com 10 pacientes do sexo masculino e 12 do sexo feminino. As entrevistas transcorreram em uma sala da instituição com a presença do(a) paciente e, oportunamente, dois ou três entrevistadores estudantes de psicologia. Entrevistas e conversas informais foram anotadas para estudo dos diálogos. Procedeu-se a uma análise interpretativa das falas dos pacientes a partir de uma leitura qualitativa dos dados referentes às relações de gênero.

                Na análise qualitativa, realizou-se uma classificação dos temas (eixos temáticos) que apareceram nas falas dos pacientes, durante a entrevista, utilizando-se para isto da análise de conteúdo (Bardin, 1977). Depois disso, foi quantificada a freqüência dos temas que emergiram no total das falas dos pacientes, de acordo com o sexo do sujeito entrevistado. Todos os dados que pudessem identificar o hospital ou o sujeito entrevistado foram devidamente retirados dos fragmentos a serem utilizados nos resultados. A intenção, neste caso, foi resguardar o sigilo e a ética.

Resultados e discussão

                 A leitura quanti-qualitativa das falas dos(as) pacientes apontou para uma prevalência de queixas relacionais (77%) entre as mulheres e para um discurso marcado pela virilidade (71%) entre os homens. Porém, o discurso relacionado à virilidade também apareceu nas falas das mulheres (23%), da mesma maneira que as queixas relacionais emergiram nas entrevistas com os homens (29%). A diferença entre as freqüência nas falas de mulheres e homens é, no entanto, bastante expressiva, como podemos ver no gráfico abaixo:

                  A prevalência de queixas relacionais no discurso das mulheres e da virilidade nos discursos dos homens parece apontar para diferentes posições subjetivas na experiência da “loucura”. As mulheres tendem a ficar numa posição de queixume e ressentimento, enquanto os homens se defendem numa posição “reativa”, na qual o próprio funcionamento narcísico aparece inflacionado.

                  Realizada a análise de conteúdo, chegou-se às seguintes categorias no que se refere às queixas relacionais das mulheres: familiares (40%), amorosas (27%) e outros (10%). Dentre as queixas familiares, encontraram-se as seguintes subcategorias: paternas (15%), maternas (10%), filiais (15%). As queixas de violência foram classificadas dentro das queixas relacionais e apareceram em 41% das falas das entrevistadas. Já no eixo temático “virilidade”, foram encontradas as seguintes categorias nos discursos das mulheres: capacidade de cuidar (12%), beleza (7%), auto-enaltecimento (2%) e sexo (2%). Abaixo, encontram-se representadas percentualmente essas categorias:

                     No discurso dos homens, apareceram as seguintes categorias dentro do eixo temático virilidade: sexo (23%), trabalho (16%), fama (13%), dinheiro (10%) e força física (10%). Já no eixo temático das queixas relacionais, apareceram as seguintes categorias: familiar (15%; composta pelas subcategorias paterna 6%, materna 6%, filial 3%), amorosa (10%) e outros (3%). Abaixo, encontra-se representada cada categoria de maneira percentual:

                    Embora tanto nas queixas relacionais das mulheres quanto nas dos homens tenham se destacado os temas familiar e amoroso, a frequência com que apareceram no discurso dos homens é baixa, 15% familiar e 10% amorosa, em relação a das mulheres, 40% familiar e 27% amorosa.

                   As queixas amorosas das mulheres referiam-se, sobretudo, ao ato sexual, a amores impedidos por familiares, traições, separações, abandono, ameaças ou falta de provimento financeiro. Um exemplo pode ser ilustrado através da fala da paciente Fernanda. Sua queixa amorosa dizia respeito à maneira como ela se sentia tratada sexualmente pelo marido: “Ele me tratava como uma prostituta. Como é que um marido trata a esposa como uma prostituta?! Vai manter relação sexual... Abre as pernas e faz! Levanta o pescoço e fecha os olhos lentamente... Querem fazer fácil... Oral, anal... Animalesco! Animalesco! Me tratava como prostituta mesmo, eu não aceitei, pelejei sete anos, porque ele é meu primo, iria criar uma situação chata na família, como criou”.

                Outro exemplo é o caso da paciente Nara que, em relação à impossibilidade de “viver um amor”, contou:

“Ou! Eu tenho um namorado e minha mãe não quer deixar eu namorar. Será que ela ta certa?”. A entrevistadora então pergunta: “Por que ela não quer deixar?”. Nara: “Ela fala que ele é “pão duro”, sam?! Que ele num... não vai me levar pra consulta. Ele falou que vai, sam?! Que vai vir comigo... E ela não deixa.(...)”. Entrevistadora: “Você já conversou com sua mãe?”. Nara: “Minha mãe quando põe uma coisa na cabeça... Mas sabe culpa de quem? Do meu padrasto que não aceita ele lá. Aí eu tenho medo de ir morar com ele e não dar certo, ter que voltar pra casa da minha mãe (...)”.

              A traição também apareceu como tema recorrente nas queixas amorosas das mulheres. É o caso de Ana que nos contou que o pai de seu primeiro filho a trocou por sua irmã mais nova, irmã essa que ela abrigava em sua casa e que dormia com ela e o marido, na cama do casal na época. Ana também nos contou que o relacionamento que manteve com outro homem, seu primo, terminou em função do consumo de álcool, cigarro e do envolvimento dele com outras mulheres. Na época da entrevista, a paciente morava com um “velhinho” (como se referia a ele), a quem considera um ótimo homem, que a acolheu com seus filhos e lhe arranjou trabalho.

              Nas queixas amorosas dos homens, os temas recorrentes referiam-se, sobretudo, à incapacidade de exercer ou ter uma vida amorosa e à perda de um amor.  Em relação à incapacidade de exercer a vida amorosa, temos o exemplo de Wilian que nomeou isso de maneira muito clara. A entrevistadora lhe perguntou: “Você tem namorada?”. Ao que o paciente respondeu: “Eu não tenho, mas tenho vontade de ter, mas não consigo”. Entrevistadora: “É...como assim, não consegue?”. Wilian: “Porque elas não quer”. Entrevistadora: “Você já tentou?”. Wilian: “Quantas vezes!”. Entrevistadora: “É...você nunca beijou ninguém na boca?”. Wilian: “Nunca dei conta”. Outro paciente, Hélio, durante a entrevista nos relatou detalhadamente o sofrimento por ter perdido a namorada.

              Apesar de o tema da perda amorosa ser recorrente tanto na fala das mulheres quanto na dos homens, houve uma diferença qualitativa nas respostas dentre homens e mulheres: nas falas das mulheres quase sempre o amor tornou-se impossível em função de um agente externo. Em geral, familiares são ressentidos como “causadores” do afastamento ou da impossibilidade de se viver um grande amor. No caso dos discursos dos homens, a ênfase se deu na própria incapacidade de ter vivido um certo amor, do sujeito ter feito “algo” (uma traição, por exemplo) que “causou” esta impossibilidade. Ou seja, o lócus de controle[6] nos discursos dos homens parece encontrar-se no próprio sujeito, enquanto que no discurso das mulheres o mesmo é ressentido como exterior a elas. Seria interessante a aplicação de uma escala de lócus de controle na internação psiquiátrica para melhor averiguar estas diferenças.

              Segundo Noriega et all (2003), não se deve excluir do lócus de controle externo o aspecto da incapacidade aprendida, “que se dá quando o sujeito identifica sua ausência de controle sobre certas condições cotidianas, atribui o controle a forças externas e apresenta depressão. Supõe-se que a maior falta de controle causa maior atribuição externa e, consequentemente, maior depressão” (Noriega et all, 2003:212). Ou seja, os autores apontam o caráter aprendido, construído, nas interações sociais, do lócus de controle e sua relação com possibilidades de “adoecimento” psíquico. No caso, a depressão, como vimos, aparece nos dados epidemiológicos como um transtorno mental predominantemente feminino. Como se dá o caráter engendrado desta aprendizagem social, constitutiva do funcionamento psíquico do sujeito, é algo que deveria ser investigado com pesquisas empíricas.

              Nas queixas relacionais familiares das mulheres apareceram tanto os maus-tratos dos filhos com elas (filhos que agridem, que não ajudam etc.) quanto, principalmente, a preocupação com o cuidado dos filhos (quem está cuidando dos filhos, não poder amamentar, interferências na educação que dá ao filho etc.). O trecho da entrevista com a paciente Mara revela a preocupação com o cuidado da filha. Ela nos disse: “(...) minha filha pequenininha... Eu tenho que levar pra escola. Tem quatro anos, é o primeiro ano dela na escola”. Ao que perguntamos: “Quem está cuidando dela agora?”. A paciente respondeu: “É o irmão dela e o pai. Mas não tão cuidando do jeito que eu cuido não. Eu faço a comida na hora certa, eu trabalho de sete até nove horas, chego em casa faço a comida, dou banho nela, arrumo ela, penteio o cabelinho dela, levo ela pra escola... Eu to sofrendo demais, dá uma dor...”.

                Outras queixas das mulheres estão relacionadas ao tratamento que recebem do pai (15%), acusado de amaldiçoar, bater, denegrir e ofender, e, menos expressivamente, da mãe (10%), acusada neste caso de infantilizar, de tratar o sujeito como uma criança.

               Nas queixas relacionais dos homens, também apareceram queixas relacionadas ao pai referindo-se, sobretudo, a maus tratos físicos. No entanto, esta categoria teve freqüência inferior à metade das respostas das mulheres (6%). Outro dado importante refere-se à queixa relacional filial: no caso das respostas dos homens, a queixa se dava como sentimento de impotência de prover, em função da “doença” e da suspensão das atividades de trabalho em função da internação. Exemplo disso foi a fala de Luciano:

O desgraçado do médico não me deu alta... Ele vai ver meu filho? Ele vai levar as coisas lá pro meu filho? Você vai levar?”.

               Comparando as respostas das mulheres e dos homens, além das frequências já anteriormente comparadas, pode-se destacar dois pontos: a semelhança na figura apontada como agente agressor, tanto nas falas das mulheres quanto nas dos homens (quase sempre sujeitos do sexo masculino, geralmente algum parente próximo, principalmente o pai ou o padrasto); e a diferença nas queixas relacionais filiais. No caso das mulheres, o fator de sofrimento é não poder cuidar dos filhos, tarefa essa atribuída, em nossa cultura, a uma “naturalidade” do papel feminino, tornando-se uma baliza para sua auto-avaliação narcísica. Assim, uma mulher “verdadeira” deve ser boa mãe e cuidar bem de sua prole. No caso dos homens, o que lhes é demandado culturalmente é de outra ordem: trata-se do papel de provedor; papel este que se vê em xeque no período da internação ou em função da desorganização psíquica do sujeito.

                 No que tange à afirmação da virilidade, pôde-se perceber que, para os homens, valores e estereótipos masculinos profundamente patriarcais continuam a exercer um papel de (auto) aceitação e (auto) reconhecimento social. No discurso viril, muitas vezes delirante, isso se mostra como parte configuradora importante, sobretudo na eleição do conteúdo do delírio, apontando para especificidades de gênero no funcionamento narcísico do sujeito.

                  Na categoria “sexo” (23% das respostas dos homens), enquanto “virilidade”, a ênfase foi colocada no papel ativo, o sujeito da enunciação como personagem “comedor”, capaz de manter relações sexuais ativas com uma alta freqüência e com um grande número de parceiras, dentre estas, personagens famosas e desejadas. Como aponta Badinter (1992), o pênis, enquanto símbolo de toda-potência (love machine) ou da mais extrema fragilidade, metonímia do homem, é também seu mestre obsessor.

                 Três recortes de entrevistas exemplificam estes aspectos. Na primeira delas, foi perguntado a Júlio se ele era casado, ao que o paciente respondeu:

Sô não! Já tive um monte de rapariga (risadas). Já, já... Eu já tive um bucado de rapariga. Professora (chamando uma das entrevistadoras): Eu já tive um bucado de rapariga. Já tive um tanto de rapariga. Já tive cinco rapariga”. A entrevistadora então perguntou: “Você teve filhos com alguma ou se casou?”. O paciente respondeu: “Tive não, tive não, não. Só fiquei namorando elas cinco, elas cinco, elas cinco. Eu só fiquei namorando elas cinco. Eu tive sim um movimento com elas... Sabe o que é? Sabe o que é? Eu dormia com as cinco. Heeeee!!! (risadas) Eu dormia com as cinco mulhé”. Entrevistadora: “Como você fazia pra administrar tantas mulheres?”. Júlio: “Era fácil”.

                   Já Márcio, outro paciente, foi direto ao assunto:

Eu sou atentado... E eu gosto... Ainda mais que a minha esposa é a Kelly Key né, aí eu apronto mesmo. Ela fica ‘braba’ comigo. Fica indignada comigo. Mas eu não to nem aí! Você acha que ligo?! Eu tava traindo ela com a Angélica... Mas não dá nada...

                   Um último exemplo, dentre vários outros, foi trazido na fala de Everton. Quando perguntado a ele se era casado, ele nos disse:

Sô noivo! Mas tenho quase 40 filhos tudo espalhado no mundo, só esperando. E várias mulheres tudo cabacinha e virgem. E faço exame de sangue não dá um tipo de doença. Eu sei qual área que eu pinto na mulher. Eu olho pra cara, sei que não tem doença... Se não é, eu vou namoro, conquisto... até casar e to chifrando minha mulher. E muito! Porque ela não ta querendo outro filho”. A entrevistadora perguntou então: “Como você consegue ter tanto poder sobre as mulheres?”. E Everton respondeu: “Muito músculo duro, muito tendão aqui” (apontou o pênis). Entrevistadora: “Essas mulheres ficam apaixonadas por você?”. Everton: “Não! Elas ficam revoltadas porque não convivo com elas”.

                O trabalho ocupou o segundo lugar (16%) nas falas dos homens, seguido de temas relacionados a símbolos de sucesso pessoal e profissional (fama, 13%; dinheiro, 10%). A força física, outra forma de afirmação da virilidade, também apareceu como categoria importante. Como vimos anteriormente, estes são estereótipos e valores relacionados à masculinidade em nossa cultura.

               No caso do paciente Júnior, por exemplo, a virilidade apareceu no relato do exercício de inúmeros papéis que, segundo ele, lhe davam destaque social. Seu discurso levava a crer que o desempenho dessas funções e a relação com personalidades famosas era para ele algo corriqueiro e, portanto, tratado como irrelevante. O paciente relatou ser ex-jogador da seleção brasileira; ser técnico de informática, função que dominava plenamente, considerando “besteira” qualquer atividade a ser desempenhada no computador; ter servido ao Exército Brasileiro, onde foi atirador de elite; ter lecionado; ser usuário de maconha, mas só fumar o skank, variação mais forte da substância; produzir lança-perfume, mas não vender pessoalmente, pois tinha pessoas vendendo para ele; roubar carros, o que demonstrava seu “poder”, fazendo com que as meninas se aproximassem. Disse ainda que seu tio era juiz, um “nome importante”, que não permitiria que o sobrinho fosse preso por envolvimento com drogas e que seu pai havia sido delegado. Também relatou ser cantor da banda de rap Racionais e ter sido o cantor Bruno da dupla sertaneja Bruno e Marrone quando era gordo.

                Outro paciente, Luciano, relatou dominar inúmeras profissões:

Eu sou marceneiro, sou pedreiro, sou eletricista, sou pintor, sou encanador, trabalho com artesanato, trabalho com vendas, faço muita coisa. O melhor muro que tem lá (referindo-se à cidade onde mora) foi eu que fiz”.

                 No caso do paciente Edson, outro exemplo, ficou evidente a grandiosidade atribuída a todas as coisas que ele realizava. Ele não era apenas um soldado de Exército Brasileiro, mas um atirador de elite. Não viajava para qualquer lugar, ia à Marte, acompanhado de ninguém mais ninguém menos do que os cantores Martinho da Vila e Martinália. Ele era o pai da consagrada atriz Susana Vieira e seu parceiro de trabalho era o produtor internacional Steven Spielberg. Do desenho animado Caverna do Dragão, Edson nos contou ser o Mestre dos Magos, detentor de todos os saberes.

                 No tocante à exploração da virilidade por meio da força física e de outros atributos considerados como símbolo de masculinidade, tais como coragem e heroísmo, mostrou-se comum entre os homens a identificação com personagens super-poderosos da ficção. O paciente Vitor acreditava estar se transformando no personagem Vedita, do desenho animado Dragão Ball Z. Ele nos contou sobre sua insuperável força física, como poderia usá-la para explodir e arremessar objetos, além de aniquilar grandes inimigos.

                 Como apontado, nos discursos das mulheres relacionados à virilidade, apareceram os temas capacidade de cuidar (12%), beleza (7%), auto-enaltecimento (2%) e sexo (2%). No tema capacidade de cuidar, o principal sujeito ao verbo referido foram os filhos. A paciente Laura nos contou, por exemplo, sobre o poder que possuia com suas orações. Segundo ela, foram suas orações que fizeram sua filha engordar e ficar boa de saúde para amamentar sua neta. Fizeram também o irmão parar de xingar sua cunhada de “puta”, “piranha”, “vagabunda”. A paciente apresentava um nítido prazer ao relatar sua força de oração. Note-se que aqui, diferentemente das falas masculinas, a virilidade se expressa no exercício da relação com outrem e não apenas para ser usufruída pela própria paciente.

                Na categoria beleza, foram destacados os encantos físicos de sua própria pessoa, por parte das pacientes, bem como o desejo causado nos homens e, consequentemente, a inveja de outras mulheres. Uma paciente, por exemplo, Amanda, nos relatou como sua beleza sempre chamou a atenção dos homens, que mesmo com HIV sua pele continuava linda. Naquele momento, exibiu a pele para a entrevistadora e ressaltou a beleza de suas pernas. Contou-nos também que deixou de freqüentar festas, pois ao dançar todos os homens ficavam loucos com ela, enquanto as mulheres permaneciam bravas, invejosas. Fica claro nesta fala o quanto a afirmação da virilidade da paciente se dá pela declaração de ser um objeto de desejo, de cobiça, masculino. Diferentemente dos discursos masculinos, nos quais o aspecto ativo na vida amorosa e sexual se destacou, aqui percebemos uma afirmação através do desejo do outro, do poder de sedução e encantamentos, traços “naturalizados” em nossa cultura numa suposta “essência” feminina.

               Outros exemplos são as pacientes Maria Paula e Rebeca. Maria Paula demonstrou-se vaidosa, durante todo o tempo da entrevista, frequentemente afirmando e perguntando à entrevistadora se ela estava bonita. Rebeca, por seu turno, afirmava categoricamente, várias vezes, ao falar de sua beleza: “Eu sou linda assim porque os outros têm inveja de mim.” Não basta ser um objeto de desejo masculino, mas também, há que se destacar a comparação com outras mulheres para ressaltar as qualidades de beleza do próprio sujeito.

               O tema sexo teve apenas 2 % das respostas, ou seja, apareceu na fala de apenas uma das entrevistadas. A paciente Lúcia relatou-nos os seus casos sexuais, afirmando:

"A crise começa... Volúpia, luxúria, manipulação." Neste caso, percebe-se a afirmação do desejo sexual da mulher, mas a frequência da resposta foi inexpressiva, mostrando-se evidente a prevalência de um padrão ainda extremamente patriarcal no que tange à posição da mulher em relação ao desejo: desejo de ser desejada.

              A categoria enaltecimento de si mesma (2% das respostas) também foi inexpressivo, mas mostrou-se interessante ao se pensar o objeto pelo qual a paciente se enaltecia: a festa de casamento. Rebeca nos contou como sempre teve tudo do bom e do melhor e o quanto seu casamento foi chique, digno de uma princesa. Segundo ela, o casamento ocorreu em um lugar onde o presidente da República se hospedava e seu vestido foi encomendado a um estilista personalizado. A paciente mostrou-se muito envaidecida ao relatar a grandiosidade deste dia, no qual a sensação de ter sido “escolhida” parece ter se destacado.

             Face ao levantamento dos dados aqui apresentados, pensamos que ficou evidente o quanto os valores e estereótipos de gênero se fazem presentes dentro das situações de enlouquecimento que, aqui, compreendemos como sofrimento psíquico grave. Ficam ainda, no entanto, algumas perguntas a serem respondidas por estudos posteriores: como e em que medida as relações de gênero favorecem caminhos privilegiados de subjetivação e quebra psíquica em nossa cultura? Como as relações de gênero podem nos levar a uma releitura do campo da saúde mental e de conceitos metafísicos que mediam a nossa compreensão do enlouquecimento de um ponto de vista da psicologia clínica? E, por último, como usar os conhecimentos adquiridos nos estudos de gênero para repensar a intervenção em saúde mental?

              As duas primeiras perguntas ficarão em aberto, como a orientar futuras possibilidades de pesquisa. No entanto, em relação à última, temos algumas idéias e evidências de dados de outras pesquisas por nós realizadas. A primeira delas trata-se de um programa de oficinas de música e dança que desenvolvemos na internação, na ala feminina (Zanello & Souza, 2009). O título de nosso artigo é bastante ilustrativo, “Mais música, menos haldol” e foi sugerido a partir da fala de uma das internas. Nestas oficinas, eram escolhidas músicas que retratavam uma espécie de “reviravolta” na condição amorosa de ser abandonada, isto é, eram enfatizadas cenas nas quais o protagonista conseguia superar o abandono, a desilusão, a traição (como exemplo mor, a música sertaneja “Chora, me liga, implora”, a qual fazia o maior sucesso). Eram momentos extremamente mobilizadores, dos quais grande parte das internas participava, cantava (às vezes aos berros) e dançava. A catarse mostrava-se evidente, não apenas através das gesticulações e caretas ao cantar (como se estivessem dizendo isso para alguém), mas pelas próprias falas recolhidas dentre estas mulheres, depois das oficinas. Nos dias das oficinas, pôde-se perceber uma diminuição do número de contenções e da necessidade de uso de medicamentos radicais como o “sossega-leão”. Trata-se de uma intervenção paliativa, mas que vai ao encontro da idéia de redução de danos[7]. Foi uma idéia inicial e que, a nosso ver, pode nos levar a pensar em outras possibilidades de intervenção tanto nos momentos de crise quanto, quem sabe, em outras de caráter preventivo ou de promoção de vida[8].

              Um dado, no entanto, se mostrou bastante pertinente: estas oficinas não funcionaram na ala masculina. O tipo de música demandado era outro: gostavam mais do rap, de temas sociais, tais como a exploração social, a escravidão, o trabalho, etc. Como estas músicas incitavam, de acordo com os enfermeiros, a violência e a agressividades nos internos, foi solicitado que não se realizassem estas oficinas. Outra possibilidade se mostrou profícua e foi desenvolvida por um estagiário, Carlos Barreto, sob supervisão. Este aluno desenvolveu um projeto de oficinas de brincadeiras, para trabalhar a auto-estima dos pacientes. As atividades se mostraram logo bem específicas a cada ala (feminina e masculina). Uma questão se destacou na ala masculina: as atividades demandadas e que envolviam maior contingente de pacientes trabalhavam uma espécie de virilidade não exercida. Atividades tais como acertar a bola de basquete na cesta, vencer uma partida de ping-pong, criar seu próprio instrumento de música e outras, foram as que mais tiveram efeito terapêutico. Aqui, como apontamos anteriormente, ficou claro para nós o quanto a afirmação do lócus de controle interno, ou auto-agenciamento no universo masculino, parece ser importante na configuração da masculinidade em nossa cultura e na reconstrução de um senso identitário no universo masculino. Estas foram as primeiras experiências, aproximativas, de intervenção, que realizamos a partir desta releitura da loucura sob o viés das relações de gênero. O campo parece profícuo e são necessárias novas idéias e pesquisas para dar continuidade a estes primeiros trabalhos.

               Para finalizarmos esta parte do artigo, gostaríamos de destacar, a partir dos dados apresentados, o quanto o funcionamento narcísico do sujeito é engendrado. Em outras palavras: as relações de gênero nos levam a reler não apenas a quebra psíquica de outra maneira, mas a repensar também as formas de intervenção nas quais os próprios valores engendrados possam ser utilizados.

Considerações finais

            A compreensão do sofrimento psíquico grave, segundo a perspectiva das relações de gênero, permite considerarmos como os papéis construídos culturalmente tomam a experiência subjetiva do sujeito. Os papéis e valores de gênero constituem assim não apenas motivos de sofrimento (padrões e ideais constitutivos do sujeito e pelos quais ele se avalia, evidente nas queixas), mas “válvula de escape” privilegiada, pela e através da qual se constroem as defesas na loucura (discurso viril). Nas queixas relacionais, pôde-se observar estes papéis e valores enquanto causa motriz de sofrimento. No caso das mulheres, grande parte destas queixas é de ordem amorosa (se dividirmos a queixa familiar pelos temas paterno, materno e filial) e indica a impossibilidade de viver um grande amor. Em geral, impedido por algum fator que não ela mesma. No caso dos homens, as queixas amorosas também apareceram, porém para eles o fator impediente é ressentido como sendo eles próprios. Isto é, no caso das mulheres o lócus de controle parece ser externo; no caso dos homens, interno.

            A prevalência de queixas relacionais entre mulheres, em oposição à de um discurso viril dentre os homens, parece apontar para posições subjetivas diferentes dentre homens e mulheres, na quebra psíquica, ou no “enlouquecimento”. As mulheres, em geral, permanecem em uma posição de queixume enquanto os homens constroem uma posição defensiva, presente marcadamente em um discurso viril, no qual, muitas vezes, o próprio delírio parece exercer importante papel.

           Assim, no que tange ao discurso da virilidade, os valores pelos quais os homens constroem seus delírios perpassam aqueles culturalmente a eles atribuídos: atividade sexual, trabalho, dinheiro e fama. É por estas balizas que se inflaciona o Eu masculino, apontando para especificidades do narcisismo que valeriam a pena ser investigadas de maneira mais profunda em um trabalho que unisse clínica psicodinâmica e relações de gênero. Ou seja, seria interessante como possibilidade futura de estudo, aprofundar a relação entre as alterações do Eu nos casos de quebra psíquica e o caráter engendrado do funcionamento narcísico. Acreditamos que o viés das relações de gênero pode alterar nossa própria visão psicodinâmica do dito “enlouquecimento”.

           Também no discurso da virilidade, no caso das mulheres, os valores de gênero pelos quais estas se autovaloram são aqueles a elas relacionados em nossa cultura: beleza, capacidade de cuidar, sexo, auto-enaltecimento.

             Pode-se afirmar assim que no discurso dos pacientes psiquiatrizados afloram as relações de gênero. Ou ainda, que aí, no sofrimento extremado, ou nesta experiência radical que é a loucura, coloca-se uma lupa sobre as relações de gênero e o quanto elas são constitutivas das subjetividades. Fica em aberto, também para investigações posteriores, o estudo mais aprofundado sobre como as relações de gênero criam caminhos privilegiados de subjetivação, presentes na quebra psíquica e também refletidos nos dados epidemiológicos relacionados aos transtornos mentais.

               Uma das conseqüências do presente estudo é justamente ressaltar a necessidade de se levar em consideração as relações de gênero nas políticas públicas de saúde mental. O gênero, como baliza constitutiva que pode levar ao sofrimento psíquico, intensificá-lo ou simplesmente configurá-lo, também pode ser utilizado nas formas de intervenção de cunho terapêutico. Trata-se de tentar dele retirar um antídoto. Pesquisas, nesse sentido, já vêm sendo realizadas (Zanello & Souza, 2009). Nesse tipo de trabalho, utiliza-se como paradigma a idéia de redução de danos e não de “cura” propriamente dita. Em outras palavras, busca-se melhorar a qualidade de vida dos pacientes durante a internação, através de uma redução da necessidade de medicamentos e, principalmente, do método da contenção física que se mostra, na maior parte das vezes, bastante violento. Faz-se mister pensar também como os valores de gênero poderiam ser utilizados em intervenções de caráter preventivo ou como promoção de vida.

              Em suma, ao considerar a natureza sócio-cultural do adoecimento psíquico, sob o viés das relações de gênero, torna-se possível “desnaturalizar” o sofrimento, abrindo novas possibilidades de repensar formas de tratamento e de intervenção.

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Zanello, Valeska & Souza, Gustavo José de Oliveira. 2009. More music, less Haldol: an experience among music, phármakon and madness. Mental, v.7, n.13. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1679-44272009000200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

 

Nota biográfica

Valeska Zanello- Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília, com doutorado sanduíche na Université Catholique de Louvain (UCL), Bélgica. Psicóloga e bacharel em filosofia pela Universidade de Brasília. Especialista em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília. Professora adjunta do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Trabalha na interface entre saúde mental, filosofia da linguagem e relações de gênero.

Bruna Bukowitz- Bacharel em Psicologia pelo Instituto de Educação Superior de Brasília.


 

[1] E outros sinônimos tais como “transtorno mental” que vem sendo utilizado de maneira privilegiada nos dias atuais em compêndios internacionais de classificação da “loucura”.

[2] Termo utilizado numa abordagem psicanalítica da psicopatologia. Trata-se do princípio do cristal, metáfora criada por Freud para abordar e compreender a diversidade dos tipos de sofrimento psíquico do sujeito. Segundo ele, o humano não se “quebra” aleatoriamente, mas de acordo com sua estruturação psíquica, estrutura esta constituída em sua história pessoal, em um processo de subjetivação único e que aponta para as vivências da sexualidade infantil. Trata-se de destacar o quanto a “quebra” do sujeito relaciona-se com seu modo de funcionamento. Em termos epistemológicos, o uso do termo “quebra psíquica” parte de um pressuposto de definição e interpretação da “loucura” sob um viés da subjetividade, abrindo vias para o uso do conceito de loucura enquanto “sofrimento psíquico grave” e o uso de uma semiologia simbólica.  Isto é, faz-se fundamental, dentro desta visão, a participação da cultura e do contexto social. Antepõe-se assim à definição da loucura como um “transtorno mental”, cujo pressuposto é a idéia de síndrome e uma ênfase na semiologia indicial, típica da medicina. Ver Martins (2003; 2005)

[3] Tivemos que utilizar este termo nesta parte do artigo, pois a epidemiologia psiquiátrica é construída sobre a lógica médica das síndromes, na qual, como apontamos anteriormente, percebe-se uma importação da lógica semiológica da medicina para o campo do mental e da existência. Não há estudos epidemiológicos que não se baseiem nesta definição de loucura como síndrome, isto é, enquanto um conjunto correlacionado de sinais e sintomas. A própria definição de loucura, nesse sentido, propicia um olhar e um recorte no que se chama de epidemiologia. Tal recorte, pelo fato de se assentar em pressupostos epistemológicos específicos (modelo biomédico), favorece uma interpretação biológica, isto é, uma “naturalização” das diferenças de freqüência dos ditos “transtornos mentais” entre homens e mulheres e abre campo para a crescente indústria farmacêutica. Em relação à perversidade desta lógica e ao “desenvolvimento” de dependência lícita de ansiolíticos e anti-depressivos dentre as mulheres, olhar Zanello (2010).

[4] O autor propõe o uso do termo “sofrimento psíquico grave” para se referir à situação de enlouquecimento, isto é, a crise. Segundo ele, o termo “sofrimento psíquico grave” leva a pensar o sofrimento como algo essencialmente humano (enquanto possibilidade), de outra ordem que não a meramente orgânica ou física e, sobretudo, com caráter “grave” no sentido da intensidade e dificuldade de manejo. Neste artigo, consideraremos a loucura de maneira mais próxima a esta idéia de sofrimento psíquico grave. Este conceito parece-nos apontar para a possibilidade de “situações-limites” existentes para todos nós, enquanto humanos.

[5] Termo utilizado no ambiente médico para designar a cura de doenças, o que se tornaria visível na supressão dos sintomas. Expressões tais como “ter o corpo ‘sarado’” apontam para o caráter metafórico do uso do termo e, também, para a forma de vida da qual faz parte e cria. Nesse caso, mostra-se a medicalização dos corpos e da vida, e o quanto a gordura passa a ser vista como doença a ser curada, na afirmação de uma estética ideal e moral da “boa saúde”. Nossa cultura seria, nas palavras de Novaes (2006), “lipofóbica”.

[6] Conceito desenvolvido por Julian Rotter. Trata-se do grau em que um indivíduo crê que sua vida se encontra sob seu próprio controle ou sob o controle dos outros. Quando se crê ser responsável por seu próprio destino, a pessoa possui um lócus de controle interno; enquanto que, quando se crê que aquilo que lhe acontece é apenas fruto do acaso e da sorte/azar, tem-se um lócus de controle externo.

[7] Apregoada nas políticas públicas de saúde relacionada ao uso de drogas. Usamos o termo de maneira metafórica, por analogia.

[8]Encontramos uma certa dificuldade para expressar esta idéia, pois “prevenção” é um termo utilizado frequentemente em saúde, tendo como modelo de base a medicina e a biologia. Trata-se aqui, neste caso, mais de um modelo de potencialização e desconstrução, isto é, de práticas de intervenção que pensem o bem estar ou saúde mental com “S” maiúsculo, levando em consideração a existência material, social e histórica dos sujeitos envolvidos. Ver Farmer (1996).

 

labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012