labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2012  - julho /dezembro 2012

 

 

 

Gênero e relações étnico-raciais no currículo da educação infantil

Danielle Lameirinhas Carvalhar  

Marlucy Alves Paraíso

Resumo:

O currículo escolar é espaço em que diferentes significados sobre meninos e meninas e sobre brancos e negros são divulgados, demandados e produzidos. No currículo da educação infantil esses significados são produzidos e divulgados em um recorrente processo de demarcação de diferenças, que tem efeitos no processo de produção das identidades de meninas e meninos. Utilizando como referencial teórico os estudos culturais e os estudos de gênero, nas vertentes vinculadas às abordagens pós-críticas, este artigo traz resultados de uma pesquisa que investigou os currículos de três turmas de uma escola municipal de educação infantil de Belo Horizonte para analisar as representações étnico-raciais e de gênero, que circulam nos currículos investigados. Ao analisar as representações de gênero e etnia divulgadas nesses currículos, o argumento desenvolvido é o de que há inúmeras representações que exaltam o ideal de branquiamento e de beleza, com efeitos diferentes na produção de meninos e meninas e de brancos/as e negros/as.

Palavras-chave: gênero; relações étnico-raciais; currículo; Educação Infantil

 

Cada cultura tem suas próprias e distintas formas de representar o mundo, de nomear as pessoas, de classificar os sujeitos, de caracterizar os grupos e de construir significados sobre eles. Em um processo dinâmico, entremeado por relações de poder de diferentes tipos, nas diferentes culturas produzem-se e demarcam-se diferenças e identidades. Pela construção de sistemas classificatórios, fronteiras são estabelecidas e diferenças são marcadas entre as diversas identidades. Essas fronteiras e essas diferenças separam uma identidade da outra, dizem quem faz e quem não faz parte de um grupo identitário e trabalham para fixar marcas, comportamentos, modos de ser e de estar. Afinal, “quem eu sou” e como ou com quem me identifico têm estreita relação com aquilo que “eu não sou” e com como ou com quem não me identifico. Nesse sentido é que identidade e diferença são interdependentes, relacionais e possuem importância política estratégica nas lutas culturais contemporâneas.

Esses processos de produção da identidade e da diferença são fabricados por cada um de nós em relações culturais e sociais por meio de representações que circulam em várias instâncias. A representação, compreendida como um processo cultural, “estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?” (Woodward, 2000:17).

 Ao aprendermos, continuamente, desde crianças, sobre gênero, sexualidade, classe, religião, raça e etnia, vamos construindo identificações e percebendo semelhanças e diferenças que nos marcam, nos instituem e nos fazem ocupar determinadas posições nas relações sociais e culturais.  Isso porque essa construção de sentidos e identificações que nos constituem diariamente estão permeadas por relações de poder de diferentes tipos. É por meio dessas relações de poder que aprendemos a ver as diferenças e as semelhanças de forma hierarquizada. Afinal, as fronteiras agem de forma a posicionar diferentemente os grupos representados. Assim, o poder de representar, de ocupar a centralidade das narrativas e de dizer sobre o outro estão no centro da disputa por significados e pela produção das identidades.

Quando trazemos essas discussões para investigarmos as questões das identidades de gênero e raça/etnia, trabalhamos, então, com a compreensão de que são disputados, em diferentes espaços, significados sobre o que, quem e como devem ser homens e mulheres, meninos e meninas, brancos e negros com importantes implicações na produção de identidades. O currículo escolar é um desses importantes espaços de luta por representação em que significados sobre meninos e meninas e sobre brancos e negros são demandados, disputados, produzidos e divulgados.

Afinal, desde cedo, por meio do currículo escolar, crianças entram em contato com novos conhecimentos e saberes, relacionam-se com outras pessoas de diferentes religiões, etnias, sexualidades, gerações, gêneros e reconhecem-se como membros de uma comunidade, identificando-se, ou não, com aqueles/as que se assemelham a elas. Durante o convívio, mais do que compartilhar conteúdos e saberes curriculares, meninas e meninos se relacionam e trocam informações que são vitais na formação de suas identidades. Por isso o currículo é aqui compreendido como englobando muito mais que conteúdos e disciplinas estruturados. Currículo é entendido como o “conjunto de saberes e aprendizagens oportunizados no ambiente escolar” (Paraíso e Santos, 1996:6).

Neste artigo, mostraremos que no currículo da educação infantil, esses significados são produzidos e divulgados em um recorrente processo de demarcação de diferenças com efeitos significativos no processo de produção das identidades de meninas e meninos. Utilizando como referencial teórico, sobretudo, os estudos culturais e os estudos de gênero, nas vertentes vinculadas às abordagens pós-críticas, este artigo traz resultados de uma pesquisa que investigou os currículos de três turmas de uma escola municipal de educação infantil de Belo Horizonte para analisar as representações étnico-raciais e de gênero que circulam nos currículos investigados. Ao analisar as representações de gênero e de raça/etnia divulgadas nesses currículos, o argumento aqui desenvolvido é o de que há inúmeras representações que exaltam o ideal de branqueamento e de beleza, com efeitos diferentes na produção de meninos e meninas e de brancos/as e negros/as.

Consideramos, então, que por meio do currículo escolar, local que corporifica relações sociais e de poder, aprendem-se valores, práticas e hábitos existentes em nossa cultura que se constituem, por sua vez, em eficientes mecanismos de produção de identidades generificadas, racializadas e etnicizadas. Nesse sentido, a escola é aqui considerada não apenas um espaço no qual os diferentes gêneros circulam, mas, sobretudo, como um local em que as identidades, as diferenças, distinções e desigualdades são produzidas. Essa concepção foi importante para entender o que o currículo faz, produz e institui ao incluir ou excluir determinados temas, saberes, conteúdos e práticas.

1. Raça, etnia e gênero no currículo escolar: vozes e silêncios

Vários/as estudiosos/as apontam para a necessidade de articular diferentes categorias tais como gênero, raça e etnia nas investigações em educação. Contudo, Louro e Meyer (1993:46) afirmam que este “é ainda um terreno onde todos nos movimentamos com extrema cautela, onde tropeçamos freqüentemente”. Talvez por isso são tão poucos os estudos em educação no Brasil que articulam gênero e raça/etnia, como mostram Caldwell (2000) e Moreira (2001).

Quando se trata de análises de gênero e etnia no currículo da educação infantil, temos uma significativa lacuna, como argumenta Carvalhar (2009). Assim, mesmo correndo os riscos dos tropeços usuais, apontados por toda essa literatura, de quem experimenta operar com essa articulação, consideramos importante articular essas categorias para analisar as representações sobre gênero e etnia presentes no currículo de uma escola infantil investigada.

Raça e etnia são conceitos controversos que envolvem relações de poder e escolhas políticas. De modo geral, raça é utilizado para referir-se aos “[,,,] caracteres físicos como a cor de pele, por exemplo” (Silva, 2002: 100). Já o termo etnia é usado para referir-se “[...] às características culturais – língua, religião, costume, tradições, sentimentos de “lugar”- que são partilhadas por um povo” (Hall, 2006: 62). O termo etnia começou a ser utilizado no campo das ciências sociais para fazer oposição à ênfase que o conceito de raça dava aos aspectos físicos e biológicos e para “[...]desmantelar o discurso racial fascista, edificado ao redor das teorias de raça e das teorias eugênicas” (Kaercher, 2006: 13)[1]. Nesse discurso, os fenótipos seriam definidores das características intelectuais, morais e comportamentais de cada um/a.

Entretanto, ao focar as questões culturais, o termo etnia “[...]acabou sustentando um novo racismo, onde as discriminações operam, tomando como base supostas incompatibilidades de caráter cultural” (Meyer, 1998:373). Além disso, o conceito raça ainda é muito utilizado nas pesquisas educacionais por se acreditar que o preconceito racial existente na sociedade brasileira se dá não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais,

“[...]mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas” (Gomes, 2005:45).

 Dada a complexidade que envolve esses conceitos, uma vez que ambos os termos criam distinções que podem dar base para discriminações e racismos, vários autores/as (Gomes, 1995; Meyer, 1998; Paraíso, 2000 e SILVA, 2002) têm utilizado os dois termos, de forma articulada, com o objetivo de marcar a construção social das questões físicas e culturais, mostrando que é preciso considerar múltiplas dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida de cada grupo. Essa é a postura adotada neste artigo, que considera raça e etnia como importantes marcadores identitários.

Tendo em vista esses e outros marcadores, procuramos ficar atentas às representações étnico-raciais e de gênero que circulavam na escola investigada. Trabalhamos com a perspectiva de que atentar para as questões de gênero é atentar para

“[...] os modos pelos quais o feminino e o masculino são representados e produzidos em uma dada cultura e em um determinado momento histórico” (Louro, 2001:22).

 Essas representações irão constituir o que passa a ser definido e vivido como masculinidade e feminilidade em um determinado grupo cultural. Essa compreensão enfatiza, assim, “[...] o fato de que as identidades masculina e feminina são histórica e socialmente produzidas” (Silva, 2002:105). Gênero é, portanto, mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais (Louro, 1995).

Essa compreensão de gênero possibilita trabalharmos com o pressuposto de que as instituições sociais, como a escola, por exemplo, expressam e produzem relações sociais de gênero. Isso instiga-nos a pensar na idéia de formação, socialização ou educação dos sujeitos e da produção de homens e mulheres nessas diferentes instituições. Dessa maneira, entendendo que as identidades de gênero são produzidas discursivamente em relações de poder e com implicações importantes na produção das identidades masculinas e femininas, consideramos que “[...]as diversas instâncias sociais são instituídas pelos gêneros e também os instituem” (Louro, 1995:12).

O foco no gênero possibilita dar visibilidade à construção do sujeito, mostrando que essa produção é sempre relacional. Afinal, quando se atribuem características a um sexo, tem-se o outro como referência, ainda que seja uma referência invisível. Para isso, os estudos de gênero colocam foco na relação e na diferença, e incorporam contribuições dos estudos pós-estruturalistas, que entendem a diferença como “um processo lingüístico e discursivo” (Silva, 2002:87). É importante ressaltar, portanto, que essas diferenças são percebidas e valorizadas em meio a relações de poder que acabam por criar hierarquias entre os gêneros. São as relações de poder que fazem com que a diferença adquira um sinal negativo ou positivo.

Ao entrar numa escola de educação infantil, é possível perceber a importância das imagens e da linguagem visual na constituição dos currículos nessa etapa de ensino. Como a educação infantil recebe crianças que, em sua grande parte, ainda não iniciaram o processo de alfabetização, as escolas que atendem a esse público usam inúmeras imagens e desenhos como linguagens para informar, ensinar, ilustrar, chamar a atenção e para deixar o ambiente atrativo. No currículo da escola investigada isso não é diferente. Murais, cartazes, desenhos, pinturas, colagens, atividades ilustradas, livros de leitura e brinquedos são espalhados nas salas, nas paredes, nos corredores e por toda a escola.

 A maior parte das atividades desenvolvidas na escola resultam em ilustrações que são expostas para as crianças verem. Esses materiais têm tanta presença nas escolas infantis que podem ser lidos e entendidos como “conteúdos de ensino”, além de refletir também “os resultados da aprendizagem”, como defende Meyer (2002:52).

Compreendendo o potencial pedagógico dessas imagens na educação infantil para a formação das identidades de meninos e meninas, esta pesquisa buscou observar como, o que e quem aparecia nesses materiais no currículo. Buscou observar e registrar as representações que poderiam ser identificadas nesses materiais. Representação é aqui entendida como as formas pelas quais “o ‘Outro’ é visto, apresentado, mostrado; como “uma forma de conhecimento e de divulgação do outro” (Paraíso, 2004:59). Inicialmente a imagem presente no uniforme chamou a atenção:

Figura 1 – Uniforme das crianças

Fonte: foto tomada pela pesquisadora

O uniforme é um importante marcador da identidade da criança estudante. Afinal, ele é oferecido somente àqueles/as que estão dentro da escola. Os uniformes escolares, mais que vestir, ajudam a divulgar um estilo, imprimir uma marca e formar hábitos. Os uniformes identificam e possibilitam identificações. Eles ensinam e permitem aprendizagens. Ao observar a ilustração da blusa, percebe-se que, nos uniformes da escola investigada, estão contemplados/as meninos e meninas. Entretanto, em relação aos aspectos étnico-raciais, a representação da criança negra ainda ocorre somente em relação ao cabelo.

 Colore-se os cabelos de loiro ou negro, lisos ou crespos, porém o corpo continua sendo “transparente”, sem cor. Essa transparência vem sendo associada, desde o início do século XIX, ao branco, porque há a circulação do entendimento do/a branco/a como não-cor. Associa-se a cor somente às pessoas não-brancas (Munanga, 2004). O/a branco/a, nesse caso, passa a ser o referente invisível.

Pode-se perceber também, a partir da imagem presente no uniforme, na qual as crianças são caracterizadas apenas pela delimitação de um contorno para seus corpos, sem o uso de alguma cor para o preenchimento, que há uma tendência à negação da existência de diferentes raças e etnias na escola. Ao colocar todas as crianças como tendo a mesma cor, o uniforme escolar reforça a idéia de que diferentes grupos são todos iguais; que não existe diferença em termos étnico-raciais. Entretanto, o que poderia ser só um detalhe, só uma peça do vestuário, passa a produzir certos sentidos para quem ali freqüenta. Se as crianças do uniforme fossem todas preenchidas de preto ou marrom, isso passaria despercebido? Causaria estranhamento ou reações de espanto? Possibilitaria discutir mais essas tensões no currículo? Essas são algumas das questões que podemos levantar para pensarmos sobre essa invisibilidade das diferentes raças e etnias nas representações presentes na escola. Cabe registrar também que dificilmente uma criança negra se identificará com um desenho como esse que prioriza a transparência.  

Contudo, a noção de que na escola não há diferença étnico-racial aparece não somente nos uniformes, mas também em diferentes enunciações proferidas na escola e das quais destacamos:

Não percebo nenhuma diferenciação em relação à etnia da parte da escola para com as crianças. Nem mesmo percebi dentro da sala de aula nenhuma forma de discriminação (Fala da professora Maria, turma de 5/6 anos).

Eu percebo que as crianças não são preconceituosas no geral, mas este ano, enquanto brincávamos de senhor caçador (mia gato) onde uma criança fica de olhos fechados e tenta adivinhar quem miou, uma colega queria ajudar a que tinha que adivinhar e disse que quem miou foi um “coleguinha preto”. Então aproveitamos e conversamos sobre isto e sobre apelidos que não são legais. Como a comunidade é muito diversificada não percebo preconceito, nem dos professores e funcionários (Fala da professora Isa, turma de 4/5 anos).

Ao serem perguntadas sobre diferenças e desigualdades no que diz respeito às relações étnico-raciais, as professoras afirmam não perceber discriminação em sala de aula, nem na escola. Ainda que na segunda enunciação apareça o reconhecimento da existência da diversidade na comunidade (fato que se usa para justificar a ausência do preconceito), a escola é apresentada como um lugar em que não ocorre preconceito ou discriminação, já que o fato narrado foi apontado como algo diferente ao que acontece normalmente. Nos estudos sobre raça/etnia, essa concepção da inexistência de preconceitos na escola, e na sociedade em geral, tem sido atribuída a uma prática existente entre nós nomeada de discurso da “democracia racial”.

Essa narrativa existente desde “[...] o contexto dos anos 30 do século XX e reeditada ao longo dos anos” (Gomes, 2007:101) afirma que o Brasil é um país de intensa miscigenação racial e cultural em que os diferentes grupos étnico-raciais convivem de forma harmoniosa. Por não terem conflitos étnico-raciais abertos ou princípios legais demarcando discriminações explícitas, imagina-se que o critério racial jamais foi relevante para “definir as chances de qualquer pessoa no Brasil”. Em outras palavras, “[...] ainda é fortemente difundido no Brasil” o discurso de que “[...] a cultura brasileira antecipa possibilidades de um mundo sem raças” (Bernardino, 2002:249).

 Se, por um lado, como argumenta Gomes (2007), essa formulação “[...] acaba desviando o foco da profunda desigualdade racial existente em nosso país e dos impactos do racismo na vida dos negros e negras brasileiros/as” (Gomes, 2007:101), por outro, ela tem influência no processo de constituição de identidades de meninos e meninas.

Foi isso que encontramos na Escola investigada na qual se divulga não haver racismo, sob o argumento de que

“brancos são minoria e que as crianças já se conhecem da comunidade mesmo, vão nas casas umas das outras e por isso não há nenhum tipo de discriminação” (Trecho da entrevista com o professor Kevin).

Nessa perspectiva, o não racismo decorre da idéia de uma simples questão de proximidade com outra pessoa. Na tentativa de garantir ou acreditar que a instituição apareça como um local em que não há discriminação, as representações dos diferentes grupos étnicos acabam não sendo incluídas no currículo. Na tentativa de ser “sem cor”, neutra e transparente, a escola acaba silenciando desigualdades, invisibilizando a maior parte de seus/suas alunos/as, dificultando o processo de identificação de muitas crianças. Entretanto, apesar da aparente neutralidade no que se refere às diferentes raças e etnias, estudos no campo curricular têm mostrado que "quando se fazem análises etnográficas no interior das salas de aula, ou se observam os materiais curriculares, logo aparecem, diante de nossos olhos, condutas que invalidam as auto-imagens de neutralidade que o sistema educacional oferece" (Santomé, 1995:169). Isso também foi perceptível na pesquisa realizada e aqui apresentada.

Nas histórias infantis, nas práticas curriculares, nos desenhos e imagens das atividades, nos brinquedos, nos murais, nas mochilas, nas agendas, nos desenhos das roupas usadas e nos filmes assistidos não havia qualquer menção às culturas diferentes da cultura branca. As princesas e os príncipes das histórias contadas na escola são todos/as brancos/as. Todos/as os heróis e heroínas dos filmes são brancos/as. Todos/as os/as bonecos/as[2] das brincadeiras são brancos/as. As atividades trazem crianças brancas ou sem cor.

Raramente alguma outra raça/etnia é representada nesses materiais. Essas ausências também foram encontradas pela pesquisa de Kaercher (2006), na qual foram analisadas as obras literárias do acervo do PNBE/99. Segundo a autora,

“[...] o sonho do branqueamento sinalizou para a fusão dos conceitos de raça/cor na Literatura Infantil e infanto-juvenil para a tentativa de apagar negros e mestiços das representações de raça” (Kaercher, 2006:111).

 Essa desvalorização da estética negra traz efeitos importantes para as identidades de meninos e meninas. Para Gonçalves

“[...] o ritual pedagógico do silêncio exclui dos currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira e impõe às crianças negras um ideal de ego branco”. Gonçalves (1987:28),

Ao ter contato com tantos materiais que exaltam a branquidade, acaba-se enfatizando identidades brancas e dificultando que meninos e meninas negros/as se identifiquem com a identidade negra ou que atribuam valor positivo a ela. Como exemplo, podemos observar os coloridos de algumas atividades apresentadas a seguir.

                                                 Figura 2                                                                        

Fonte: fotos tomadas pela pesquisadora do caderno de atividades da turma

Os desenhos são produções das crianças de cinco e seis anos da escola investigada. Apesar de nessa escola predominarem alunos/as negros/as ou mestiços/as, os coloridos ressaltam o ideal de branqueamento presente em nossa sociedade e no currículo investigado. As crianças, mesmo sendo identificadas pela pesquisadora e por profissionais da escola como pertencendo a outro grupo étnico-racial, registram em seus desenhos o padrão estético presente na instituição e na sociedade de um modo geral, que divulga com freqüência ídolos, príncipes, princesas e super heróis brancos.

Nas suas criações, mesmo ao representarem colegas negros/as, como acontece na figura 2 acima[3], todos os desenhos representam crianças brancas. Além disso, pode-se notar nessas e em outras imagens que são permanentemente expostas nos currículos investigados, como as figuras femininas são constantemente coloridas com cabelos loiros. Há aí um atravessamento de gênero e etnia importante. Os homens e meninos, em sua maioria, ficam com os cabelos pretos. As mulheres e meninas são deixadas brancas e com cabelos loiros marcando um ideal feminino de beleza branca e um masculino que não é necessariamente loiro.

Ao analisar esses e outros desenhos, podemos refletir sobre a dificuldade de identificação que as crianças negras encontram no currículo escolar desde muito cedo. A elas é imposta como guia de referência o branco. No processo de identificação, fundamental para a produção das identidades, as crianças negras ficam sem outro referente nesse processo. Esse silêncio tem como efeito que as crianças negras acabam se identificando com o referente branco, dominante em nossa sociedade.

No currículo investigado, a falta de criação de referências não brancas é tão recorrente que nas instruções sobre uma atividade de colorir determinado desenho, orienta-se que as crianças coloram “sem sair do limite e sem colorir os rostos e membros”. A atividade se referia a bilhete em função do Dia das Mães. O papel, desenhado em forma de pergaminho, tinha como título “certificado mãe do ano”. Abaixo do título, havia um campo para colocar o nome da criança e, em seguida, os seguintes dizeres: “A você que é ternura, amor, dedicação, a nossa gratidão”. Na ilustração havia uma menina segurando um grande coração nas mãos. Dentro deste havia a palavra mãe. O reforço em pedir muito capricho no colorido se refere ao fato dessa ser uma atividade para fora da escola e, sobretudo, para ser entregue à mãe. As crianças começam a tecer comentários sobre o assunto:

Episódio 1

Lívia: Vou colorir o cabelo dela de rosa

Vinícius: Não existe cabelo rosa.

Vitor: Existe sim, tem gente que pinta!

Professora: Silêncio todo mundo! Não quero ninguém conversando. Vitor! Letícia!

A professora passa o olho nas atividades e diz: “eu tô vendo cabelo verde, rosa. Já combinamos que cabelo é marrom ou amarelo” (Trechos do diário de campo, turma de 5/6 anos).

Em primeiro lugar, percebe-se, com essa atividade, um cruzamento de gênero e raça ao se ilustrar e colorir a atividade. Em relação ao gênero, a atividade é a mesma para toda a sala, ou seja, há uma menina entregando um coração à sua mãe inclusive para os filhos meninos que entregariam o bilhete em casa. Mais uma vez, há aí a circulação de representações sobre o feminino que associam as mulheres à emoção, doçura e carinho[4], representações essas não encontradas no que se refere aos meninos.

Em relação à raça, nesse momento, o capricho exigido significou não sair do contorno e deixar o corpo da menina branco. Não basta ser uma menina, para que a atividade tenha valor, é pedido que seja uma menina branca. Em segundo lugar, ao afirmar que “cabelo é marrom ou amarelo”, essa ação pedagógica apresenta certo ideal de beleza e exclui uma infinidade de outras possibilidades de cores de cabelos que existem na própria escola.

 Esse ideal exclui cores de cabelos escuros e tons de pele que não sejam brancos. Cabe ressaltar, contudo, que o cabelo da professora em questão é preto e que a mesma tem características fenotípicas que nos permitem identificá-la como negra. Entretanto, como afirma Munanga

“[...]parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é negro ou não [...].”Munanga (2004:52):

O autor defende ainda que “os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. [...] Trata-se de uma decisão política” (Munanga, 2004:52). Por se tratar de um posicionamento político, identificar-se com determinado grupo étnico-racial implica aceitar as características atribuídas a ela. Essa aceitação, porém, também depende de como essas características de determinados grupos são valorizadas pela sociedade.

Como o autor supracitado nos lembra, num país no qual há um desejo de branqueamento tão recorrente, pode-se entender a possível dificuldade do currículo divulgar representações de cabelos e peles não brancos (como o próprio cabelo) para as crianças. Talvez, em seu processo de formação, essas/es professoras/es não tenham oportunidade de refletir sobre questões relacionadas à raça/etnia. Provavelmente, nos currículos de formação docente, também não havia representações que valorizassem os grupos étnicos minoritários. Afinal, como sugere Paraíso (2000), não podemos nos esquecer de que os/as professores/as tiveram e têm uma formação cujos currículos têm narrativas étnico-raciais excludentes e que algumas etnias/raças são completamente silenciadas nos currículos por meio dos quais elas/eles se formaram. As professoras e os professores negras/os e brancas/os vivenciaram e vivenciam os mesmos currículos que, no Brasil, têm sido historicamente brancos e etnocêntricos.

Como afirma Gomes

 "{...]compreender a complexidade na qual a construção da identidade negra está inserida, sobretudo quando levamos em consideração a corporeidade e a estética, é uma das tarefas e desafios colocados para os educadores”. Gomes (2003:173)

Ainda, segundo essa autora, as discussões referentes à identidade negra deveriam, também, ser uma das preocupações dos processos de formação de professores/as quando estes/as discutem a diversidade étnico-cultural (Gomes, 2003). Afinal, uma professora que não teve acesso a esse tipo de discussão dificilmente conseguirá introduzi-la no currículo sob sua responsabilidade.

Nesse sentido, diante do silenciamento da representação da diversidade étnico-racial, o que crianças brancas e negras podem aprender sobre si próprias e sobre os/as outros/as a sua volta? Foi possível constatar que os meninos e meninas de uma das salas investigadas parecem se acostumar com esse padrão de branquidade. Ao analisar os 25 cadernos da turma de crianças de cinco anos, em somente uma das atividades uma imagem de menina foi colorida de marrom, inclusive pelo único menino loiro da sala. Os demais coloridos são todos de pessoas brancas.

              Figura 3 – atividade caça-letras

Fonte: foto tomada pela pesquisadora do caderno de atividades da turma C

Apesar da predominância de representações de pessoas brancas, é possível perceber, como no caso do colorido feito por um menino e registrado acima, alguns escapes no currículo escolar. Contudo, esse escape, representado no colorido de uma criança, não é comentado, nem trabalhado, nem usado como incentivo para a multiplicação desses coloridos que poderiam facilitar o processo de identificação de diferentes crianças negras presentes na escola e na sala de aula onde a atividade aconteceu. O desenho acaba se tornando, então, apenas uma exceção nas inúmeras atividades realizadas e que divulgam apenas o/a branco/a como referente.

Em alguns poucos momentos, questões relacionadas aos diferentes grupos étnicos são incluídas. Foi o que aconteceu no caso da história das “Meninas Negras”. Essa história foi escolhida por uma professora que trabalha de forma conjunta com a professora da turma pesquisada, composta por crianças de cinco e seis anos de idade.

Elas se uniram para elaborar um projeto que deveria ser exposto em um encontro das escolas da rede, promovido pela prefeitura. Nesse encontro, chamado “Infância na Ciranda da Educação”, várias escolas discutem temas relacionados à educação infantil e expõem trabalhos realizados pelas crianças. O livro escolhido fala de Mariana, Dandara e Luanda. Trata-se de uma pequena história, transcrita integralmente a seguir, na qual as três meninas são apresentadas.

Mariana... o mundo de Mariana é mar, rio e ar... Mariana é negra, alegre e sonhadora, e gosta da sua cor. Mariana carrega no nome o mar, o rio e ri o tempo todo. Na escola a professora conta que os negros vieram lá da África. Vieram como escravos. A menina sonha com a liberdade. Seu sonho atravessa o oceano atlântico e encontra a Mãe-África linda e livre. Mariana é mar, rio e ar e voa na imaginação.

Dandara é uma linda menina: negra, olhos grandes e espertos, sorriso aberto. Dandara quer um bicho de estimação. Ela quer uma girafa ou um leão. Ela quer um tigre pintado no chão. Quer ter muitas zebras dormindo no seu colchão. Na escola a professora fala da África, das suas terras... Dandara viaja as nuvens pela janela: é girafa, elefante, tigre e leão. Dandara voa na imaginação.

Luanda menina bonita, de corpo tão forte, menina do tom de chocolate. Dança como ninguém, aprende o que lhe convém. Na escola a professora fala da cultura dos que vieram da África. Luanda, de som na alma negra tão natural, balança seu corpo para resistir. Dança sua história, menina feliz. Essas são as meninas negras. Pele marrom, olhos tão vivos. Gostam de ouvir histórias, aprender a ler e a contar. Elas se enxergam cada vez mais no lindo espelho da Mãe-África. E juntam conhecimento com imaginação de um povo resistente que nunca desiste de ser feliz.

                 Figura 4 – Mariana, Dandara e Luanda

Fonte: fotos tiradas pela pesquisadora das ilustrações do livro Meninas Negras

De modo geral, a história destaca que são meninas negras, belas, felizes e que têm uma cultura de matriz africana. Ao falar das meninas dessa maneira, esse livro ensina um certo modo de ser criança, menina e negra. Ele faz circular representações sobre infância, negritude e feminilidade que podem ter importantes efeitos na construção das identidades, já que a literatura constitui-se em importante espaço de divulgação de sentidos e representações sobre os diferentes grupos culturais (Silva, 2002). Essa história pode ensinar, por exemplo, o reconhecimento da beleza negra e a importância dos/as negros/as se reconhecerem como belos/as.

Pode ensinar sobre a existências de meninas que sonham com liberdade (a da África e talvez a sua também). Se durante muito tempo os livros de literatura apresentavam personagens brancos/as como ideais de beleza, aqui são as meninas negras as apresentadas como belas. A negação da beleza negra podia fazer com que as crianças negras construíssem “[...] negativamente imagens sobre si próprias, desenvolvendo uma baixa autoestima e rejeição de suas raízes étnicas” (Rocha, s.d: 13). Em contrapartida, ao reafirmar a beleza negra, esse livro pode contribuir para que as crianças negras, especialmente as meninas, criem representações positivas de si mesmas e de sua cultura africana.

Cabe ressaltar também que as meninas negras do livro em questão não são vistas como nos contos clássicos, nos quais a menina “ou tem um papel secundário, ou é vista com as características descritas no conto de Chapeuzinho vermelho, no qual a ingenuidade e a ignorância são as qualidades celebradas e consagradas” (Abramowicz, 1998:93). Ao contrário, elas são lindas e têm “olhos grandes e espertos” com os quais tentam compreender a cultura africana e vivenciá-la.

Podemos, também, encontrar nessa história atravessamentos importantes entre as representações de gênero e de etnia. Num primeiro momento, as meninas é que são evocadas para falar dessa infância que valoriza a cultura negra. Talvez isso aconteça porque, historicamente, há um processo de considerar as mulheres negras, senão como bonitas, pelo menos como sensuais e sexualmente interessantes (Pacheco, 2008). Mas as meninas negras da história não são representantes de qualquer tipo de menina. Elas são alegres, espertas, sonhadoras e fortes.

 Também não se submetem àquilo que a escola ensina, já que a personagem Luanda “aprende o que lhe convém”. Se, por um lado, essa seleção do que interessa aprender poderia ser interpretada como algo ruim em relação às características comumente atribuídas aos/às negros/as, como a malandragem, por exemplo, pode-se aprender também que as meninas não são submissas, como por muito tempo se esperou que fossem as mulheres e os/as negros/as.

As três garotas da história apresentam escapes em relação ao exercício de poder que durante muito tempo fez com que mulheres e negros/as estivessem oprimidos/as. Pode-se considerar que esse livro representa uma tentativa de narrativa dos negros/as e das mulheres não pelo olhar do outro, mas por um olhar que procura incluir “formas culturais que refletem a experiência dos grupos cujas identidades culturais e sociais são marginalizadas pela identidade européia dominante” (Silva, 2002:126). Nesse sentido, sua inclusão no currículo escolar pode representar a possibilidade de inserir histórias diferentes daquelas que historicamente se contou sobre as meninas e os meninos negros/as e que, realmente, podem ser consideradas, pelas crianças negras, como histórias que não lhes “convém aprender”.

Essa história traz também representações sobre o continente africano que podem ser importantes para construir identidades na educação infantil. Se considerarmos, como vêm apontando as análises pós-colonialistas, que a literatura é “uma narrativa que efetivamente constrói o objeto do qual fala” (Silva, 2002:127), é importante estarmos atentos/as a que construção sobre a África vem sendo feita nesse artefato.

 Um primeiro aspecto que chama a atenção é o fato de Dandara aprender sobre a África na escola. Lá, sua professora conta que os negros vieram lá da África. Vieram como escravos. Esse modo de falar sobre a África no currículo escolar é bastante recorrente e vem sendo criticado pelo movimento negro. Gomes (2008: 75) afirma que “[...] ainda quando se fala em África na escola e até mesmo no campo da pesquisa acadêmica, reporta-se mais ao escravismo e ao processo de escravidão”.

 Os outros elementos da cultura africana são silenciados, fazendo com que haja “[...] uma grande desinformação sobre a herança africana e sobre as realizações do negro brasileiro da atualidade” (Gomes, 2008:74). Cabe ressaltar também que a professora fala que os negros “vieram lá da África”.

Essa idéia de que os negros vieram para o Brasil tem sido questionada pelo movimento negro, já que “o negro escravo não veio para o Brasil por sua vontade própria. Ele foi ‘caçado’ em suas terras” (Rocha, s.d.:30). Ao apresentar o/a escravo/a dessa forma, ignora-se ou silencia-se toda a resistência e o movimento de luta realizado pelos/as negros/as para fugirem do processo de escravidão.

Essa não é, contudo, a única representação da África presente na história. Como os sentidos são sempre disputados, o livro também fala desse continente apresentando-o como “mãe”, como o local “[...] no qual se encontra não só a nossa origem, mas também de toda a humanidade” (Gomes, 2008:76). Mais uma vez a África é apresentada como o espaço da natureza exuberante e exótica, das zebras, leões, girafas e tigres. Entretanto, ela é também local com uma cultura própria com a qual as meninas negras se identificam e que faz com que sejam felizes.

Tendo em vista os significados e as representações que a história, acima citada, coloca em circulação no currículo escolar investigado, ficamos atentas à forma como o projeto “Meninas Negras” seria desenvolvido e como esse livro seria trabalhado em sala com as crianças das turmas pesquisadas. Os objetivos explicitados no projeto eram: “incentivar o gosto pela leitura; trabalhar questões acerca do preconceito racial; conhecer o outro e respeitá-lo independente de sua cor; respeitar os colegas e as pessoas; e discutir sobre as raças, as crenças e as individualidades de cada um” (Trecho do projeto escrito pela professora). Para isso, planejou-se ler o livro para as crianças, fazer as meninas negras em massinha e fazer as meninas negras em um cartaz para a exposição. O projeto teve a duração de uma semana.

Ao analisar os objetivos desse projeto curricular, é possível perceber uma concepção multiculturalista “que se poderia chamar de multiculturalismo liberal ou humanista” (Silva, 2002:86) e que fica evidente na noção de “respeito” à diferença. Nela, em nome de uma humanidade comum, apela-se para o respeito, a tolerância e a convivência pacífica entre os diferentes grupos culturais. Nesse caso, deve-se respeitar a diferença, pois, sob a aparente diferença, existiria uma mesma humanidade. Todavia, a referência a uma humanidade comum é rejeitada pelas perspectivas multiculturalistas pós-críticas, uma vez que, para elas, essa noção “[...] deixaria intactas as relações de poder que estão na base da produção da diferença” (Silva, 2002:88).

Desse ponto de vista, as diferenças são constantemente produzidas por meio de relações de poder e, por isso, não devem ser simplesmente respeitadas ou toleradas. Afinal, a idéia de respeito implica certa superioridade por parte de quem deve respeitar e quem deve ser respeitado, além de um certo essencialismo cultural que busca fixar as diferenças, como se elas já tivessem sido estabelecidas definitivamente, restando apenas respeitá-las. Assim,  em um currículo que adota outra visão multiculturalista, a crítica, “[...] a diferença, mais do que tolerada ou respeitada, é colocada permanentemente em questão” (Silva, 2002:89), para mostrar seu processo de produção e os objetivos a que ela serve.

Cabe ressaltar também outro objetivo do projeto: a questão do preconceito racial. Na mesma escola que se divulga não haver preconceito, coloca-se essa questão como um objetivo a ser alcançado no projeto. Esse aparente conflito pode servir para pensarmos como as questões envolvendo raça e etnia são complexas no interior da escola. Ao mesmo tempo em que se nega a existência do preconceito, reconhece-se ser esse um objetivo educacional importante.

 Isso talvez ocorra por uma pressão legal, já que a temática vem sendo constantemente debatida por diversos movimentos e reivindicada na legislação, ou até mesmo pela minha interferência no currículo escolar, por saberem que eu estaria atenta a como essas temáticas de gênero e étnico-raciais apareceriam no currículo. Além disso, sendo essa temática apresentada como uma exigência legal pode-se supor que ela traria prestígio para a escola junto à prefeitura, que organizou o trabalho que deu origem ao projeto. Pode-se perceber, assim, como o currículo escolar se constitui em um artefato de circulação de múltiplos significados (Silva, 2002), que serve a diferentes interesses e que é objeto onde ocorrem relações de poder de diferentes tipos.

Apesar das questões destacadas acima, o fato em si já demonstra a tentativa de dar voz a dois grupos que não exercem poder no currículo escolar: mulheres e negras. Pode-se dizer que é efêmero? Sim. É feito de forma desconectada? Também. É contingente? Provavelmente. Mas apesar disso tudo, não deixa de ser uma tentativa, um escape, uma forma de “subverter as normas” (Butler, 2003), que comumente colocam como referente no currículo o homem, branco, ocidental (Silva, 2002). Mesmo sendo um escape, ainda é uma forma de representação e de inscrição, na qual o “outro” é visto, apresentado, produzido. Isso é central na produção da identidade.

Entretanto, é preciso fazer uma análise mais atenta desse projeto. Primeiro, discussões sobre as relações de gênero e sobre a cultura feminina não aparecem nem mesmo nos objetivos do projeto. Além disso, embora no projeto encontrássemos que um dos objetivos era trabalhar questões étnico-raciais, não houve uma discussão atenta dessa questão no currículo investigado.

No dia posterior à leitura da história, a professora relembrou no quadro o nome das meninas. Muitas crianças não se recordavam dos nomes das personagens e também não houve qualquer tentativa de inserir uma discussão das questões relacionadas ao preconceito ou, até mesmo, à tolerância, como apontado nos objetivos do projeto. Apenas se resgatou a história. Se o objetivo era trabalhar o preconceito e a discriminação existente na sociedade, ele se perdeu nessa atividade de resgate da história feita no currículo em ação.

O foco, então, do desenvolvimento do projeto passou para a confecção das bonecas na massinha – afinal, só havia uma semana para o projeto e a exposição – e na confecção do cartaz em papel craft e crepom. Meninos e meninas fizeram as meninas negras nas massinhas. Os meninos terminaram primeiro, enquanto algumas meninas criavam os detalhes como as pulseiras, brincos, sapatos e cabelo.

 Na seqüência, as professoras montaram – com a ajuda das crianças que confeccionaram bolinhas de crepom – as bonecas negras gigantes. Foi percebido nesse processo de execução do projeto que as crianças se envolveram na preparação dos materiais, mas sem discutir os aspectos das diferentes culturas, como outras línguas, músicas, crenças, rituais ou preconceitos étnico-raciais e respeito aos outros. Ao final da semana, os materiais foram enviados para a exposição a qual as crianças não assistiram. Apesar de todo o trabalho realizado, não houve mais menções a ele na escola.

Figura 5 – Meninas negras em massinha

Fonte: foto tomada pela pesquisadora do material produzido pelas crianças

Avaliando todo o currículo observado durante um ano letivo, é possível afirmar que o tratamento dado à questão da negritude na atividade relatada acima pode ser considerado como um exemplo de “currículo turístico”: aquele currículo que

“[...] em apenas um determinado dia e, inclusive numa única disciplina, nos detemos sobre um tipo de problemática social; no restante dos dias do ano letivo, essas realidades são silenciadas quando não atacadas” (Santomé, 1995:174).

 Essa modalidade curricular está bastante presente no tratamento dado aos grupos que não exercem poder na escola investigada. As culturas que não exercem poder na sociedade são tratadas como "souvenir", uma pequena lembrança; de modo desconectado das outras atividades e dos conhecimentos trabalhados pelo currículo em apenas um ou poucos dias letivos.

 Há uma presença pouco significativa de materiais que remetem aos diferentes grupos culturais. Isso pode ser evidenciado pelos poucos livros com personagens negros. Ao observar o acervo da biblioteca, foram encontrados apenas dois livros contendo imagens de crianças negras: “O menino Nito”, de Sonia Rosa, em que o personagem principal é um menino negro e “A gente pode. A gente não pode”, de Anna Cláudia Ramos, que contém imagens de crianças brancas e negras em alguns momentos do cotidiano.

Entretanto, apesar da presença de um livro que tem como personagem principal um garoto negro, este nunca foi lido para as crianças. E por não ser lido, ele também não fica entre os mais procurados por elas na biblioteca da sala, nem que seja para manusear e ver as imagens. Além disso, a história do Menino Nito seria interessante para trabalhar o atravessamento de gênero e raça/etnia, uma vez que Nito é um menino negro, homem e chorão. O enredo discute a questão se homem pode ou não chorar.

Vale ressaltar que a questão indígena também é trabalhada na escola por meio do “currículo turístico”. Durante todo o ano, falou-se sobre esse grupo somente uma vez, em abril. Ao explicar que haveria uma festa em comemoração ao “dia do índio” a professora avisa: “pessoal vamos fazer chocalho, cocar, conhecer onde eles moram, vamos cantar, vai filmar, tirar foto” (Notas do diário de campo, turma de 5/6 anos).

 A única atividade que se relacionou, de alguma forma, com a temática foi ensaiar uma música indígena para apresentar para outras crianças da escola, junto com outra turma, a mesma que desenvolveu o projeto das meninas negras. No “currículo turístico”, criam-se momentos únicos para se lembrar dos grupos que exercem pouco poder (negros/as, índios/as e mulheres, por exemplo). Como nomeia Santomé (1995), trata-se do famoso “Dia DE”. Escolhe-se um momento, uma data, um “dia de”, uma atividade para que esses grupos apareçam e sejam apresentados. Assim, ao serem contempladas como algo distante, que não tem a ver com nossa cultura, esses grupos se tornam “algo estranho, algo exótico” (Santomé, 1995:173). Tão estranho, que não foi presenciado nenhum outro episódio ocorrido durante a investigação para analisarmos neste estudo. Podemos apenas apontar esse silenciamento da cultura indígena no currículo investigado.  

Incluir dessa forma no currículo as culturas que exercem menos poder não significa que elas deixaram de ser predominantemente negadas na escola, em particular, e na sociedade, em geral. Ao estudar somente alguns aspectos superficiais e canonizados para cada cultura, ainda mais da forma esporádica, como foi feito no currículo investigado, pouco se contribui para um tratamento menos desigual de raça, etnia e gênero, por exemplo.

 Quando o currículo, ao selecionar suas atividades e saberes, silencia essas diferenças e afirma não haver discriminação, ele não permite que as crianças criem uma identidade que se oponha à identidade padrão. Fica muito mais difícil engajar-se em lutas contra as formas de discriminação existentes em nossa sociedade. Assim, pode-se dizer que a afirmação da identidade cultural do grupo étnico-racial negro e indígena fica comprometida. Nesse contexto, o menino negro e a menina negra aprendem

“[...] desde muito cedo, a se anular, a não se ver em algum lugar, a silenciar, a não contar aspectos positivos de seus antepassados. Este aprende a se negar, a negar sua raça e sua identidade para ser aceito pelo outro” (Paraíso, 2000: 25).

São alguns desses possíveis efeitos nas identidades de meninos e meninas que analisamos a seguir. 

2. “Você já nasceu branca assim?” Relações entre gênero, corpo negro e cabelo       crespo na produção das identidades infantis

Episódio 2

Durante uma atividade em sala Tatá, uma menina negra, me pergunta: “o que aconteceu com você? Já nasceu branca assim?”. Respondo que sim. Ela continua me observando e pergunta novamente: “quem pintou sua unha?”. Taís ouve a conversa e também aproveita para perguntar: “foi você que alisou seu cabelo?”. Digo que não, e ela conclui em forma de pergunta: “você já nasceu com ele liso?”. A professora volta a pedir silêncio para o término da atividade e o assunto é interrompido (Notas do diário de campo, turma de 5/6 anos).

A fala da menina Tatá, aluna da escola em que foi realizada a pesquisa, remete a várias questões. Em um primeiro momento, podemos discutir como as diferenças físicas são percebidas pelas crianças. A menina, mesmo sem conhecer o processo biológico que faz com que tenhamos características físicas diferentes, percebe que há algo em mim, como a cor da pele, que difere dela. Podemos também refletir sobre outro aspecto: ao questionar se mudei de cor, a menina dá indícios para pensarmos como as crianças compreendem a questão étnico-racial. É como se a cor da pele fosse passível de escolha e de mudança, assim como a cor das unhas ou do cabelo.

Esse tipo de compreensão das crianças também já foi observado em outras pesquisas na educação infantil (Fazzi, 2004; Dias, 2007). Dias (2007), por exemplo, explicita o relato de uma professora que viveu uma experiência parecida. Um menino branco de quatro anos, ao observá-la dar banho em um menino negro de dois anos, perguntou por que ele era assim, preto. Ela respondeu que ele nasceu assim. O menino, tentando entender, pergunta se nem esfregando muito com a bucha e o sabão ele poderia ser branco (Dias, 2007:64).

Essas crianças mostram como é possível – a partir de mudanças em nossos traços corporais e, com base nisso – construir significados diferentes para o que somos, para os modos como nos apresentamos em relação ao mundo. Elas também revelam uma curiosidade em relação ao diferente: ao perceberem meus traços como distintos dos delas, as duas crianças da escola investigada começam a levantar hipóteses para tentar entender por que eu sou daquela forma.

Podemos pensar que essas duas meninas tomam o seu corpo como referência para avaliar o meu. Para elas, o “normal” não parece ser nascer branca ou com cabelo liso. O “normal” é o/a negro/a, de cabelo crespo. Ao mesmo tempo, porém, elas mostram também conhecer como as pessoas mudam esse padrão para se adequar à norma branca. Isso fica evidente quando perguntam se alisei meu cabelo.

Esses episódios servem para analisarmos como as identidades negras, assim como qualquer identidade, podem ser construídas de forma gradual, em um processo que, como registra Gomes (2003:171), “envolve inúmeras variáveis, causas e efeitos desde as primeiras relações estabelecidas na família até suas ramificações e desdobramentos a partir de outras relações que o sujeito estabelece ao longo da vida”. Ainda que não se possa “mudar de cor”, é possível dar novos sentidos para ela. Esses sentidos estão relacionados a jogos de forças, nos quais cores mais claras ou traços corporais comumente atribuídos às pessoas brancas, por exemplo, são considerados como mais positivos no currículo analisado.

Além da cor da pele clara, a questão do cabelo assume centralidade na construção de identidades generificadas e étnicas na escola. Em variados momentos, foi possível perceber como o cabelo se torna um modo de exercer poder sobre as crianças, especialmente as meninas, construindo assim suas identidades.

Episódio 3

Larisa, uma menina que tem cabelo crespo, sempre ia à escola com o cabelo preso, mas sem penteá-lo. Isso fazia com que o cabelo logo se despenteasse. Certo dia, Larissa mudou de penteado e, além de amarrá-lo, penteou e prendeu com tic-tac. Assim que entro na sala, Larissa corre até mim enquanto guardo a bolsa e diz: “olha o meu cabelo! Fiz escovinha!”. Falo que está lindo como sempre, e vou sentar. Ela senta perto de mim, conversa outras coisas e volta ao assunto: “olha como meu cabelo está liso, passa a mão aqui para você ver... não tá liso?”. Entretanto, a menina não havia feito escova. Ela continuou a conversa falando de outra coisa: “meu pai fez pastel de banana”. Passa algum tempo, durante uma atividade, ela se levanta, molha o cabelo na pia da sala, volta e pergunta: “agora tá bonito?” (Notas do diário de campo, turma de 5/6 anos).

Nas diferentes culturas, o cabelo constitui-se em uma importante marca identitária, já que é um dos elementos mais visíveis e destacados do corpo, especialmente para as meninas. Ao longo da história, múltiplos sentidos foram dados para ele (Gomes, 2003). Pensando especificamente no cabelo dos/as negros/as, pode-se dizer que há uma tensão na qual variados significados são construídos. Gomes (2003), em sua pesquisa realizada em salões étnicos na cidade de Belo Horizonte, mostra que alguns grupos desejam o cabelo “crespo natural” para expressar sua negritude. Outros grupos preferem as tranças, por julgarem que esse penteado se aproxima das raízes africanas. Outros, contudo, optam pelo cabelo alisado, por considerarem que tal penteado aproxima as mulheres negras do padrão estético socialmente valorizado, visto geralmente como o mais belo e o mais arrumado. 

Essa referência que toma o cabelo liso como mais belo está presente no episódio descrito acima. Além de Larissa, outras meninas negras também demonstravam preocupação com o cabelo. As professoras elogiavam quando o cabelo crespo chegava alisado, diferentemente do que acontecia quando eles iam enrolados. Esses comportamentos evidenciam “como a cor branca, com seus atributos, nunca deixou de ser considerada como referencial da beleza humana” (Munanga, 2006:15). Na escola investigada, as crianças operam com esse referente, na medida em que consideram que, para ser bela, é necessário ter o cabelo liso. Dessa forma, a representação de beleza branca presente na sociedade é reafirmada também no currículo, com efeitos significativos na construção de suas identidades.

Se considerarmos que, além disso, enunciações do tipo: “fala pra sua mãe arrumar o seu cabelo” ou “vai lá ao banheiro arrumar e prender o seu cabelo” são repetidas no currículo, pode-se afirmar que se exerce um poder constante sobre o cabelo feminino. Nesse sentido, não somente identidades étnico-raciais são formadas, mas também de gênero, já que se posiciona a menina no lugar do cuidado e do embelezamento.

 O cabelo da menina é a porção do corpo em que se cruzam forças que produzem uma identidade étnico-racial indissociável da “performatividade de gênero”. A performatividade é

“[...] a prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia” (Butler, 2007:154).

 Quanto mais uma enunciação pode ser citada em diferentes espaços e quanto mais repetição houver desse discurso, mais efeitos tem sobre a produção e a fixação das identidades.

A beleza promove esse cruzamento porque

“[...] fazer-se bela é, assim, antes de mais nada, um investimento social sobre o qual, não se pode esquecer, passam as atribuições de gênero” (Oliveira, 2002:02).

Para garantir sua feminilidade, torna-se importante estar sempre atenta ao modo como o seu cabelo se apresenta. Por exemplo, Lívia, que tinha cabelo crespo e curto, era constantemente confundida com um menino. Para garantir sua identidade feminina, foi preciso alisar o cabelo para que ele ficasse mais comprido, evidenciando, assim, que ela é uma garota. Essa mudança foi marcada na escola com vários elogios dirigidos à menina. Percebe-se, assim, como formatar o cabelo de certo modo serve para ensinar uma determinada norma que passa a ser valorizada tanto pelas meninas como pelos meninos, como mostramos a seguir.

Episódio 4

Durante uma atividade em sala, Willian, um menino que estava sentado próximo às meninas, escuta uma conversa sobre cabelo liso e me diz: “sabe a Larissa? Sabe? Quando ela chega, o cabelo tá todo arrumado, mas quando vai embora, tá todo pro alto, muito bagunçado” (Notas do diário de campo, turma de 5/6 anos).

De tanto reafirmar para as meninas a necessidade de manter o cabelo crespo “controlado”, os meninos também passam a observar e atribuir valor negativo quando esse cabelo foge ao padrão de beleza da mulher branca. Ao verem na mídia, na família e na escola situações em que o cabelo liso é considerado belo, as crianças constroem suas identidades atribuindo também valores positivos para essas marcas corporais.

Para estar dentro desse modelo, exige-se que as meninas prendam seus cabelos, enquanto, para os meninos, resolve-se o “problema” raspando-os. Assim, como efeito desses ensinamentos, algumas crianças negras passam a banir essa marca identitária de diferentes maneiras para serem aceitas dentro das características socialmente valorizadas. Se houvesse outros ensinamentos no currículo, as crianças poderiam aprender a gostar do cabelo crespo e a lidar com ele de forma diferente. Entretanto, os discursos que circulam no currículo fazem com que as crianças tentem se modificar, usando “[...] estratégias de adaptação às exigências sociais de transformação da aparência, nos moldes dos padrões estéticos brancos” (Gomes, 2006:372).

Uma outra representação recorrente sobre os/as negros/as em nossa sociedade, especialmente de homens negros, refere-se a apresentação desses/as como “violento, perigoso e ameaçador da segurança” (Schwarcz, 1996; Tonini, 2002). Na pesquisa realizada, principalmente nos momentos de brincadeira, a preocupação com comportamentos aparentemente violentos dos meninos não se restringia a essa representação do/a negro/a na sociedade, mas incidia indefinidamente sobre meninos brancos e negros. Se esses brincavam de revólveres e armas, logo os/as docentes se posicionavam contra, como evidenciamos a seguir.

Episódio 5

As crianças brincavam na sala com brinquedos de montar. Um menino monta uma arma e começa a atirar. Kevin fala “arma não, vai montar qualquer coisa, menos arma” (Notas do diário de campo. Turma de 3/4 anos).

Episódio 6

Os meninos começaram a brincar de atirar um no outro com a mão, de mentirinha. A professora Helena intervém: “a professora ensinou que não pode brincar de tiro”. Um menino completa, “pode matar só ladrão”. Ela repete, “a professora já falou que brincadeira de pó, pá, pum, não é legal né?”. Eles páram (Notas do diário de campo, turma de 2/3 anos).

Há um controle explícito dos comportamentos dos meninos que, aos olhares das professoras, do professor e das crianças, pode indicar proximidade com a violência tão temida na atualidade. Talvez em função do contexto social em que essas crianças vivem, as professoras e o professor sintam receio de que, no futuro, essas crianças possam se envolver com o crime e, por isso, não aceitam brincadeiras que façam alusão à violência.

Cabe ressaltar que a escola fica em uma comunidade pobre, na periferia de Belo Horizonte, na qual há um alto índice de criminalidade. Em variados momentos, as professoras mencionavam que algumas crianças eram filhos/as de traficantes, independentemente da cor da pele ou da raça/etnia. Nesse sentido, afastar esses meninos dos perigos da rua se constituía em uma função da escola. Por isso, havia intervenções constantes em brincadeiras que remetiam a essa realidade.

Diferentemente de outras pesquisas realizadas com crianças, essas docentes se distanciam da idéia segundo a qual “ladrão é preto e pobre” (Fazzi, 2004). Essa representação do negro foi encontrado por Fazzi (2004) ao investigar as manifestações de preconceitos raciais entre meninos e meninas das séries iniciais do ensino fundamental. Em sua pesquisa, a autora simula o que ela chama de “brincadeira do assalto” na qual ela dizia que duas bonecas, uma branca outra não, voltando para casa seriam assaltadas.

 Ela mostrava, então, dois bonecos, um branco outro não, com mesmo vestuário e perguntava para a criança qual deles seria o ladrão na brincadeira. Das 24 crianças pesquisadas, 20 escolheram o boneco negro para ser o ladrão. A associação dos negros com maldades está presente também no vídeo “Uma conversa sobre raça” (disponível no youtube). Nesse vídeo, crianças negras são colocadas diante de um boneco branco e um boneco negro. Em seguida, são questionadas, entre outras coisas, sobre qual boneco seria o malvado e todas apontam o boneco negro.

Pode-se dizer, então, que, desde cedo, são disponibilizadas várias representações sobre as diversas raças e etnias para as crianças, umas que associam negros e maldade que têm efeitos importantes em suas vidas e nas concepções que elas constroem acerca do mundo. Nesse contexto de variados significados, identidades negras e brancas, masculinas e femininas são produzidas de formas conflituosas e ambíguas. São essas ambigüidades que mostramos a seguir.

3. Outras possibilidades de vivência da negritude e da branquidade: contando novas histórias no currículo escolar?

  Na pesquisa realizada, foi possível perceber que o processo de construção de identidades generificadas no seu cruzamento com raça/etnia não se dá por meio de discriminações explícitas como xingamentos, apelidos, estereótipos, conforme encontrado em outras pesquisas que investigaram a questão racial na educação infantil (Cavalleiro, 2000; Fazzi, 2004; Santos, 2005; Dias, 2007).

 Também não percebemos aquilo que Rosemberg (1999) denomina “pessimismo racial”. Esse processo consiste na descrença no âmbito institucional por parte dos/as que executam a educação infantil na capacidade intelectual da criança negra. É importante também destacar que as crianças não apresentaram, em momento algum, manifestações de racismo entre si. Pelo contrário, há fortes vínculos de amizade e parceria entre elas, o que mostra como as diferenças são construídas ao longo da vida por meio dos discursos disponibilizados na sociedade e pelas experiências vivenciadas em vários espaços, dentre eles, o currículo escolar.

Além disso, há momentos em que representações diferentes daquelas divulgadas socialmente aparecem no currículo investigado, mesmo que de forma incipiente. Isso aconteceu, por exemplo, na encenação da música “Rosa Juvenil”, na qual crianças negras foram escolhidas juntas com as brancas para representar reis e rainhas. Havia dois casais de reis e princesas: um com um rei branco e uma princesa negra (Daniel e Amanda) e um rei negro e uma princesa branca (Arthur e Bia). Além disso, a questão da princesa negra apareceu também em outro momento.

Episódio 7

A caminho do parque do escorregador, Tainá desce cantando: minha professora é uma princesa! A professora responde: e a Tainá é uma princesona! (Notas do diário de campo. Turma de 3/4 anos).

Diante de tantas princesas brancas, tais como Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida, Ariel que aparecem nos contos clássicos infantis, bem como seus príncipes e parceiros, ter a presença de negros/as representando esses personagens apresenta uma possibilidade de construir novos sentidos para a identidade negra, já que as histórias contadas na escola exercem importante papel na construção dos modos de ser infantis. Na maioria das vezes, as crianças negras não encontram referências de heróis, heroínas, reis, rainhas, príncipes e princesas negros/as nos currículos e em outros espaços sociais. Assim, determinadas repetições de discursos sobre os/as negros, por exemplo, possibilitam que enunciações desse tipo sejam divulgadas na mídia brasileira ainda hoje.

Em declaração a um jornal paulista, que abordava a proposta do Ministério Público Federal de criar cotas para modelos negros na São Paulo Fashion Week, um dos mais importantes eventos de moda do país, a estilista Glória Coelho mostrou resistência à iniciativa: “Nosso trabalho é arte, algo que tem de dar emoção para o nosso grupo, para as pessoas que se identificam com a gente. [...] Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, por que têm de estar na passarela?” A primeira a se manifestar foi a atriz Isabel Fillardis, que, por muitos anos, foi modelo. “Ela não sabe que é preconceituosa. Vou crer nisso. Isso é preconceito. Ele só serve para servir, o negro. Para brilhar na passarela, para ser internacional, para ganhar dinheiro, como a Gisele ou como qualquer um, não pode. É horrível isso. Dói. Isso dói muito, sabe? E tenho pena. Tenho pena. Tenho, realmente”, afirmou. (Disponível em: <http://www.new.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_9/2009/04/15/ficha_mexerico/id_sessao=9&id_noticia=10013/ficha_ mexerico.shtml> , Acesso em: 15 abr. 2009)

Essa história nos conta como o corpo negro (com sua cor, seu cabelo e seus traços) é recorrentemente representado de forma negativa e não bela na sociedade brasileira. Embora tenha havido uma tentativa de, em diferentes meios de comunicação, mostrar a pluralidade cultural existente no Brasil, negros/as ainda estão pouco presentes nesses espaços. Os lugares de prestígio em diferentes espaços midiáticos, como vagas em grifes famosas, são, de modo geral, destinados aos/às brancos/as, especialmente às mulheres. Por um lado, isso faz com que, em alguns momentos, os/as negros/as se auto-representem como menos belos/as e não vislumbrem ocupar esses espaços. Na escola investigada, por exemplo, a única menina que manifesta interesse e afirma que vai ser modelo quando crescer é a menina loira de olhos verdes.

Por outro lado, os/as negros/as tentam criar outras representações sobre a beleza negra, como fica claro na reportagem. Eles/as passam a lutar, por exemplo, para que existam cotas em diferentes espaços nos quais a presença branca é marcante, tais como desfiles, universidades, comerciais e novelas, para que exista maior igualdade entre os diferentes grupos étnico-raciais. Como defende Scott (2005), para reivindicar essa igualdade, o movimento negro precisa, em um primeiro momento, aceitar a rejeição da identidade de seu grupo, ou seja, é necessário reconhecer que existe uma desigualdade, em função das marcas identitária, para se posicionar contra elas. Assim, a luta pela igualdade evoca as diferenças que não permitiram essa igualdade, o que se constitui em um paradoxo, já que, ao evocar essas diferenças, pela repetição do discurso, também se está contribuindo para produzi-las e reforçá-las (Scott, 2005). Nesses processos de nomeação, a diferença corre o risco de ser hierarquizada e transformada em desigualdade.

Por isso, os escapes que ocorrem no currículo escolar em alguns momentos são evidências importantes de que não existe somente uma norma identitária fixa e imutável. Eles mostram que é possível redimensionar “o tamanho das lutas que precisamos lutar, tornando-as mais localizadas, menos grandiosas ou ambiciosas, permitindo recuperar, assim, a importância de pequenas mais significativas ações de contestação” (Meyer, 2002:68). Tudo depende das estratégias de poder utilizadas para selecionar o que será ensinado, como e de quais formas os grupos serão representados nesses currículos. Afinal, para a teoria cultural contemporânea, a identidade e a diferença estão estreitamente associadas a sistemas de representação.

Uma eficiente estratégia para garantir a produção de determinadas identidades constitui-se na repetição em vários espaços da norma que se quer construir. Assim, pode-se dizer que a identidade étnico-racial e a de gênero, são produzidas performativamente (Butler, 2007:154), ou seja, as identidades são produzidas quanto mais forem discursivamente reiteradas em vários espaços sociais.

Entretanto, como mostrado neste artigo, o silenciamento existente no curriculo investigado sobre as representações de diferenças étnico-raciais, assim como a reiteração de uma determinada norma identitária de beleza e comportamento, dificulta a percepção da desigualdade por parte das crianças. Apesar de não ter encontrado manifestações explícitas de racismo, acaba-se produzindo desigualdades por aquilo que é silenciado. Embora apareça na escola a idéia de democracia racial e de que lá é um espaço neutro, sem distinções entre os grupos, muitas pesquisas recentes, ao comparar “as condições de vida, emprego, saúde, escolaridade, entre outros índices de desenvolvimento humano, comprovam a existência de uma grande desigualdade racial em nosso país” (Gomes, 2006:47), especialmente se articulada a gênero.

Dessa forma, gênero, raça e etnia se atravessam por meio de diversas aprendizagens que ocorrem desde muito cedo, como mostramos neste artigo. As aprendizagens ocorridas na escola também têm efeitos importantes nas representações de brancos/as e negros/as que perduram e aparecem em outros espaços. Diante do que foi mostrado, podemos refletir: será suficiente a atenção que temos dado a esses ensinamentos? Estaremos reconhecendo nós mesmos/as, profissionais da educação, como inscritas nesses processos de nomeação do “outro”? Temos conhecimentos de outros materiais que poderiam incluir a representação de outros grupos no currículo[5]? Será possível contar outras histórias por meio das ilustrações que aparecem nas atividades, nos cartazes espalhados pela escola, nos livros de literatura, nos brinquedos produzidos? Trata-se de questões importantes que, como mostramos neste estudo, ainda necessitam de análises, discussões e problematizações.

REFERÊNCIAS

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http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/servletrecuperafoto?id=K4721169A2 Marlucy Alves Paraíso

É professora da Faculdade de Educação da UFMG desde 1995 e do Programa de Pós-graduação em Educação da mesma universidade desde 2003. Atualmente é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da FAE/UFMG. É perquisadora do CNPq e Fundadora e Coordenadora do GECC: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas da FAE/UFMG. Possui Pós-Doutorado (PHD) em Educação pela Faculdad de Filosofia y Ciências de la Educación de la Uiversidad de Valência Espanha (2009); Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002); Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995) e Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Viçosa (1992).

Dani CarvalharDanielle Lameirinhas Carvalhar

É professora nos cursos de Pedagogia do Centro Universitário UNA e da Faculdade Pitágoras, atuando também na Pós Graduação em Docência no Ensino Superior e Gestão da Educação da Faculdade Pitágoras. É consultora pedagógica de uma rede educacional para a formação de professoras da escola básica. Atuou como tutora do curso Gênero e Diversidade na Escola (MEC/SECAD). É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas (GEEC) da FAE/UFMG. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Currículo, culturas e práticas pedagógicas. Possui Mestrado em Educação pela UFMG (2009) e Graduação em Pedagogia (2005), pela mesma instituição.


 

[1] Posteriormente, o conceito raça, alicerçado na ideia de raças superiores e inferiores, originalmente usados no século XIX pelas teorias eugênicas, foi (re)significado pelo Movimento Negro com uma dimensão social e política. Assim, raça passa a ser usado como um conceito político, como uma categoria discursiva e não uma categoria biológica (Gomes, 2005).

[2] Especialmente os bonecos estilo “Meu bebê”.

[3] Na atividade da figura 2 pede-se que sejam desenhadas cinco colegas da sala. Ao ver o desenho pronto, pergunto à menina quem são as pessoas que ela desenhou e coloriu. Pelos nomes respondidos percebo que se trata de colegas que apresentam traços físicos que poderiam defini-las como negras. Além disso, a maioria das crianças dessa turma tem a pele negra, e os desenhos, de modo geral, ficaram parecidos com os mostrados nas figuras.

[4] Ao estudar a mídia educativa brasileira Paraíso (2007) também encontrou essa mesma associação das mulheres a símbolos como o coração e a emoção. 

[5]A Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003), posteriormente substituída pela Lei n. 11.465/08, por exemplo, é uma conquista do Movimento Negro para que se incluam outras histórias no currículo. Ela torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e estimula o estudo sobre o povo indígena em sala de aula da rede oficial de ensino do País. Entretanto, essa lei só se aplica ao ensino fundamental e médio. Dessa forma, a educação infantil fica, mais uma vez, sem a discussão – ou produção de materiais importantes para essa discussão – com as crianças.

 

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juillet/décembre 2012  - julho /dezembro 2012