labrys,estudos feministas

número 3, janeiro/ julho 2003

L´humor : um aspecto do discurso feminista dos anos 1970-1990 em revistas :

Le Torchon Brûle [1] et Marie Pas Claire [2] pour la France, Femmes suisses [3] et FRAZ [4] pour la Suisse, Banshee [5] et Ms.Chief  [6] pour l’Irlande.

Brigitte Bastiat

tradução: tania navarro swain

Resumo :

 O humor é um aspecto pouco abordado dos discursos feministas dos anos 1970/1990. Com exemplos tirados de revistas representativas da imprensa feminista francesa, suíça e irlandesa,  observamos que o humor é uma força subversiva que permite atacar os tabus e estereótipos, ligados aos papéis de mulheres e homens na sociedade. As feministas desenvolveram um senso de humor criativo que se diferencia do humor feminino, no sentido em que é mais estimulante e não vitimiza sistematicamente as mulheres. Nos anos 1990, nota-se novas atitudes entre as feministas: autoderrisão e criação de piadas anti-homens. Esta última etapa tende a confirmar a emergência de comportamentos femininos mais solidários e mais afirmativos nas sociedades européias. Françoise Collin declarava em 1979: “ Não temos compromisso com a pertinência, mas sim com  a impertinência” (Collin, 1979 :333). Esta frase caracteriza bem o fundo e a forma do movimento das mulheres e de sua imprensa a partir dos anos 1970. Apesar dos esforços dos mídia para veicular uma imagem deformada dos movimentos das mulheres e de suas idéias, apontando-as como agressivas, histéricas, ultrapassadas e  aborrecidas, estes nunca abandonaram seu humor ruidoso  e subversivo. É este aspecto pouco abordado dos discursos feministas que nos propomos a analisar aqui.

O que é o humor?

Os mecanismos profundos do humor estão ligados a uma dinâmica principal, a do jogo. G.Bourquin analisa a polissemia do termo em francês e distingue quatro sentidos: a regra do jogo,  o desregramento ( há um jogo), a traição (o descaso com a/o parceira/o) e o prazer. (Bourquin, 1992 :35-46). Esta polissemia pemite apreender a complexidade e o alcance do fenômeno lúdico. G. Bourquin resume assim o trabalho do humor: distanciamento ( posição de recuo), relativização (rejeição do dogma), desdramatização ( rejeição do absoluto) .Graça a estes três procedimentos, podemos evidenciar o ridículo de um comportamento ou revelar uma verdade que outros tendem a esconder ou minimizar. Mas o humor não propõe soluções, deixa livre a reconstrução do que foi desestabilizado, seja com a forma anterior ou um outra, dferente, e é nisto que pode subverter fortemente a ordem estabelecida. Ainda mais, a função conotativa do humor é incontestável pois “ tem a vantagem de economizar em discurso, de curto-circuitar o raciocínio” (Landheer, 1992 :66)

Quando Flo Kennedy diz: “ Uma mulher sem homem é como um peixe sem bicicleta” , ela nos poupa uma análise psicológica e sociológica difícil sobre as razões que tornam difícil para uma mulher sentir-se inteira e autônoma; segundo ela, isto não deveria ser assim, ao contrário, seria desejável uma independência em relação aos homens. Este tipo de brincadeira que levanta o moral ( “ pick up humour”) foi muitas vezes interpretado como sendo anti-homens; isto se deve ao egocentrismo dos homens, que querem se sentir o centro de interesse, seja ele negativo ou positivo? De fato, a frase citada não é anti-homens, mas ignora-os soberbamente, muito mais que os ataca. Por outro lado, é claro que o humor possui funções fáticas e poéticas não negligenciáveis, que reforçam sua eficácia.

“ O humor se exprime no gesto tanto quanto na escrita. É um estilo de vida, da arte de viver tanto quanto discurso” Esta citação de G. Bourquin (Bourquin, 1992 :41) aplica-se perfeitamente ao humor feminista , pois os diversos movimentos de mulheres no Ocidente adotaram um tom lúdico, muitas vezes ignorado ou mal compreendido pelos mídia tradicionais.

Características feministas do humor

Quais são os diferentes procedimentos utilizados no humor feminista? A língua constitui o elemento privilegiado do humo,r já que este permite manejar os símbolos e mergulhar no inconsciente, para assim operar transgressões ( simplesmente na linguagem ou no campo social ou sociológico)

Em sua introdução ao livro Pulling Our Own Strings (Kaufman et al., 1980) que é um florilégio de textos feministas humorísticos em inglês , Gloria Kaufman estabelece uma distinção entre humor feminista e humor feminino:

‘ O humor feminista tende a ser um humor de esperança ( “ hope”), o humor feminino tem um laivo de desespero ( “hopelessness”), diz ela. As comediantes colocam em cena , com freqüência, personagens de esposas infelizes,  que vem no homem um opressor inevitável, enquanto que as feministas esperam mudá-lo ou deixá-lo. Se o humor feminista parece mais estimulante, isto não significa , porém, que não tenha traços de amargura.

Quando se lê Marie Pas Claire ( paródia de Marie Claire-NT), por exemplo, no qual as jornalistas são mestras na arte de brincar com a linguagem, sente-se uma espécie de consternação. Sua maneira de troçar dos homens e das relações mulheres/homens parece indicar que há pouca esperança de saída da situação de frustração, na qual se encontram. As mulheres não deveriam, assim, contar senão com elas mesma e suas amigas e a amizade feminina parece finalmente mais fiável e mais gratificante que o amor com os homens, tão grande é sua dificuldade para evoluir. Esta constante decepção está presente em filigrana em numerosas notas  irônicas e sarcásticas, características do humor feminista.

 A incompetência e a falta de lógica dos homens, que eles tanto atribuem às mulheres em suas próprias piadas, é também um alvo freqüente do humor feminista; entretanto, é a atitude que é estereotipada no humor feminista e não um personagem. Porém, nos anos 1970, um estereótipo feminista quase se fixou: em francês, o falocrata, em inglês o “MCP” ( Male chauvinist pig) [7] ou “porco sexista”. Certas pessoas criticaram o fato de reduzir os homens a um animal de quatro patas; outras não viam a necessidade de insultar os porcos! Segundo Gloria Kaufman, o humor feminista não favorece os estereótipos, pois emana de uma cultura que os denuncia, sobretudo quando são associados aos papéis sociais designados aos dois sexos. É assim que nos anos 1970, encontramos poucas piadas invertidas, isto é, as feministas não criam necessariamente piadas contra os sogros porque existem aquelas contra as sogras.

Helga Kotthoff, lingüista da Universidade de Constance e autora de um livro sobre as formas de humor de mulheres e de homens    (Kotthof, 1996)  confirma esta tendência e declara que desde os movimentos de mulheres dos anos 1970, estas não riem mais somente delas mesmas, mas igualmente das condições de vida que as fazem sofrer e das relações que elas cultivam com os homens. Trata-se de um humor de situação, mais criativo, pois é preciso sem cessar renova-lo.

As manifestações dos anos 1970, na Europa, encenaram freqüentemente a opressão das mulheres sob a forma de sketches ou de “ happenings”, influenciadas pelo teatro “ agit-prop” popular nos anos 1960, nos Estados Unidos; a dominação masculina aí é apresentada de modo cômico ou ridículo. Lembremos aqui a colocação de uma coroa de flores no túmulo da mulher do soldado desconhecido, acompanhada do texto “ Um homem em cada dois é uma mulher”, em Paris, em agosto de 1970; a invasão das irlandesas pelo lado do mar do pedaço de praia “Forty-foot”, reservado aos homens em 1976 ( uma foto deste acontecimento foi publicada na capa do n.5 de Banshee) ou a irrupção de mulheres no Palácio Federal em Berna, a fim de lançar roupas sujas nos parlamentares, que discutiam o aborto em outubro 1975.

Evidentemente estas ações não são engraçadas para muitos homens e chocam algumas mulheres. As mesmas pessoas que declaram que os feminismos não tem humor são as que menos o tem quando este se volta contra eles, pois “ ninguém ri na visão de seu próprio sangue”. Com efeito, para encontrar graça nestes gestos, é preciso estar pronta para ver o mundo sob uma perspectiva feminista.  Ora, poucos são os que parecem querer entrar neste jogo, em particular os mídia tradicionais, que nos anos 1970, percebiam raramente o humor contido nestes atos e transmitiam uma imagem errônea das mulheres, chamando-as de histéricas, ameaçadoras da ordem estabelecida.  Basta ouvir as militantes feministas falar de suas experiências ( sobretudo nos anos 1970): entre as palavras que aparecem muitas vezes para descrever suas ações, encontramos “ se divertir” , “ brincar”, “ a lot of fun” , « Viel Spass » ( um bom divertimento, em inglês e alemão)

As mulheres sempre riram juntas e em particular dos homens. Helga Kotthoff explica que as sessões de brincadeiras comuns formam mesmo rituais nas sociedades mediterrâneas ( o sul da França incluso), e que constituem uma espécie de válvula, que permite às mulheres suportar melhor sua condição.

Em um artigo publicado em Penélope  em 1984 (Perrot, 1984), Michelle Perrot distinguia três lugares femininos na cidade no século XIX: o espaço comercial, os pontos de água  e os salões ( sobretudo na França). Os pontos de água , os locais de lavagem, não mistos e por excelência de intimidade, parecem ter sido locais onde a palavra feminina pode se expressar livremente e com crueza. Entretanto, nos últimos 20 anos do século  XX, as coisas mudaram e as mulheres dos países da América e da Europa do Norte não mais se contentam destes pequenos espaços de liberdade. Conscientes do fato que o humor é um instrumento subversivo capaz de pór em cheque o poder – o humor é, com efeito, sempre restringido nos países totalitários – elas contra-atacam, não aceitando mais as piadas sexistas.( “ Não acho que isto seja engraçado”, ouve-se dizer) e propondo sua própria forma de humor.

 Para a artista de cabaré de Cologne Rosa K.WaRTZ, é preciso destruir a imagem das mulheres secas, amargas, sem humor, que se sentem sem cessar discriminadas em relação aos homens e que deles guardam rancor. Em relação ao combate feminista, declara :

            “ tenho o sentimento de estar além deste combate. Durante longo tempo, as mulheres não conseguiram rir delas mesmas. Nos anos 1960 e 1970, tínhamos que nos ver com seriedade pois, senão, ninguém o faria. Para mim, o tempo é agora chegado de poder rir de nós mesmas. Isto não é somente infalível, mas também emocionante. Como os homens podem lutar contra as mulheres, se estas conseguem rir delas mesmas? (Lanfranchi, 1998 :24)

Assim como é importante ridicularizar a sociedade patriarcal, é igualmente saudável e libertador gracejar sobre o feminismo. Aliás, Rosa K.Wirtz pensa que seria interessante para os homens rir das mulheres sem ser tomados automaticamente por misóginos, do mesmo modo, para as mulheres, poder ironizar sobre os homens sem ser consideradas “ misântropas”.

Exemplos humorísticos da imprensa feministas

Os movimentos das mulheres francesas, irlandesas e suíças e sua imprensa possuem características apontadas acima : jogos de linguagem ( de palavras, neologismos), mímicas ou gestos ( ações efetivadas), inversão de estereótipos ( piadas anti-homens), crítica aos estereótipos, auto-derrisão.

Lembramos que os títulos de várias publicações já são trocadilhos, nos quais a auto-derrisão está presente : Le Torchon Brule ( un torchon é um péssimo jornal e também um pano de pratos- NT) , Bsnshee ( nome de fada maliciosa da Gália, Ban= mulher em galês, « shee », pronunciado « she »= ela , em ingles ; além disto, o verbo «  to ban » significa « banir, interditar » em ingles, o que finalmente equivale a dizer que « ela » ou a mulher, não pode se expressar).

FRAZ ( FRAZ é uma espécie de sigla de « « Frauenzeitung », Jornal das mulheres,  mas a palavra « FRAZE » significa « careta », «  caricatura » ; MS Chief ( a escrita feminista de Madame « MS », é utilizada , mas o título significa também « Madame la Chef » e sua pronúncia lembra a palavra « mischief », isto é, « malícia ». Marie Pas Claire ( o título é uma alusão evidente à revista feminina francesa Marie Claire e a palavra « pas » (não) denota, entretanto, uma trajetória oposta à imprensa « glamourosa » ; por outro lado, a expressão familiar « pas clair » ( não está claro-NT )mostra que as mulheres do jornal não se sentem bem na sociedade tal como está constituída).

Pela comparação dos títulos, tais como os franceses Le Monde, Libération, o irlandês The Irish Times ( os tempos irlandeses), os suíços Le Temps ou Die Weltwoche ( A semana no mundo), mostram um certa ambição de compreender o mundo. Os jornais sérios tem, alíás uma relação ao tempo, à História, em seus próprios títulos ; certas revistas feministas revelam a mesma vontade , escolhendo seus títulos na mitologia grega como Clio ( revista de história francesa) ou Olympe ( revista de feminismo teórico alemã).

Em contrapartida, as mulheres dos movimentos feministas se colocam na subversão, prontas a desafiar o poder dos homens em um dos domínios melhor controlado por eles : a linguagem. Os nomes escolhidos revelam, portanto, o desejo do efêmero e de não se levar muito a sério, seja por escolha, seja por medo do julgamento dos outros. Apenas Mulheres na  Suíça (Femmes em Suisse) de agosto 1999 a maio 2001 e em seguida Emília, a partir de junho 2001) propõe um título banal, mas respeitável, o que corresponde bem ao tipo de ação realizado pelas mulheres deste jornal. Este título insere-se igualmente em um momento da história das mulheres e havia muitas denominações semelhantes no início do século XX. Porém, o novo título do jornal mensal, Emília, toma o nome da fundadora ( Emilie Gourd) do ancestral deste jornal ( Le mouvement féministe, fundado em 1912), o que mostra a vontade de marcar uma posição diferente do feminismo de bom tom da equipe de redação precedente, conservando, entretanto, uma ancoragem na história do movimento feminista suíço.

Houve um tempo em que Benoîte Groult sonhava com um «  Charlotte-Hebdo » ( Charlie-Hebdo, jornal satírico, de uma vulgaridade sem limites e muitas vezes sexista) que permitiria às mulheres se liberar de seus complexos e tabus ligados à linguagem, graças a uma alegra grosseria escrita ou desenhada, mas elas não o fizeram ou talvez mesmo nem o tenham realmente desejado. Entretanto, o setor onde as francesas inovaram muito foi no registro dos insultos. Seria porque a língua e o espírito gaulês as irritam, em vez de inspirá-las ? Parodiando o estilo de publicidades para lingerie feminina, Le Torchon Brule n.4 inventou o « soutien-gone »( soutien-gorge= sutiã,gone= de gônada, NT). «  Prático, invisível, não é preciso passar, o soutien- gone levanta e preenche divinamente os órgãos caídos e valoriza todos os outros ; e se seu corte é arredondado, é porque um testículo é oval ! voilà ! (Le Torchon Brûle n°4) O /’ MPC » vai mais longe e propõe um léxico feminino/ masculino intitulado «  desconfie das línguas do pinto » (Marie Pas Claire, 1997 :33-34), que pretende evidenciar o sexismo da linguagem.

Os trocadilhos são numerosos nas publicações suíças e irlandesas. Cito um exemplo encontrado na rubrica humorística de FRAZ « « Gansinger und andere Enten » : « Warum haben die Männer keine Brüste ? ( porque um homem não tem seios?) Weil sie die Doppelbelastung nicht aushalten (Trocadilho sobre « Doppelbelastung » que significa «  dupla carga » e «  dupla jornada de trabalho »- Porque eles não podem suportar a dupla carga/ dupla jornada de trabalho  » (FRAZ n°2, 1998 :49).

 Na rubrica regular , sempre irônica, «  palavras ... delas » de Femmes suisses, Martine Jaques-Dalcroze é excelente  para criar trocadilhos : uma mulher é encontrada em «  flagrante delírio doméstico » (Jaques Dalcroze, 1999 :15) A campanha contra o estupr oem dezembro 1978 é um índice de agressividade e de humor praticado na rua e não nas páginas de um jornal : cartões postais foram distribuídos aos homens que diziam " você insultou uma mulher. Este cartão foi tratado quimicamente e seu pinto cairá em três dias » (Budry et al, 1999 :214)

Quanto às irlandesas, elas dirigem suas melhores flechadas quando gracejam sobre a religião e sobre o papa, em particular. Elas desviam constantemente seus comentários, sua atitude e seu vestuário a fim de mostrar a incoerência do discurso católico. Em Banshee n.1, divulga-se suas palavras que advertem contra a perda de feminilidade das mulheres do MLF e acrescentam, negligentemente : « o papa estava vestido de um longo vestido púrpura, valorizado por um cinto azul-rei e sapatos da mesma cor. As cores de seu vestuário se refletiam perfeitamente em seu rubi. » (Banshee n.1 :5) No número 2, o jornal oferece uma viagem de ida e volta , uma permanência de 3 meses em um hotel de primeira classe em Roma e 1000 libras irlandesas por semana à primeira mulher que fotografasse o papa de calça comprida. ( Banshee n.2 :5). No n.5, « Red Biddy » ( rubrica intitulada « comadre vermelha ») –Biddey é um apelido de « Brigitte » nome bastante comum na Irlanda – viu «  um gato que brincava nas meias de seda do papa » (Banshee n°3 :7). As mulheres de Banshee não perdem uma só ocasião para mostrar que o papa está numa posição problemática para dar lições de feminilidade ou masculinidade. No número 5, um texto afirma que «  as mulheres estão cegas pela bula « de merda » do papa » ( jogo de pçalavras sobre « bullshit » que significa « besteira/ lixo » e « bull », significante a «  bula do papa » ».

 O n.7 acusa o papa, pois continua a exluir as mulheres do sacerdócio sob o pretexto de que cristo era homem. «  Segundo esta lógica », perguntam elas, «  devemos esperar que ele faça o anúncio de que os futuros padres sejam judeus, circunsisos, nascido de mãe virgem, capazes de andar sobre a água, e finalmente, que devem ser crucificados com 33 anos ? (Banshee n°7 :3)  O número 8 adverte as religiosas a respeito do fato que a encíclica do papa não é um preservativo, jogando com a palavra « letter » na expressão «  encyclical letter » ou «  encyclique » et «  French letter », que significa «  preservativo em gíria.

MsChief ironiza a respeito de um assunto com o qual as mulheres se divertem: elas invertem e subvertem o discurso da moda e da publicidade da indústria sanitária:

“ Quando teremos zooms de próstatas,  de roupas especiais para incontinência, de calções de esporte com asas? Ou talvez com esporas, para ser mais viril. E se criássemos modelos de luxo em forma de ´Concorde´? (Ms.Chief n°8, 1994 :20)

Em suas seis publicações, Marie pas Claire é a mais impertinente e a mais engraçada.. Elas usam constantemente a inversão ou desvio de sentido, procedimento que parece ser mais usado na imprensa francesa, entre os jornais analisados. Assim, Mourni parodia os testes idiotas que invadem as páginas das revistas femininas, quando o verão está próximo e propõe cruamente, no número 5, de março 1995: “ Você é um buraco apreciável?” Marie Pas Claire, 1997 :92-95). A revista ousa usar a vulgaridade, mas fazendo-o, expoõe os insultos masculinos em relação aos órgãos sexuais femininos ( buraco). Com 15 perguntas, consegue  a proeza de fazer-nos rir e ao mesmo tempo abordar novos temas feministas, como exemplificamos a seguir. Ridiculariza a falta de informação em questões de sexualidade:

“ 2) Quando você deixa de usar preservativos?

a-      quando começo a ter confiança

b-     quando estou sozinha em minha cama

c-      nunca, não tomo a pílula”

-sobre a performance dos homens e das inibições das mulheres,

“3) Quantas vezes você goza?

a-      a cada vez

b-     faço o que posso

c-      faço o que posso”

-da falta de confiança e de  um certo “romantismo” das mulheres,

“8) Você já abordou um homem?

a-      em sua cama

b-     na colina, à luz do luar

c-      nunca, mas nunca mesmo”

- do medo que suscita o lesbianismo,

“10) você já abordou uma mulher?

a-      para o quê?

b-     Em sua cama

c-      Em reunião de MPC”

Mais uma vez Le Torcho brûle e Marie Pás Claire  podem ser aproximados pois, dos jornais compulsados, são os únicos a publicar canções: “ A queixa”, “ a guerrilha” , “Tudo que fazemos é bom!” , o hino de auto-celebração do MLF(movimento de liberação das mulheres - NT) (Le Torchon Brûle n°3) e « La Carmagnole de la contraception » (Le Torchon Brûle n°5) ; são divertidas e exprimem a injustiça da opressão das mulheres . « Machi Macho » (Sandrine, 1995) e o « Rap du couvre-feu » (Marie Pas Claire n°2, 1993) atacam diretamente os homens e incitam as mulheres a se insurgir.Assinlamos, igualmente, que de todas estas canções, duas delas, “ la Carmagnole” e o “ Rap du couvre-feu” exprimem a revolta e a agressão em relação aos homens, com um intervalo de cerca de trinta anos:

La Complainte: na escola, a professora lhe dizia:não se assuste se o quadrado da velocidade parece ser da língua chinesa. O que você precisa realmente conhecer é o tempo de cozimento das ervilhas” ( opressão cultural das ervilhas)

La Carmagnole ( canção da Revolução NT): ah, ça ira, ça ira, ça ira ( expressão significando uma ação futura- NT) a sociedade masculina ao cadafalso, ah! Ça ira, ça ira, ça ira! Todos os falocratas, vamos enforca-los! “ canção cantada na Assembléia Nacional por ocasião dos debates sobre a lei Neuwirth sobre a pílula, em 1967. ( revolta contra a injustiça)

“ Machi-macho" ( cantado com a ária de Cadet-Rousselle-antiga -canção revolucionária -NT)

Machi –Macho anda nas ruas

Para bem espiar as belas bundas

Se por acaso topa com uma

Não pode segurar sua mão

Ah ah ah com certeza

Machi-macho é um cafajeste ( acusação sobre o comportamento sexista do macho)

Última estrofe: “ Morte aos cafajestes, morte aos cafajestes”,  ( incitação à punição violenta)

Rap do toque de recolher:

estuprada ou assediada, é preciso saber escolher

ande por uma rua movimentada, se tem medo do pior

você será examinada dos pés à cabeça

tocada, assobiada comoum cão ou ainda insultada( constatação da violência masculina em relação às mulheres)

Última estrofe:

a rua é para os homens, os policiais e os caães

E quando a noite tomba eles não são mais responsáveis por nada

Então, irmãs... não mais contar com a sorte

A única solução é a auto-defesa( incitação à defesa física)

A auto-ironia foi pouco praticada na imprensa e nos movimentos feministas dos anos 1970 ao fm dos anos 1990. Na década de 1970, da igualdade perfeita entre mulheres e homens era ainda uma perspectiva longínqua e assim a luta se revestia de um aspecto grave, a fim de ser levada a sério.

O humor feminista transformou-se  ao longo do tempo; para dar uma idéia, selecionamos desenhos da imprensa feminista. Ainda que estejamos nas premissas da auto-ironia, nos anos 1990, tentaremos indicar as características deste humor moderno, ao mesmo tempo distante e  agressivo em relação aos homens .

Comentários dos desenhos humorísticos em 6 publicações analizadas

A observação atenta dos desenhos selecionados permite uma série de comentários sobre seu aspecto estético e sua significação. Note-se em primeiro lugar, que o traço escolhido pelas desenhistas é grosseiro e aproximativo e mesmo quando se trata de caricaturas, pensamos que é mais a expressão de uma vontade de libertação do “bonito”, associado ao ideal de beleza feminina, tal como veiculado pelos homens.

As mulheres não necessitam ser belas para existir e se elas se submetem às normas da moda, perdem , de alguma forma, sua identidade própria, pois buscam parecer e não ser. Quanto aos temas dos desenhos, podem ser classificados em três categorias de luta: contra os estereótipos, as idéias preconcebidas e o poder masculino. Os meios utilizados para estes combates são a ironia, o deslizamento de sentido, a inversão e enfim, mais recente, a auto-ironia.

O desenho (clicar para aumentar) n.1 clicar para aumentar riidiculariza o estereótipo que consiste em dizer que os homens dão muita importância ao sexo. Em contrapartida, os n.2clicar para aumentar, 3 clicar para aumentare 4,clicar para aumentar publicados no MPC, fazem eco à uma  nova tendência e invertem a linguagem e o comportamento masculinos em relação às mulheres; são elas que dominam a troca amorosa. Encontramos esta idéia em  Franziska Becker (n°5) clicar para aumentarque inverte os papéis, pois são as mulheres aqui que “secam” no balcão do bar. Claire Brétécher ( n.6)clicar para aumentar vai mais longe em sua análise e coloca os papéis em questão: as mulheres estão inseridas em relações de sedução com os homens, porque deveriam sempre agrada-los?

Na luta contra as idéias preconcebidas,podemos citar o desenho n.7clicar para aumentar que denuncia a hipocrisia das considerações sobre os maus tratos que sofrem as mulheres de certos países estrangeiros, principalmente muçulmanos, , ignorando os problemas das eurpéias; o último personagem lembra-nos que havia 2 milhões de mulheres agredidas em 2000.

A denúncia da dominação masculina articula-se em torno de quatro eixos: o poder religioso, médico, econômico e político. Os desenhos 9 clicar para aumentare 11 clicar para aumentarridicularizam o discurso católico sobre a contracepção (9) a masturbação (11); os números 8 clicar para aumentare  11clicar para aumentar lembram que o esporte foi durante muito tempo interditado às mulheres; o n.10 critica a opressão física das mulheres pela igreja católica.

O desenho 12 clicar para aumentarparodia a velha canção francesa  “ Ah meu deus, como é chato estar sempre doente” e subentende que os médicos deveriam aliar-se aos movimentos das mulheres para reclamar uma contracepção livre e gratuita.

 Os desenhos 13clicar para aumentar,14clicar para aumentare 15clicar para aumentar denunciam a dificuldade que tem as mulheres em participar do mundo do trabalho; o número 13  exprime a falta de confiança dos homens nas mulheres que exercem uma profissão majoritariamente masculina; o n.14 caricatura a dupla ou tripla jornada de trabalho das mulheres e o n.15 insiste sobre o fato que os diplomas são inúteis às mulheres que desejam integrar uma empresa, pois seu trabalho consiste em geral a apresentar um físico agradável e servir os homens.

O n.17clicar para aumentar ataca a falta de idéias e o comportamento egocêntrico dos homens políticos. O desenho 16 clicar para aumentaraborda o tema das mulheres e do poder; se as mulheres investissem os lugares de decisão, não seria pelo poder nele mesmo, mas para tentar transformar um modo de funcionamento.

A idéia que as mulheres possam propor algo mais construtivo está presente igualmente. O “ humor paradoxal” coloca-se aqui  em ação , pois a mulher responde de forma diferente da expectativa, o que desconcerta o homem. Por um lado, não responde com a agressividade esperadaà questão provocativa do homem e por outro, ela denigre seus valores.

O numero 18 clicar para aumentarutiliza a auto-derrisão : as mulheres podem efetivamente fazer política mais facilmente  após os 45 ou 50 anos, pois as crianças estariam já criadas e elas não mais seriam objetos sexuais perturbadores para seus colegas masculinos , como quando eram jovens .

Acentuando estes estereótipos, Catherine Beaunez leva-nos à reflexão e incita-nos a desejar a transformação.

Novas tendências

 No fim dos anos 1990, a grande novidade em matéria de humor feminista são as piadas. Contrariamente ao que indicava Gloria Kaufman em sua introdução a Pulling Our Own Strings, certas feministas, auxiliadas por comediantes, parecem ter um malicioso prazer em inverter as piadas sexistas anti-mulheres , criando outras, contra os homens. O jornal FRAZ explica em seu número 1 de 1998, consagrado ao humor, que é a primeira vez , na história recente, que as mulheres ridicularizam os homens(FRAZ n°1, 1998 :9)..

Vimos, até aqui, que esta afirmação não é totalmente justa e que as mulheres ironizam os homens desde ( certamente) sempre, mas em âmbito privado e entre si. Entretanto, o estilo de gracejo, hoje, é talvez mais vulgar, mais agressivo. Outro fato novo: as mulheres ousam cada vez mais servir-se deste tipo de humor em lugares públicos mistos ( trabalho e festas) Eis aqui alguns trechos de piadas sexistas invertidas, encontradas em FRAZ:

“ 1) como se chama um homem que perde 90% de sua inteligência de uma só vez? Um viúvo.

2) O que tem os homens e as nuvens em comum? Quando eles vão embora, pode-se ter um bom dia.

3)    O que fazemos mais rápido, uma boneca ou um boneco de neve?Uma boneca pois para o boneco, é preciso esvaziar o interior da cabeça.”        FRAZ n°1, 1998 :9)

Os « MPC » produziram também piadas invertidas, mais agressivas e muitas vezes traduzidas do inglês ( elas são também inumeráveis na Internet[8]. Assim:

“ 4) qual a diferença entre um homem e uma prisão?Em uma prisão, há massa cinzenta”     (Marie Pas Claire n°14, 1999 :20-21) 

Percebemos portanto que  brincadeiras  não apenas invertidas, mas especificamente dirigida aos homens existem também:

“ 5) qual a parte menos sensível do pênis? O homem .”  (  Marie Pas Claire, 1997 :19)

6) porque os homens amam os BMW ? Porque eles conseguem soletrar a palavra? (FRAZ n°1, 1998 :9)

7) qual a diferença entre uma gravata e um rabo de vaca? O rabo da vaca esconde melhor o “ânus/ ” ( trocadilho sobre « Arschloch », significando ´cretino´e ´ânus´ »)(FRAZ n°1, 1998 :9)

“8) Porque os homens usam gravata? Porque disfarça melhor que uma coleira”   » (Marie Pas Claire n°14, 1999 :18-19)

“  9) qual a diferença entre um homem e uma tempestade de neve?Nenhuma. Não se sabe quantos centímetros vai ter, nem se vai durar.”   (Marie Pas Claire n°14, 1999 :26-27)

10)” como pode você saber que está tendo um super orgasmo ? seu marido se acorda” (Marie Pas Claire, 1997 :28)

“ 11) porque os homens são melhores que os cães? Porque “molham” apenas o chão do banheiro. (Marie Pas Claire, 1997 :28)   

« 12) que diz um homem que tem água acima da cintura? Está além de minha compreensão” (FRAZ n°1, 1998 :9)

As novas piadas atacam as performances sexuais dos homens que são muito sensíveis às críticas neste campo (9 e 10) e assimilam-nos a seu sexo ( 5,12). Os homens são também transformado em animais pouco inteligentes ( 6, 7, 8, 12) e sujos (11).

As “ MPc” são as únicas a introduzir piadas lesbianas, traduzidas do Roberts’ Rules of Lesbian Living :

13) as lesbianas não detestam os homens. Vocês as confundem com as heterossexuais casadas.

“ 14) antigamente, pensava-se que havia somente sete lesbianas. Sabe-se agora que há milhões de lesbianas. Mas somente 7 com cabelo cortado como lesbiana” (Marie Pas Claire, 1997 :90)

A primeira brincadeira (13) desconstrói a imagem da “ lesbiana radical  detestando os homens” colada à imagem das feministas, quer sejam homo ou heterossexuais; tenta mostrar que as lesbianas não tem necessariamente uma animosidade contra os homens, tendo em vista o pouco contato que tem com eles. A segunda piada (14) é reveladora da auto-derrisão praticada por numerosas lesbianas.

Nos anos 1970, praticava-se  um humor um pouco “ vingativo” contra os homens, ligado a uma  expressão de dor. As técnicas de inversão  e de deslizamento de sentido permitiram em seguida, às mulheres, tomar uma certa distância em relação aos acontecimentos, e em seguida apropriar-se progressivamente de um certo tipo de humor. Nos anos 1990, as mulheres não tinham mais medo de ironizar diretamente os homens e começar uma fase de autoderrisão , provando assim que os feminismos mudaram.

Esta última transformação permitiu-lhes passar de uma situação de exclusão e de um status de vítima a uma fase mais ofensiva. Com efeito, parece que as novas estratégias de resistência estão sendo estabelecidas, garantindo-lhes um novo papel,  mais forte e mais estável na sociedade.

Referências bibliográficas>

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Biografia :

Brigitte Bastiat,  Doutora em Ciências da Informação e  da comunicação da Université de Paris 8 Ensina inglês, história dos mídia e das teorias da comunicação na  Université de La Rochelle (France). Seu doutorado teve como objeto os movimentos e a imprensa feminista dos anos 1970 a 2000 na França, Irlanda e Suíça. Suas pesquisas orientam-se atualmente sobre a comunicação, o gênero e o poder ( acesso e utilização dos TIC por mulheres e homens)



[1] jornal feminista francês, 1971-73 (6 numéros) A revista não tem paginação e os artigos muitas vêzes não tem título.

[2] Nome de um grupo e de um um jornal feminista parisiense criada em  1991 e chamada igualmente t « MPC » (1991-99, 14 números)

[3] jornal  feminista de Genebra, fundada em 1912 ( denominada  Femmes en Suisse de 1999 a 2001, e em seguida  L’émilie  desde 14 de junho de 2001.

[4]  jornal feminista  de Zurich ( chamada Frauenzitig de 1975 a 1995,  Frauenzeitung ou FRAZapóss 1995).

[5] jornal feminista de Dublin, março 1976- outubro 1978 (8 números). Não era paginado.

[6] jornal feminista de Dublin,  primavera 1992 – verão 1997 (20 números).

[7]  Este termo foi criado seguindo a denominação dada aos policiais, «  pigs » ( porcos », durante o període de contestação dos anos 1960 nos Estados Unidos.

[8] Particularmente no site  www.internenettes.fr

 

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número 3, janeiro/ julho 2003