labrys,estudos feministas número 3, janeiro/ julho 2003
Feminização da pobreza no Senegal e dinâmica das relações sociais nas famílias: o caso do subúrbio operário de Dakar[1] Codou Boptradução: tania navarro swainResumo: Desde a adoção das políticas de ajuste estrutural em 1981, as populações do Senegal vêm sofrendo uma deterioração contínua de suas condições de vida. As mulheres, quer seja em zona urbana ou no meio rural, são vistas como um grupo importante entre os pobres, pelas discriminações que sofrem, ainda hoje. Mesmo que algumas iniciativas tenham sido tomadas, em seu favor, pelo governo, pelos financiadores e pelas ONG, estas não conseguiram atingir os resultados esperados. A insuficiente tomada de consciência das desigualdades nas relações entre os sexos poderia explicar os diminutos resultados obtidos. Para lutar contra sua marginalização, as mulheres organizam-se individualmente ou coletivamente, investindo em atividades geradoras de renda. Suas ações, assim como suas tentativas de aumentar seu poder de negociação na comunidade e na família, começam a dar frutos, principalmente nas zonas periféricas da capital, Dakar. Os dados utilizados para redigir esta comunicação provêm de um estudo sobre “As estratégias desenvolvidas pelas mulheres para lutar contra a pobreza no Senegal”, que realizei, no ano 2000, como consultora do Ministério das Finanças e do Planejamento,do Banco Mundial e do Ministério da Família, de Ação Social e de Solidariedade Nacional; este trabalho fez parte de estudos iniciados pelo governo senegalês para elaborar ou atualizar seus programas (nacionais e regionais/locais) de redução da pobreza. Os dados foram coletados nos bairros populares do subúrbio de Dakar (bairros de Yeumbeul, Diamagueune, Thiaroye, e Nyayes em Sangalkam e Sébikhotane). Palavras-chave: grupos femininos, pobreza, senegal I - O contextoEm nível nacional No Senegal, foi a Pesquisa sobre as Prioridades, realizada em 1993, no quadro das dimensões sociais de ajuste (DAS), que forneceu os dados sobre as condições de vida das populações, sobre suas rendas e o nível de pobreza das famílias. Estimou-se que 30% do total das famílias senegalesas vivem abaixo do nível da pobreza. Nas cidades, 17% destas fazem parte deste grupo. Dakar, a capital, acumula 50% das famílias pobres. Mas, se os males da pobreza são reconhecidos pelas autoridades, ela é apreendida, de certa forma, como um “fenômeno transitório que pode ser reversível em um prazo mais ou menos curto”. A pesquisa indicou igualmente que a maioria das mulheres é pobre. Isto poderia ser explicado pela sua importância numérica (52% da população), a dificuldade de acesso aos fatores de produção e o peso de suas responsabilidades familiares, aumentado pelo êxodo dos homens. No quadro dos programas de luta contra a pobreza, é preciso notar que, se as mulheres são contempladas, é sobretudo por seu papel de reprodutoras e não como produtoras. Com efeito, o Projeto de Nutrição Comunitária, por exemplo, tem como alvo principalmente as mulheres grávidas e em fase de aleitamento, bem como as crianças com menos de 36 meses, objetivando melhorar sua nutrição. Locais de estudo O subúrbio de Dakar abrigou, nos anos 1960, a maior parte das usinas de transformação que se desenvolveram nas localidades pré-urbanas. Propícia aos hortigranjeiros, a zona de Nayes, situada a cinqüenta quilômetros da capital, apresentou a criação de fazendas agro-industriais. As possibilidades oferecidas em matéria de emprego nestas zonas atraíram grande massa de trabalhadores rurais, cuja maioria não tinha qualificação profissional, e também populações expulsas de certos quarteirões centrais de Dakar. Hoje, a conjuntura mudou radicalmente, com o fechamento da maior parte das usinas e com o desemprego daí decorrente, no quadro das políticas de ajuste estrutural. Estas zonas apresentaram uma taxa de desemprego muito alta, principalmente no que diz respeito às mulheres e jovens. Tal situação conduziu a uma expansão considerável do setor informal, agora único meio de sobrevivência para as/os desempregadas/os e, em particular, para as mulheres. II - A feminização da pobreza no Senegal e o aumento das responsabilidades das mulheres na manutenção das famílias. a) As causas As mulheres entrevistadas para este estudo identificaram três fenômenos essenciais que, segundo elas, explicam a feminização da pobreza. Trata-se, em primeiro lugar, das políticas sociais estabelecidas pelo governo e, em segundo lugar, de sua posição social, que as priva de poder na família e na comunidade; quanto ao terceiro motivo, as entrevistadas sinalizam para as estratégias desenvolvidas pelos homens para esquivar-se de suas responsabilidades familiares. · As políticas sociais. As mulheres sublinharam as políticas sociais, nos setores que tradicionalmente lhes incumbem (alimentação, água, higiene, saúde, etc), e seu papel na geração e reprodução da pobreza. A propósito de um dos indicadores usados para medir a pobreza das famílias e dos indivíduos – o nível de renda –, elas estimaram que é mínimo e, em muitos casos, inexistente. Um outro indicador de medida de pobreza, apontado pelas populações interrogadas, é o número de refeições que a família pode oferecer a seus membros. Segundo as mulheres, muitas famílias em seus bairros não podem ter senão uma refeição por dia. Elas sublinham, por outro lado, que o melhor indicador desta situação é a aparência miserável das crianças e o deplorável estado físico dos adultos. Esta situação de pobreza é agravada pela ausência de todo impulso de solidariedade. No que diz respeito à saúde, a insuficiência de recursos e de infraestrutura que respondam às necessidades da população e a privatização do sistema de saúde resulatram em sérias conseqüências sobre o estado de saúde das mulheres, das jovens e das crianças. Aquelas que estão em períodos reprodutivos podem correr riscos importantes. Com efeito, mesmo em zona pré-urbana, as maternidades podem estar muito distantes de alguns bairros, o que resulta em nascimentos de risco e em condições precárias. A este respeito, temos o exemplo de uma mulher interrogada em Sebi Gare, que, tomada pelas dores do parto e no caminho do centro de saúde, teve seu parto na beira da estrada, sozinha, em uma noite de chuva. Parece que tais casos não são raros. No conjunto dos lugares da pesquisa, as mulheres, em sua grande maioria, continuam a ter suas crianças em casa, com a assistência de uma parteira. Quanto às crianças, as mulheres deram o exemplo do Programa Amplo de Vacinação, do qual algumas famílias, em estado de extrema pobreza, não podem participar pois não dispõem de 150F (0,25U$), requeridos para a vacina de uma criança. Em conseqüência, em muitas famílias, as crianças não recebem o conjunto de vacinas necessárias a sua proteção. Por outro lado, as mulheres estimam que a situação sanitária das populações tornou-se ainda mais precária pela alta constante e não controlada dos preços dos alimentos. Nesta perspectiva, a maior parte das famílias não pode assegurar a seus membros as refeições suficientes em quantidade e qualidade, criando um estado de má nutrição endêmica. Em relação à escola, as mulheres contatadas sublinham que hoje, com a diminuição do auxílio do Estado (fim da política de fornecimento de livros e cadernos, da concessão de bolsas escolares e fechamento dos internatos), uma grande parte do custo da escolaridade é suportada pelas famílias. Ora, as condições financeiras das famílias não permitem assegurar o acesso à escolaridade a todas as crianças e a qualidade do ensino ministrado. Do ponto de vista destas mulheres, a diminuição do nível e da qualidade do ensino penaliza as regiões pré-urbanas e, em última análise, reduz a taxa de escolaridade, sobretudo das meninas. Nesta situação, elas não vêem como o ciclo da pobreza pode ser quebrado, se suas crianças não podem receber educação e, mais tarde, ter um emprego remunerador. · O status social feminino A desigualdade social das relações de sexo foi apontada pelas mulheres interrogadas como uma das engrenagens principais dos mecanismos de perpetuação da pobreza feminina. Segundo elas, sua exclusão das instâncias de decisão e dos centros de controle e de distribuição dos recursos tem um papel capital na manutenção desta pobreza. Exemplo disto é a dificuldade encontrada pelas mulheres de acesso à terra nas zonas pré-urbanas, mais propícias à produção hortigranjeira e engorda de ovinos, que resulta, segundo elas, da ausência feminina no Conselho Rural, encarregado da distribuição de terras. As mulheres notaram que os jovens homens casados recentemente podem receber terras, mas elas não, seja qual for seu status ou sua idade. De acordo com elas, esta situação torna-se um freio a sua capacidade de empreender atividades geradoras de renda. · As estratégias desenvolvidas pelos homens para se subtrair à suas responsabilidades familiares Não-coabitação Duas práticas tradicionais favorecem a não-coabitação: manutenção da esposa em sua própria família depois do casamento e as residências separadas, dada a existência da poligamia. No primeiro caso, ainda que o Código da família determine que o marido deve fornecer um domicílio a sua esposa, que ali deve habitar, a tradição aceita que, se o esposo não se encontra ainda em condições de oferecer esta residência, sua mulher, na espera, pode morar ainda com sua família. Esta situação pode durar muitos anos, durante os quais crianças nascem. O marido contribui à manutenção de sua família, mas o essencial dos encargos é suportado pelos pais da esposa. - O caso dos casamentos polígamos Segundo a Pesquisa Demográfica e de Saúde (EDS, 1998\7), 45,5% das mulheres são casadas em regime de poligamia e isto mostra a importância do fenômeno nas famílias senegalesas. Um marido pode decidir que todas suas esposas e crianças devem viver na mesma casa. Porém, com freqüência, para evitar as tensões, as mulheres preferem ter cada uma sua residência, na qual são visitadas pelo marido, que deve mantê-las.Mas quando ele não respeita as regras, as mulheres são obrigadas a prover a totalidade ou parte das necessidades da casa. Nos locais da pesquisa, com o desemprego e a aposentadoria antecipada dos pais de família, com a extensão da poligamia, a insuficiência da renda oriunda das atividades agrícolas e a falta de emprego para as/os jovens, as mulheres são, de facto, as chefes de família, lhe assegurando o sustento. As mulheres interrogadas revelaram que, na realidade, entre 7 e 8 famílias em cada 10 são sustentadas pelas esposas. Mas é no caso de famílias sustentadas por viúvas ou divorciadas que a pobreza maior foi constatada. Estas mulheres são confrontadas não somente às mesmas dificuldades econômicas dos homens pobres, mas assumem totalmente a gestão da família e das atividades de produção, com um apoio mínimo. Outros fenômenos como o repúdio, que apesar de ser proibido pela lei é praticado constantemente pelos homens, e as migrações masculinas contribuem também para a existência de famílias dirigidas por mulheres. Segundo a Pesquisa senegalesa sobre os Núcleos Familiares [2] , atualmente 24% das famílias urbanas são dirigidas por mulheres. As mulheres chefas de família interrogadas sobre o destino de seus rendimentos apontaram que 50% de sua renda eram destinados às despesas alimentares, 15% para a saúde, 15% para a educação das crianças (sobretudo dos meninos), 10% destinava-se à habitação e 10% às despesas com roupas (vestimentas e enfeites). III - Iniciativa das mulheres para sair da pobrezaNo Senegal, as políticas de promoção das mulheres, iniciadas pelo Estado, foram dirigidas, com prioridade, às mulheres do mundo rural, no quadro de suas atividades agrícolas, de criação e de pesca. Em meio urbano, a partir de suas associações tradicionais, as mulheres agruparam-se em torno de atividades econômicas tais como a horticultura, a tintura, a secagem do peixe ou o pequeno comércio. Para financiar estas atividades, recorrem a uma espécie de poupança rotativa (chamada tontine) e buscam melhorar seu desempenho graças a cursos de alfabetização funcional. Mas tais grupos, limitados por sua pequena dimensão, pela falta de acesso ao crédito, à terra e aos mercados importantes, não permitem a estas mulheres uma condição de vida superior. O estudo efetuado no subúrbio de Dakar mostra que as mulheres começaram a criar outras estratégias que, por um lado, lhes oferecem melhores oportunidades econômicas e, por outro, as constituem em atoras/sujeitos políticos. As duas organizações, que apresentamos aqui como exemplo, foram criadas por mulheres que, no início, em nada se distinguiam das outras de sua comunidade. Como a maioria das mulheres que se organizaram em grupos femininos, iniciaram seu projeto com o objetivo de resolver um problema prático, como o acesso à água, em um dos casos (Grupo de Diamegueune) ou ao crédito, em outro (Grupo de Thiaroye). Os bairros onde os grupos se localizavam apresentavam os mesmo problemas de desemprego, de pequenos rendimentos, de insalubridade e de ausência de acesso à água potável. · A - O Grupo “Japoo Liggey Taîf” de Diamagueune A comunidade de Diamagueune está situada na zona industrial de Dakar. A densidade da rede industrial havia favorecido a instalação de uma população bastante grande. Este movimento não foi reduzido pelo fechamento de numerosas usinas. Em conseqüência, o desemprego, sobretudo das/os jovens, se tornou considerável. Os homens eram geralmente comerciantes, enquanto que as mulheres empregavam-se como vendedoras, operárias, tintureiras ou costureiras. Ainda que próxima da capital, onde se encontram os serviços distribuidores de água, eletricidade e higiene pública, Diamegueune sofria cruelmente de sua falta. O bairro era dotado de uma dezena de bicos d´água apenas e a maioria das famílias continua a usar velas para a iluminação. A água potável, comprada na bica d´água, e as velas custavam cerca de 20.000 FCFa (U$ 24) por mês. Sérios problemas de higiene afligiam a comunidade, sobretudo na estação das chuvas. Não existe sistema de evacuação de águas pluviais, que podem estagnar durante longos períodos. Os mosquitos e as moscas são abundantes, causando numerosas doenças, entre as quais a malária, aí endêmica.As escolas primárias, localizadas em torno de 2 km de distância do bairro, não são suficientes para assegurar a escolarização de todas as crianças. AS/Os que vão ao CEG[3] ou ao ginásio são obrigadas/os a se inscrever em escolas distantes, cerca de 20 km, em Guédiawaye ou à Rufisque. A distância destas estruturas cria despesas ligadas ao transporte e às refeições que muitas famílias não tem meios de assegurar. Daí a evasão escolar destes estabelecimentos. As meninas, é claro, são mais afetadas por estas situações que os meninos. O Grupo “Japoo Liguey Taîf” Diamagueune é composto de 95 membros. Em 1985, face ao problema crucial da água potável, as mulheres do bairro associaram-se para encontrar uma solução comum. Nesta ocasião, o orçamento para o encanamento de água, em um bairro tão distante quanto Diamageune, era de 6.850.000CFA (cerca de U$ 9.800), o que estava fora de cogitação para as possibilidades financeiras dos habitantes do bairro. As primeiras iniciativas consistiram na criação de uma tontine, com uma cotização mensal de 200F CFA (cerca de 30 centavos de dólar) por membro. Cada ganhadora recebia um recipiente com uma torneira, que oferecia melhores condições de higiene para estocagem de água potável. Em 1991, seguindo os conselhos de uma de suas afiliadas, assalariada de uma Ong (organização não-governamenta), as mulheres tomaram contacto com uma fundação de caridade que, um mês depois, respondendo à suas solicitações, instalou uma bica de água no bairro. Este único ponto de água deveria servir ao abastecimento de todas as famílias do local. Prosseguindo suas iniciativas, as mulheres submeteram, em 1993, a um outro organismo financiador local, um pedido de recursos para as ligações de serviços sociais nas ruas e nas casas. Este concede o financiamento para a ligação do bairro à rede urbana de distribuição de água, permitindo assim a instalação de mais bicas d´água e mesmo as ligações de água individuais. O domicílio de cada mulher que cotizou a soma de 7000 F (cerca de US$ 10) foi dotado de uma torneira. Bicas d´água foram igualmente instaladas nas ruas e o preço do balde de água ficou em 20F (cerca de 2 centavos de dólar). Encorajadas por este primeiro sucesso, as mulheres deste grupo continuaram, durante vários anos, sua dinâmica de integração de outros grupos localizados na comuna, de maneira a constituir uma força de pressão importante em nível comunitário. Finalmente, o conjunto dos grupos formou uma federação. Uma ação prioritária, que as mulheres conduzem atualmente, visa a integração de seu bairro, considerado até aquele momento como “flutuante”. Ainda que tenham conjugado suas iniciativas com aquelas das habitantes de outros bairros, também vistos como “flutuantes”, não alcançaram ainda o resultado almejado. Como não está regularizado, seu bairro não pode aceder às vantagens concedidas aos bairros urbanos (infra-estrutura, água, eletricidade, etc) Receberam, entretanto, financiamentos de organizações nacionais e internacionais. Com estes recursos, a Federação criou cinco grandes estratégias de promoção de suas afiliadas e de luta contra a pobreza. Estabelecimento de um Coletivo de Poupança e de CréditoEm 1991, o grupo recebeu um financiamento que o encorajou a criar a Caixa Econômica e de Crédito. De acordo com as possibilidades e capacidades de reembolso da cliente, a Caixa concede um crédito mínimo de 1000 CfA (cerca de U$ 1.50). O teto de empréstimos é de 100 000 CFA (cerca de 150 U$). Uma vez conseguido o empréstimo, a devedora deve assinar um reconhecimento da dívida. Um comitê de acompanhamento foi instituído para verificar os pagamentos. Empréstimos em alimentos (arroz, açúcar, óleo) também são possíveis. A higiene pública A construção de cisternas foi financiada pelo PPGE ( Projeto Prioritário de Geração de Empregos), financiamento concedido pela União Européia e gerido pelo Ministério das Finanças e do Planejameto. Um serviço de coleta de lixo veio complementar o dispositivo visando assegurar um mínimo de higiene pública ao bairro. Graças a um financiamento canadense, o grupo pode adquirir uma dezena de charretes para coletar o lixo das casas. Cada família do bairro contribui com 25CFA ( cerca de 3 centavos de dólar) por dia. As somas recolhidas servem para assegurar o salário dos carreteiros e as eventuais reparações das charretes. O lixo recolhido é reutilizado para fabricação de composto orgânico. Apoio às crianças nas escolas primárias As escolas primárias do bairro tem sérios problemas de insalubridade, marcados, em particular, pela degradação e sujeira das toaletes. As afiliadas do grupo instituíram uma cotização mensal de 150 CFA por família, a fim de comprar produtos de limpeza destinados às escolas. Em 1998, iniciaram um projeto de horticultura e avicultura cuja renda seria destinada a suprir certas necessidades das/os alunas/os. Isto vem complementar o material escolar concedido por Aide e Action ( organização participante do projeto) para atender as crianças das escolas primárias. A saúde Os membros do grupo praticam o que elas chamam de “amadrinhamento”, que consiste em ajudar crianças de famílias particularmente pobres, para a compra de cupons que lhes dão dreito às vacinas, no quadro do Programa Amplo de Vacinação. Por outro lado, tendo em vista o alto custo dos serviços de saúde, as componentes do grupo pretendem , em um futuro próximo, instituir uma Coletivo de saúde, destinado a pagar as despesas médicas de suas associadas e famílias respectivas. Prevêem, igualmente, a compra de uma ambulância para transportar os casos graves aos hospitais de Dakar. O desenvolvimento comunitário O grupo sente-se particularmente tocado por esta questão. Elaborou assim um plano de desenvolvimento local e busca parceiros para o financiamento das atividades previstas. Os obstáculos encontrados As componentes do grupo listaram três, que consideram os principais: 1. A ausência de apoio da parte dos homens e sua “mesquinharia”; 2. As dificuldades para conseguir financiamento para suas atividades, o que inibe suas iniciativas; 3. A insolvência financeira de certas mulheres extremamente pobres, que tendem a utilizar o crédito obtido do Coletivo, para assegurar suas despesas cotidianas. · B – O Programa das Mulheres no Meio Urbano (PROFEMU) de Thiaroye O PROFEMU é uma União de grupos femininos, de tamanho variável, que conta entre 15 e 130 afiliadas. Recebeu, no período de 1993/1996, um financiamento de 100.000.000 CFA (cerca de 14.300 US$) da ONG OXFAM, da Grã Bretanha. Em seu início, o Programa agrupava 49 associações, com cerca de 2000 mulheres. Esta União é formada, assim, por diversos grupos de mulheres que atuam nas zonas pré-urbanas de Dakar e de Thiès. O Grupo de Thiaroye foi mais especificamente contemplado no quadro deste trabalho. Os grupos membros da União têm atividades tão diversificadas como a restauração, o pequeno comércio, a tinturaria, a costura, a tecelagem, a criação, a avicultura, etc. Fundos de Financiamento Em 1993, quando o Projeto é iniciado, um fundo de crédito destinado à concessão de empréstimos aos grupos fora criado pela OXFAM GB. Com um montante de 72 000 000 FCFA (cerca 10,300 US$), sob a forma de subvenções não reembolsáveis, o fundo serviu ao financiamento de pequenas atividades geridas pelas mulheres para as atividades acima indicadas. Os empréstimos foram atribuídos ao próprio grupo, que deveria se encarregar de distribuí-los entre suas afiliadas e de coletar os pagamentos. Os juros eram de 10% ao mês . Após o reembolso, os juros dos empréstimos e a contribuição do grupo eram repartidos da seguinte forma: 60% da soma retornam ao grupo, 25% à Rede e 15% ao Conselho de Administração da União. Estes reembolsos servem, assim, para assegurar o funcionamento dos diferentes organismos da União. A taxa de pagamentos dos empréstimos foi de 89%. Em dezembro de 1996, graças a estes empréstimos, 1877 mulheres receberam um crédito para os financiamentos de suas atividades; os grupos economizaram 13 000 000 CFA (cerca de 18 575 US$); um depósito a prazo de 60 000 000 CFA (85, 715 US$) foi realizado em diferentes bancos locais. Além disto, o Fundo de Crédito disponível, os grupos e as redes recolhem cotizações destinadas a financiar seu próprio funcionamento. A formação – sensibilização A maior parte das componentes do PROFEMU é analfabeta e uma estratégia de formação foi criada, que consiste em combinar o desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita nas línguas nacionais, por um lado, e na aquisição de conhecimentos nos domínios do direito, da saúde, da nutrição, da planificação familiar e no trato do meio ambiente, por outro. O Coletivo de Poupança e de Crédito (MEC) Este Coletivo agrupa as componentes do PROFEMU e as não afiliadas e propõe os seguintes serviços a seus membros: uma conta corrente e uma conta de poupança bloqueada, oferecendo juros anuais de 2%. Oferece igualmente dois tipos de empréstimos: - empréstimos pequenos, de 25 000 CFA (cerca de 35US$), destinados às pessoas físicas de baixíssima renda, não dispondo dos meios necessários para abrir uma conta. Pode ser reembolsado em 6 meses, com um mês de extensão de prazo, e juros de 5% ao mês. - Empréstimos mais substanciais, de 500 000 CFA, ou seja, 750 US$. Estes créditos são reembolsáveis em um período de 1 a 2 anos, com uma taxa de juros mensal de 1% ao mês. A Cooperativa da Habitação Esta cooperativa tem como finalidade permitir às mulheres o acesso à habitação, a fim de contribuir para uma maior segurança da família. É apoiada pelo Escritório de Apoio à Habitação Social (BahSO), do Ministério do Equipamento. Propõe a suas aderentes parcelas de 100m2, com um preço subvencionado de 450 000 CFA, ou seja, 645 US$. O Coletivo de Saúde Este projeto visa permitir o acesso aos serviços de saúde para suas componentes, através de um sistema de prevenção baseado na solidariedade. Permite um pagamento total ou parcial dos serviços de saúde não só à suas afiliadas, mas igualmente extensivo a suas famílias, em casos de hospitalização, e oferece os remédios essenciais aos tratamentos. A União industrial Graças aos fundos criados pelas diversas atividades, o PROFEMU criou em Thiaroye uma pequena unidade industrial de transformação de cereais e frutas locais. É totalmente gerenciada por seus membros, que se ocupam da compra da matéria prima, de sua transformação e da venda. Produzem diferentes variedades de milho partido, cuscuz, farinha de feijão e frutas secas. Os produtos são acondicionados segundo as técnicas modernas, que preservam a higiene e o gosto. A formação das mulheres foi dada pelo Instituto de Tecnologia Alimentar. Cada empregada ganha um salário mínimo de 30 000 CFA por mês, ou seja, 45 US$. Outras associações semelhantes existem também em outros bairros de Dakar e em seus subúrbios e começam também a se desenvolver nas capitais regionais e no meio rural. Mostram que as estratégias femininas são cada vez mais orientadas para o reforço institucional, para a correção de desequilíbrios relativos ao acesso e ao controle dos recursos (habitação, indústria, etc), além da implantação de projetos duráveis e autônomos. Sem esquecer a criação de um leadership feminino básico, voltado para a ação política em escala local, com a elaboração de um plano local de desenvolvimento. IV- Evolução das relações de poder na família e na comunidade Em nível familiar: Reconhecendo ter sérios problemas com seu marido, uma das mulheres entrevistadas em Diamengueune declarou: “sim, tenho problemas pois meu marido crê que sou a mesma mulher com a qual se casou, há doze anos”. Uma tal declaração nos dá a medida da transformação qualitativa que as mulheres obtiveram, graças ao maior acesso aos recursos e ao saber. Em nível familiar, as mulheres reconheceram unanimemente que, hoje, um dos obstáculos principais ao desenvolvimento de suas iniciativas para quebrar o ciclo da pobreza é constituído por seus maridos. Com efeito, como sublinhamos, os homens, desempregados ou aposentados, não podem mais responder às necessidades da família, como a sociedade o prescreve. São as mulheres assim que, não somente sustentam as famílias, mas muitas vezes fornecem vestimentas e dinheiro a seus maridos. Produz-se, desta forma, uma mudança sutil nos papéis sociais, vivida com dificuldade pelos homens, que querem assegurar suas prerrogativas, sem a contrapartida do cumprimento de seus deveres. As mulheres, por sua vez, querem usufruir dos direitos ligados a seu novo papel. Aspiram à emancipação da tutela marital, a uma maior autonomia, a um poder de decisão ampliado no interior da família. Estas aspirações, em contradição com os preceitos sociais sobre os respectivos status de mulheres e homens, dão origem a conflitos mais os menos sérios nas famílias. Graças aos mecanismos tradicionais de resolução de contendas entres esposos (negociação, intermediação de parentes e vizinhos), um grande número delas é resolvido. Mas algumas permanecem e levam à dissolução dos casamentos. É preciso assinalar que, no decorrer da pesquisa, numerosas mulheres confessaram ter optado pelo divórcio por não suportarem a vida com um marido onipotente. Entre as que não ultrapassaram este limite, muitas se queixam que seus maridos, incapazes de suportar as mudanças de seu papel na família, conseqüência de um maior poder econômico das mulheres, preferiram tomar uma outra esposa, mais jovem, que não colocasse em questão sua superioridade de chefe. Com a chegada de outras crianças, estes novos casamentos tem como resultado o aumento do tamanho da família. Contribuem a perpetuar a pobreza, na medida em que os rendimentos do pai envelhecido não aumentam proporcionalmente ao número de bocas a alimentar. Em nível coletivo Nas regiões estudadas, as mulheres são as principais atoras do desenvolvimento em suas comunidades. É graças a elas, e não aos homens, que interlocutores habituais e privilegiados no âmbito dos poderes públicos e dos financiadores, que melhoramentos foram obtidos na comunidade. Em Diamegueune, elas contribuíram à eleição de uma mulher para a prefeitura, uma primeira vez na comunidade. Em nível coletivo, também, os homens, conscientes do leadership das mulheres, vivem com dificuldade este fenômeno. Em sua maioria e desde o início, muitos opuseram-se à ação das mulheres. Em Diamegueune, assim, os homens (esposos, filhos ou responsáveis locais e religiosos), mesmo sendo proprietários das casas, apoiaram muito pouco as mulheres em suas iniciativas para promover a melhoria das condições de vida no bairro ou para assegurar seu reconhecimento oficial. Ao contrário, durante muitos anos, as mulheres tiveram que desenvolver uma energia considerável para vencer sua resistência. Hoje, graças aos sucessos obtidos, alguns homens começam a sustentar suas ações, mas um grande número continua a se opor à participação das mulheres neste grupo. Conclusão Os resultados do presente estudo mostram que o fenômeno da pobreza é uma realidade duramente vivida pelas mulheres e meninas. Ela fundamenta-se nos mecanismos de reprodução, em plano macroeconômico, e é reforçada pelo status social inferior das mulheres. As políticas nacionais de luta contra a pobreza implantadas até o momento não obtiveram os resultados esperados e são as comunidades de base e, mais particularmente, as mulheres que tentam trazer soluções face à crise; seus esforços, porém, são muitas vezes limitados pela insuficiência ou mesmo ausência de apoios. Os sucessos obtidos pelas organizações apresentadas mostram que as mulheres podem sair da pobreza, com a condição, todavia, de adquirir um poder econômico e social. Em nível econômico, deveriam aceder à créditos mais significativos, que permitam a realização de investimentos. A política denominada, com propriedade, “micro-crédito” as condena à realização de atividades de pequeno porte, que permitem, no melhor dos casos, a sobrevivência e não a quebra do ciclo da pobreza. Este estudo mostra que as mulheres são perfeitamente capazes de criar e gerir unidades de produção industrial, com a condição de que a concorrência seja suportável É importante, finalmente, observar as relações de poder existentes entre mulheres e homens . As ações de sensibilização devem ser levadas às populações (mulheres e homens), para descontruir a idéia a respeito de feminilidade e masculinidade, ou seja, dos papéis e status designados para cada sexo. Referências bibliográficas Antoine P. et al, 1995. Les familles dakaroises face à la crise. Dakar : IFAN, ORSTOM et CEPED, 209p. Banque Mondiale, avril 1994. Sénégal. Évaluation des conditions de vie (Département du Sahel), Washington DC, 2 volumes. Bop C, 1996 . Les Femmes chefs de Famille à Dakar, in Femmes du Sud, chef de famille. Sous la direction de Jeanne Bisilliat. Ed. Karthala Paris Bugnicourt J., Ndione E.S., Sagna M., 1987. Pauvreté ambiguë -enfants et jeunes au Sénégal. 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É coordenadora de uma associação feminina denominada « Groupe de Recherche sur les Femmes et Lois au Sénégal » ( grupo de pesquisa sobre as mulheres e as leis no Senegal) que grupa pesquisadoras e ativistas para a promoção dos direitos das mulheres no Senegal. Trabalha e publica sobre as questões de saúde, direitos reprodutivos e sexualidade; igualmente sobre mulheres e transformação de conflitos, chefas de família, o islã e os direitos humanos das mulheres. Editou o livro « Notre Corps, Notre Santé », sobre a saúde e a sexualidade das mulheres na África e na África francófona. Trabalha também com associações de mulheres para formação básica em leadership feminino e questões de gênero. ![]() [1] Comunicação apresentada no COLLOQUE INTERNATIONAL DE LA RECHERCHE FEMINISTE FRANCOPHONE RUPTURES, RESISTANCES ET UTOPIES TOULOUSE (France), 17-22 SEPTEMBRE 2002 [2] Ministério da Economia, das Finanças e do Planejamento. Diretoria da planejamento e de estatística Pesquisa senegalesa nas famílias. [3] (secundário profissionalizante.NT)
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