Labrys
estudos feministas
número 4
agosto /dezembro 2003


No Império das Imagens: Prefácio para o Décimo Aniversário da Edição de
“Este Peso Insuportável” 1

Susan Bordo


Para Cassie

Tradução : Valéria Fernandes da Silva

Revisão : Marie-France Dépêche

Resumo:


O texto aqui publicado é uma re-impressão do prefácio da 10ª edição, em janeiro de 2004, do livro Unbearable Weight. Neste texto, Bordo examina as mudanças culturais que se produziram nos últimos dez anos, desde a primeira publicação do livro, como a globalização das desordens alimentares, a difusão da cirurgia plástica cosmética e a crescente expectativa ilusória sobre nossos corpos, no “império das imagens” (termo criado pela autora). Explora, também, suas respostas pessoais ao envelhecimento e suas mudanças de perspectiva em relação à cultura contemporânea., devido ao o fato de ter uma filha pequena.

Palavras-chave: Unbearable Weight, desordens alimentares, cirurgia plástica, globalização, imagens.

Nas notícias de domingo. Com nosso café da manhã. No ônibus, no aeroporto, na fila de checkout. Partilhando nosso dia de folga do trabalho, do colégio, numa cumplicidade ilícita e deliciosa, embaixo do cobertor. Ou em companhia da doméstica, que observa de soslaio enquanto dobramos a roupa lavada, diante da TV. Pode ser o vício de assistir às promessas cintilantes dos info-comerciais das 5 da manhã: as mais modernas pílulas para dissolver gordura, o milagre da restauração capilar, os segredos de maquiagem das estrelas. Ou uma paquera, enquanto se espera no dentista, tentativa de distração diante de um iminente tratamento de canal. Ou ainda, uma tentação brilhante e apetitosa, uma ostentação deliberada, uma intenção do tipo “não-posso-esperar-a-volta-para-casar-com-você”. Uma revista para adolescentes: dicas de como se vestir, como arrumar o cabelo, como fazer com que ele queira você. Um filme assistido no cinema, a sala escura cheia de magia e a tela imensa. Os infindáveis comerciais e propagandas, nos quais acreditamos não estar prestando atenção.

Constantes, em todo lugar, mas nada com que se preocupar! Como a água no aquário do peixinho dourado, que não é percebida por ninguém.. Ou até notada, mas logo esquecida: “Eye Candy” – uma despreocupada indulgência . Elas são engolidas com tanta facilidade, entram e saem, são digeridas e esquecidas. Dificilmente capazes de ainda provocar nossa indignação.

Apenas imagens.

 

“Ninguém fica doente por olhar uma imagem”:
flashes transculturais

 

 

A jovem se posta diante do espelho. Para começar, ela não é nada gorda, mas está fazendo uma dieta sem gordura há duas semanas e atingiu o seu objetivo: peso, 58 Kg, distribuídos em 1,62 m de altura – exatamente o que deve pesar de acordo com os gráficos do seu médico. Mas, caramba, ela ainda parece rechonchuda. Ela não pode tirar da cabeça o vídeo “Lady Marmalade” do filme Moulin Rouge. Christina Aguilera, Pink, L’it Kim, e Mya, cada uma perfeita à sua maneira: cada curva suave e esculpida, magra e sexy, nada para se jogar fora. Raiva e vergonha de si mesma começam a queimar dentro da garota, e além de outras coisas. Ao longo do vídeo, os corpos das cantoras são como ímãs para seus olhos; ela sente que está apaixonada por elas. Mas as lágrimas de inveja rolando sobre seu estomago são o suficiente para deixá-la doente. Ela nunca vai se parecer com elas, não importa quanto peso ela perca. Olha para os estômagos das estrelas, vê como são achatados ? Aquelas coxas – como elas se movimentam. Seu traseiro. a ela, é monstruoso. Ela é gorda, imensa, uma grande massa.

Frontline perguntou para Alexandra Shulman, editora da Vogue britânica, se a indústria da moda se sente culpada por criar imagens impossíveis de serem atingidas, quando as jovens garotas comparem-nas às suas próprias medidas. Shulman deu de ombros. “Não, na realidade, foram poucas as pessoas que me disseram que olharam para as minhas revistas e decidiram se tornar anoréxicas.” 2 Será possível que Shulman realmente acredita nisso?
Na África Central, antigos festivais ainda celebram as mulheres voluptuosas. Em algumas regiões, noivas são enviadas para fazendas de engorda, para ganharem curvas arredondadas e ficar em forma para a noite de núpcias. Em um país duramente atingido pela AIDS, um corpo, com os ossos à mostra, significa – assim como costumava ser entre os italianos, judeus e negros americanos – pobreza, doença, morte. “Uma garota africana precisa ter quadris,” diz o estilista Frank Osodi. “Nós temos quadris, nós temos nádegas. Nós temos carne na África.”

Durante anos, a Nigéria mandou a sua versão local de beleza para o concurso de Miss Universo. As competidoras tiveram desempenhos muito fracos. Um astucioso empresário foi contra os ideais locais e inscreveu Agbani Darego, leve e magra, uma beldade em “pele-e-osso”. (Ele tirou a sua inspiração da M-Nel, uma rede de comunicação da África do Sul que é assistida através da África via satélite, e transmite principalmente filmes americanos e shows televisivos.) Agbani Darego ganhou o Miss Universo, a primeira negra africana a conseguir tal feito. Agora, as meninas nigerianas jejuam e se exercitam, tentando se tornar “lepa” – uma gíria popular para a “coisa” magra que as meninas perseguem furiosamente. Uma delas disse: “As pessoas compreenderam que ser magra é bonito.”. 3

Brenda Richardson e Elane Rehr, autoras do livro 101 Formas de Ajudar sua Filha a Amar o Próprio Corpo, conta a história de uma imigrante recém chegada, Sasha, trinta e dois anos, e sua irmã de catorze anos. Sasha, que imediatamente perdeu vinte libras, começou a sentir desgosto pelos braços e coxas de sua irmã mais jovem. “Minha irmãzinha tem braços e coxas gordas envoltas de celulite.”, contou para Richardson, e reclamou que sua mãe estava vestindo a moça com roupas de mangas curtas. Quando sua mãe fez isso, Sasha tentou impedi-la, dizendo para a irmã que ela deveria “cobrir a sua gordura”. 4

Alugue um filme russo feito antes que as portas se escancarassem para a cultura americana; olhe para os braços das atrizes. Vocês verão o quão extraordinária – e esclarecedora – esta pequena anedota parece. 5
Fiquei intrigada quando os meus artigos sobre desordens alimentares começaram a ser traduzidos, ao longo dos últimos anos, para o japonês e o chinês. Na audiência das minhas palestras, as mulheres asiáticas foram entre as mais insistentes em afirmar que as desordens alimentares não eram problemas para as suas comunidades, e de fato, minhas pesquisas iniciais apontavam que as desordens alimentares eram virtualmente desconhecidas na Ásia. Mas quando, esse ano, uma tradução em coreano de Unbearable Weight foi publicada, eu senti que precisava rever a questão. Descobri várias notícias sobre o dramático crescimento das desordens alimentares na China, Coréia do Sul e Japão. “Conforme muitos países asiáticos se tornam ocidentalizados e com a expansão da estética Ocidental do corpo alto, magro e esguio, um tsunami virtual de desordens alimentares inunda a Ásia.”, escreve Eunice Park , para a revista Asian Week. As pessoas mais velhas ainda podem se lembrar quando as coisas eram diferentes.

Na China, por exemplo, onde os ideais revolucionários condenavam qualquer ênfase na aparência e aconteceram muitas e terríveis crises de fome, “gordinha” era um termo carinhoso usado com as crianças. Agora, com os fast food em toda esquina, a obesidade infantil está em crescimento, e o significado cultural de gordo e magro mudou. “Quando eu era jovem,” diz Li Xiaojing, gerente de uma academia de ginástica em Beijing, “as pessoas admiravam e mesmo invejavam as pessoas gordas porque acreditavam que elas tinham uma vida melhor... Mas agora, a maioria de nós ao ver uma pessoa gorda, pensa :‘Ele parece monstruoso’”. 6

Por causa da sua localização remota, as Ilhas Fiji não tinham acesso à televisão até 1995, quando uma única estação foi instalada. Ela exibe programas feitos nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Austrália. Até essa época, não havia registro de casos de desordens alimentares em Fiji, e um estudo conduzido pela antropóloga Anne Becker havia mostrado que, independente do quão gordas fossem, as mulheres e meninas de Fiji sentiam-se confortáveis em relação aos seus corpos. Em 1998, apenas três anos depois que a emissora de TV havia iniciado suas transmissões, 11 % das meninas vomitavam para controlar o peso, e 62 % das meninas, participantes da pesquisa, relataram que tinham feito algum tipo de dieta durante os meses anteriores.

Becker se surpreendeu com a mudança; ela pensava que as tradições culturais de Fiji, que celebravam o comer bem e os corpos fartos, iriam “resistir” à influência das imagens da mídia. A sua explicação para a vulnerabilidade da população de Fiji? Ela não era suficientemente sofisticada para reconhecer que as imagens de televisão não eram “reais”. 7

“Realidade” no Império das Imagens

Será que somos sofisticados o bastante para reconhecer que as imagens não são “reais”? E isso importa?
No encantador L.A. Story, Steve Martin pergunta a Sarah Jessica Parker porque seus seios provocam uma sensação tão estranha ao serem tocados. “Oh, é porque eles são reais,” ela responde. É engraçado. Mas a situação também já deixou de ser uma piada – porque seios reais são uma anomalia entre as atrizes e modelos nos dias de hoje, com conseqüências que se estendem para além da insólita cultura dos corpos das celebridades.

Muitos homens jovens não se excitam diante de seios que não se adequam aos padrões de tamanho e firmeza de Hollywood. Eles se importam se esses seios de pin up não são “reais”? Não. Nem se importam as mais de 215 mil mulheres que compraram implantes para os seios em 2001. 8 Implante nos seios é um dos procedimentos cirúrgicos mais comuns em adolescentes. 9 Estas meninas não são criaturas superficiais, que se sentiriam insatisfeitas a menos que se parecessem com deusas. Cada vez mais, as meninas que colocam implantes sentem que precisam deles para que se tornem normais, em uma cultura na qual o “normal” está sendo radicalmente redefinido, não somente por imagens mas também por cirurgiões. Anúncio de um cirurgião plástico no Lexington Herald Journal: “Certamente, modelos e apresentadoras têm seios aumentados, mas a paciente comum é a mulher que você cruza todo dia na rua. Sua vizinha. Sua colega de trabalho. Ela poderia ser você.”

Em Unbearable Weight, eu descrevi o corpo pós-moderno, cada vez mais alimentado por fantasias de reorganização, transformação e correção, melhoramentos e mudanças ilimitadas, desafiando a historicidade, a mortalidade, e, sem dúvida, a própria materialidade do corpo. No lugar da materialidade, agora nós temos o plástico cultural.”. Quando escrevi estas palavras, as mais recentes estatísticas de 1989, listavam 681 mil procedimentos cirúrgicos efetuados. Em 2001, foram 8,5 milhões. 10

Elas são mais baratas do que nunca, mais seguras do que nunca, e cada vez mais usadas, não para corrigir grandes defeitos, mas para “definir os contornos” da face e do corpo. Cirurgiões plásticos parecem não ter nenhum problema ético com isso. “Eu não estou aqui para bancar o rei filósofo,” diz o Dr. Randal Haworth em uma entrevista para a Vogue; “Eu não tenho nenhum problema em atender mulheres que tem uma boa aparência mas querem parecer perfeitas.” 11 Perfeito. Quando a “perfeição” se aplicou ao corpo humano? A palavra sugere a forma platônica de beleza eterna – apropriada para o mármore, talvez, mas não para a carne viva. Nós mudamos, envelhecemos, morremos. Aprender a lidar com isso faz parte do desafio – e riqueza – existencial da vida dos mortais. Mas hoje, aqueles que podem se permitir fazer isso trocaram a desordem e fragilidade da vida, a vulnerabilidade da intimidade, o conforto das relações humanas, por fantasias de ilimitada auto-realização, “triunfando” sobre todo empecilho que cruze seu caminho, “disputando o ouro”. Os gregos chamavam isso de hubris, orgulho desmedido. Nós chamamos isso de “direito” de ser tudo o que pudermos ser. 12

O que Haworth não está dizendo, também, é que o limite daquilo que é considerado “perfeição” é constantemente extendido – pela imagética cultural, pela recomendação dos cirurgiões, e pelos olhos acostumados a considerar qualquer desvio como “defeito” Ann, uma paciente em potencial, descrita no mesmo artigo da Vogue, tem um corpo harmonioso com 50 Kg mas é obcecada por aquilo que chama bolsas de gordura na parte interna de suas coxas. “Não importa o quão magra eu fique, elas ficam menores mas nunca desaparecem.” Ela reclama. Não é esperado que Ann, a quem Haworth considera uma perfeita candidata à lipoaspiração, pare por aí. “A cirurgia plástica torna sua visão mais aguda,” admite o mais honesto dos cirurgiões, “Você termina de fazer uma coisa, de repente você está olhando no espelho a cada cinco minutos – à procura de imperfeições que ninguém mais pode ver.” 13

De onde Ann tirou a idéia de que qualquer vestígio de gordura deve ser banido do seu corpo?Muito provavelmente, não foi ao se comparar a outras mulheres reais, mas aos torsos gerados por computador – para anúncios de cremes anti-celulite e outros do gênero – com quadris e coxas e nádegas tão macias e tão gentilmente convidativas quanto dunas de areia. Nenhuma pessoa real tem um corpo como esse. Mas isso não importa – porque nossas expectativas, nossos desejos, nossos julgamentos sobre nossos próprios corpos, estão sendo cada vez mais ditados pelo digital. Quando foi a última vez que você realmente viu uma ruga – ou celulite – ou uma papada – ou um poro ou um vinco – em uma revista ou imagem de vídeo? Dez anos atrás, a revista Harper’s publicou a fatura que a Esquire tinha recebido para retocar uma imagem de capa de Michelle Pfeiffer. A foto estava acompanhada de uma cópia que dizia: “O que Michelle Pfeiffer precisa... é absolutamente nada.” O que somente a foto de Pfeiffer precisou para aparecer nessa capa custou U$1525 com ajuste no queixo, uma limpeza de pele, suavização do pescoço, remoção de linhas de expressão, entre outros ajustes do gênero.

Isso naquela época.

Agora, em 2003, virtualmente toda imagem de celebridade que você vê – em revistas, vídeos, e, às vezes, mesmo em filmes – foi modificada digitalmente. Praticamente toda imagem. Deixe isso amadurecer. Não permita que sua mente receba tudo passivamente. Confronte os prós e contras, suas implicações. Não é um simples ardil – estas coisas antigas e aborrecidas, que eram divulgadas nos anúncios, desde o início. Trata-se de uma pedagogia de percepção, Como interpretar o seu Corpo 101. Estas imagens estão nos ensinando como ver. Filtradas, atenuadas, polidas, amolecidas, aguçadas, re-arranjadas. E passando. Criações digitais, cyborgs visuais, ensinando- nos quais expectativas devemos ter em relação à carne e aosangue. Treinando nossa percepção sobre o que é defeito e o que é normal.

Será que nós somos suficientemente sofisticados para saber que essas imagens não são “reais”? E isto importa? Não existe advertência nos anúncios: “Cuidado: Este corpo foi gerado por computador. Não espere que suas coxas tenham essa aparência.” Importaria para Ann se houvesse um aviso? Quem se importa com realidade, quando a beleza, o amor, a aceitação estão acenando? Será que sofisticação tem alguma coisa a ver com isso?

Uma Triste Confirmação


Quando eu escrevi Unbearable Weight, era consenso que as garotas brancas economicamente privilegiadas tinham o monopólio dos problemas alimentares e de imagem corporal. Essa presunção era uma relíquia de antigos modelos médicos, que aceitavam o “perfil” da típica paciente de terapia –que era de fato branca e de classe média alta – como definitivo, e que falharam em reconhecer o papel central que as imagens veiculadas pela mídia tem em “disseminar” problemas alimentares e de imagem cultural através das raças e classes (e orientação sexual). Como as africanas, as habitantes de Fiji e as russas (e as lésbicas e latinas e toda e qualquer “subcultura” que se gaba de ter uma história de valorização de mulheres volumosas), as Afro-americanas pareciam ser “protegidas” por seu sistema alternativo de valores. E por isso, muitas meninas se sentem à deriva e sozinhas, tendo de lidar com sentimentos sobre seus corpos que era “supostamente” não deveriam ter; lutam, assim como suas colegas brancas, com uma pressão sem precedentes para que sejam bem sucedidas e assistem Janet Jackson e Halle Berry encolhendo diante dos seus olhos.
Muitos profissionais da área médica, também, foram tomados por aquilo que eu chamaria de “paradigma da anorexia”. Eles ainda não compreenderam que as desordens alimentares tomam diferentes formas e habitam corpos muito diversos em tamanhos e formas. O hábito de “entupimento/ vômito” 14 (“Binge Eating” )– um problema crônico entre muitas mulheres afro-americanas – é muito menos uma desordem relacionada com a questão alimentar do que a forma habitual de se purgar, e mulheres volumosas que não fazem ou não querem fazer dieta, não estão necessariamente confortáveis com seus corpos.

O vício em exercícios físicos raramente é listado entre os fatores indicativos de distúrbios alimentares, mas tem se tornado a escolha para o controle de peso da geração das seguidoras de Jennifer Lopez com suas nádegas redondas e firmes, ao invés do modelo da clavícula esquelética de Kate Moss. Mesmo se uma adolescente parece saudável e ter bom preparo físico, isso não significa que ela não está vivendo uma vida, metafórica e literalmente, de rotina ingrata da qual ela não ousa se afastar, com medo de que a comida e a gordura tomem conta do seu corpo.
Até recentemente, muitos clínicos não eram receptivos aos argumentos de feministas como Susie Ohrbach (e mais tarde, dos meus próprios) de que “a síndrome do distúrbio da imagem corporal”, o ciclo de “entupimento/ purificação”, o “pensamento bulímico”, e todo o resto, precisam ser entendidos muito mais como culturalmente normativos do que são geralmente reconhecidos. Os especialistas desejavam estabelecer uma linha clara e precisa separando patologia de normalidade – uma linha que, entretanto, pode ser muito difusa quando se trata de problemas com a alimentação e a imagem do corpo em nossa cultura. E enquanto eles reconhecem que estas imagens “têm um papel”, prendem-se à concepção de que somente as meninas com “predisposição à vulnerabilidade” têm problemas.

Treinados dentro de um modelo médico que busca as causas de desordem em patologias individuais e familiares, eles ainda não compreenderam o quão poderosas, onipresentes e invasoras, as demandas da cultura são para nossas almas e corpos. A questão familiar é importante, claro, da mesma forma que a racial e as tradições étnicas. Mas famílias existem em tempo e espaço culturais – tal como os grupos raciais. Assim, ninguém vive em uma bolha de “disfunção” auto-gerada ou de permanente imunidade – principalmente hoje, quando a cultura midiática de massas é responsável por uma “educação pública” dominante na vida de nossas crianças. O “perfil” das meninas, com problemas alimentares, é dinâmico e não estático; heterogêneo, não uniforme.

Os terapeutas, hoje, falam sobre o tratamento de filhas anoréxicas de anoréxicas, e começam a compreender o papel desempenhado pelos pais, não apenas em serem excessivamente controladores ou exigentes em relação às suas crianças, mas como modeladores da obediência às normas culturais. E a velha generalização sobre raça e “aceitação da obesidade”, mesmo que válida para gerações mais velhas de Afro-americanas, começa a ser inadequada para descrever as complexas e por vezes conflituosas atitudes das jovens, muitas delas cientes dos valores tradicionais, mas sentindo constantemente a influência das demandas contemporâneas. Enquanto me encontrava trabalhando em Unbearable Weight, entrei em contato com organizações que se dedicavam às questões de saúde ligadas às mulheres negras, pedindo estatísticas e anedotas clínicas, e disseram- me: “Isso é coisa de garotas brancas. As mulheres Afro-americanas sentem-se confortáveis com os seus corpos.”. Para Tenisha Witliamson, de vinte e poucos anos, que sofre de anorexia, estas noções são quase tão opressivas quanto o seu problema de desordem alimentar:

“Do ponto de vista de uma Afro-americana” ela escreve “nós, como povo, somos estimulados/as a ‘abraçar nossos corpos fartos e voluptuosos’. Isto faz com que eu me sinta terrível porque não desejo um corpo farto e voluptuoso! Eu nunca sequer quis ser gorda – nunca, e eu nunca desejei ganhar peso. Eu preferiria morrer de inanição do que ganhar uma simples grama. Isso me faz sentir o Judas proverbial da minha raça... e absurdamente fútil.” . 15

Na verdade, as garotas brancas que sofrem de inanição são apenas a vanguarda, os canários dos mineiros, que são usados para mostrar que o ar está se tornando venenoso para todos. Posso constatar este fato nas revistas, nos vídeos e nos trabalhos de meus alunos. Percebo isso, quando escrevo em “Material Girl” sobre as transformações sofridas por Madonna e outras artistas de ascendência italiana, judia, ou afro-americana que, no início das suas carreiras, pareciam representar a resistência à onda das famélicas mas que não conseguiram manter a firmeza contra o que, de fato, começou a tomar conta delas como um tsunami, uma imensa onda cultural de obsessão para se obter um corpo disciplinado e normalizado.

Isso começou a ser um argumento central de Unbearable Weight: desordens alimentares, analisadas como uma formação social ao invés de patologia pessoal, representam a “cristalização” de algumas tendências particulares, algumas históricas, outras contemporâneas, dentro da cultura ocidental. As religião e cultura ocidentais, só para começar, têm uma longa história de ansiedade em relação ao corpo, como uma fonte de fome, necessidades, e vulnerabilidades físicas, sempre prontas a fugir do controle. Manter, porém, uma zona de conforto em relação às necessidades do corpo é especialmente difícil em nossa própria época.

A cultura de consumo nos incita continuamente a “deixar rolar”, a sermos indulgentes com nossos desejos – por açúcar, gordura, sexo, e toda sorte de entretenimento despreocupado. Mas ao mesmo tempo, as florescentes indústrias, centradas em dieta, exercício, e no aprimoramento corporal, glamorizam a autodisciplina e codificam a gordura como símbolo da preguiça e falta de vontade própria. É árduo encontrar um espaço de moderação e estabilidade em tudo isso, é fácil cair em desordem.

Para meninas e mulheres, as tensões do consumismo capitalista são ainda encobertas pelas contradições de ser do sexo feminino em nosso tempo. Essas contradições, argumentei, estão sucintamente corporificadas no ideal de magreza. De um lado, o corpo magro representa uma rejeição do ideal de beleza rechonchuda, de feminilidade reprodutiva, dos anos 1950 e uma asserção pós-feminista, de uma identidade avessa ao ambiente doméstico. Por outro lado, o encolhimento constante do espaço permitiu que o corpo feminino manifestasse o desconforto com um maior poder e presença das mulheres.

Uma das mais difíceis mudanças que encarei, ao apresentar essas idéias em conferências e palestras públicas, foi conseguir que profissionais, da área médica e acadêmica, encarassem com seriedade a questão da imagética cultural. Muitos clínicos, não habituados a perceber as imagens como algo além de “pura moda”, viam a interpretação cultural como algo que minimizava a gravidade das desordens alimentares. Eu insistia – um argumento que desenvolvi explicitamente em um livro posterior, Twilight Zone – que imagens de magreza-elegância nunca são “somente imagens”, como as revistas de moda continuamente sustentam (sem nenhuma honestidade) em sua própria defesa.

Os corpos são engenhosamente arrumados nos anúncios e vídeos, na moda que dissemina poderosas lições em como ver (e avaliar) os corpos, oferecendo também fantasias de segurança, autocontrole, aceitação, e imunidade à dor e ferimentos. Indicam para as jovens, não apenas como ser bonitas, mas como se tornar aquilo que a cultura dominante admira, como ser cool e se dar bem com os outros. Para garotas que sofreram abuso, discorrem sobre como transcender ou proteger a tão vulnerável carne feminina. Para grupos raciais ou étnicos, cujos corpos tem sido marcados como diferentes , mundanos, e primitivos, ou considerados pouco atraentes para os padrões anglo-saxões, podem apresentar a sedução da assimilação, a possibilidade (metaforicamente falando) do “ branqueamento”.
Os acadêmicos, por sua parte, não eram hostis a esta interpretação, mas àquilo que consideravam como a minha supressão das “diferenças” étnicas e raciais. Entretanto, meu argumento era relativo ao perceptível desenvolvimento histórico – a disseminação de imagens normalizadoras, que atravessam raça e nacionalidade. A “diferença” estava realmente sendo apagada. Mas é a cultura popular de massas que está fazendo isso, não eu.

Hoje, disso as evidências são indiscutíveis. Não há como negar que ainda existem diferenças raciais nas atitudes em relação à alimentação, o fazer dieta, e a estética corporal. Mas ainda mais dramáticas são as diferenças entre gerações, que mostram que o “conforto em relação ao corpo” está rapidamente se tornando uma relíquia de outra época, independente da raça ou nacionalidade. 16 A mitologia persiste, é claro; ela é um grande ingrediente dentro de um certo tipo de orgulho étnico. Assim, Jennifer Lopez e Beyoncé Knowles insistem que são felizes com os seus corpos, gabando-se de suas nádegas volumosas. “Nós, irmãs, somos muito bem acolchoadas lá atrás” diz Beyoncé “Sendo “bem dotada” você está confortável com o seu corpo”. Mas nádegas sensuais, aparentemente, só são interessantes se forem duras e empinadas, e se outras partes do corpo estiverem bem firmes, no devido lugar. Beyoncé está confortável com o seu corpo porque malha constantemente.

Quando está em turnê, ela faz pelo menos quinhentas abdominais todas as noites, e Jennifer (“Uma das pessoas mais determinadas que eu já vi.” De acordo com o seu personal trainer) faz noventa minutos de exercícios pesados “pelo menos” quatro vezes por semana. 17 Seu realmente voluptuoso corpo de “Selena” pertence a um passado distante. J. Lo e Beyoncé só aparecem como “modelo de boa forma” se Lara Flynn Boyle for o seu parâmetro.

E por fim, existem os homens e os moços que por muito tempo pareceram tão imunes. Se alguma vez houve confirmação de que alimentação e problemas com imagem corporal são produtos da cultura, eles são a prova. As mulheres, os estudos sempre apontaram, são cronicamente insatisfeitas consigo mesmas. Mas, dez anos atrás, os homens tendiam, se muito, a se verem com melhor aparência (talvez) do que realmente tinham. Os homens heterossexuais tinham orgulho das suas barrigas de cerveja. “Pareço me importar?” este era o jeito masculino de ser. “Body-sculpting”? Sexualmente muito suspeito. Fazer dieta? O homem branco, heterossexual médio não seria encontrado numa reunião dos Vigilantes do Peso. O “one” em “Pepsi One” foi criado para vender uma bebida dietética para homens, sem que assim fosse nomeada.

E assim, como notei na revista “The Male Body”, a indústria das dietas, os fabricantes de cosméticos e os cirurgiões plásticos “descobriram” o corpo masculino. Com tanto dinheiro que poderia ser ganho, por que demoraram tanto? Fabricantes e anunciantes temiam que o medo de serem vistos como gays fosse afastar os homens heterossexuais de mostrarem um interesse tão óbvio por seus corpos. Afro-americanos, como a estrela do atletismo Michael Jordan e o cantor de hip-hop Puff Daddy (Sean P. Diddy) Combs fizeram muito para mudar esta situação. Eles tornaram jóias, alta costura, e outras coisas espalhafatosas “coisa de macho”. Mas o designer Calvin Klein rompeu a maior barreira. Ele trouxe o sinuoso, o esculpido corpo masculino para fora do armário, e fez com que todos, gays e heteros, homens e mulheres, sucumbissem diante da sua clássica beleza masculina.

Lembro-me da primeira vez em que vi uma das suas propagandas de roupa de baixo. Nada de homem famélico, o corpo masculino projetava força, solidez. Mas a musculatura finamente esculpida do seu peito não era tão hipertrofiada a ponto de sugerir uma sexualidade imobilizada – como a de Schwazenegger, digamos – pela estrutura pesada do corpo. Ele não encarava o público de uma forma ameaçadora, beligerante (“Yeah, isto é uma roupa de baixo e eu estou seminu. Mas eu ainda sou aquele que está em comando aqui. Quem vai querer me encarar primeiro?”) . Não, este modelo tinha uma postura lânguida, olhos baixos, mas não fechados, oferecendo-se sem nenhuma agressividade ao olhar do outro. Banqueteie-se; eu estou aqui para ser olhado.

Hoje, os homens não pensam mais que o cuidado pessoal ou admirar a forma como uma pessoa se veste, o seu corpo, a beleza nos olhos do outro sejam coisas femininas. Mas, deleitar-se com um olhar de admiração, como os homens estão descobrindo, exige que se mantenha o corpo em forma. Esta é uma cultura de consumo, antes de tudo. Nela, você nunca pode ter demais de uma coisa boa. Ela incentiva nossa capacidade para o excesso e quer que nunca possamos parar. Hoje, o corpo masculino atlético e musculoso, que Calvin Klein primeiro colocou em todos os prédios, revistas, e estações de metrô, tornou- se uma necessidade estética, tanto para heteros quanto para gays. “Sem peito, sem sexo,” é como David Barton, dono da academia da moda, faz a sua propaganda: “Meu lema não é ‘seja saudável’; é ‘Pareça melhor sem roupa,’” diz Barton. 18

E agora, os homens jovens estão se olhando no espelho, achando- se flácidos e mal definidos, não importa o quão musculosos sejam. Estão desenvolvendo os distúrbios alimentares e de imagem corporal, que antes somente as garotas tinham. Estão abusando também dos esteróides, comparando sua própria musculatura com as imagens perfeitas e cobertas de óleo de atletas profissionais, praticantes de musculação, e modelos da “Men’s Health” (Saúde masculina). Agora, a indústria de melhoria corporal – cirurgias plásticas, fabricantes de cremas anti-rugas, spas e salões de beleza – estão ganhando muito dinheiro às custas dos homens também.

Já que meninos e homens estão desenvolvendo problemas de imagem corporal, os argumentos culturais feministas – antes não reconhecidos – parecem que finalmente venceram. Psicólogos estão produzindo imagens que mostram o crescente aumento das proporções musculares de brinquedos como G.I. Joe, ilustrando seus estudos com fotos de dupla página /de centro de revista de “esteróides”, e alertando os leitores que mesmo o “mais bem ajustado homem” está correndo perigo. Dizem os autores do livro “The Complex of Adonis” (todos profissionais da área médica) : “Os homens poderiam se livrar de muito sofrimento se pudessem se liberar dos ideais irreais que a sociedade criou sobre como deve ser a sua aparência.” 19

Concordo, é claro. Mas eu não posso deixar de pensar em toda a culpa e vergonha que meninas, mulheres e suas famílias sofreram, porque nossas desordens do corpo foram banalizadas e patologizadas no decorrer dos anos. É a hora de deixarmos claro que meninas e mulheres “bem ajustadas” estão correndo perigo também. Que nenhum grupo racial ou étnico é invulnerável. Que a insegurança em relação ao corpo pode ser exportada, importada, e vendida através do globo terrestre – como qualquer outra mercadoria rentável.

Envelhecendo no Império das Imagens

Eles me devoravam com os olhos até os meus trinta e cinco anos. Mesmo quando eu já estava com quarenta e cinco, as pessoas ainda ficavam chocadas ao ouvir a minha idade. Homens mais jovens flertavam comigo quando eu já estava com cinqüenta. Tendo odiado o meu rosto enquanto criança – cabelo ruivo abundante, sardas, nariz adunco – fiquei surpresa em me sentir satisfeita comigo mesmo na idade adulta. Repentinamente, tudo mudou. As mulheres no balcão da maquiagem não me cumprimentam mais pela minha pele. Os homens não mais me lançam olhares cheios de promessas de diversão.

Eu tenho cinqüenta e seis. As revistas me dizem que na minha idade, uma mulher ainda pode ser bela. Mas eles não falam de mim. Falam de Cher, Goldie, Faye, Candace. Mulheres cujas bochechas flácidas desapareceram enquanto envelheciam, cujos olhos se tornaram cada vez menos caídos, lábios se tornaram mais carnudos, as testas mais suaves, no passar dos anos. Eles falam de Susan Sarandon, que parecia mais velha no filme Thelma e Louise de 1991, do que nos filmes que faz agora. “Envelhecer com beleza” antigamente significava exibir a idade com estilo, confiança e vitalidade. Hoje em dia, isso significa, na verdade, não envelhecer. E – como o busto que desafia a gravidade – este comportamento está se tornando uma nova norma corporal.

Greta Van Susterin: antiga analista legal da CNN, quarenta e sete anos. Quando ela fez um lifting facial, provocou uma verdadeira escalada de interesse das mulheres comuns. Ela tinha um estilo marcante: nada de papo furado, realismo sem faz de conta. (Durante o julgamento de O.J. Simpson, ela era a única repórter branca na qual os Negros confiavam). Sempre muito bem vestida e penteada, ela não era realmente bela. Ninguém poderia alegar que sua carreira foi construída em cima da sua aparência. Talvez fosse exatamente o contrário. Ela enviava uma mensagem subversiva: cérebro e personalidade ainda fazem a diferença, mesmo na TV. Quando Greta fez o lifting, outra fonte de inspiração e esperança caiu por terra. A história apareceu na capa da People, e as pessoas paravam para assistir o seu programa na Fox , apenas para ver a diferença – que era significativa. Mas pelo menos ela era franca em relação à questão.

As beldades nunca admitem que fizeram “plástica”. Ou se o fazem, são vagas, pouco específicas, minimizando sua extensão. Cher “Se eu tivesse feito tantas cirurgias plásticas quanto as pessoas dizem, sobraria uma pessoa totalmente diferente .” 20 Ok, então quantas você fez? Os entrevistadores aceitam os silêncios e as evasivas. Eles até embelezam as mentiras. Quantas entrevistas que você leu começavam com: “Ela entrou no restaurante parecendo pelo menos vinte anos mais jovem do que era, fresca e relaxada, sem nenhum vestígio de maquiagem.”
Essa conivência, esse mito, que Cher ou Goldie ou Fay Dunaway, inalteradas, ter “cinqüenta e poucos anos hoje”, alterou a minha face – e sem o benefício da cirurgia. Em comparação com a delas, ela se tornou muito mais velha do que é. Minha expressão agora parece mais séria também (exatamente o que uma feminista precisa), graças à difusão do botox. “Agora é raro em alguns círculos sociais,” um repórter do New York Times observou, “ver uma mulher madura com a habilidade de parecer zangada.” 21

Isto tem frustrado alguns diretores cinematográficos, como Baz Luhrman (que fez Moulin Rouge). “As suas faces não conseguem se mover adequadamente,” Luhrman reclamou. 22 Semana passada eu vi uma placa no salão de beleza onde corto o cabelo “Festa do Botox! Inscreva-se!”. Agora, minha testa de cinqüenta e seis anos será julgada em comparação com a da minha vizinha, não apenas com a de Goldie, Cher ou Faye. Na televisão, um comercial descreve o produto (que na realidade é uma toxina, butolismo diluído) como “botox cosmético”. Nenhuma diferença em relação à máscara ou ao blush, ele apenas é enfiado com uma agulha e deixa sua testa paralisada e insensível.

Para adicionar insulto ao ferimento, a retórica do feminismo tem sido utilizada para auxiliar o avanço e justificar as indústrias anti-idade e de alteração corporal. Lifting facial, implantes, lipoaspiração são anunciadas como uma tomada de poder, de controle sobre a própria vida. “Eu estou fazendo isso por mim” – é o mantra dos programas de entrevista. “Desafie a sua idade!” – diz Melanie Griffith pela Revlon. Nós estamos fazendo uma revolução, garotas! Tome a sua injeção e erga sua bandeira !

Eu estou imune? Claro que não. As prateleiras do meu banheiro estão entulhadas com loções anti-idade e poções ridiculamente caras, que constantemente acenam para mim do balcão da Lancôme ou da Dior. Eu quero que minhas linhas, bolsas e flacidez desapareçam e da mesma forma agem as mulheres que só tem condições financeiras de comprar os seus alfa-hidróxidos no K-Mart. Existe um limite, entretanto, quanto o que os ácidos de frutas podem fazer. Na medida em que os cirurgiões desenvolvem cada vez mais extensivos e refinados procedimentos para corrigir a gravidade e apagar a história dos rostos das pacientes, a diferença entre as mulheres cosmeticamente alteradas e o resto de nós se torna cada vez maior e mais dramática.

“O resto de nós” inclui não somente quem tem resistência ou medo de uma intervenção cirúrgica, mas a maioria das pessoas, que não podem arcar sequer com um plano de saúde básico, quanto mais com um conserto estético – nem mesmo aquele do tipo da K-Mart. Enquanto os rostos das celebridades se tornam cada vez mais surreais, com seus olhos bem abertos, seu sempre brilhante não-envelhecimento, enquanto a Time e a Newsweek (e a Discovery e a Psicologia Hoje) proclamam que agora podemos almejar “permanecermos sempre jovens”, as mulheres pobres tornam-se flácidas, com rugas e perdem seus dentes. 23

Mas no império das imagens, onde mesmo pessoas envolvidas em escândalos da bolsa ou criando sétuplos recebem tratamento dental digital instantâneo para aparecerem na capa das revistas, 24 este é um segredo bem guardado. O testemunho das celebridades, as propagandas, as colunas de beleza, todos participam na ficção de que o tempo, dinheiro, e tecnologias exigidas estão disponíveis a todos. 25


Crescendo Mulher no Império das Imagens

Eis como eu posso estabelecer a idade dos membros da audiência das palestras que eu dou: minha geração (e mais velhas) ainda se referem às “escovas”. Muitas ainda acreditam que “basta apenas desligar a TV”. Elas desdenham, ridicularizam e estão certas da sua própria imunidade ao mundo que estou descrevendo. Ninguém acredita nos anúncios de verdade, acredita? Nós não sabemos, então, que estas são apenas imagens, criadas para vender produtos? Acadêmicas na audiência poderiam apresentar alguma teoria sobre resistência cultural e “agente” cultural. Os homens poderiam insistir que preferem mulheres com “carnes”.

Quinze anos atrás, eu me sentia um pouco sem forças quando minha própria geração dizia essas coisas; parecia que elas estavam vivendo em um mundo diferente daquele que eu estava rastreando e que havia pouca esperança de criar meios para superar esse afastamento. Agora, eu simplesmente percebo o olhar de uma pessoa de vinte anos na platéia. Elas sabem. Elas entendem que você pode ser tão cínica quanto quiser em relação às propagandas – e muitos delas são – e ainda assim se sentir incapaz de resistir às suas mensagens. Elas sabem, não importa o que seus pais, professores e clérigos estejam lhes dizendo, que essa história de “beleza interior” é uma grande piada nessa cultura.

No seu mundo, existe um tamanho zero, e este é um símbolo de status. As viciadas crônicas em dieta o perseguem desde que tinham oito ou nove anos. A “Epidemia de Desordens Alimentares” é coisa antiga; serem advertidos sobre ela afasta-as imediatamente. O mundo delas é aquele no qual as anoréxicas ousam trocar dietas que levam à inanição pela Internet, participam de jejuns em grupo, oferecem conselhos sobre como esconder a sua “ana” dos membros da família, e compartilham fotos inspiradoras de modelos emaciadas. Mas, anorexia completamente desenvolvida, nunca foi norma entre garotas adolescentes.

A epidemia real é entre as meninas com hábitos alimentares aparentemente saudáveis, corpos aparentemente cheios de saúde, que vomitam ou malham exageradamente como forma regular de manter qualquer gordura afastada. Estas garotas não apenas parecem “normais”, mas consideram-se normais. O novo critério entre as adolescentes é: se você consegue se livrar do peso, através de exercícios físicos ao invés de usar laxantes ou purgantes, você não tem nenhum problema. O mundo delas é aquele no qual colegas de dormitório se atiram vorazmente sobre pizzas, mastigando e depois cuspindo fora cada mordida. Elas sofrem de alguma desordem? Claro que não – olhem, elas estão comendo pizza.

Gerações educadas no império das imagens são igualmente vulneráveis e experientes. Elas mostram incredulidade quando as revistas anunciam periodicamente (aproximadamente uma vez cada seis meses, a mesma freqüência com que apresentam matérias de capa sobre as “Estrelas que sofrem de Inanição”) que na “nova Hollywood” qualquer pessoa pode ser “sexy tendo qualquer manequim”. Elas são especialistas, connaisseures das imagens; elas prestam total atenção aos quilos que vem e vão – em J. To, em Reese, em Thora, em Christina Aguilera, em Beyoncé. Elas sabem que Kate Winslett – a quem o diretor James Cameron chamava de “Kate Weights-a-lot”(Kate pesada) no set de Titanic – era descrita nos tablóides como um “fardo cada vez mais pesado”, “um balão que não parava de crescer”, “cada vez mais inchada”, “aumentando de peso”, “ganhando medidas” de “sopetão”, “oscilando” em torno de 60 quilos. Sabem que a elegante Courtney Thorne Smith, a amiga/ rival de Calista Flockhart em Ally McBeal, deixou o show porque ela não mais podia suportar a pressão para permanecer tão magra quanto David Kelly queria que ela fosse. Que Miss Elliot e Queen Latifah não fazem dieta por questões de saúde.

Rastreio a cultura das meninas mais novas com particular preocupação, porque sou mãe agora. Minha filha de quatro anos de idade é uma atleta excelente, com suprema confiança no seu corpo, que se orgulha de ser capaz de fazer qualquer coisa que os meninos possam fazer – e melhor. Quando vejo meninas sendo diminuídas e molestadas por essa cultura sinto como se fosse mais pessoal para mim agora. Sinto-me grata porque existe toda uma nova geração de mulheres atletas que podem servir de inspiração e suporte para meninas como Cassie. Que nossos ícones não são mais somente delicadas ginastas, mas potentes jogadoras de futebol, softball, e tênis, estrelas de ombros largos a serem seguidas. Mia Hamm, Sarah Walden, Serena Williams, Marion Jones. 26 Durante uma recente visita a uma escola secundária, eu vi como os olhos de uma atleta de catorze anos brilhavam quando falava sobre o que Marion Jones significa para ela. Nesta jovem eu vi minha própria filha, dez anos no futuro, e enchi-me de esperança.

Mas então, acidentalmente sintonizo no Maury (Povich) Show, e meu coração se despedaça. O tema do dia era convertendo em “menina outra vez”. Uma a uma, cinco lindas “tomboy” (como Maury as denominou) de doze, treze, e quatorze anos receberam de volta o seu “lado feminino” (Maury de novo) através de uma conversão “fashion” (“moda”). Primeiro as vimos com camisetas esportivas e bonés, insistindo que eram tão fortes como qualquer garoto, que desejavam vestir roupas confortáveis, que estavam cansadas da insistência para que se vestissem como garotas. Por que, então, estavam elas ali, para se submeter a uma transformação, e ainda por cima diante das câmeras? Para agradar suas mães.

E, de fato, à medida em que cada uma era trazida de volta ao palco, cheias de maquiagem e com uma roupa cheia de glamour, cabelo balançando (e no caso das garotas negras, elas foram alisadas), fazendo as poses vamp cheias de “poder” das supermodelos, suas mães caíam em prantos, como se tivessem recebido a notícia de que suas filhas tinham sido curadas de câncer. As mães estavam tão inundadas de alegria, que não precisavam nada mais; no entanto Maury estava claramente inclinada a completar a conversão: “Vocês sabem o quão bonitas vocês são?” “Olhem como vocês estão lindas!” “Aquele rapaz na platéia – ele está caidinho por você!” “Você vai se vestir assim com mais freqüência?” A maioria das meninas, sem nenhuma surpresa, disse sim. Elas sofreram um ataque frontal; não havia como escapar.

Tão cansada como eu estava, este Show de Maury realmente me atingiu. Almejavaa tomar cada uma daquelas meninas nos braços e tirá-las de lá. Claro que o que eu realmente temia era não ser capaz de defender Cassie desse tipo de ataque. E isso já está acontecendo. Eu assisto os programas infantis da TV com ela e raramente consigo achar algum defeito num mundo neutro em relação aos gêneros, que eles retratam. Nós vamos assistir os filmes de Disney e vemos heroínas habilidosas e cheias de energia. Algumas delas, como as meninas havaianas de Lilo e Stitch, até têm pernas grossas e corpos bem sólidos. Mas então, no caminho de volta do cinema, nós paramos no Mac Donald para uma Refeição Feliz – e,apesar do fato de Cassie insistir que ela é um garoto e querer o brinquedo de menino, um super carro de rodas altas – ela recebe uma caixa com uma pequena mini Barbie . O quarto da Barbie ilustra a caixa, e minha filha recebe o desafio de encontrar e unir os pares de sapatos corretos espalhados pelo chão.

Mais tarde nesse mesmo dia, eu abri o catálogo da Pottery Barn, folheando-o em busca de idéias para o quarto de Cassie. O quarto, designado para meninos, era pintado em cores primárias, a colcha salpicada de bolas, tacos e luvas de baseball. A legenda dizia: “Eu pratico tantos esportes que é difícil escolher meus favoritos.” Parecia minha filha falando. Na página oposta, o quarto de menina estava representado, como um planetário em cores pastéis. A legenda dizendo: “Eu gosto de estrelas porque elas são brilhantes.” Essa frase também poderia ter sido dita pela minha filha. Mas a Pottery Barns não acredita que uma criança possa habitar os dois mundos. Se os catálogos deles fossem tão segregacionistas e estereotipados em questões de raça como são de gênero, certamente haveria um boicote.

Aluguei um vídeo – Jimmy Neutron, o Menino Gênio – para Cassie. Ele é comercializado como um vídeo infantil; e está nesta rubrica na Blockbuster. E o filme confirma isso, na maioria do tempo. Entretanto, temos um vídeo musical, que se segue ao filme, sem ser precedido por nenhum aviso. É um grupo, do qual nunca ouvi falar antes, cantando uma música intitulada “Kids of America”. Duas das meninas têm treze anos. Duas têm quinze e uma tem dezesseis anos. Eu sei disso porque suas idades são exibidas na tela na medida em que aparecem. Elas estão vestidas em roupas sensuais, com corpos fazendo ondulações profissionais, maquiagens profissionais, olhos sedutores.
Por que nos dizem suas idades, eu me pergunto? Esperam que fiquemos impressionados/as pela ilusão de feminilidade adulta, criada pela sua performance? Ou a suas idades tornam aceitável que esse tipo de show seja mostrado para criancinhas? Como se fosse uma forma de dizer “Isso é só faz-de-conta, um jogo de fantasia”? Há quanto tempo ´havia indignação com os clipes de Jon Benet Ramsey, que apresentavam a idéia de feminilidade em desfiles de beleza infantis?

Em 2002, versões bebê de Britney Spears estavam andando nas ruas na noite de Halloween. Será possível, que hoje achemos bonitinho vestir nossas filhas como pequenas prostitutas? Isto é o que Sharon Lamb, autora do livro “The Secret Lives of Girls”, acha. Ela aconselha as mães para não se preocuparem se suas meninas de nove anos “se dedicarem a jogos adoráveis, de saltos altos, fazendo strip-tease, movimentando o corpo e projetando os seus seios,” para relaxarem se suas filhas de onze anos quiserem sair “com pesadas sombras azuis, camiseta curta de alcinha, as alças do sutiã trançadas, longas pernas finas e vestidos pretos curtos.” Elas são “tolas e adoráveis, sensuais e maravilhosas ao mesmo tempo,” ela diz- nos enquanto elas “celebram a sua objetivação,” “esgotando as fantasias masculinas sem se arriscarem”. 27

Sem se arriscarem? Eu não tenho nada contra se enfeitar. Mas movimentar o corpo é uma coisa; fazer strip-tease é outra. Colocar sombras azuis pesadas no banheiro da mamãe, tudo bem; uma menina de onze anos passando a noite na rua, não o é. Lendo essas palavras “sem se arriscar”, eu gostaria de lembrar a Sharon Lamb que entre 22 e 29 % de todos os estupros de meninas ocorrem quando elas têm onze anos ou menos. 28 Gostaríamos de pensar que estes estupros são obra de loucos desequilibrados, tão desconectados da realidade quanto alheios à cultura ao seu redor. A mídia, divulgando com energia a assim chamada “epidemia de estupros” de meninas, tal qual a do Verão de 2002, ajuda a sustentar o mito e nos ajuda a acreditar que estamos fazendo todo o possível para proteger nossas filhas se simplesmente as ensinarmos a não aceitarem doces nem caronas de estranhos.

A realidade é que menininhas correm mais riscos de serem estupradas por amigos e membros da família do que por estranhos, e que pouquíssimos homens, sejam estranhos ou conhecidos, não se deixam afetar pela cultura visual das ninfetas que se exibem diante dos seus olhos, transpirando um conhecimento sexual e uma experiência que pré-adolescentes não tem. As feministas chamavam isso de “cultura do estupro”. Nós não temos mais ouvido essa frase, temos?

Esperança e Medo

Ainda assim, as forças progressistas não se encontram inteiramente adormecidas, no império das imagens. Penso na revista para adolescente YM , por exemplo. Depois de conduzir uma pesquisa que revelou que 86% de suas leitoras encontrava- se insatisfeita com a aparência do seu corpo, a YM declarou guerra aberta às desordens alimentares e aos problemas de imagem corporal, instituindo uma política editorial contra a publicação de colunas de dietas e deliberadamente buscando modelos do tamanho normal – sem “marcá-las” dessa maneira – para todas as suas matérias de moda. 29

Penso que essa resistência à hegemonia do corpo livre de gordura pode ter alguma coisa a ver com o fato de que os/as editores/as são suficientemente jovens para terem estudado feminismo e estudos culturais, enquanto faziam seu bacharelado em Inglês ou Jornalismo. 30 Muitos destes movimentos progressistas, na mídia, é claro, são conduzidos por interesses de mercado, em lugar de consciência social. Por exemplo, o fato de 49 milhões de mulheres estarem na média do tamanho 40 ou acima é uma motivação clara por trás das novas campanhas de normalização do peso, criadas pela “Just my Size” (Meu tamanho certo) e por Lane Bryant. 31

Estas campanhas exibem orgulhosamente corpos “zaftig” (gostosos) sem roupa e, diferente das antigas propagandas com mulheres “acima das medidas”, recusam-se a usar esses termos, insistindo (com exatidão) que aquilo que tem sido chamado de “acima das medidas” é, na verdade, o tamanho médio. Esta é uma grande estratégia para aumentar os lucros (Eu sei disso, eles ficaram com meus dez dólares), mas também, apesar de tudo, uma espécie de resistência. “ nunca mais serei invisível,” estes anúncios proclamam, em nosso benefício. “Mas não vou permitir que minha visibilidade seja uma aberração cultural ou uma piada, também, porque eu não o sou. Eu sou a norma.”
A amoralidade do Capitalismo de Consumo, na sua incansável busca por novos mercados, novas formas para gerar e alimentar desejos, criou, igualmente, um mundo de representações raciais, que é bem diverso agora daquele que existia quando escrevi Unbearable Weight. Este é um novo assunto, que adquiriu significado especial para mim, porque minha filha é bi-racial, e eu estou perfeitamente consciente do mundo que ela vê e o que ele está dizendo sobre ela..

Passando os olhos pelas revistas atuais, notando a variedade dos tons de pele, narizes e bocas ali representadas , e sinto-me feliz pois Cassie está crescendo hoje em dia e não nos anos setenta, quando Cheryl Tiegs dominava. É sempre possível, é claro, encontrar coisas que ainda estão “erradas” com essas representações; códigos racistas e estéticos não morrem da noite para o dia. As Jezebéis e geishas ainda estão conosco, e se os modelos masculinos negros e as crianças pequenas podem manter seus cabelos duros e “ naturais”, o alisamento – tão esticado quanto eu jamais imaginei que o cabelo de alguém pudesse ficar – parece ser uma obrigação estética para jovens mulheres negras. 32

É fácil, também, ser cínico. A variedade da moda atual nos é trazida, afinal, pelas mesmas pessoas que nos trouxeram a hegemonia dos cabelos louros e olhos azuis e que transformaram rugas e celulite em doença. É fácil considerar como ethinic chic (“chique étnico”), casos de amor em evidência, ostentando grossos lábios e as crianças bi-raciais como”os fetiches” do mês É difícil, porém, ver nisso tudo um esforço vergonhoso em explorar os nichos étnicos e o turismo da beleza branca.

Ter uma criança, entretanto, fez-me perceber as coisas por uma outra perspectiva, pois tento imaginar como isso tudo parece aos olhos de minha filha. Cassie não sabe nada a respeito das motivações das pessoas que produzem imagens. Na idade dela, ela só pode apreender o seu valor superficial. E como valor superficial, elas apresentam um mundo que a inclui e celebra, como aquele onde eu cresci jamais me incluiu ou celebrou. Apesar de toda a minha raiva, cinismo e frustração com nosso império das imagens, não posso me negar a ser grata por isso.
Nos melhores dias, sinto-me encorajada pelo que está acontecendo nas revistas para adolescentes , na Lane Bryant e nas propagandas “Just my Size”. Talvez os anunciantes estejam descobrindo que criar um mal estar consigo mesma, para melhor vender seus produtos, não é a única forma de fazer dinheiro. Como as representações raciais têm mostrado, diversidade é vendável. Talvez, como Lane Bryant e outros estão esperando, encorajar as pessoas a se sentirem bem com os seus corpos pode vender produtos também.

Algumas vezes, avaliando o mundo digitalizado e de plástico dos corpos, que é a norma agora, convenço-me que nosso atual estado de encantamento é apenas um momento antes da náusea, ou talvez simplesmente do tédio. Vejo uma mulher de vinte e poucos anos, dançando swing em uma festa ao ar livre, seu ventre destacando-se levemente sobre o grosso cinto de couro, em seus jeans de cintura baixa. Nem tensas, nem pesadas, ou habilmente camufladas como se fosse uma deformidade que não devesse ser vista, mas orgulhosamente, sensualmente revelada, lembrando-me Madonna, antes que se tornasse a musculosa dominatrix. Será possível que estamos começando a nos rebelar contra a aparência manufaturada das celebridades, começando a sentir repulsa em relação à sua couraça de “perfeição”?

Estes momentos cheios de esperança, devo admitir, são passageiros. Geralmente, eu me sinto horrorizada – e aterrorizada por minha filha. Estou ciente que expressar abertamente o horror, nos dias de hoje, é correr o risco de ser taxada de pregadora moralista, relíquia de um feminismo fora de moda. Em palestras para jovens audiências, tento tornar o tema mais leve, celebrar a positividade, certificar-me que minhas criticas à nossa cultura não sejam confundidas como sendo anti-beleza, anti-boa forma, ou anti-sexo. Mas também sei que quando professores e pais se deixam investir por essa cultura, as crianças são abandonadas à sua influência, e não lhes digo para amarem seus corpos e desligarem a televisão – uma admoestação inútil nos nossos dias, e uma que eu mesma não posso obedecer. Mas tento provocar uma ruptura, ainda que temporária, na sua imersão diária na cultura. Por apenas uma hora talvez, não vou deixar essa cultura passar como simples expressão da “normalidade”.

As luzes se apagam, as cortinas sobem. Muito maiores do que elas parecem nas revistas, mas também, estranhamente, reduzidas em tamanho. Por apenas um momento, nós confrontamos o quão bizarras, o quão contraditórias as imagens são. Rimos juntas da cabeça de Oprah digitalmente enxertada no corpo de outra mulher, do anúncio de próteses mamárias, cujos bicos apontam direto para cima. Respiramos juntas, profundamente, diante das fotos de Jennifer Lopez, antes e depois, colocadas lado-a-lado. Nós vibramos com os ombros de Marion Jones, e vaiamos porque a Barbie WNBA é somente a mesma Barbie, só que com uma bola de basquete nas mãos. Por apenas um momento, nós assumimos o controle sobre o impacto que as imagens falsas de corpos “perfeitos” tem sobre nós. Nós as olhamos juntas e dividimos – apenas por um momento – a raiva.

 

AGRADECIMENTOS

Estou particularmente em débito com minha irmã, Binnie Klein, que colaborou comigo na pesquisa e na tempestade de idéias para Size Fourteen, um livro que ainda temos que escrever, mas que deu muita informação para esse prefácio. Binnie também providenciou comentários detalhados de muitos rascunhos, assim como Althea Webb e Leslie Heywood; suas sugestões, insights , e apoio foram de grande valor. Leslie, Binnie, e Althe, e meu marido, Edward Lee, tem sido meus companheiros constantes nesse fascinante, desafiador – e freqüentemente “enfurecedor” – negócio que é tentar compreender e avançar nesta cultura. Agradecimentos também à Ellen Rosenman e Lara Baker Sedlaczek , por sugestões que foram de grande auxilio, à Lara por sua fabulosa assistência em catalogar trabalhos internacionais e outros materiais de pesquisa, à Virginia Blum, pelas conversas sobre cirurgia cosmética que começaram há muitos anos e que persistem até hoje, à faculdade e alunos do Babson College, da Indiana University, da Vanderbilt University, Moorehead State College, College of Saint Rose, University of Kentucky, e da Emma Willard School, pelas discussões depois da minha palestra “Beleza 2002: Uma Jornada Ilustrada através das Inovações, Esquisitices, e Obsessões de Nossa Cultura”.
É extremamente difícil para nós em faculdades pequenas, encontrar em nossos pesados horários de aula, tempo para escrever. Eu sou duplamente afortunada e privilegiada por ter recebido esse tempo, na forma de mais do que generosos apoios institucionais, das mais variadas fontes. Duas bolsas de residência, uma para passar o semestre de primavera de 1985 dando seminário na Alison Jaggar’s Laurie em Doug Lass College e a segunda em 1987-88 no Centro de Pesquisas sobre as Mulheres da Duke University/University of North Carolina, que forneceram, não somente o tempo para pensar e escrever, mas um maravilhoso ambiente intelectual que estimulou o processo. Uma bolsa do American Council of Learned Societies/Fundação Ford, ganha no mesmo período da Rockefeller, tornou possível continuar trabalhando no mesmo projeto no ano seguinte, quando me concederam generosamente uma licença sabática adiantada no Le Moyne College. É ao Le Moyne que eu estou em maior débito – por várias concessões de pesquisa na faculdade e reduções de cursos no passado, pela abertura, diversidade, e pelo ambiente intelectual entusiasmado que me foi fornecido, e pela coragem de nomear uma acadêmica feminista para a sua primeira cadeira estabelecida por doação, a cátedra Joseph C. Georg. Da minha perspectiva, o prêmio não poderia ter sido concedido em melhor hora; anunciado em 1991 quando eu estava entrando no estágio final de trabalho nesse livro, fornecendo-me o tempo necessário para revisões, os recursos financeiros para o manuscrito e ilustrações, e o impulso de encorajamento de me ver atravessando o ponto crucial do que tem sido um projeto pesado e angustiante – mesmo que absorvente e gratificante.


notas:

Agradecimentos: Agradecemos à autora pela permissão de publicar No Império das Imagens: prefácio para a décima ediçaõ de Unbearable Weight, 2003 , como um artigo nesta revista, assim como aos Regents da University of California

1 O título da versão original é Unbearable Weight 2 PBS Frontline mostra “Gorda” Discussão online: http://pbs.org/ bh/pages/frontline/shows/fat/etc/press.html.
3 Norimitsu Onishi, “A Globalização da Beleza torna a Magreza uma Moda,” New York Times, Oct. 3, 2002 (http://www.nytimes.com/2oo2/1o/o3/ international/africa/03NIGE.html). Para maiores informações sobre a difusão das desordens alimentares e de imagem corporal na África, ver Suzan Chala, “Morrendo para ficar Magra,” The Teacher (http://www.teacher.co.za/cms/article_2002_o4_29_o257.htm1); Mark Stuart Ellison, “Anorexia e as Mulheres de Cor,” Suiteioi.com (http://www.suite1o1.com/artic1e.cfm/anorexia/45443); “O Crescimento das Desordens Alimentares entre as Mulheres Zulu,” BBC News, Nov. 4, 2002 (http://news.bbc.co.uk/2/ tow/africa/2381161.stm); “Encontrando a Anorexia na África Rural,” BBC News, July 5, 2000 (http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/81872.
4 Brenda Lane Richardson and Elane Rehr, in Ways to Help Your Daughter Tove Her Body (New York: Harper and Row, 2001), p. xx.
5 Para maiores informações sobre a difusão das desordens alimentares e de imagem corporal entre imigrantes, ver Emily Wax, “Immigrant Girls Suffer from Anorexia,” Washington Post, Mar. 12, 2000 (http://www.detnews.com/woo/nation/ooo3/ 12/A1 .htm); ‘Immigrant Girls Are Starving to Be American,” Tulsa World, Sept. i6, 2002; “Immigrant Women and Eating Disorders,” Contours of Ana web site (http://www.cotoursofana.com/r4.asp). Esta página fornece muitas informações sobre desordens alimentares entre os mais diferentes grupos raciais e étnicos, assim como convincentes e esclarecedoras experiências pessoais.
6 Reportagem de Elizabeth Rosenthal, no “Beijing Journal: China’s Chic Waistline: Convex to Concave,” New York Times, Dec. 9, 1999. Para maiores informações sobre desordens alimentares e de imagem corporal entre asiáticos e asiático-americanos, verEunice Park, “Starving in Silence,” Asian Week, June 15—21, 2000; “Anorexia, Bulimia Rates Have Soared in Japan,” Reuters Health, Sept. 25, 2001; “Asian Women and Eating Disorders,” Contours of Ana website (http:// www.co1oursofana.com/r2.asp Ellen Kim, “Asian Americans and Eating Disorders: A Silent Struggle,” Seattle Post-Intelligencer, Jan. 28, 2003; Sing Lee, Y. Y. Lydia Chan, and L. K. George Hsu, “The Intermediate-Term Out come of Chinese Patients with Anorexia Nervosa in Hong Kong,” American Journal of Psychiatry i6o (May 2003): 967—972.

7 Reportagem de Nancy Snyderman, The Girl in the Mirror (New York :Hyperion, 2002), p. 84.
8“Women and Cosmetic Surgery,” Women’s Health Project (http://www.nowfoundation.org/issues/health/whp/whp_facti1html).
9 Richardson and Rehr, 101 Ways, p. 223.
10 Galina Espinoza and Mike Neil, “About Face,” People pie Magazine, Oct. 28, 2002, p. 53.
11 Sarah Brown, “Addicted to Lipo,” Vogue, Oct. 2002, pp. 368, 370.
12 Ver “Braveheart, Babe, and the Contemporary Body,” iii Susan Bordo, Twilight Zones: The Hidden Life of Cultural Images from Plato to 0.J.(Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1997), para a elaboração dessas idéias.
13 Bordo, Twilight Zones, p. 4.
14 Variação da bulimia que consiste em comer grandes quantidades de comida; ou comer com intervalos muito curtos e induzir o vômito.(NT)

15 Do site “The Colours of Ana” (http://www.cotoursofana .com/ss8.asp). Para mais informações sobre ditúrbios alimentares e de imagem corporal em afro-americanas, ver Marian Fitzgibbon and Melinda Stolley, “Minority Women:The Untold Story,” Nova Online, http://www.pbs.org/wgbh/nova/thin min0rities.htm1; Liz Dittrich, “About-Face Facts on Socioeconomic Status, Ethnicity, and the Thin Ideal,” Sobre “Face Online”, http://dev.about.face .org/r/facts/ses.html; Mashadj Mataban, “Invisible Women, Silent Suffering,” Diversity or Division? Race, Class and Amerjca at the Millennium (http: //journalism.nyu.edu/pubzone/race_class/eating.htm); Ruth Striegelmoore et al., “Eating Disorders in White and Black Women,” American Jour nal of Psychiatry i6o (July 2003): 1326-1331.

16 Estudos demonstrando isso incluem pesquisas com havaianas, hispânicas, nativas americanas, judias americanas, indianas, argentinas, mexicanas americanas, nativas do Alasca, e russas, além dos estudos especificamente citados acima com asiáticas e asiáticas americanas, africanas, afro-americanas, populações imigrantes e nativas das ilhas Fiji.
17 Reportagem de Andrea Sattinger, “The Bod Squad,” Teen People, Nov.2002, pp. 108-16.
18 Reportagem de Dan Shaw, “Mirror, Mirror,” New York Times, May 29, 1994, p. 6. Ver Susan Bordo, The Male Body: A New Look at Men in Public and in Private (New York: Farrar, Straus and Giroux, 1999), especialmente “Beauty Re discovers the Male Body,” para extender a discussão sobre essas questões.
19 Harrison Pope, Katharine Phillips, and Roberto Olivardia, The Adonis Complex: The Secret Crisis of Male Body Obsession (New York: The Free Press, 2000), p. 149.
20. Reportagem de Liz Smith, “What Cher Wants,” Good Housekeeping, Nov. 2002, p. 112.
21 Alex Kuczynski, “Frowns Are Victims of Progress in Quest for Wrinkle-Free Look,” New York Times, Feb. , 2002, p. A1
22. lbid., p. A26.
23 O fitness tem recortes de classe, também, é claro. Oprah apresenta cada nova dieta e programa de exercícios que ela abraça como se fossem uma inspiração para os seus fãs. Mas quantos deles têm dinheiro para entrar para uma academia de ginástica, quanto mais contratar um personal trainer? Quantos deles têm mesmo o tempo para ir a uma academia de ginástica? As revistas se engajam no debate sobre dietas ricas em proteínas versus dietas de baixo nível de gordura, como se a “epidemia de obesidade” nacional pudesse ser resolvida pela ciência da nutrição. Mas a proteína de baixo nível de gordura e alta qualidade é cara. Assim como são os vegetais e as frutas frescas, e a menos que você tenha tempo para ir às compras constantemente, são altamente perecíveis. Milhões de americanos vivem da calórica, gordurosa, e rica em carboidratos comida dos fast food porque é a maneira mais barata de alimentar as suas famílias.
24 Para todos aqueles que são atentos, a exposição visual não-intencional foi providenciada quando a Newsweek decidiu “consertar” os dentes tortos de Bobbi McCaughey (mãe dos sétuplos McCaughey) para a sua capa — enquanto a Time negligenciou o fato.
25 Vejam “Braveheart, Babe, and the Contemporary Body,” em Bordo, Twilight Zones, para uma extensiva discussão sobre cirurgia cosmética e outras formas de alteração popular.

26 Ver Leslie Heywood and Shari Dworkin, Built to Win: The Female Athlete as Cultural Icon (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003), para um trabalho definitivo sobre essas questões.
27 Sharon Lamb, The Secret Lives of Girls (New York: The Free press, 2001), p. 42, 43.
28 Citado por Rosalind Wiseman, Queen Bees and Wannabees (New York: Crown, 2002, p. 285).
29 Teen People e Seventeen seguiram o exemplo.
30 Agradeço a Julie Childers por me sugerir essa explicação.
31 As meninas de dezesseis anos pesam em média 60 Kg, e vestem tamanhos entre 40 e 42. Ver Kari Haskell, “Sizing Up Teenagers” New York Times, Out. 13, 2002.
32 Muitas pessoas, claro, não mais consideram a questão “politicamente” problemática. Como tenho uma menina em idade pré-escolar que começa a achar defeito no seu cabelo, eu me preocupo.

Susan Bordo é Professora de Inglês e Women’s Studies e detém a cátedra Otis A. Singletary em Humanidades da Universidade do Kentucky. Ela é autora de quatro livros e editora de duas antologias, e uma das acadêmicas interdisciplinares mais lida e citada nos escritos atuais. Seus artigos têm aparecido em coleções de antropologia, história, sociologia, estudos sobre o consumidor, história da arte, estudos sobre a mídia, estudos sobre as mulheres, estudos sobre a masculinidade, inglês, e filosofia, e são freqüentemente reimpressos em antologias dedicadas ao ensino da escrita (acadêmica). Seu trabalho mais conhecido, Unbearable Weightn : Feminism, Western Culture and the Body, tem influenciado o estudo do corpo em várias disciplinas, tanto nacional quanto internacionalmente. Aclamado como “Livro Notável” em 1993 pelo New York Times e indicado para o Prêmio Pulitzer, ele foi descrito como “brilhante” (Katha Pollitt), uma “obra-prima” (Susan Giffin) e um “clássico dos estudos de gênero” (The New York Times). Os projetos atuais de Bordo são um estudo sobre imagem do corpo e raça e um estudo em forma de livro sobre a infância das meninas. Sua paixão como escritora é trazer as complexidades da crítica cultural para um público amplo e mais geral.

Labrys
estudos feministas
número 4
agosto /dezembro 2003