Labrys
Susan Bordo
Tradução : Valéria Fernandes da Silva Revisão : Marie-France Dépêche Resumo:
Nas notícias de domingo. Com nosso café da manhã. No ônibus, no aeroporto, na fila de checkout. Partilhando nosso dia de folga do trabalho, do colégio, numa cumplicidade ilícita e deliciosa, embaixo do cobertor. Ou em companhia da doméstica, que observa de soslaio enquanto dobramos a roupa lavada, diante da TV. Pode ser o vício de assistir às promessas cintilantes dos info-comerciais das 5 da manhã: as mais modernas pílulas para dissolver gordura, o milagre da restauração capilar, os segredos de maquiagem das estrelas. Ou uma paquera, enquanto se espera no dentista, tentativa de distração diante de um iminente tratamento de canal. Ou ainda, uma tentação brilhante e apetitosa, uma ostentação deliberada, uma intenção do tipo “não-posso-esperar-a-volta-para-casar-com-você”. Uma revista para adolescentes: dicas de como se vestir, como arrumar o cabelo, como fazer com que ele queira você. Um filme assistido no cinema, a sala escura cheia de magia e a tela imensa. Os infindáveis comerciais e propagandas, nos quais acreditamos não estar prestando atenção. Constantes, em todo lugar, mas nada com que se preocupar! Como a água no aquário do peixinho dourado, que não é percebida por ninguém.. Ou até notada, mas logo esquecida: “Eye Candy” – uma despreocupada indulgência . Elas são engolidas com tanta facilidade, entram e saem, são digeridas e esquecidas. Dificilmente capazes de ainda provocar nossa indignação. Apenas imagens.
“Ninguém fica doente por olhar uma imagem”:
A jovem se posta diante do espelho. Para começar, ela não é nada gorda, mas está fazendo uma dieta sem gordura há duas semanas e atingiu o seu objetivo: peso, 58 Kg, distribuídos em 1,62 m de altura – exatamente o que deve pesar de acordo com os gráficos do seu médico. Mas, caramba, ela ainda parece rechonchuda. Ela não pode tirar da cabeça o vídeo “Lady Marmalade” do filme Moulin Rouge. Christina Aguilera, Pink, L’it Kim, e Mya, cada uma perfeita à sua maneira: cada curva suave e esculpida, magra e sexy, nada para se jogar fora. Raiva e vergonha de si mesma começam a queimar dentro da garota, e além de outras coisas. Ao longo do vídeo, os corpos das cantoras são como ímãs para seus olhos; ela sente que está apaixonada por elas. Mas as lágrimas de inveja rolando sobre seu estomago são o suficiente para deixá-la doente. Ela nunca vai se parecer com elas, não importa quanto peso ela perca. Olha para os estômagos das estrelas, vê como são achatados ? Aquelas coxas – como elas se movimentam. Seu traseiro. a ela, é monstruoso. Ela é gorda, imensa, uma grande massa. Frontline perguntou para Alexandra Shulman, editora
da Vogue britânica, se a indústria da moda se sente culpada
por criar imagens impossíveis de serem atingidas, quando as jovens
garotas comparem-nas às suas próprias medidas. Shulman deu
de ombros. “Não, na realidade, foram poucas as pessoas que
me disseram que olharam para as minhas revistas e decidiram se tornar
anoréxicas.” 2 Será
possível que Shulman realmente acredita nisso? Durante anos, a Nigéria mandou a sua versão local de beleza para o concurso de Miss Universo. As competidoras tiveram desempenhos muito fracos. Um astucioso empresário foi contra os ideais locais e inscreveu Agbani Darego, leve e magra, uma beldade em “pele-e-osso”. (Ele tirou a sua inspiração da M-Nel, uma rede de comunicação da África do Sul que é assistida através da África via satélite, e transmite principalmente filmes americanos e shows televisivos.) Agbani Darego ganhou o Miss Universo, a primeira negra africana a conseguir tal feito. Agora, as meninas nigerianas jejuam e se exercitam, tentando se tornar “lepa” – uma gíria popular para a “coisa” magra que as meninas perseguem furiosamente. Uma delas disse: “As pessoas compreenderam que ser magra é bonito.”. 3 Brenda Richardson e Elane Rehr, autoras do livro 101 Formas de Ajudar sua Filha a Amar o Próprio Corpo, conta a história de uma imigrante recém chegada, Sasha, trinta e dois anos, e sua irmã de catorze anos. Sasha, que imediatamente perdeu vinte libras, começou a sentir desgosto pelos braços e coxas de sua irmã mais jovem. “Minha irmãzinha tem braços e coxas gordas envoltas de celulite.”, contou para Richardson, e reclamou que sua mãe estava vestindo a moça com roupas de mangas curtas. Quando sua mãe fez isso, Sasha tentou impedi-la, dizendo para a irmã que ela deveria “cobrir a sua gordura”. 4 Alugue um filme russo feito antes que as portas se escancarassem
para a cultura americana; olhe para os braços das atrizes. Vocês
verão o quão extraordinária – e esclarecedora
– esta pequena anedota parece. 5 Na China, por exemplo, onde os ideais revolucionários condenavam qualquer ênfase na aparência e aconteceram muitas e terríveis crises de fome, “gordinha” era um termo carinhoso usado com as crianças. Agora, com os fast food em toda esquina, a obesidade infantil está em crescimento, e o significado cultural de gordo e magro mudou. “Quando eu era jovem,” diz Li Xiaojing, gerente de uma academia de ginástica em Beijing, “as pessoas admiravam e mesmo invejavam as pessoas gordas porque acreditavam que elas tinham uma vida melhor... Mas agora, a maioria de nós ao ver uma pessoa gorda, pensa :‘Ele parece monstruoso’”. 6 Por causa da sua localização remota, as Ilhas Fiji não tinham acesso à televisão até 1995, quando uma única estação foi instalada. Ela exibe programas feitos nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Austrália. Até essa época, não havia registro de casos de desordens alimentares em Fiji, e um estudo conduzido pela antropóloga Anne Becker havia mostrado que, independente do quão gordas fossem, as mulheres e meninas de Fiji sentiam-se confortáveis em relação aos seus corpos. Em 1998, apenas três anos depois que a emissora de TV havia iniciado suas transmissões, 11 % das meninas vomitavam para controlar o peso, e 62 % das meninas, participantes da pesquisa, relataram que tinham feito algum tipo de dieta durante os meses anteriores. Becker se surpreendeu com a mudança; ela pensava que as tradições culturais de Fiji, que celebravam o comer bem e os corpos fartos, iriam “resistir” à influência das imagens da mídia. A sua explicação para a vulnerabilidade da população de Fiji? Ela não era suficientemente sofisticada para reconhecer que as imagens de televisão não eram “reais”. 7 “Realidade” no Império das Imagens Será que somos sofisticados o bastante para reconhecer
que as imagens não são “reais”? E isso importa? Muitos homens jovens não se excitam diante de seios que não se adequam aos padrões de tamanho e firmeza de Hollywood. Eles se importam se esses seios de pin up não são “reais”? Não. Nem se importam as mais de 215 mil mulheres que compraram implantes para os seios em 2001. 8 Implante nos seios é um dos procedimentos cirúrgicos mais comuns em adolescentes. 9 Estas meninas não são criaturas superficiais, que se sentiriam insatisfeitas a menos que se parecessem com deusas. Cada vez mais, as meninas que colocam implantes sentem que precisam deles para que se tornem normais, em uma cultura na qual o “normal” está sendo radicalmente redefinido, não somente por imagens mas também por cirurgiões. Anúncio de um cirurgião plástico no Lexington Herald Journal: “Certamente, modelos e apresentadoras têm seios aumentados, mas a paciente comum é a mulher que você cruza todo dia na rua. Sua vizinha. Sua colega de trabalho. Ela poderia ser você.” Em Unbearable Weight, eu descrevi o corpo pós-moderno, cada vez mais alimentado por fantasias de reorganização, transformação e correção, melhoramentos e mudanças ilimitadas, desafiando a historicidade, a mortalidade, e, sem dúvida, a própria materialidade do corpo. No lugar da materialidade, agora nós temos o plástico cultural.”. Quando escrevi estas palavras, as mais recentes estatísticas de 1989, listavam 681 mil procedimentos cirúrgicos efetuados. Em 2001, foram 8,5 milhões. 10 Elas são mais baratas do que nunca, mais seguras do que nunca, e cada vez mais usadas, não para corrigir grandes defeitos, mas para “definir os contornos” da face e do corpo. Cirurgiões plásticos parecem não ter nenhum problema ético com isso. “Eu não estou aqui para bancar o rei filósofo,” diz o Dr. Randal Haworth em uma entrevista para a Vogue; “Eu não tenho nenhum problema em atender mulheres que tem uma boa aparência mas querem parecer perfeitas.” 11 Perfeito. Quando a “perfeição” se aplicou ao corpo humano? A palavra sugere a forma platônica de beleza eterna – apropriada para o mármore, talvez, mas não para a carne viva. Nós mudamos, envelhecemos, morremos. Aprender a lidar com isso faz parte do desafio – e riqueza – existencial da vida dos mortais. Mas hoje, aqueles que podem se permitir fazer isso trocaram a desordem e fragilidade da vida, a vulnerabilidade da intimidade, o conforto das relações humanas, por fantasias de ilimitada auto-realização, “triunfando” sobre todo empecilho que cruze seu caminho, “disputando o ouro”. Os gregos chamavam isso de hubris, orgulho desmedido. Nós chamamos isso de “direito” de ser tudo o que pudermos ser. 12 O que Haworth não está dizendo, também, é que o limite daquilo que é considerado “perfeição” é constantemente extendido – pela imagética cultural, pela recomendação dos cirurgiões, e pelos olhos acostumados a considerar qualquer desvio como “defeito” Ann, uma paciente em potencial, descrita no mesmo artigo da Vogue, tem um corpo harmonioso com 50 Kg mas é obcecada por aquilo que chama bolsas de gordura na parte interna de suas coxas. “Não importa o quão magra eu fique, elas ficam menores mas nunca desaparecem.” Ela reclama. Não é esperado que Ann, a quem Haworth considera uma perfeita candidata à lipoaspiração, pare por aí. “A cirurgia plástica torna sua visão mais aguda,” admite o mais honesto dos cirurgiões, “Você termina de fazer uma coisa, de repente você está olhando no espelho a cada cinco minutos – à procura de imperfeições que ninguém mais pode ver.” 13 De onde Ann tirou a idéia de que qualquer vestígio de gordura deve ser banido do seu corpo?Muito provavelmente, não foi ao se comparar a outras mulheres reais, mas aos torsos gerados por computador – para anúncios de cremes anti-celulite e outros do gênero – com quadris e coxas e nádegas tão macias e tão gentilmente convidativas quanto dunas de areia. Nenhuma pessoa real tem um corpo como esse. Mas isso não importa – porque nossas expectativas, nossos desejos, nossos julgamentos sobre nossos próprios corpos, estão sendo cada vez mais ditados pelo digital. Quando foi a última vez que você realmente viu uma ruga – ou celulite – ou uma papada – ou um poro ou um vinco – em uma revista ou imagem de vídeo? Dez anos atrás, a revista Harper’s publicou a fatura que a Esquire tinha recebido para retocar uma imagem de capa de Michelle Pfeiffer. A foto estava acompanhada de uma cópia que dizia: “O que Michelle Pfeiffer precisa... é absolutamente nada.” O que somente a foto de Pfeiffer precisou para aparecer nessa capa custou U$1525 com ajuste no queixo, uma limpeza de pele, suavização do pescoço, remoção de linhas de expressão, entre outros ajustes do gênero. Isso naquela época. Agora, em 2003, virtualmente toda imagem de celebridade que você vê – em revistas, vídeos, e, às vezes, mesmo em filmes – foi modificada digitalmente. Praticamente toda imagem. Deixe isso amadurecer. Não permita que sua mente receba tudo passivamente. Confronte os prós e contras, suas implicações. Não é um simples ardil – estas coisas antigas e aborrecidas, que eram divulgadas nos anúncios, desde o início. Trata-se de uma pedagogia de percepção, Como interpretar o seu Corpo 101. Estas imagens estão nos ensinando como ver. Filtradas, atenuadas, polidas, amolecidas, aguçadas, re-arranjadas. E passando. Criações digitais, cyborgs visuais, ensinando- nos quais expectativas devemos ter em relação à carne e aosangue. Treinando nossa percepção sobre o que é defeito e o que é normal. Será que nós somos suficientemente sofisticados para saber que essas imagens não são “reais”? E isto importa? Não existe advertência nos anúncios: “Cuidado: Este corpo foi gerado por computador. Não espere que suas coxas tenham essa aparência.” Importaria para Ann se houvesse um aviso? Quem se importa com realidade, quando a beleza, o amor, a aceitação estão acenando? Será que sofisticação tem alguma coisa a ver com isso? Uma Triste Confirmação
O vício em exercícios físicos raramente
é listado entre os fatores indicativos de distúrbios alimentares,
mas tem se tornado a escolha para o controle de peso da geração
das seguidoras de Jennifer Lopez com suas nádegas redondas e firmes,
ao invés do modelo da clavícula esquelética de Kate
Moss. Mesmo se uma adolescente parece saudável e ter bom preparo
físico, isso não significa que ela não está
vivendo uma vida, metafórica e literalmente, de rotina ingrata
da qual ela não ousa se afastar, com medo de que a comida e a gordura
tomem conta do seu corpo. Treinados dentro de um modelo médico que busca as causas de desordem em patologias individuais e familiares, eles ainda não compreenderam o quão poderosas, onipresentes e invasoras, as demandas da cultura são para nossas almas e corpos. A questão familiar é importante, claro, da mesma forma que a racial e as tradições étnicas. Mas famílias existem em tempo e espaço culturais – tal como os grupos raciais. Assim, ninguém vive em uma bolha de “disfunção” auto-gerada ou de permanente imunidade – principalmente hoje, quando a cultura midiática de massas é responsável por uma “educação pública” dominante na vida de nossas crianças. O “perfil” das meninas, com problemas alimentares, é dinâmico e não estático; heterogêneo, não uniforme. Os terapeutas, hoje, falam sobre o tratamento de filhas anoréxicas de anoréxicas, e começam a compreender o papel desempenhado pelos pais, não apenas em serem excessivamente controladores ou exigentes em relação às suas crianças, mas como modeladores da obediência às normas culturais. E a velha generalização sobre raça e “aceitação da obesidade”, mesmo que válida para gerações mais velhas de Afro-americanas, começa a ser inadequada para descrever as complexas e por vezes conflituosas atitudes das jovens, muitas delas cientes dos valores tradicionais, mas sentindo constantemente a influência das demandas contemporâneas. Enquanto me encontrava trabalhando em Unbearable Weight, entrei em contato com organizações que se dedicavam às questões de saúde ligadas às mulheres negras, pedindo estatísticas e anedotas clínicas, e disseram- me: “Isso é coisa de garotas brancas. As mulheres Afro-americanas sentem-se confortáveis com os seus corpos.”. Para Tenisha Witliamson, de vinte e poucos anos, que sofre de anorexia, estas noções são quase tão opressivas quanto o seu problema de desordem alimentar: “Do ponto de vista de uma Afro-americana” ela escreve “nós, como povo, somos estimulados/as a ‘abraçar nossos corpos fartos e voluptuosos’. Isto faz com que eu me sinta terrível porque não desejo um corpo farto e voluptuoso! Eu nunca sequer quis ser gorda – nunca, e eu nunca desejei ganhar peso. Eu preferiria morrer de inanição do que ganhar uma simples grama. Isso me faz sentir o Judas proverbial da minha raça... e absurdamente fútil.” . 15 Na verdade, as garotas brancas que sofrem de inanição são apenas a vanguarda, os canários dos mineiros, que são usados para mostrar que o ar está se tornando venenoso para todos. Posso constatar este fato nas revistas, nos vídeos e nos trabalhos de meus alunos. Percebo isso, quando escrevo em “Material Girl” sobre as transformações sofridas por Madonna e outras artistas de ascendência italiana, judia, ou afro-americana que, no início das suas carreiras, pareciam representar a resistência à onda das famélicas mas que não conseguiram manter a firmeza contra o que, de fato, começou a tomar conta delas como um tsunami, uma imensa onda cultural de obsessão para se obter um corpo disciplinado e normalizado. Isso começou a ser um argumento central de Unbearable Weight: desordens alimentares, analisadas como uma formação social ao invés de patologia pessoal, representam a “cristalização” de algumas tendências particulares, algumas históricas, outras contemporâneas, dentro da cultura ocidental. As religião e cultura ocidentais, só para começar, têm uma longa história de ansiedade em relação ao corpo, como uma fonte de fome, necessidades, e vulnerabilidades físicas, sempre prontas a fugir do controle. Manter, porém, uma zona de conforto em relação às necessidades do corpo é especialmente difícil em nossa própria época. A cultura de consumo nos incita continuamente a “deixar rolar”, a sermos indulgentes com nossos desejos – por açúcar, gordura, sexo, e toda sorte de entretenimento despreocupado. Mas ao mesmo tempo, as florescentes indústrias, centradas em dieta, exercício, e no aprimoramento corporal, glamorizam a autodisciplina e codificam a gordura como símbolo da preguiça e falta de vontade própria. É árduo encontrar um espaço de moderação e estabilidade em tudo isso, é fácil cair em desordem. Para meninas e mulheres, as tensões do consumismo capitalista são ainda encobertas pelas contradições de ser do sexo feminino em nosso tempo. Essas contradições, argumentei, estão sucintamente corporificadas no ideal de magreza. De um lado, o corpo magro representa uma rejeição do ideal de beleza rechonchuda, de feminilidade reprodutiva, dos anos 1950 e uma asserção pós-feminista, de uma identidade avessa ao ambiente doméstico. Por outro lado, o encolhimento constante do espaço permitiu que o corpo feminino manifestasse o desconforto com um maior poder e presença das mulheres. Uma das mais difíceis mudanças que encarei, ao apresentar essas idéias em conferências e palestras públicas, foi conseguir que profissionais, da área médica e acadêmica, encarassem com seriedade a questão da imagética cultural. Muitos clínicos, não habituados a perceber as imagens como algo além de “pura moda”, viam a interpretação cultural como algo que minimizava a gravidade das desordens alimentares. Eu insistia – um argumento que desenvolvi explicitamente em um livro posterior, Twilight Zone – que imagens de magreza-elegância nunca são “somente imagens”, como as revistas de moda continuamente sustentam (sem nenhuma honestidade) em sua própria defesa. Os corpos são engenhosamente arrumados nos anúncios
e vídeos, na moda que dissemina poderosas lições
em como ver (e avaliar) os corpos, oferecendo também fantasias
de segurança, autocontrole, aceitação, e imunidade
à dor e ferimentos. Indicam para as jovens, não apenas como
ser bonitas, mas como se tornar aquilo que a cultura dominante admira,
como ser cool e se dar bem com os outros. Para garotas que sofreram abuso,
discorrem sobre como transcender ou proteger a tão vulnerável
carne feminina. Para grupos raciais ou étnicos, cujos corpos tem
sido marcados como diferentes , mundanos, e primitivos, ou considerados
pouco atraentes para os padrões anglo-saxões, podem apresentar
a sedução da assimilação, a possibilidade
(metaforicamente falando) do “ branqueamento”. Hoje, disso as evidências são indiscutíveis. Não há como negar que ainda existem diferenças raciais nas atitudes em relação à alimentação, o fazer dieta, e a estética corporal. Mas ainda mais dramáticas são as diferenças entre gerações, que mostram que o “conforto em relação ao corpo” está rapidamente se tornando uma relíquia de outra época, independente da raça ou nacionalidade. 16 A mitologia persiste, é claro; ela é um grande ingrediente dentro de um certo tipo de orgulho étnico. Assim, Jennifer Lopez e Beyoncé Knowles insistem que são felizes com os seus corpos, gabando-se de suas nádegas volumosas. “Nós, irmãs, somos muito bem acolchoadas lá atrás” diz Beyoncé “Sendo “bem dotada” você está confortável com o seu corpo”. Mas nádegas sensuais, aparentemente, só são interessantes se forem duras e empinadas, e se outras partes do corpo estiverem bem firmes, no devido lugar. Beyoncé está confortável com o seu corpo porque malha constantemente. Quando está em turnê, ela faz pelo menos quinhentas abdominais todas as noites, e Jennifer (“Uma das pessoas mais determinadas que eu já vi.” De acordo com o seu personal trainer) faz noventa minutos de exercícios pesados “pelo menos” quatro vezes por semana. 17 Seu realmente voluptuoso corpo de “Selena” pertence a um passado distante. J. Lo e Beyoncé só aparecem como “modelo de boa forma” se Lara Flynn Boyle for o seu parâmetro. E por fim, existem os homens e os moços que por muito tempo pareceram tão imunes. Se alguma vez houve confirmação de que alimentação e problemas com imagem corporal são produtos da cultura, eles são a prova. As mulheres, os estudos sempre apontaram, são cronicamente insatisfeitas consigo mesmas. Mas, dez anos atrás, os homens tendiam, se muito, a se verem com melhor aparência (talvez) do que realmente tinham. Os homens heterossexuais tinham orgulho das suas barrigas de cerveja. “Pareço me importar?” este era o jeito masculino de ser. “Body-sculpting”? Sexualmente muito suspeito. Fazer dieta? O homem branco, heterossexual médio não seria encontrado numa reunião dos Vigilantes do Peso. O “one” em “Pepsi One” foi criado para vender uma bebida dietética para homens, sem que assim fosse nomeada. E assim, como notei na revista “The Male Body”, a indústria das dietas, os fabricantes de cosméticos e os cirurgiões plásticos “descobriram” o corpo masculino. Com tanto dinheiro que poderia ser ganho, por que demoraram tanto? Fabricantes e anunciantes temiam que o medo de serem vistos como gays fosse afastar os homens heterossexuais de mostrarem um interesse tão óbvio por seus corpos. Afro-americanos, como a estrela do atletismo Michael Jordan e o cantor de hip-hop Puff Daddy (Sean P. Diddy) Combs fizeram muito para mudar esta situação. Eles tornaram jóias, alta costura, e outras coisas espalhafatosas “coisa de macho”. Mas o designer Calvin Klein rompeu a maior barreira. Ele trouxe o sinuoso, o esculpido corpo masculino para fora do armário, e fez com que todos, gays e heteros, homens e mulheres, sucumbissem diante da sua clássica beleza masculina. Lembro-me da primeira vez em que vi uma das suas propagandas de roupa de baixo. Nada de homem famélico, o corpo masculino projetava força, solidez. Mas a musculatura finamente esculpida do seu peito não era tão hipertrofiada a ponto de sugerir uma sexualidade imobilizada – como a de Schwazenegger, digamos – pela estrutura pesada do corpo. Ele não encarava o público de uma forma ameaçadora, beligerante (“Yeah, isto é uma roupa de baixo e eu estou seminu. Mas eu ainda sou aquele que está em comando aqui. Quem vai querer me encarar primeiro?”) . Não, este modelo tinha uma postura lânguida, olhos baixos, mas não fechados, oferecendo-se sem nenhuma agressividade ao olhar do outro. Banqueteie-se; eu estou aqui para ser olhado. Hoje, os homens não pensam mais que o cuidado pessoal ou admirar a forma como uma pessoa se veste, o seu corpo, a beleza nos olhos do outro sejam coisas femininas. Mas, deleitar-se com um olhar de admiração, como os homens estão descobrindo, exige que se mantenha o corpo em forma. Esta é uma cultura de consumo, antes de tudo. Nela, você nunca pode ter demais de uma coisa boa. Ela incentiva nossa capacidade para o excesso e quer que nunca possamos parar. Hoje, o corpo masculino atlético e musculoso, que Calvin Klein primeiro colocou em todos os prédios, revistas, e estações de metrô, tornou- se uma necessidade estética, tanto para heteros quanto para gays. “Sem peito, sem sexo,” é como David Barton, dono da academia da moda, faz a sua propaganda: “Meu lema não é ‘seja saudável’; é ‘Pareça melhor sem roupa,’” diz Barton. 18 E agora, os homens jovens estão se olhando no espelho, achando- se flácidos e mal definidos, não importa o quão musculosos sejam. Estão desenvolvendo os distúrbios alimentares e de imagem corporal, que antes somente as garotas tinham. Estão abusando também dos esteróides, comparando sua própria musculatura com as imagens perfeitas e cobertas de óleo de atletas profissionais, praticantes de musculação, e modelos da “Men’s Health” (Saúde masculina). Agora, a indústria de melhoria corporal – cirurgias plásticas, fabricantes de cremas anti-rugas, spas e salões de beleza – estão ganhando muito dinheiro às custas dos homens também. Já que meninos e homens estão desenvolvendo problemas de imagem corporal, os argumentos culturais feministas – antes não reconhecidos – parecem que finalmente venceram. Psicólogos estão produzindo imagens que mostram o crescente aumento das proporções musculares de brinquedos como G.I. Joe, ilustrando seus estudos com fotos de dupla página /de centro de revista de “esteróides”, e alertando os leitores que mesmo o “mais bem ajustado homem” está correndo perigo. Dizem os autores do livro “The Complex of Adonis” (todos profissionais da área médica) : “Os homens poderiam se livrar de muito sofrimento se pudessem se liberar dos ideais irreais que a sociedade criou sobre como deve ser a sua aparência.” 19 Concordo, é claro. Mas eu não posso deixar de pensar em toda a culpa e vergonha que meninas, mulheres e suas famílias sofreram, porque nossas desordens do corpo foram banalizadas e patologizadas no decorrer dos anos. É a hora de deixarmos claro que meninas e mulheres “bem ajustadas” estão correndo perigo também. Que nenhum grupo racial ou étnico é invulnerável. Que a insegurança em relação ao corpo pode ser exportada, importada, e vendida através do globo terrestre – como qualquer outra mercadoria rentável. Envelhecendo no Império das Imagens Eles me devoravam com os olhos até os meus trinta e cinco anos. Mesmo quando eu já estava com quarenta e cinco, as pessoas ainda ficavam chocadas ao ouvir a minha idade. Homens mais jovens flertavam comigo quando eu já estava com cinqüenta. Tendo odiado o meu rosto enquanto criança – cabelo ruivo abundante, sardas, nariz adunco – fiquei surpresa em me sentir satisfeita comigo mesmo na idade adulta. Repentinamente, tudo mudou. As mulheres no balcão da maquiagem não me cumprimentam mais pela minha pele. Os homens não mais me lançam olhares cheios de promessas de diversão. Eu tenho cinqüenta e seis. As revistas me dizem que na minha idade, uma mulher ainda pode ser bela. Mas eles não falam de mim. Falam de Cher, Goldie, Faye, Candace. Mulheres cujas bochechas flácidas desapareceram enquanto envelheciam, cujos olhos se tornaram cada vez menos caídos, lábios se tornaram mais carnudos, as testas mais suaves, no passar dos anos. Eles falam de Susan Sarandon, que parecia mais velha no filme Thelma e Louise de 1991, do que nos filmes que faz agora. “Envelhecer com beleza” antigamente significava exibir a idade com estilo, confiança e vitalidade. Hoje em dia, isso significa, na verdade, não envelhecer. E – como o busto que desafia a gravidade – este comportamento está se tornando uma nova norma corporal. Greta Van Susterin: antiga analista legal da CNN, quarenta e sete anos. Quando ela fez um lifting facial, provocou uma verdadeira escalada de interesse das mulheres comuns. Ela tinha um estilo marcante: nada de papo furado, realismo sem faz de conta. (Durante o julgamento de O.J. Simpson, ela era a única repórter branca na qual os Negros confiavam). Sempre muito bem vestida e penteada, ela não era realmente bela. Ninguém poderia alegar que sua carreira foi construída em cima da sua aparência. Talvez fosse exatamente o contrário. Ela enviava uma mensagem subversiva: cérebro e personalidade ainda fazem a diferença, mesmo na TV. Quando Greta fez o lifting, outra fonte de inspiração e esperança caiu por terra. A história apareceu na capa da People, e as pessoas paravam para assistir o seu programa na Fox , apenas para ver a diferença – que era significativa. Mas pelo menos ela era franca em relação à questão. As beldades nunca admitem que fizeram “plástica”.
Ou se o fazem, são vagas, pouco específicas, minimizando
sua extensão. Cher “Se eu tivesse feito tantas cirurgias
plásticas quanto as pessoas dizem, sobraria uma pessoa totalmente
diferente .” 20 Ok,
então quantas você fez? Os entrevistadores aceitam os silêncios
e as evasivas. Eles até embelezam as mentiras. Quantas entrevistas
que você leu começavam com: “Ela entrou no restaurante
parecendo pelo menos vinte anos mais jovem do que era, fresca e relaxada,
sem nenhum vestígio de maquiagem.” Isto tem frustrado alguns diretores cinematográficos, como Baz Luhrman (que fez Moulin Rouge). “As suas faces não conseguem se mover adequadamente,” Luhrman reclamou. 22 Semana passada eu vi uma placa no salão de beleza onde corto o cabelo “Festa do Botox! Inscreva-se!”. Agora, minha testa de cinqüenta e seis anos será julgada em comparação com a da minha vizinha, não apenas com a de Goldie, Cher ou Faye. Na televisão, um comercial descreve o produto (que na realidade é uma toxina, butolismo diluído) como “botox cosmético”. Nenhuma diferença em relação à máscara ou ao blush, ele apenas é enfiado com uma agulha e deixa sua testa paralisada e insensível. Para adicionar insulto ao ferimento, a retórica do feminismo tem sido utilizada para auxiliar o avanço e justificar as indústrias anti-idade e de alteração corporal. Lifting facial, implantes, lipoaspiração são anunciadas como uma tomada de poder, de controle sobre a própria vida. “Eu estou fazendo isso por mim” – é o mantra dos programas de entrevista. “Desafie a sua idade!” – diz Melanie Griffith pela Revlon. Nós estamos fazendo uma revolução, garotas! Tome a sua injeção e erga sua bandeira ! Eu estou imune? Claro que não. As prateleiras do meu banheiro estão entulhadas com loções anti-idade e poções ridiculamente caras, que constantemente acenam para mim do balcão da Lancôme ou da Dior. Eu quero que minhas linhas, bolsas e flacidez desapareçam e da mesma forma agem as mulheres que só tem condições financeiras de comprar os seus alfa-hidróxidos no K-Mart. Existe um limite, entretanto, quanto o que os ácidos de frutas podem fazer. Na medida em que os cirurgiões desenvolvem cada vez mais extensivos e refinados procedimentos para corrigir a gravidade e apagar a história dos rostos das pacientes, a diferença entre as mulheres cosmeticamente alteradas e o resto de nós se torna cada vez maior e mais dramática. “O resto de nós” inclui não somente quem tem resistência ou medo de uma intervenção cirúrgica, mas a maioria das pessoas, que não podem arcar sequer com um plano de saúde básico, quanto mais com um conserto estético – nem mesmo aquele do tipo da K-Mart. Enquanto os rostos das celebridades se tornam cada vez mais surreais, com seus olhos bem abertos, seu sempre brilhante não-envelhecimento, enquanto a Time e a Newsweek (e a Discovery e a Psicologia Hoje) proclamam que agora podemos almejar “permanecermos sempre jovens”, as mulheres pobres tornam-se flácidas, com rugas e perdem seus dentes. 23 Mas no império das imagens, onde mesmo pessoas envolvidas em escândalos da bolsa ou criando sétuplos recebem tratamento dental digital instantâneo para aparecerem na capa das revistas, 24 este é um segredo bem guardado. O testemunho das celebridades, as propagandas, as colunas de beleza, todos participam na ficção de que o tempo, dinheiro, e tecnologias exigidas estão disponíveis a todos. 25
Eis como eu posso estabelecer a idade dos membros da audiência das palestras que eu dou: minha geração (e mais velhas) ainda se referem às “escovas”. Muitas ainda acreditam que “basta apenas desligar a TV”. Elas desdenham, ridicularizam e estão certas da sua própria imunidade ao mundo que estou descrevendo. Ninguém acredita nos anúncios de verdade, acredita? Nós não sabemos, então, que estas são apenas imagens, criadas para vender produtos? Acadêmicas na audiência poderiam apresentar alguma teoria sobre resistência cultural e “agente” cultural. Os homens poderiam insistir que preferem mulheres com “carnes”. Quinze anos atrás, eu me sentia um pouco sem forças quando minha própria geração dizia essas coisas; parecia que elas estavam vivendo em um mundo diferente daquele que eu estava rastreando e que havia pouca esperança de criar meios para superar esse afastamento. Agora, eu simplesmente percebo o olhar de uma pessoa de vinte anos na platéia. Elas sabem. Elas entendem que você pode ser tão cínica quanto quiser em relação às propagandas – e muitos delas são – e ainda assim se sentir incapaz de resistir às suas mensagens. Elas sabem, não importa o que seus pais, professores e clérigos estejam lhes dizendo, que essa história de “beleza interior” é uma grande piada nessa cultura. No seu mundo, existe um tamanho zero, e este é um símbolo de status. As viciadas crônicas em dieta o perseguem desde que tinham oito ou nove anos. A “Epidemia de Desordens Alimentares” é coisa antiga; serem advertidos sobre ela afasta-as imediatamente. O mundo delas é aquele no qual as anoréxicas ousam trocar dietas que levam à inanição pela Internet, participam de jejuns em grupo, oferecem conselhos sobre como esconder a sua “ana” dos membros da família, e compartilham fotos inspiradoras de modelos emaciadas. Mas, anorexia completamente desenvolvida, nunca foi norma entre garotas adolescentes. A epidemia real é entre as meninas com hábitos alimentares aparentemente saudáveis, corpos aparentemente cheios de saúde, que vomitam ou malham exageradamente como forma regular de manter qualquer gordura afastada. Estas garotas não apenas parecem “normais”, mas consideram-se normais. O novo critério entre as adolescentes é: se você consegue se livrar do peso, através de exercícios físicos ao invés de usar laxantes ou purgantes, você não tem nenhum problema. O mundo delas é aquele no qual colegas de dormitório se atiram vorazmente sobre pizzas, mastigando e depois cuspindo fora cada mordida. Elas sofrem de alguma desordem? Claro que não – olhem, elas estão comendo pizza. Gerações educadas no império das imagens são igualmente vulneráveis e experientes. Elas mostram incredulidade quando as revistas anunciam periodicamente (aproximadamente uma vez cada seis meses, a mesma freqüência com que apresentam matérias de capa sobre as “Estrelas que sofrem de Inanição”) que na “nova Hollywood” qualquer pessoa pode ser “sexy tendo qualquer manequim”. Elas são especialistas, connaisseures das imagens; elas prestam total atenção aos quilos que vem e vão – em J. To, em Reese, em Thora, em Christina Aguilera, em Beyoncé. Elas sabem que Kate Winslett – a quem o diretor James Cameron chamava de “Kate Weights-a-lot”(Kate pesada) no set de Titanic – era descrita nos tablóides como um “fardo cada vez mais pesado”, “um balão que não parava de crescer”, “cada vez mais inchada”, “aumentando de peso”, “ganhando medidas” de “sopetão”, “oscilando” em torno de 60 quilos. Sabem que a elegante Courtney Thorne Smith, a amiga/ rival de Calista Flockhart em Ally McBeal, deixou o show porque ela não mais podia suportar a pressão para permanecer tão magra quanto David Kelly queria que ela fosse. Que Miss Elliot e Queen Latifah não fazem dieta por questões de saúde. Rastreio a cultura das meninas mais novas com particular preocupação, porque sou mãe agora. Minha filha de quatro anos de idade é uma atleta excelente, com suprema confiança no seu corpo, que se orgulha de ser capaz de fazer qualquer coisa que os meninos possam fazer – e melhor. Quando vejo meninas sendo diminuídas e molestadas por essa cultura sinto como se fosse mais pessoal para mim agora. Sinto-me grata porque existe toda uma nova geração de mulheres atletas que podem servir de inspiração e suporte para meninas como Cassie. Que nossos ícones não são mais somente delicadas ginastas, mas potentes jogadoras de futebol, softball, e tênis, estrelas de ombros largos a serem seguidas. Mia Hamm, Sarah Walden, Serena Williams, Marion Jones. 26 Durante uma recente visita a uma escola secundária, eu vi como os olhos de uma atleta de catorze anos brilhavam quando falava sobre o que Marion Jones significa para ela. Nesta jovem eu vi minha própria filha, dez anos no futuro, e enchi-me de esperança. Mas então, acidentalmente sintonizo no Maury (Povich) Show, e meu coração se despedaça. O tema do dia era convertendo em “menina outra vez”. Uma a uma, cinco lindas “tomboy” (como Maury as denominou) de doze, treze, e quatorze anos receberam de volta o seu “lado feminino” (Maury de novo) através de uma conversão “fashion” (“moda”). Primeiro as vimos com camisetas esportivas e bonés, insistindo que eram tão fortes como qualquer garoto, que desejavam vestir roupas confortáveis, que estavam cansadas da insistência para que se vestissem como garotas. Por que, então, estavam elas ali, para se submeter a uma transformação, e ainda por cima diante das câmeras? Para agradar suas mães. E, de fato, à medida em que cada uma era trazida de volta ao palco, cheias de maquiagem e com uma roupa cheia de glamour, cabelo balançando (e no caso das garotas negras, elas foram alisadas), fazendo as poses vamp cheias de “poder” das supermodelos, suas mães caíam em prantos, como se tivessem recebido a notícia de que suas filhas tinham sido curadas de câncer. As mães estavam tão inundadas de alegria, que não precisavam nada mais; no entanto Maury estava claramente inclinada a completar a conversão: “Vocês sabem o quão bonitas vocês são?” “Olhem como vocês estão lindas!” “Aquele rapaz na platéia – ele está caidinho por você!” “Você vai se vestir assim com mais freqüência?” A maioria das meninas, sem nenhuma surpresa, disse sim. Elas sofreram um ataque frontal; não havia como escapar. Tão cansada como eu estava, este Show de Maury realmente me atingiu. Almejavaa tomar cada uma daquelas meninas nos braços e tirá-las de lá. Claro que o que eu realmente temia era não ser capaz de defender Cassie desse tipo de ataque. E isso já está acontecendo. Eu assisto os programas infantis da TV com ela e raramente consigo achar algum defeito num mundo neutro em relação aos gêneros, que eles retratam. Nós vamos assistir os filmes de Disney e vemos heroínas habilidosas e cheias de energia. Algumas delas, como as meninas havaianas de Lilo e Stitch, até têm pernas grossas e corpos bem sólidos. Mas então, no caminho de volta do cinema, nós paramos no Mac Donald para uma Refeição Feliz – e,apesar do fato de Cassie insistir que ela é um garoto e querer o brinquedo de menino, um super carro de rodas altas – ela recebe uma caixa com uma pequena mini Barbie . O quarto da Barbie ilustra a caixa, e minha filha recebe o desafio de encontrar e unir os pares de sapatos corretos espalhados pelo chão. Mais tarde nesse mesmo dia, eu abri o catálogo da Pottery Barn, folheando-o em busca de idéias para o quarto de Cassie. O quarto, designado para meninos, era pintado em cores primárias, a colcha salpicada de bolas, tacos e luvas de baseball. A legenda dizia: “Eu pratico tantos esportes que é difícil escolher meus favoritos.” Parecia minha filha falando. Na página oposta, o quarto de menina estava representado, como um planetário em cores pastéis. A legenda dizendo: “Eu gosto de estrelas porque elas são brilhantes.” Essa frase também poderia ter sido dita pela minha filha. Mas a Pottery Barns não acredita que uma criança possa habitar os dois mundos. Se os catálogos deles fossem tão segregacionistas e estereotipados em questões de raça como são de gênero, certamente haveria um boicote. Aluguei um vídeo – Jimmy Neutron, o Menino
Gênio – para Cassie. Ele é comercializado como um vídeo
infantil; e está nesta rubrica na Blockbuster. E o filme confirma
isso, na maioria do tempo. Entretanto, temos um vídeo musical,
que se segue ao filme, sem ser precedido por nenhum aviso. É um
grupo, do qual nunca ouvi falar antes, cantando uma música intitulada
“Kids of America”. Duas das meninas têm treze anos.
Duas têm quinze e uma tem dezesseis anos. Eu sei disso porque suas
idades são exibidas na tela na medida em que aparecem. Elas estão
vestidas em roupas sensuais, com corpos fazendo ondulações
profissionais, maquiagens profissionais, olhos sedutores. Em 2002, versões bebê de Britney Spears estavam andando nas ruas na noite de Halloween. Será possível, que hoje achemos bonitinho vestir nossas filhas como pequenas prostitutas? Isto é o que Sharon Lamb, autora do livro “The Secret Lives of Girls”, acha. Ela aconselha as mães para não se preocuparem se suas meninas de nove anos “se dedicarem a jogos adoráveis, de saltos altos, fazendo strip-tease, movimentando o corpo e projetando os seus seios,” para relaxarem se suas filhas de onze anos quiserem sair “com pesadas sombras azuis, camiseta curta de alcinha, as alças do sutiã trançadas, longas pernas finas e vestidos pretos curtos.” Elas são “tolas e adoráveis, sensuais e maravilhosas ao mesmo tempo,” ela diz- nos enquanto elas “celebram a sua objetivação,” “esgotando as fantasias masculinas sem se arriscarem”. 27 Sem se arriscarem? Eu não tenho nada contra se enfeitar. Mas movimentar o corpo é uma coisa; fazer strip-tease é outra. Colocar sombras azuis pesadas no banheiro da mamãe, tudo bem; uma menina de onze anos passando a noite na rua, não o é. Lendo essas palavras “sem se arriscar”, eu gostaria de lembrar a Sharon Lamb que entre 22 e 29 % de todos os estupros de meninas ocorrem quando elas têm onze anos ou menos. 28 Gostaríamos de pensar que estes estupros são obra de loucos desequilibrados, tão desconectados da realidade quanto alheios à cultura ao seu redor. A mídia, divulgando com energia a assim chamada “epidemia de estupros” de meninas, tal qual a do Verão de 2002, ajuda a sustentar o mito e nos ajuda a acreditar que estamos fazendo todo o possível para proteger nossas filhas se simplesmente as ensinarmos a não aceitarem doces nem caronas de estranhos. A realidade é que menininhas correm mais riscos de serem estupradas por amigos e membros da família do que por estranhos, e que pouquíssimos homens, sejam estranhos ou conhecidos, não se deixam afetar pela cultura visual das ninfetas que se exibem diante dos seus olhos, transpirando um conhecimento sexual e uma experiência que pré-adolescentes não tem. As feministas chamavam isso de “cultura do estupro”. Nós não temos mais ouvido essa frase, temos? Esperança e Medo Ainda assim, as forças progressistas não se encontram inteiramente adormecidas, no império das imagens. Penso na revista para adolescente YM , por exemplo. Depois de conduzir uma pesquisa que revelou que 86% de suas leitoras encontrava- se insatisfeita com a aparência do seu corpo, a YM declarou guerra aberta às desordens alimentares e aos problemas de imagem corporal, instituindo uma política editorial contra a publicação de colunas de dietas e deliberadamente buscando modelos do tamanho normal – sem “marcá-las” dessa maneira – para todas as suas matérias de moda. 29 Penso que essa resistência à hegemonia do corpo livre de gordura pode ter alguma coisa a ver com o fato de que os/as editores/as são suficientemente jovens para terem estudado feminismo e estudos culturais, enquanto faziam seu bacharelado em Inglês ou Jornalismo. 30 Muitos destes movimentos progressistas, na mídia, é claro, são conduzidos por interesses de mercado, em lugar de consciência social. Por exemplo, o fato de 49 milhões de mulheres estarem na média do tamanho 40 ou acima é uma motivação clara por trás das novas campanhas de normalização do peso, criadas pela “Just my Size” (Meu tamanho certo) e por Lane Bryant. 31 Estas campanhas exibem orgulhosamente corpos “zaftig”
(gostosos) sem roupa e, diferente das antigas propagandas com mulheres
“acima das medidas”, recusam-se a usar esses termos, insistindo
(com exatidão) que aquilo que tem sido chamado de “acima
das medidas” é, na verdade, o tamanho médio. Esta
é uma grande estratégia para aumentar os lucros (Eu sei
disso, eles ficaram com meus dez dólares), mas também, apesar
de tudo, uma espécie de resistência. “ nunca mais serei
invisível,” estes anúncios proclamam, em nosso benefício.
“Mas não vou permitir que minha visibilidade seja uma aberração
cultural ou uma piada, também, porque eu não o sou. Eu sou
a norma.” Passando os olhos pelas revistas atuais, notando a variedade dos tons de pele, narizes e bocas ali representadas , e sinto-me feliz pois Cassie está crescendo hoje em dia e não nos anos setenta, quando Cheryl Tiegs dominava. É sempre possível, é claro, encontrar coisas que ainda estão “erradas” com essas representações; códigos racistas e estéticos não morrem da noite para o dia. As Jezebéis e geishas ainda estão conosco, e se os modelos masculinos negros e as crianças pequenas podem manter seus cabelos duros e “ naturais”, o alisamento – tão esticado quanto eu jamais imaginei que o cabelo de alguém pudesse ficar – parece ser uma obrigação estética para jovens mulheres negras. 32 É fácil, também, ser cínico. A variedade da moda atual nos é trazida, afinal, pelas mesmas pessoas que nos trouxeram a hegemonia dos cabelos louros e olhos azuis e que transformaram rugas e celulite em doença. É fácil considerar como ethinic chic (“chique étnico”), casos de amor em evidência, ostentando grossos lábios e as crianças bi-raciais como”os fetiches” do mês É difícil, porém, ver nisso tudo um esforço vergonhoso em explorar os nichos étnicos e o turismo da beleza branca. Ter uma criança, entretanto, fez-me perceber as
coisas por uma outra perspectiva, pois tento imaginar como isso tudo parece
aos olhos de minha filha. Cassie não sabe nada a respeito das motivações
das pessoas que produzem imagens. Na idade dela, ela só pode apreender
o seu valor superficial. E como valor superficial, elas apresentam um
mundo que a inclui e celebra, como aquele onde eu cresci jamais me incluiu
ou celebrou. Apesar de toda a minha raiva, cinismo e frustração
com nosso império das imagens, não posso me negar a ser
grata por isso. Algumas vezes, avaliando o mundo digitalizado e de plástico dos corpos, que é a norma agora, convenço-me que nosso atual estado de encantamento é apenas um momento antes da náusea, ou talvez simplesmente do tédio. Vejo uma mulher de vinte e poucos anos, dançando swing em uma festa ao ar livre, seu ventre destacando-se levemente sobre o grosso cinto de couro, em seus jeans de cintura baixa. Nem tensas, nem pesadas, ou habilmente camufladas como se fosse uma deformidade que não devesse ser vista, mas orgulhosamente, sensualmente revelada, lembrando-me Madonna, antes que se tornasse a musculosa dominatrix. Será possível que estamos começando a nos rebelar contra a aparência manufaturada das celebridades, começando a sentir repulsa em relação à sua couraça de “perfeição”? Estes momentos cheios de esperança, devo admitir, são passageiros. Geralmente, eu me sinto horrorizada – e aterrorizada por minha filha. Estou ciente que expressar abertamente o horror, nos dias de hoje, é correr o risco de ser taxada de pregadora moralista, relíquia de um feminismo fora de moda. Em palestras para jovens audiências, tento tornar o tema mais leve, celebrar a positividade, certificar-me que minhas criticas à nossa cultura não sejam confundidas como sendo anti-beleza, anti-boa forma, ou anti-sexo. Mas também sei que quando professores e pais se deixam investir por essa cultura, as crianças são abandonadas à sua influência, e não lhes digo para amarem seus corpos e desligarem a televisão – uma admoestação inútil nos nossos dias, e uma que eu mesma não posso obedecer. Mas tento provocar uma ruptura, ainda que temporária, na sua imersão diária na cultura. Por apenas uma hora talvez, não vou deixar essa cultura passar como simples expressão da “normalidade”. As luzes se apagam, as cortinas sobem. Muito maiores do que elas parecem nas revistas, mas também, estranhamente, reduzidas em tamanho. Por apenas um momento, nós confrontamos o quão bizarras, o quão contraditórias as imagens são. Rimos juntas da cabeça de Oprah digitalmente enxertada no corpo de outra mulher, do anúncio de próteses mamárias, cujos bicos apontam direto para cima. Respiramos juntas, profundamente, diante das fotos de Jennifer Lopez, antes e depois, colocadas lado-a-lado. Nós vibramos com os ombros de Marion Jones, e vaiamos porque a Barbie WNBA é somente a mesma Barbie, só que com uma bola de basquete nas mãos. Por apenas um momento, nós assumimos o controle sobre o impacto que as imagens falsas de corpos “perfeitos” tem sobre nós. Nós as olhamos juntas e dividimos – apenas por um momento – a raiva.
AGRADECIMENTOS Estou particularmente em débito com minha irmã,
Binnie Klein, que colaborou comigo na pesquisa e na tempestade de idéias
para Size Fourteen, um livro que ainda temos que escrever, mas que deu
muita informação para esse prefácio. Binnie também
providenciou comentários detalhados de muitos rascunhos, assim
como Althea Webb e Leslie Heywood; suas sugestões, insights , e
apoio foram de grande valor. Leslie, Binnie, e Althe, e meu marido, Edward
Lee, tem sido meus companheiros constantes nesse fascinante, desafiador
– e freqüentemente “enfurecedor” – negócio
que é tentar compreender e avançar nesta cultura. Agradecimentos
também à Ellen Rosenman e Lara Baker Sedlaczek , por sugestões
que foram de grande auxilio, à Lara por sua fabulosa assistência
em catalogar trabalhos internacionais e outros materiais de pesquisa,
à Virginia Blum, pelas conversas sobre cirurgia cosmética
que começaram há muitos anos e que persistem até
hoje, à faculdade e alunos do Babson College, da Indiana University,
da Vanderbilt University, Moorehead State College, College of Saint Rose,
University of Kentucky, e da Emma Willard School, pelas discussões
depois da minha palestra “Beleza 2002: Uma Jornada Ilustrada através
das Inovações, Esquisitices, e Obsessões de Nossa
Cultura”.
Agradecimentos: Agradecemos à autora pela permissão de publicar No Império das Imagens: prefácio para a décima ediçaõ de Unbearable Weight, 2003 , como um artigo nesta revista, assim como aos Regents da University of California 1
O título da versão original é Unbearable Weight
2
PBS Frontline mostra “Gorda” Discussão online: http://pbs.org/
bh/pages/frontline/shows/fat/etc/press.html. 7 Reportagem
de Nancy Snyderman, The Girl in the Mirror (New York :Hyperion, 2002),
p. 84. 15 Do site “The Colours of Ana” (http://www.cotoursofana .com/ss8.asp). Para mais informações sobre ditúrbios alimentares e de imagem corporal em afro-americanas, ver Marian Fitzgibbon and Melinda Stolley, “Minority Women:The Untold Story,” Nova Online, http://www.pbs.org/wgbh/nova/thin min0rities.htm1; Liz Dittrich, “About-Face Facts on Socioeconomic Status, Ethnicity, and the Thin Ideal,” Sobre “Face Online”, http://dev.about.face .org/r/facts/ses.html; Mashadj Mataban, “Invisible Women, Silent Suffering,” Diversity or Division? Race, Class and Amerjca at the Millennium (http: //journalism.nyu.edu/pubzone/race_class/eating.htm); Ruth Striegelmoore et al., “Eating Disorders in White and Black Women,” American Jour nal of Psychiatry i6o (July 2003): 1326-1331. 16
Estudos demonstrando isso incluem pesquisas com havaianas, hispânicas,
nativas americanas, judias americanas, indianas, argentinas, mexicanas
americanas, nativas do Alasca, e russas, além dos estudos especificamente
citados acima com asiáticas e asiáticas americanas, africanas,
afro-americanas, populações imigrantes e nativas das ilhas
Fiji. 26
Ver Leslie Heywood and Shari Dworkin, Built to Win: The Female Athlete
as Cultural Icon (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003), para
um trabalho definitivo sobre essas questões. Susan Bordo é Professora de Inglês e Women’s Studies e detém a cátedra Otis A. Singletary em Humanidades da Universidade do Kentucky. Ela é autora de quatro livros e editora de duas antologias, e uma das acadêmicas interdisciplinares mais lida e citada nos escritos atuais. Seus artigos têm aparecido em coleções de antropologia, história, sociologia, estudos sobre o consumidor, história da arte, estudos sobre a mídia, estudos sobre as mulheres, estudos sobre a masculinidade, inglês, e filosofia, e são freqüentemente reimpressos em antologias dedicadas ao ensino da escrita (acadêmica). Seu trabalho mais conhecido, Unbearable Weightn : Feminism, Western Culture and the Body, tem influenciado o estudo do corpo em várias disciplinas, tanto nacional quanto internacionalmente. Aclamado como “Livro Notável” em 1993 pelo New York Times e indicado para o Prêmio Pulitzer, ele foi descrito como “brilhante” (Katha Pollitt), uma “obra-prima” (Susan Giffin) e um “clássico dos estudos de gênero” (The New York Times). Os projetos atuais de Bordo são um estudo sobre imagem do corpo e raça e um estudo em forma de livro sobre a infância das meninas. Sua paixão como escritora é trazer as complexidades da crítica cultural para um público amplo e mais geral.
Labrys
|