labrys, estudos feministas, études féministes
agosto / dezembro 2004- août / décembre 2004
número 6

 

QUEBABADO1 É ESSE? CORPO, SEXUALIDADE E LESBIANDADE2 NO GAY PRIDE3

Patrícia Lessa4

Ouço ruídos de passos, vozes, cantos. Que risos são estes, gestos, abraços, beijos que me assombram e perturbam? Que imagens são estas, partindo estereótipos, rompendo silêncios, que invadem meu olhar? Subtraídas do social, amordaçadas pelo estigma e pela invisibilidade, o amor, o erotismo entre mulheres hoje em cores e luzes mostra-se no frêmito da dança, dos sons, do espaço aberto das ruas. O múltiplo das práticas sociais e/ou sexuais, em ações de visibilidade e afirmação desmente a univocidade das relações humanas, quebra os moldes que constroem as diferenças, lembra a historicidade incontornável do humano (tania navarro-swain, junho de 2003)5.

A Parada Gay, também chamada de Parada da Diversidade, Parada Livre e outros nomes que variam de acordo com a região onde se realiza o evento ou de acordo com os grupos que a organizam, representa um  momento onde os movimentos LGBTTs6 promovem atividades políticas e culturais de grande alcance social. O histórico da Parada do Orgulho da cidade de São Paulo repercute uma crescente participação, militantes ou não, que culminou em aproximadamente um milhão de pessoas desfilando pela avenida Paulista ao som dos 21 carros distribuídos ao longo do percurso, de acordo com os organizadores no ano de 2003. Pensando na repercussão do evento, perguntamos: Como as pessoas que se dizem heterossexuais vêem o evento? Porque participam? Como reconhece-los? E, como as pessoas encaram os milhares de gays, lésbicas, travestis que promovem e participam das Paradas? Como identifica-los em meio à tamanha multidão? O que as mulheres fotografadas tem incomum? Seriam todas lesbianas?

Foi pensando nestas questões que no ano de 2002 fotografei mulheres participando das Paradas de São Paulo e de Curitiba, e com as fotos organizei uma exposição realizada de vinte e três de junho a cinco de julho de 2003 na Biblioteca da Universidade de Brasília. Durante a Exposição deixei um caderno para que os/as visitantes pudessem deixar seus nomes, contatos e algum comentário. Os comentários foram muitos e surpreendentes e é justamente sobre eles que o texto irá discutir, pensando na relação das fotos com as discussões feministas sobre corpo, sexualidade e identidade.

O texto foi dividido na discussão sobre corpo e identidade, fazendo referencia as teorias de Judith Butler, prioritariamente, e depois, num momento seguinte à discussão do corpo e sexualidade, pensando como o dispositivo da sexualidade atua na sociedade de forma a repercutir alguns discursos marcadamente de assujeitamento e conformidade ao ‘normal’, ao padrão, ao uniforme. Muitos comentários tiveram respostas por estarem tão marcadamente carregados de estereótipos e preconceitos cristalizados. Nos comentários mais furiosos e preconceituosos não encontramos identificação, enquanto que as respostas às mesmas, foram assinadas. 

O corpo em evidencia nem sempre é um corpo evidente. Sorrisos, poses e gestos são a expressão mais colorida e alegre da diversidade humana, diversidade que nem sempre rima com identidade (Young, s/d), pois nenhum traço nestes corpos pode traduzir exatamente quem são, o que fazem e o motivo para estarem ali naquele momento. Ao trabalharmos com as categorias corpo, sexualidade e identidade estamos pensando-as a partir de pressupostos feministas que questionam a naturalização dos mesmos, e além disso, mostram o caráter construído das mulheres ou das lesbianas e a historicidade dessa construção.

O corpo e a identidade são categorias sempre presentes nos movimentos LGBTTs?  Se o corpo é marcado pelos lugares por onde passamos, pelas pessoas que participam de nossa vida, pelas histórias que vivemos, como podemos fixar uma identidade universal no movimento LGBTT? Onde se encontra o laço entre a subjetividade individual e a coletiva, é o local para encontrarmos este corpo marcado? O corpo é maleável, mutante, transitório, o corpo é histórico. Quando o corpo começa a carregar o fardo da identidade fixa, fixa-se ali uma imagem cristalizada no tempo e no espaço, cria-se uma representação social.

A marca da lésbica como um ser abjeto é tão presente em nossa sociedade que vemos a fúria com que algumas pessoas escreveram seus comentários: “Desgraçadas nojentas vão todas arder no fogo do inferno! Vocês querem aparecer fiquem nuas que é mais fácil. Provem uma pica e vão saber o que é bom”, temos aqui um ‘local de fala’ marcado, apesar da pessoa não ter se identificado, identificamos sua fala como de um religioso, um Evangélico, que em sua fé cega na superioridade do seu caráter acredita que o inferno é reservado àquele lhe é estranho. Ao lado de seu comentário alguém escreveu: crente safado! E logo após algumas mulheres responderam, como por exemplo:

Parábens Patrícia! A exposição está maravilhosa! Que bom que alguém teve tal iniciativa, a universidade precisava! Não ligue para tais comentários absurdos que estão atrás deste. Apesar de sermos universitários muitos ainda têm a mente pequena. Valeu!

. As frases evangélicas sobre o inferno tomaram grande parte das folhas, por isso, chamaram a atenção e foram respondidas por pessoas que se identificaram. 

Para Navarro-Swain (2002) essa é a relação heteronômica, ou seja, quando não se encontra explicação busca ancorá-la no comum, no familiar, e aqui o inferno caí como uma luva, pois está nas bocas e mentes de alguns grupos religiosos. Dentro dessa instituição discursiva ele ainda afirma que a falta do pênis é o problema maior das lesbianas, pois as mesmas não conhecem o que “é bom”. A salvação desse inferno é única: adorai o pênis e estarão salvas, pois é inconcebível uma mulher não priorizar o sexo oposto.

Na seqüência de seu comentário, escreve: Isso é nogento”7. O que é nojento? Mulheres alegres, festivas, ou uma imagem cristalizada do que ele imagina ser uma lésbica? Afinal, muitas foram às mulheres fotografadas, como identificar quem é e quem não é lésbica? Podemos avançar nesse fio de questões e perguntar: E, se nenhuma das mulheres fotografadas for lésbica, continuaria sendo nojenta? Ou é nojenta por estar naquele evento?

Ancorado no que lhe é familiar o comentário preocupa-se em definir as imagens como de pecadoras, de pessoas que recusam o pênis e por isso não estão na ordem do Pai. A discussão da identidade para Braidotti, engessa os indivíduos em representações totalitárias e uniformes. Ao discorrer sobre o/a imigrante, o/a exilado/a e o/a viajante, levanta uma série de questões relativas a identidade cultural:

la identidad cultural, ? puede surgir de uma dinâmica interna? ? o es siempre externa, es decir, surgida por oposición?”.

A autora, então propõe o nomadismo identitário, fugir da cristalização, do lugar comum, daquilo que transformaria aquele grupo num grupo homogêneo, partindo da perspectiva de que é o múltiplo, o plural que abre o ser humano para experiências tão diferentes e tão iguais num mesmo movimento. Cria então, sua imagem do sujeito nômade.

As discussões feministas  sobre a identidade, abordadas por autoras como Braidotti, Butler, Young, procuram mostrar a base ficcional da identidade universal. E, é na própria discussão do que une as mulheres num grupo, de como se chega a constituição do sujeito do feminismo, que a temática ganha relevância. Em Butler temos a questão da oposição que as mulheres têm ao feminismo como sugestão dos limites da política de identidade. Ela dirá que se alguém é uma mulher, esse alguém não é só isso (Butler, 1999, p. 20-21). Em Young a problemática das minorias desloca, a todo o momento, o foco homogêneo do movimento, então as negras, as lésbicas, as latinas, por exemplo, vão mostrar que as opressões de raça, de cor, de sexualidade, são opressões incomuns, mas não a todas as mulheres.  Para Braidotti, existe uma diversidade de figurações e formas das feministas explorarem as formas de subjetividade das mulheres, suas linguagens específicas na produção de representações afirmativas (Braidotti, 2000, p. 28). Ao que já não é mais possível perguntar: que é o sujeito do feminismo? Pois, já não é no singular, mas sim plural, aberto às novas imagens. O fim da origem e da autenticidade é a marca maior da proposta do nomadismo identitário.

Para Rich (Navarro-Swain, 2000), a política de localização deve não tanto enfocar as características generalizantes, mas preocupar-se com especificidades, dar atenção as diferenças entre as mulheres. Nessa política de localização, Navarro-Swain (2002) discute a heterossexualidade compulsória como uma prática discursiva regulatória onde a  relação homem-mulher, em sua construção hierarquizada e fixa, serve de referencia e modelo para imprimir a norma, a regra, como se em outras sociedades e em outros momentos da história essa fosse a única prática sexual conhecida. 

Para Foucault, o Dispositivo da Sexualidade foi instaurado para produzir discursos verdadeiros sobre o sexo. Os efeitos de seu poder sobre o corpo produzem os discursos do verdadeiro homem, da verdadeira mulher, do verdadeiro homossexual, do desviante, das taras e perversões sexuais. Tanto em Foucault quanto em Butler, a sexualidade não pode ser entendida como pré-discursiva, as condições de produção são necessárias no entendimento da construção dos sujeitos em consonância com a construção do cenário onde atuam. Os sujeitos são construídos e se constroem num determinado lócus,  que também não está dado.

Dentre os efeitos do dispositivo da sexualidade está a experiência corporal generizada. Para Butler, o corpo não pode ser visto como uma estrutura passiva onde o gênero se insere. Nesta mesma linha de pensamento, De Lauretis (1994) diz que o sistema sexo/gênero constrói o sexo como pré-discursivo, sistema constantemente atualizado pela mídia, onde não há questionamento sobre o que se acredita ser a evidencia do sexo ou do gênero. Neste sentido as teorias feministas e suas discussões sobre corpo e sexualidade mostram a reificação do sexo, entendido dentro do quadro de pensamento hetero, partindo da relação hetero para explicar e entender as outras formações, dando maior importância ao sexo-penetração.

O sexo torna-se o mais importante, torna-se a pauta do dia desde que encerado nos limites do inteligível, da norma. Por isso, algumas Feministas apontam a heterossexualidade compulsória justamente como sistema que acomoda e hierarquiza as relações de gênero, onde o homem é o modelo para todas as relações, inclusive aquelas na qual ele não está presente, a explicação esta ancorada na sua falta, como o argumento da falta do pênis, da falta de um homem de verdade para por fim as relações lésbicas. Nos comentários que seguem, ambos sem identificação, a preocupação está em salvar a humanidade reacomodando-a nos quadros binários:

Isto é um absurdo contra a sociedade humana. O homem está se comportando como um animal. Deus nos fez perfeitos para experimentarmos o amor com o sexo oposto. Isto é uma afronta a criação e a moral do povo brasileiro

Que vadiajem, para onde vai a moral e os bons costumes???” 

Butler, mostra a historicidade das relações binárias, o sexo torna-se evidente quando encerrado no sistema sexo/gênero. A assimetria nas relações é também histórica. Ou será que todas as sociedades, tempos e culturas imaginaram as mulheres como frágeis e dóceis criaturas? Será que a própria maternidade sempre foi vista como um dom natural que eleva ‘a mulher’ ao estatuto de ‘verdadeira mulher’? Os feminismos irão propor uma mudança radical nestes absolutismos, nesta visão naturalizada de ler o ser humano. Dizendo não ao absolutismo excludente do ‘ou..ou’, e uma abertura para o ‘e’. Por isso é necessário mudar de perspectiva sair do quadro binário, que repete ao infinito o mesmo modelo.

Enquanto a referência é o binário, o par homem-mulher, as questões relacionadas à homossexualidade causam bastante desconforto; quando se fala em lesbiandade isso fica mais claro ainda. As lésbicas estão inseridas no rol das aberrações. ‘A Mulher’, como oposto complementar do homem, tem sentido quando referendada na relação binária (Butler, 1999), por isso Wittig (1980) disse que as lésbicas não são mulheres. É preciso sair do quadro de pensamento binário para pensar as relações lesbianas.

Nos dois comentários seguintes, assinados por homens, o lugar de fala lhes permite recorrer ao fetichismo do ver. ‘A mulher’ cabe o papel de objeto de desejo, enquanto o homem o de portador do olhar. Neste sentido a homossexualidade feminina serve de estimulo para o olhar masculino, e nem aqui numa relação homossexual feminina o homem pode estar fora, ele aparece como expectador ativo de um espetáculo feito para ele .

“Essas fotos me dão tesão”

“Caralho... Porque não me chamaram para uma parada dessas sou louco por lésbicas!!!”

Por isso, os feminismos querem destruir os gêneros, criar os seres em constante criação e recriação de si. Feminismos com fronteiras móveis, sem papéis fixos, mas posições móveis e seu potencial de mudança em constante movimento... O Eccentric subject de Lauretis; a Mimesis de Irigaray, o Nomadismo identitário de Braidotti não pensam na perspectiva de um sujeito puro, mas sim que consegue criticar, questionar o aparato do conhecimento. Conhecimento não um fim em si mesmo mas, abrir ao novo para que as identidades não se fixem como nos comentários furiosos que podemos observar... Afinal o corpo, o sujeito não é sempre o mesmo o tempo todo, o aparato que constrói o corpo não consegue fixa-lo, ora ele é assujeitado, ora consegue fugir. E são nestas linhas de fuga que novas figurações humanas mostram um social com mais cores, sons, luzes, e ao sabor da irreverência dançam a dança da multiplicidade das práticas sócias, que de modo algum pode ser vista como homogênea, uniforme e única. Por isso, fechamos este escrito com dois comentários escritos por mulheres, que se identificaram, estão atentas ao movimento:

“Parabéns pela mostra! Essa é a grande beleza da diversidade! Mulheres com mulheres, homens com homens, mulheres com homens... por que não? ARRASARAM!!!”

“Muito boas as fotos. Visibilizar é preciso! Agora, o mais interessante é olhar as reações das pessoas na exposição”

Imagens:

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REFERÊNCIAS

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BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge, 1999.

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1  Gíria utilizada por gays e lésbicas para designar uma novidade, algo desconhecido.

2  O termo lesbiandade vem sendo adotado pelas organizações sociais de lesbianas em oposição ao termo lesbianismo por sua associação com a concepção de homossexualidade como doença, que vigorou no CID-10 (Código Internacional de Doenças) até a década de 80.

3  Trabalho apresentado à Profª Drª Tânia Navarro-Swain, como requisito parcial para avaliação na disciplina Epistemologia Feminista, realizada no 2º semestre de 2003.  

4  Doutoranda matriculada no programa de pós-graduação em História, na área de concentração em Estudos Feministas e de Gênero/UnB. Sob a orientação da profª Drª Tânia Navarro-Swain realiza pesquisa referente à construção dos corpos lesbianos nos movimentos sociais do Brasil, entre os anos 60 e atualidade.

5  Texto escrito para a abertura da exposição de fotos realizada na Biblioteca da UnB.

6  Sigla utilizada para destacar a participação das lesbianas no movimento gay, designada: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

7  Os comentários foram transcritos tal como aparecem no caderno, ou seja, com os erros gramaticais e problemas semelhantes.

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